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Súmula vinculante nº 13 e os agentes políticos – a grande omissão do Supremo Tribunal Federal

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11/05/2014 às 15:15
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6 SÚMULA VINCULANTE Nº 13 - UMA ANÁLISE CRÍTICA

De plano, chama a atenção a insegurança jurídica oriunda da edição da Súmula Vinculante nº 13.

Em consequência, é gritante a falta de técnica por parte do STF na edição desse enunciado jurisprudencial tão importante.

No julgamento do RE 579.951/RN, o Supremo discutiu demoradamente a existência de nepotismo na nomeação de parentes para cargos políticos não eletivos e, por incrível que pareça, na edição da Súmula, que iniciou seu trâmite no mesmo dia do julgamento deste Recurso, e foi aprovada no dia seguinte, a Corte não fez menção expressa sobre a aplicação, ou não, da Súmula Vinculante nº 13 aos agentes políticos.

Não constou da Súmula o ponto principal, já que a matéria havia sido trazida à baila no dia em que a súmula foi proposta, antes das discussões que culminaram na aprovação do enunciado.

A técnica utilizada para a edição da Súmula em estudo deixou de considerar necessidade da segurança jurídica, diretamente relacionada à própria existência da Súmula Vinculante. Justamente ao contrário do preceituado, os Ministros do STF – que discutiram com vagar a troca de termos contidos30 na proposta inicial – desfocaram do nó górdio principal, deixando de enfrentar o tema derradeiro, qual seja, a aplicação, ou não, do “normativo” aos agentes políticos.

A má técnica jurídica/normativa culminou no firmamento da jurisprudência dos demais tribunais no sentido de que a súmula simplesmente não se aplica aos agentes políticos, considerando ser essa a posição do STF.

Porém, como firmado alhures, a análise mais detalhada leva a conclusão de que a matéria, em nível dos demais tribunais pátrios, tomou um rumo que não condiz com o entendimento do STF. Não existe uma uniformidade de entendimento da Corte Maior a respeito da matéria. Não há posição vinculante do Supremo a respeito da eventual não aplicação. Não é possível afirmar que o Supremo entende que não é aplicável pura e simplesmente aos agentes políticos a Súmula Vinculante.

A omissão em relação ao termo “agentes políticos” não passou desapercebida, pois os Ministros analisaram essa matéria demoradamente momentos antes das discussões sobre o enunciado da Súmula. Essa realidade traz a tona uma dúvida sem solução, qual seja: Os Ministros omitiram o termo “agentes políticos” do texto da súmula a fim de que esses não fossem abrangidos pelo seu manto? Ou o fizeram visando a que o texto não tivesse exceções de modo a ser aplicado a todos os cargos providos sem concurso público, inclusive aos agentes políticos?

Infelizmente essa insegurança, beneficiou os interessados nas lotações de parentes em suas administrações.

No Brasil, infelizmente, se tem como costume imoralidade na administração pública. Lamentavelmente, no imaginário popular, o político ímprobo não sofre consequências. A população, lamentavelmente, já se conformou com essa dura realidade.

A corrupção no Brasil é inclusive conhecida internacionalmente, a ponto de, em uma pesquisa realizada pela ONG Transparência Internacional, divulgada em novembro de 201331, o País ter ficado com pontuação 4232 e na posição número 7233, onde quando mais alta a classificação mais alta é a corrupção medida.

Nesse cenário, o nepotismo estimula esse quadro de corrupção admitida socialmente, na medida em que as nomeações de parentes para cargos públicos que prescindem concurso público viola os princípios constitucionais norteadores da administração pública.

Ainda nesse contexto brasileiro, uma das decisões antecederam a Súmula Vinculante nº 13, o RE 579.951/RN, trata situação nas qual nitidamente administrador público “puxou” ao ente administrado seu parente, nomeando-o como secretário, a fim de, indo de encontro aos princípios da administração pública, agraciá-lo com a assunção de cargo público.

Decisão posterior à Súmula, que sedimentou esse suposto entendimento do STF de que a súmula não se aplica aos agentes políticos, é no mesmo norte. Com a decisão favorável na Reclamação 6.650-9/PR, o então Governador do Paraná Roberto Requião de Mello e Silva legitimou a permanecer no cargo de Secretário Estadual de Transportes seu irmão Eduardo Requião de Mello.

Nitidamente, um irmão foi eleito pela população. O outro não o foi. Quando o irmão com maior poder político (que foi eleito) adentrou nos quadros do poder público, levou junto outro de sua família, a fim de engordar os cofres daquela prole e esvaziar os cofres públicos, tudo com aval do STF, que nesse caso permitiu tamanho ato de improbidade violador dos princípios basilares da administração pública.

Não bastasse, essa insegurança tem se estendido no tempo, já que desde o ano de 2008 a matéria vem sendo ventilada em vários casos concretos e o Supremo não mais de manifestou sobre uma possível mudança na Súmula que deitasse pá de cal sobre seu entendimento a respeito.

A exclusão dos agentes políticos do manto da Súmula Vinculante nº 13 ofende o comando normativo principiológico previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal e deve, de uma vez por todas ser enfrentada pelo STF, a fim de que os interessados deixem de se beneficiar dessa lacuna casual (ou seria casuística?).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluídas as colocações possíveis sobre o tema, é de se ver que a matéria é controvertida no próprio Supremo Tribunal Federal, sendo possível ainda afirmar que há uma omissão da Corte Maior do nosso País com a aplicação ou não da Súmula Vinculante aos agentes políticos.

