O denominado fenômeno copycat é apontado quando a ocorrência de determinado crime, amplamente divulgado pela mídia, culmina em uma onda de ocorrências similares. Observado especialmente em homicídios ou suicídios de grande repercussão, especialistas afirmam que a publicidade induz ocorrências da mesma natureza: o indivíduo que já tinha propensão a cometer aquele ato termina por reproduzir o modus operandi observado. Esta é uma das razões pelas quais suicídios não são amplamente divulgados diariamente, na real medida em que ocorrem.
O psicólogo canadense Albert Bandura 1 desenvolveu a Teoria da Aprendizagem Social, que no âmbito da criminologia explica o fenômeno copycat. Ela compreende que a aprendizagem da violência ocorre por “modelagem”, imitação. É sabido que as crianças são suscetíveis a reproduzir o comportamento agressivo observado em familiares, colegas ou em desenhos animados, por analisarem a vantagem obtida pela figura do agressor (seja satisfação material ou pessoal) e compreenderem que aquela é uma forma eficaz de atingir seus objetivos. À luz da criminologia, este comportamento induz o indivíduo a reproduzir delitos, aliado à segurança de que a punição prevista pela legislação penal é branda, ou mesmo ausente em termos práticos, devido à ineficiência do Estado.
Em 2004, o autor Loren Coleman dissertou, em sua obra O Efeito Copycat 2, sobre a previsibilidade de crimes emulados e a responsabilidade indireta da mídia por mantê-los em constante evidência, onde cita episódios de crimes de diversas naturezas que seguem este padrão.
O efeito pôde ser bem ilustrado nos crimes subsequentes ao massacre de Columbine/EUA, quando um jovem do Canadá vestiu-se de forma semelhante aos responsáveis pelo massacre americano e reproduziu o tiroteio em sua escola. Depois, na véspera dos 8 anos daquele primeiro massacre, outro jovem matou 32 pessoas na Virginia Polytechnic Institute and State University/EUA, e se suicidou em seguida. Este último enviou vídeos e fotografias à rede de televisão NBC, onde convocava outros a fazerem o mesmo, referindo-se aos autores de Columbine como mártires.
No Brasil, o efeito foi observado, por exemplo, após a cobertura do caso Isabela Nardoni, ocorrido em março de 2008, em São Paulo. Em quatro meses, mais um caso de defenestração de criança ocorreu em Curitiba, e outro pai ameaçou fazê-lo com seu filho em São Paulo.
Recentemente, observa-se o efeito no cômputo de diversos linchamentos de criminosos (e meros suspeitos ou inocentes confundidos com criminosos) por populares no Brasil desde o final de 2013. Um dos casos de maior repercussão ocorreu no início de fevereiro de 2014, onde um menor infrator carioca de 15 anos foi agredido por populares e preso nu a um poste, com uma tranca de bicicleta no pescoço. Em outros locais, cidadãos inflamados pelo sentimento de impunidade terminaram por identificar-se com a revolta daquela comunidade - que tomou para si a responsabilidade de fazer justiça com as próprias mãos - e reproduziram suas ações. Assistia razão à Nietzsche em A Genealogia da Moral 3, quando afirmou que o que chamamos de “justiça” não passa de uma transformação do ressentimento, uma forma de vingança com nome diverso. A coletividade, de certa forma, legitima os linchamentos, que são vistos como uma resposta social à ineficiência do Estado. Eles disseminam uma satisfação subjetiva pela certeza de que o delito cometido pelo linchado não sairá completamente impune, e pela mesma ineficiência estatal que tanto repugnam, não temem represálias.
Eis que no Brasil, não tardou para uma sequência de fatalidades advirem: em março de 2014, na Bahia, um jovem foi amarrado e espancado por populares ao ser confundido com um bandido, dando entrada no hospital em estado grave. Poucos dias depois, no Maranhão, um pedreiro foi confundido com um assaltante e, da mesma forma, amarrado e espancado, pois usava uma camisa da mesma cor que o suspeito.
No início de maio do mesmo ano, em São Paulo, populares espancaram até a morte uma mulher inocente, motivados por um mero boato de que ela teria ligação com o sequestro de crianças na região. Boato, pois segundo a PM, não havia indício algum de que ela tenha praticado tal crime.
Ao não combater eficazmente a barbárie, o Estado permite que a sociedade construa o entendimento implícito de que essa prática é aceitável. Os linchamentos se tornam mais uma doença social, e presenciaremos o fenômeno da anomia: a ausência de coesão social oriunda da desordem, que serve de palco para a atuação de “justiceiros”. Shecaira 4 caracteriza a anomia como uma conduta marcada pelo “inconformismo e pela revolta. O indivíduo refuta os padrões vigentes da sociedade, propondo o estabelecimento de novas metas e a institucionalização de novos meios para atingi-las”.
E assim, ocorre o esvaziamento das normas, onde a sociedade não reconhece mais a legitimidade do papel do Estado de reprimir o crime, julgá-lo e puni-lo, por este não cumprir suas expectativas de prover segurança e reparação pelo mal causado, e tomam para si esta responsabilidade, ainda que em eventos pontuais. Os linchadores refletem a máxima “o homem é o lobo do homem”, de Thomas Hobbes. Em pleno século XXI, retornamos ao Estado de Natureza.
NOTAS
1 BANDURA, Albert. Social learning theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1977.
2 COLEMAN, Loren. The copycat effect: how the media and popular culture trigger the mayhem in tomorrow's headlines. New York, NY: Paraview Pocket Books, 2004.
3 NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
4 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 4ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.