Introdução
Os artigos 28, inciso I1, e 30, inciso II2, ambos da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB) prevêem as hipóteses nas quais os membros do Poder Legislativo estarão incompatibilizados ou impedidos de exercerem a advocacia.
Todavia, há decisões de duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os membros do Poder Legislativo, que não integrem a mesa da Casa Legislativa, estão impedidos de advogar contra toda a Administração Pública, ao passo que outra Turma do STJ entende que o impedimento relaciona-se ao âmbito de atuação do parlamentar. Ademais, o Conselho Federal da OAB estabeleceu que tais membros estão impedidos de exercer a advocacia apenas contra a Fazenda Pública que os remunerem.
Portanto, há uma divergência quanto à exegese do impedimento previsto no artigo 30, inciso II, do Estatuto da Advocacia, que o presente artigo pretende abordar para contribuir no debate da questão.
1. Das divergências acerca da interpretação da norma prevista no artigo 30, inciso II, da Lei n. 8.906/1994.
O artigo 30, inciso II, do Estatuto da Advocacia estabelece um impedimento para o exercício da advocacia pelo membro do Poder Legislativo. Sobre a exegese do referido dispositivo, há decisões da segunda e sexta turmas do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o membro do legislativo está impedido de exercer a advocacia contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público de qualquer nível, independentemente da esfera a que pertença o parlamentar:
PROCESSUAL CIVIL - EXERCÍCIO DA ADVOCACIA - AÇÃO AJUIZADA CONTRA O INSS - ADVOGADO DA AUTORA ELEITO VEREADOR - IMPEDIMENTO - ART. 30, II, DA LEI 8.906/94.
1. Nos termos do art. 30, II, da Lei 8.906/94, todos os membros do Poder Legislativo, independentemente do nível a que pertencerem - municipal, estadual ou federal - são impedidos de exercer a advocacia contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público.
2. Precedentes da Seção de Direito Público.
3. Recurso conhecido, mas não provido.
(REsp 639.268/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 18/08/2008)
RECURSO ESPECIAL. VEREADOR MUNICIPAL. EXERCÍCIO DE ADVOCACIA CONTRA AUTARQUIA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. Em sendo o advogado detentor de mandato eletivo (vereador municipal), não pode atuar em juízo como representante da parte em pleito contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por se tratar este de pessoa jurídica de direito público, autarquia federal. Precedentes.
2. Recurso improvido.
(REsp 554.134/MG, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2005, DJ 14/11/2005, p. 410).
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO AJUIZADA CONTRA O INSS. ADVOGADO DA AUTORA ELEITO VEREADOR. IMPEDIMENTO. ART. 30, II, DA LEI N. 8.906/94.
PRECEDENTE.
Da leitura do artigo 30, inciso II, da Lei n. 8.906/94, verifica-se que o legislador determinou que todos os membros do Poder Legislativo, seja em qual nível for, são impedidos de exercer a advocacia contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público.
Na presente ação, contudo, ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social, a autora foi representada por vereador. Dessa forma, deve ser mantido o entendimento firmado pela Corte de origem no sentido de que "o ilustre patrono da ora agravada" se encontra, "em virtude da expressa disposição legal, impedido de exercer a representação judicial, na condição de advogado, contra o Instituto Nacional do Seguro Social, pessoa jurídica de direito público da espécie autarquia federal". Precedente desta colenda Segunda Turma. Recurso especial improvido.
(REsp 572.563/MG, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/03/2005, DJ 09/05/2005, p. 335).
