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Emprego doméstico: a evolução e as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 72/2013

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2 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72 DE 2013

Neste capítulo serão analisados os direitos trabalhistas previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a ampliação destes aos domésticos, a qual foi trazida pela Emenda Constitucional nº 72, publicada em 03 de abril de 2013, bem como suas consequências legais e práticas, e o posicionamento dos Tribunais Pátrios quanto à sua aplicação imediata.

Como dito anteriormente, os direitos trabalhistas hoje consagrados são frutos de lutas sociais gerais e, muitas vezes também, específicas de certas classes, o que possibilitou a proteção dos empregados sujeitos a situações peculiares decorrentes do exercício do seu labor.

Com os trabalhadores domésticos não foi diferente. Desde 1930 o Estado vinha sendo pressionado pelas organizações dos empregados domésticos a regulamentar a profissão, a qual não possuía qualquer lei regendo-a. No entanto, somente em 1972, ano em que foi editada a Lei nº 5.859, regulamentada posteriormente pelo Decreto nº 71.885/73, que a categoria passou a ter seus direitos mínimos reconhecidos.

Em 1988, quando a Constituição Federal foi editada, entendia-se, no entanto, que os domésticos não deveriam ter as mesmas garantias dos outros trabalhadores urbanos e rurais, tendo sido especificados no parágrafo único do artigo 7º aqueles que deveriam a eles ser aplicados. O que havia, por conseguinte, era um tratamento desigual entre as classes de empregados.

No cenário internacional a discriminação contra os domésticos também existia, mas isso começou a mudar. A Organização Internacional do Trabalho – OIT – aprovou, em 2011, a Convenção nº 189 que tratou acerca da igualdade entre os empregados doméstico e os demais trabalhadores urbanos e rurais.

Esta, contudo, somente teve sua eficácia plena no Brasil com a edição da Emenda Constitucional nº 72 de 2013, a qual ampliou os direitos dos domésticos, equiparando-os com os demais empregados. Buscou-se, portanto, a implementação da igualdade material o que, no entanto, trouxe muitas polêmicas, visto que aumentou o custo mensal das famílias, comprometendo, ademais, a própria profissão.

Comecemos a análise desta Emenda.

2.1 Mudanças Realizadas

Antes da implementação da Emenda Constitucional nº 72 de 2013, assim dispunha o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal de 1988:

Art. 7.º (...) Parágrafo Único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.

Nesse dispositivo incluíam-se os direitos: ao salário mínimo, à irredutibilidade do salário, ao décimo terceiro salário, ao repouso semanal remunerado, às férias, à licença gestante, à licença paternidade, ao aviso prévio e à aposentadoria; excluindo, consequentemente, os demais.

Atualmente, no entanto, estabelece a Carta Magna:

Art. 7.º (...) Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.

Como se nota, houve uma significativa ampliação do rol dos direitos aplicáveis.

Os direitos previstos na primeira parte do dispositivo (a qual prevê: salário mínimo; irredutibilidade de salário; garantia de salário; 13º salário; proteção ao salário; jornada de trabalho diária de 8 horas e semanal de 44 horas; repouso semanal remunerado; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, de 50% à do normal; férias anuais remuneradas; licença gestante; licença paternidade; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço; redução dos riscos inerentes ao trabalho; aposentadoria; reconhecimento das convenções e acordos coletivos; proibição de discriminação; proteção do trabalhador com deficiência e do menor) são claros, não cabendo discussão quanto à sua aplicação ou amplitude, visto que há um reconhecimento imediato dos direitos fundamentais sociais.

São, portanto, de eficácia pela, ou seja, possuem aplicabilidade direta e imediata, visto que já preencheram os requisitos para isso, independendo de normas posteriores que os disciplinem.

O que vem causando controvérsias é a parte final o parágrafo, uma vez que restringe o seu emprego desde que “atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributarias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades” aos direitos a: proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa com indenização compensatória; seguro-desemprego" data-type="category">seguro desemprego nos casos de desemprego involuntário; fundo de garantia por tempo de serviço; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; salário-família pago em razão do dependente o trabalhador de baixa renda; auxílio creche aos filhos e dependentes do trabalhador de baixa renda e seguro acidente a cargo do empregador.

A última parte trata dos direitos de eficácia contida, uma vez que dependem de regulamentação, através de decretos, leis, portarias ou outros instrumentos, estabelecendo a forma correta de exercê-los.

Parcela dos doutrinadores entende que esta somente poderá ser plenamente introduzida com a superveniência de legislação infraconstitucional que discipline o parágrafo único, outra, no entanto, depreende a aplicação imediata de alguns direitos ante a existência de regulamentação suficiente.

