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A manipulação do inconsciente coletivo pela publicidade da indústria do tabaco e as consequências danosas à saúde do consumidor

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25/05/2014 às 09:28
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4 CONCLUSÃO

A inação do Estado no sistema capitalista não se coaduna com os princípios basilares doutrinariamente defendidos. Mesmo entre os ideólogos da política da liberdade de mercado se vislumbrava a necessidade de intervenção do Estado para assegurar a preservação de direitos individuais considerados indisponíveis.

A lógica capitalista subjacente à omissão do Estado diante da agressão pelos agentes econômicos da indústria tabagista é perversa e revela sérias distorções que impregnam o organismo social.

A distrofia estatal parece estar ligada ao fenômeno de reificação humana e sua conseqüente descartabilidade, sem que qualquer responsabilidade seja imputada ao estrato social responsável pela propagação de doenças letais que afetam os direitos fundamentais à vida e à dignidade. Inverte-se à lógica da responsabilidade. O indivíduo, parcamente informado, manipulado, é responsável pela decisão de consumir e tem a suposta capacidade de recusar as substâncias que afetam sua saúde e colocam em risco sua vida.

Os malefícios causados à sociedade pela assimilação passiva das substâncias carcinógenas não são divulgados. A publicidade, adredemente pensada, manipula o inconsciente coletivo e sugere que a decisão de fumar é individual; que as campanhas antitabagistas são veiculadas por extremistas e alarmistas desconectados com a realidade.

Os milhões de dólares gastos pelo Estado para curar as doenças causadas pela indústria do tabaco na ânsia do lucro fácil e irresponsável são assimilados pela indústria de fármacos, que, não obstante, não oferece cura, mas dependência de drogas de elevado preço comercial que, quando muito, procrastinam a morte e limitam os efeitos deletérios dos carcinomas.

A avidez tributária reduz a Administração Pública a mero coletor de impostos, pouco importando o descalabro causado pela atividade econômica no seio social. A corrupção, a falta de visão holística, a impunidade, e a baixa qualificação dos agentes públicos inibem qualquer ação séria destinada a refrear a sanha assassina dos agentes econômicos autofágicos, que no intuito de acumular riquezas olvidam de sua própria humanidade e se fiam no ente moral, como se as pessoas jurídicas de fato vivessem.

Ruelle[32] anotou:

“Tratados de economia... dão a impressão de que o papel dos legisladores e membros responsáveis do governo é encontrar e implementar um equilíbrio particularmente favorável para a comunidade. Exemplo do caos na física nos ensinam, contudo, que, em vez de levaram a um equilíbrio, certas situações dinâmicas ativam desenvolvimentos temporariamente caóticos e imprevisíveis. Os legisladores e governantes responsáveis devem, portanto, considerar a possibilidade de que suas decisões, que buscam produzir um equilíbrio melhor, poderão produzir em vez disso oscilações violentas e imprevistas, com efeitos possivelmente desastrosos.”

BAUMAN[33] descreve com precisão a corrida moderna.

“Então é a continuação da corrida, a satisfatória consciência de permanecer na corrida, que se torna o verdadeiro vício – e não algum prêmio à espera dos poucos que cruzam a linha de chegada. Nenhum dos prêmios  é suficientemente satisfatório para destituir os outros prêmios de seu poder de atração, e há tantos outros prêmios que acenam e fascinam porque (por enquanto, sempre por enquanto, desesperadamente por enquanto) ainda não foram tentados. O desejo se torna seu próprio propósito, e o único propósito não-contestado e inquestionável. O papel de todos os outros propósitos, seguidos apenas para serem abandonados na próxima rodada e esquecidos na seguinte, é o de manter os corredores correndo – ‘como marcadores de passo’, corredores contratados pelos empresários das corridas para correr poucas rodadas apenas, mas na máxima velocidade que puderem, e então retirar-se tendo puxado os outros corredores para o nível de quebra de recordes, ou como os foguetes auxiliares que, tendo levado a espaçonave à velocidade necessária, são ejetados pra o espaço e se desintegram. Num mundo em que a gama de fins é ampla demais para o conforto e sempre mais ampla que a dos meios disponíveis é ao volume e eficácia dos meios que se deve atender com mais cuidado. Permanecer na corrida é o mais importante dos meios, de fato o meta-meio: o meio de manter vida a confiança em outros meios e a demanda por outros meios.”

A saúde, a dignidade e a vida são subprodutos da corrida descrita por Bauman[34]. Interessa a todos a submissão aos parâmetros ditados pela publicidade abusiva, enganosa, que suprime a capacidade de raciocínio, de escolha, pela ação direta sobre o inconsciente coletivo e produz a histeria coletiva voltada para o extermínio de milhões de pessoas, unicamente para sustentar o lucro da indústria do tabaco e o prazer do vício incapacitante.

O Estado não adota postura mais dura, pois, além dos motivos anteriormente alinhados, entende que a atividade econômica gera riquezas, empregos, equilíbrio social. Qualquer ação política destinada à eliminação dos fatores de riscos sociais poderá resultar em prejuízo na moeda eleitoral, os votos. O indivíduo, imerso na corrida, não admite que seu status seja ameaçado, ainda que a própria vida esteja comprometida, pois na lógica do mercado o importante é continuar correndo.