Há de se registrar, entretanto, o posicionamento divergente da quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual entende que o membro do Poder Legislativo estará impedido de exercer a advocacia quando os entes públicos (de quaisquer esferas) estiverem no âmbito de sua atuação, em que guardarem alguma relação com a Fazenda Pública que o remunere:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. ATUAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA MOVIDA EM DESFAVOR DO INSS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 30, II, DA LEI 8.906/94. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que a melhor exegese para o art. 30, II, da Lei 8.906/94 é aquela segundo a qual o Vereador estará impedido de exercer a advocacia "contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público", quando tais entes públicos estiverem no âmbito de sua atuação, em que guardarem alguma relação com a Fazenda Pública Municipal. 2. Recurso especial conhecido e provido. (RESP 200301170512, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJ DATA:05/02/2007)
Por seu turno, o Conselho Federal da OAB, em resposta à consulta formulada por vereador eleito, posicionou-se no sentido de que o membro do Poder Legislativo, que não integre a mesa da casa legislativa, estará impedido de exercer a advocacia apenas contra a fazenda pública que o remunera:
CONSULTA 2010.27.00576-02. Origem: Processo originário. Assunto: Consulta. Advogado eleito vereador. Possibilidade de exercer a advocacia em outras comarcas. Consulente: Carlos Evaldo Terrinha Almeida de Souza - OAB/AM 1520. Relator: Conselheiro Federal Felipe Sarmento Cordeiro (AL). Relator para o acórdão: Conselheiro Federal Miguel Ângelo Cançado (GO). Ementa n. 054/2011/OEP: EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. CARGO ELETIVO DE VEREADOR. POSSIBILIDADE. IMPEDIMENTO APENAS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA QUE O REMUNERA. REGRA ESTATUTÁRIA QUE MERECE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. EXEGESE QUE SE ADÉQUE À CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA DA MÁXIMA AMPLIAÇÃO POSSÍVEL DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, decidem os membros integrantes do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB, por unanimidade, responder à consulta, no sentido de reconhecer que os vereadores, que não integrem a mesa da casa legislativa, estão impedidos de advogar apenas contra a fazenda pública que os remunere, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste. Brasília, 21 de fevereiro de 2011. Márcia Regina Machado Melaré - Presidente em exercício do Órgão Especial. Miguel Ângelo Cançado - Relator "ad hoc". (DOU, S. 1, 22/06/2011 p. 146)
A despeito dos posicionamentos da quinta turma do STJ e do Conselho Federal da OAB, pontua-se a clareza da norma prevista no artigo 30, inciso II, Lei 8.906/1994, a qual dispõe que “os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis”, estão impedidos de advogar “contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público”, sem nenhuma ressalva ou obscuridade.
Se o legislador quisesse vedar o exercício da advocacia dos membros do Poder Legislativo apenas em relação à Fazenda Pública que os remunera, certamente teria adotado redação igual ou semelhante à prevista no artigo 30, inciso I, Lei 8.906/1994. Sobre essa questão, cumpre destacar o entendimento de Thiago Cássio D'Ávila Araujo:
Como já vimos, são impedidos de exercer a advocacia, os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.
Assim, enquanto o impedimento previsto no inciso I do art. 30 do Estatuto, é apenas contra a Fazenda Pública que remunere o advogado, o impedimento do inciso II do mesmo artigo, para os membros do Poder Legislativo, é contra a Administração Pública por inteiro.3
Com efeito, existe um fundamento moral para que os membros do legislativo não advoguem em face da Administração Pública por inteiro: eles são responsáveis pela deliberação e pela votação de projetos que implementam políticas públicas, muitas delas envolvendo a celebração de convênios com os entes da administração pública de diferentes níveis.
Considerações finais
Diante de todo o exposto, observa-se que há de fato uma divergência quanto a exegese artigo 30, inciso II, do Estatuto da Advocacia.
Entretanto, a despeito dos posicionamentos da Quinta Turma do STJ e do Conselho Federal da OAB, conclui-se que a melhor interpretação do dispositivo é a atualmente dada pelas Segunda e Sexta Turmas do STJ, no sentido de que o vereador está impedido de exercer a advocacia a favor ou contra as pessoas jurídicas de direito público de qualquer nível, independentemente da esfera a que pertença o parlamentar.
Com efeito, o legislador não restringiu o exercício da advocacia pelos membros do Poder Legislativo apenas em relação à Fazenda Pública que os remuneram, tal como previsto no artigo 30, inciso I, Lei 8.906/1994, preferindo ampliar a vedação para esse exercício contra a Administração Pública por inteiro.
Notas
1 Lei 8.906/1994 [...] Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais; [...] .
2 Lei 8.906/1994 [...] Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia: [...] II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público. [...].
3 ARAUJO, Thiago Cássio D'Ávila. Teoria das proibições ao exercício da advocacia. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1032, 29 abr. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8315>. Acesso em: 31 ago. 2013.