Por óbvio, mesmo partindo-se da ideia de que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal quiseram condicionar a eficácia de alguns dos direitos ampliados aos domésticos à posterior regulamentação infraconstitucional, deve-se reconhecer que quando há no ordenamento jurídico pátrio normas suficientes para que se atinja o fim máximo almejado pelo legislador, estas devem ser imediatamente aplicadas.

Por ser um tema ainda muito recente, não temos a posição clara dos Tribunais Pátrios quanto à aplicação imediata ou não dos dispositivos constitucionais, mas há uma predominância pela espera de regulamentação que explique melhor aos empregadores domésticos como proceder, possuindo plena eficácia atualmente apenas a primeira parte do parágrafo único do artigo 7º.

A seguir analisaremos as consequências da edição da Emenda e como as famílias andam se portando frente a isso.

2.2 Consequências

A reforma constitucional proveniente da conhecida como PEC das domésticas tem preocupado bastante muitos empregadores, principalmente os de classe média, visto que o cumprimento exato da legislação aumentaria os gastos mensais com os empregados domésticos, comprometendo o orçamento das famílias.

As mudanças, claramente, trouxeram impactos para ambas as partes e todos terão que se adaptar a elas para estar em conformidade com a lei. O que não se tem sido noticiado é que os domésticos também terão que se adequar, uma vez que a tendência é se exigir maior profissionalização no desempenho do seu trabalho.

No entanto, é de primordial importância reconhecer que qualquer modificação traz ônus e bônus a todas as partes envolvidas, ajustes serão, por óbvio, necessários, mas se estima que proporcionarão uma sociedade mais livre, justa e solidária, nos termos do inciso I do artigo 3º da nossa Carta Magna.

Com o tempo tudo se ajustará, assim como aconteceu quando se editou a Lei nº 5.859/1972, que normatizou os primeiros direitos dos domésticos, bem como com a promulgação da atual Constituição em 1988. Agora é a vez da Emenda Constitucional nº 72/2013, que ampliou as garantias.

A tentativa de promover a igualdade de direitos para os trabalhadores em geral, equiparando os domésticos aos demais, exprime um avanço na promoção do Estado de Direito e na defesa da dignidade da pessoa humana, pilares da República Federativa do Brasil expressamente previstos na Constituição Federal de 1988.

Fala-se muito em uma evolução da sociedade brasileira, que com o tempo atingiria os padrões dos países desenvolvidos, nos quais apenas as famílias mais abastadas possuiriam trabalhadores ajudando nas tarefas domésticas. Não se pode, no entanto, comparar o Brasil, por exemplo, com os Estados Unidos, onde se possui um aparato estatal auxiliando, como creches e escolas públicas de qualidade.

A relevância da Emenda Constitucional por ora tratada não reside apenas na ampliação dos direitos propriamente ditos, mas também no reconhecimento do valor do trabalho doméstico e sua influência na sociedade brasileira e até na economia nacional. O empregado doméstico agora tem aparato legal para reivindicar maiores direitos e sair da informalidade.

Por isso se diz que a Emenda não foi importante apenas para a regulamentação e reconhecimento de direitos já estendidos aos demais trabalhadores, mas pela contribuição que trará a economia do Brasil. É uma injeção de dinheiro através do aumento da capacidade financeira dos empregados domésticos e de suas famílias, ocorrendo uma diminuição real da pobreza, bem como há, outrossim, um aumento no recolhimento de tributos.

Questiona-se se haverá um crescimento da informalidade, o que não acreditamos ser uma preocupação considerável. Apesar da ainda muito alta falta de informação, os meios de comunicação divulgaram bastante a ampliação do rol de direitos dos domésticos. É sabido, entretanto, que essa informação não chega a todas as esferas sociais. Mas já se pode notar uma maior busca jurisdicional dos trabalhadores que tiveram seus direitos violados, e um maior entendimento por parte deles da força que possuem frente ao empregador.

Não se pode, no entanto, querer equiparar o empregador doméstico ao empresário que visa o lucro e assume o risco do empreendimento devido às vantagens por ele auferidas, podendo pagar horas extras, adicionais e fundo de garantia por tempo de serviço, por exemplo.

Difícil é, outrossim, equiparar o empregado doméstico aos demais trabalhadores, que possui diferentes atribuições e muitos privilégios que os outros não possuem, como alimentação e moradia gratuitas na residência, e dificuldade de controle na execução de suas atribuições e no cumprimento correto da jornada de trabalho.

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Não se pode, de forma alguma, comparar os empregados domésticos com os demais empregados. Aqueles possuem privilégios não extensíveis aos outros que, juntamente com as peculiaridades do exercício do seu labor, tornam eles uma categoria diferenciada. De acordo com a Lei nº 5.859/1972, o empregador doméstico não está autorizado a efetuar descontos pertinentes a alimentação, fardamento, moradia, bem como é possível a penhora do bem de família para o pagamento de dívida trabalhista, tendo em vista sua natureza alimentar.