Bauman[35]ensina que:

“Podemos dizer que, não conseguindo mais as instituições existentes reduzir a velocidade de movimentos do capital, os políticos perdem poder cada vez mais – circunstância simultaneamente responsável por uma crescente apatia política, um progressivo desinteresse do eleitorado por tudo que tenha caráter ‘político’, à exceção dos saborosos escândalos encenados pelas elites à luz dos refletores, e a queda da expectativa numa possível salvação gerada pelo governo, sejam quais forem seus atuais ou futuros ocupantes. O que é feito e pode ser feito nos escalões de governo influi cada vez menos na luta cotidiana dos indivíduos.”

A liberdade homicida deve ser coarctada por ação do Estado, que mesmo no modelo liberal deve garantir os direitos individuais, mormente os inerentes à vida, à dignidade, à existência da espécie humana.


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Notas

[1] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

[2] JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 4ª edição, Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2006, p. 53.

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[3] JUNG. Carl Gustav. Ob. cit., pp. 53 e 54.

[4] Aut. e ob. cit. p. 58.

[5] Apud OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 57.

[6] BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 51.

[7] SMITH, Adam apud ROSSETI, José Paschoal. Introdução à economia. 12ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 1987, p.345.

[8] Apud ROSSETI, José Paschoal. Ob. cit. p. 354.

[9] OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Ob. cit., p. 423.

[10] BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial. 3ª edição, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 56.

[11] SANTOS, Fernando Gherardini. Direito do Marketing. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pp. 198 e 199.

[12] GUERRA, Renata. É proibido fumar, é válido proibir – uma reflexão sobre autoritarismo e liberdade, in NASSETTI, Pietro (organizador). O que você deve saber sobre tabagismo. São Paulo: Martin Claret, 2001, pp.137 e 138.

[13] Lei 8.078/90.

[14] Lei 8.078/90:

“Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2º. É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3º. Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

§ 4º. (Vetado).”

[15] Lei 8.078/90:

“Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.

Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.”

[16] HENNINGFIELD, Jack E. apud NASSETTI, Pietro (organizador). O que você deve saber sobre tabagismo. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 9.

[17]FOCCHI, Gilherme Rubino de Azevedo; MALBERGIER, André; FERREIRA, Montezuma Pimenta. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento. São Paulo: Lemos Editorial, 2006,  pp. 8  e 9.

[18] Conf. FOCCHI, Gilherme Rubino de Azevedo; MALBERGIER, André; FERREIRA, Montezuma Pimenta. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento. São Paulo: Lemos Editorial, 2006, p. 8.

[19] Conf. Henningfield, Jack E. apud NASSETTI, Pietro (organizador). O que você deve saber sobre tabagismo. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 12.

[20]FOCCHI, Gilherme Rubino de Azevedo; MALBERGIER, André; FERREIRA, Montezuma Pimenta. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento. São Paulo: Lemos Editorial, 2006, pp. 25 a 48. 

[21] URL: http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=dadosnum&link=mundo.htm (acessado em 06 de junho de 2007).

[22] Conf. Alexander Welaussen Daudt. Ob. cit. p. 26.

[23] Conf. Alexander Welaussen Daudt. Ob. cit. pp. 41 a 48.

[24]FOCCHI, Gilherme Rubino de Azevedo; MALBERGIER, André; FERREIRA, Montezuma Pimenta. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento. São Paulo: Lemos Editorial, 2006, pp. 99 a 108.

[25] NUSSBACHER, Amit. Ob. cit. p. 102.

[26] SILVA, Ricardo Luís Alves. Ongonenes e Genes Supresspoores de Tumor in FERREIRA, Carlos Gil e ROCHA, José Cláudio. Oncologia Molecular, São Paulo: Editora Atheneu, 2004, p. 29.

[27] Aut. e ob. cit. p. 37.

[28] Aut. e ob. cit. p. 37.

[29] Aut. e ob. cit. pp. 16 a 24.

[30] MALBERGIER, André e OLIVEIRA JUNIOR, Hercilio Pereira. Dependência de nicotina e comorbidades psiquátricas, in FOCCHI, Gilherme Rubino de Azevedo; MALBERGIER, André; FERREIRA, Montezuma Pimenta. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento. São Paulo: Lemos Editorial, 2006, p. 94.

[31] Disponível em http://www.inca.gov.br/rbc/n_52/v04/pdf/artigo3.pdf  (acessado no dia 04 de junho de 2007).

[32] Apud BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p.157.

[33] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, pp. 86 e 87.

[34] Aut. e ob. cit.

[35] Aut. cit. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 27.

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Sobre o autor
Alexandre José Guimarães

Procurador de Justiça no Ministério Público do Estado do Espírito Santo, é bacharel em direito, especialista em direito empresarial, civil, processual civil, penal e processual penal, mestre em direito constitucional e doutorando em direitos de terceira dimensão pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Alexandre José. A manipulação do inconsciente coletivo pela publicidade da indústria do tabaco e as consequências danosas à saúde do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3980, 25 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27963. Acesso em: 22 dez. 2024.

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