No início do trabalho, a impressão inicial era de que não haveria exceção à aplicação da súmula aos agentes políticos, já que não há expressamente essa anotação no enunciado.

Já agora, em fase de conclusão, ainda não é possível a afirmação segura sobre a aplicação ou não da Súmula aos agentes políticos.

O que foi possível concluir com a segurança necessária é que a jurisprudência dos tribunais brasileiros que consideram que pura e simplesmente a Súmula Vinculante nº 13 não se aplica aos agentes políticos tomaram rumo que, se visto a fundo, não pode ser tido como posição do Supremo a respeito da matéria.

A insegurança jurídica tem que acabar. Já é hora de o Supremo Tribunal Federal revisar o texto da Súmula Vinculante nº 13 a fim de fazer constar os agentes políticos no texto, incluindo-os nas restrições ou, de uma vez por todas, excluí-los expressamente da sua aplicação.

Nessa última hipótese, já é possível antever que caso haja a revisão da Súmula no sentido de excluir expressamente os agentes políticos do manto da Súmula essa passará a ser inconstitucional nesse ponto, já que ferirá frontalmente o autoaplicável art. 37 da Constituição Federal.


ReferênciaS

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012.

Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. - São Paulo: Atlas, 2013.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8ª ed. São Paulo: RT, 2004.

AFONSO DA SILVA, JOSÉ. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012.

MEIRELES, hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2010.

Ghizzo Neto, Affonso. Corrupcao, estado democratico de direito e educação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.


Notas

1A futura revisão da Súmula Vinculante nº 13, por exemplo, pode eventualmente tornar sem relevância algumas colocações inseridas no presente trabalho.

2Que serão analisados oportunamente.

3A distinção básica entre cargo público e emprego público assenta-se no fato de que o primeiro é regido por estatuto e o último é regido pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

4Militares e os chamados por Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro de “particulares em colaboração com o Poder Público”.

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5BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, pg. 251-252.

6Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. - São Paulo: Atlas, 2013, pg.587.

7Optou-se por não se adentrar na discussão sobre eventual decisões com caráter “legislativo” que possam ser emanadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Súmula Vinculante.

8publicado em 18/12/2009

9 http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=606840&tipo=AC&descricao=Inteir%20 Teor%20ADC%20/%2012 – acesso em 30/10/2013, as 23h51min.

10 CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. PRÁTICA DE NEPOTISMO NO EXECUTIVO E LEGISLATIVO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL OU LEGAL VEDANDO TAL PRÁTICA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. NECESSIDADE DE LEI EXPRESSA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS INSCULPIDOS NO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJRN - Apelação Cível n° 2007.006909-8)

11 publicado em 24/10/2008.

12 O estudo mais detalhado desse precedente será realizado no capítulo 5

13 Conforme capítulo 2

14 Dentre elas as ADI 1521-4 (DJ de 17/8/2002).

15 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJE_11.11.2008.pdf -

acesso em 30/10/2013, as 23h51min.

16 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/ DJE_11.11.2008.pdf – acesso em 4/11/2013, 20h34min.

17 já que o texto da súmula faz menção unicamente em “cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

18 Hipótese que não advém da análise textual da súmula.

19 cf. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJE_11.11.2008. pdf – acesso em 30/10/2013, as 23h51min

20 Vencido o ministro Marco Aurélio

21 Conforme consulta processual: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento .asp?incidente= 2639705 – acesso em 19/11/2013, as 21h40min.

22 Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI – Versão 3.0 – novembro de 1999.

23 Ghizzo Neto, Affonso. Corrupcão, estado democratico de direito e educação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pg. 122;

24 Viola outros princípios como igualdade e eficiência: “a vedação do nepostimo é regra constitucional que decorre dos princípios da impessoalidade, igualdade, da moralidade e da eficiência” (ADC 12-DF, fl. 5, voto relator Carlos Ayres Britto).

25 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8ª ed. São Paulo: RT, 2004

26 AFONSO DA SILVA, JOSÉ. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35 ed. São Paulo: Ed. Malheiros.

27 MEIRELES, hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2010, pg. 89.

28 Ob. Cit. pg. 90

29 Reclamação 12.478/RJ

30 O debate entre os ministros cingiu-se a substituição de os termos “mesmo Órgão” e “viola o art. 37, caput, da Constituição Federal”, contidos na proposta original, por, respectivamente, “mesma Pessoa Jurídica” e “viola a Constituição Federal”, além de realizar alguns ajustes quanto a pontuação.

31 Disponível em: http://www.transparency.org/cpi2013/results. Consulta em 3/12/2013, as 22h26min.

32 Em uma escala de 0 - 100, onde 0 significa que um país é visto como altamente corrupto e 100 significa que ele é percebido como muito limpo.

33 Trata-se de uma péssima posição. Foram 177 países pesquisados e, quando mais longe da primeira posição estiver o país, maior o índice de corrupção medida.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VEIGA, Marcio Gai. Súmula vinculante nº 13 e os agentes políticos – a grande omissão do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3966, 11 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28142. Acesso em: 26 abr. 2024.

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