Tem-se especulado, entre os operadores do direito e demais integrantes da sociedade, que a nova legislação que disciplina o emprego doméstico, mais dispendiosa que a anterior, poderia estimular o desemprego em massa dos domésticos e a diminuição das contratações, visto que aumentaria consideravelmente as despesas das famílias. Contudo, é importante salientar que não é apenas os novos direitos que pode ocasionar a diminuição da figura do empregado doméstico, mas a própria evolução da sociedade, que passou a não mais necessitar dos seus serviços diários, tendo em vista o uso mais assíduo de restaurantes, creches e escolas em tempo integral, diaristas, dentre outros.

Tem-se falado bastante em dispensar os empregados domésticos e fazer a contratação, após a vigência das novas regras trabalhistas a eles atinentes, apenas de diaristas, visto que eles não se enquadrariam como empregado, pois não preenchem o requisito da não eventualidade, não sendo, portanto, a eles devidas todas as verbas trabalhistas. É, no entanto, importante salientar que esse tipo de comportamento pode ser enquadrado como fraude a lei, conforme o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho[5].

Reconhece-se, no entanto, que será bastante complicado fazer o controle correto de certos pontos da Emenda nº72/2013, como por exemplo das horas extras e do adicional noturno, uma vez que a residência do empregador não possui as mesmas ferramentas de controle usadas por empresas, muitas vezes dispendiosa.

Fala-se na criação de um sistema simplificados de recolhimento dos encargos do emprego doméstico, com o intuito de facilitar sua correta execução e evitar a carga excessiva no orçamento das famílias e possíveis demissões ocasionadas pelo considerável aumento das despesas.

Por outro lado, mostra-se bastante penosa a demonstração dos fatos ocorridos no âmbito residencial, no caso de processo, tanto para o empregador quanto para o empregado doméstico. A ponderação das alegações e das provas dos fatos constitutivos em juízo é um trabalho difícil para os magistrados, tendo em vista a relação de confiança e intimidade que norteia o vínculo doméstico.

Será preciso muita cautela por parte dos operadores do Direito e das famílias, pois ao analisar as demandas discutidas em juízo, no caso concreto, as discussões poderão ser prejudiciais tanto para o empregado doméstico, atravancando a sua categoria profissional com desconfiança, resquícios de uma cultura escravagista até então vigente na sociedade brasileira como um todo.

Mostra-se importante explicar que os novos direitos não devem ser aplicados a contratos de trabalho que se extinguiram antes de 03 de abril de 2013, visto que somente a partir da publicação da Emenda Constitucional nº 72/2013 eu ela passa a valer, não retroagindo. No entanto, as relações que continuem a vigorar após a sua implementação devem ser modificadas para se adequarem a nova norma.

Muitos doutrinadores afirmam que o Congresso nacional apressou-se para promulgar a Emenda Constitucional nº 72, pressionado pela categoria profissional e por instituições dela protetoras, usando-a como uma medida populista e para acalmar as massas, com o intuito de melhorar a sociedade mas que acabou ficando mal vista pelos empregadores e até pelos empregados, que se viram discriminados.

A mídia como um todo foi muito importante na discussão e divulgação dos novos direitos estendidos aos domésticos. O que se tem criticado é a exacerbada promoção de direitos e o esquecimento das tantas obrigações. Mostra-se forçoso listar, outrossim, os direitos do empregador doméstico, quais sejam: exigir a Carteira de Trabalho e de Previdência Social do empregado para sua assinatura; exigir o comprovante de inscrição no INSS para fazer seu depósito mensal; exigir o correto desempenho de suas tarefas de acordo com as instruções dadas; exigir a assinatura dos recibos de acordo com o que foi pago; descontar do salário do empregado o percentual de 6% destinado ao transporte, desde que não ultrapasse o valor total deste; descontar do salário do empregado os danos que este ocasionar de forma proposital ou, se houver previsão contratual, os danos causados acidentalmente, até o limite de 70% do salário base, assegurado um mínimo em espécie; dentre tantos outros.

É através do PLP 302/2013, projeto de lei complementar que aguarda a deliberação do plenário (Câmara de Deputados e Senado Federal conjuntamente), que se analisa a regulamentação dos novos direitos de eficácia contida inseridos no rol de direitos dos empregados domésticos.

Embora o objetivo da Emenda seja admirável, considera-se que ela foi editada de forma desordenada, chegando a assemelhar os patrões domésticos às empresas com objetivos lucrativos, nas quais há um retorno financeiro com a prestação do labor dos empregados.

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Sobre a autora
Érica Siqueira Nobre de Oliveira

Advogada, graduada pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Érica Siqueira Nobre. Emprego doméstico: a evolução e as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 72/2013. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3987, 1 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28054. Acesso em: 4 mai. 2024.

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