O Estado, seus fins e o orçamento público

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08/05/2014 às 15:39
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Análise do Estado como ente instrumental ao desenvolvimento humano e a consecução de seus fins por meio do orçamento.

Teorias da criação do Estado, os fins estatais e sua função instrumental.

A origem do Estado pode ser vista por duas teorias[2]. A primeira, o vê como algo inerente ao ser humano, haja vista que o homem seria um ser naturalmente gregário. Discorrendo sobre essa concepção, Horacio Daniel Rosati afirma que:

el Estado es la consecuencia directa e inevitable del instinto gregário del hombre, um impulso que lo lleva a buscar la convivência com sus congéneres y em cuya cocreción se realiza com persona.[3]

Endossando, ainda, essa perspectiva naturalística da origem do Estado, Aristóteles afirma que:

el Estado procede siempre de la naturaleza, lo mismo que las primeras asociaciones, cuyo fin último es aquél; porque la naturaleza de uma cosa es precisamente su fin, y lo que es cada uno de los seres cuando há alcanzado su completo deselvolvimiento se disse que es su naturaleza propia, ya se trate de um hombre, de um caballo o de uma familia. Puede añadirse que este destino y este fin de los seres es para los mismos el primero de los biens, y bastarse a sí mismos es, a la vez, um fin y uma felicidade. De donde se concluye evidentemente que el Estado es um hecho natural, que el hombre es um ser naturalmente sociable, y que el que vive fuera de la sociedad por organización y no por efecto del azar es, certamente, o um ser degradado, o um ser superior a la especie humana.[4]

A segunda teoria vê o Estado como um fenômeno contratualista. O homem, a princípio, vivia em estado de natureza, sujeitos a toda sorte de circunstâncias, dificultando à satisfação das necessidades individuais, olvidando, inclusive, de garantias mínimas, como a vida, a liberdade, a propriedade etc.

Nessa linha, Jean Jacques Rousseau afirma que:

Imagino os homens que chegaram ao ponto em que os obstáculos, que são prejudiciais à sua conservação no estado natural, arrastam-nos, por sua resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo para se manter nesse estado. Então, esse estado primitivo não pode mais subsistir e o gênero humano haveria de perecer senão mudasse sua maneira de ser.[5]

Assim, os homens deveriam encontrar uma forma de associação que defenda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, essa associação seria o Estado, ou seja, “el Estado es el produto de uma decisión racional de los hombres destinada ora a resolver los conflitos generados por su instinto antissocial, ora a solucionar los problemas emergentes de la convivência.”[6]

Em que pese as divergências das teorias supramencionadas, é de se notar que ambas procuram justificar a aparição do Estado e legitimar seu poder soberano, dentro de certo território, sobre seus súditos. Outrossim, tem-se em comum o caráter instrumental do Estado, sendo por meio deste que os indivíduos satisfazem suas necessidades, ou seja, o Estado é um dos meios pelos quais o homem realiza seu aperfeiçoamento físico, moral e intelectual, e isso é que justifica sua existência.

Cabe ressaltar que a origem jurídica do Estado se dá por meio da sua Constituição, visto que aquele pressupõe organização e os preceitos organizativos corporificam o instrumento que denominamos de Constituição. Assim, a Constituição é o conjunto de preceitos imperativos fixadores de direitos e deveres e distribuidores de competências, que dão a estrutura social, ligando pessoas em dado território em certa época[7].

Portanto, por meio deste centro de poder, com o Estado, constituído e legitimado juridicamente, o homem passa a se organizar e a comandar seus pares diante da necessidade de sobreviver. Não tem relevância aqui determinar a origem do Estado, ou mesmo adentrar na sua ontologia, mas sim verificar sua finalidade: realizar o Bem Público.

Assim, o Estado existe para satisfazer certas necessidades, ou seja, “a função, ou mesmo a razão da existência do Estado-poder é realizar as necessidades do Estadosociedade”[8], além de desempenhar certas atividades que não poderiam ser desempenhadas pelos particulares, ora por desinteresse econômico, ora pela impossibilidade material, por exemplo, manter relações internacionais ou garantir incolumidade territorial do país. Porém, é de se observar que é mutável a extensão das necessidades que ficam como seu encargo[9], haja vista que tal decisão é ato político.

Nesse diapasão, podem-se dividir os bens fornecidos pelo Estado de forma bipartite: os primeiros seriam aqueles que dependeriam de parcela de soberania, e por tal motivo, seriam intransferíveis ao setor privado, como defesa nacional, exercício do poder de polícia, declaração de guerra etc. Os outros, como saúde, educação, obras de grande custo, podem ser transferidos, mas, por vezes, não há interesse da iniciativa privada, ou por opção política, o Estado não transfere. Deve ser ressaltado que estes bens, para serem prestados pelo ente estatal, dependem de escolhas políticas, ou seja, a gama de serviços prestados e a dimensão de tal prestação dependerão de escolhas estatais positivadas por normas jurídicas, as quais influenciam, de forma determinante, na formação orçamentária estatal, ou seja, o Estado determina quais as necessidades públicas por meio de normas jurídicas – estas inseridas na CF e em instrumentos infra-legais -, isto é, “as necessidades se tornam públicas quando ingressam, através de normas jurídicas, no mundo do direito.”[10]

Por conseguinte, o Estado carece de um aparato para concretizar o Bem Público, conceito este que variará conforme a ideologia dominante e o momento histórico vivido. Com isso, quer se dizer que não há necessidades públicas imanentes ao ser humano, na verdade, estas dependerão de um ato de vontade do centro de poder. De outra maneira, mas no mesmo sentido, Becker ensina que:

Em cada Estado há concepção do mundo específica que predomina - durante algum tempo – sobre as demais concepções. Esta concepção do mundo predominante sobre as outras, quando se refere à finalidade da vida social, determina o conteúdo do Bem Comum específico ao respectivo Estado.[11]

Ademais, para custear o aparato estatal voltado à satisfação das necessidades públicas o Estado necessitará obter receitas para fazer frente à prestação de tais serviços. Isto pode ocorrer por meio de exploração do próprio patrimônio, ou o que é mais comum no mundo hodierno, arrecadação tributária. Só que essas atividades estatais, no Estado de Direito, estão indissociavelmente ligadas ao princípio da legalidade, ou seja, as atividades financeiras devem estar disciplinadas por preceitos normativos primários, que, no Direito pátrio, se materializa pelas três leis orçamentárias.

Destacando a relevância do orçamento, Augusto Alfredo Becker afirma que:

Toda vez que o Estado cria regra jurídica que aprova o Orçamento Público, ele está provando sua existência, ou melhor, está comprovando sua sobrevivência do seguinte modo: Tributos serão cobrados para o Bem Comum e este proporcionado por meio de Despesas. Logo continuarei a existir.[12]

Isto é, se o Estado é um ente instrumental que tem como fim a realização do Bem Público[13], só por meio da concretização deste fim seu, pode-se dizer que ele aperfeiçoou sua existência, e nos dias atuais, tal atuação se dá por meio do Orçamento.

A atividade financeira estatal é primordial, portanto, tendo em vista que é por meio desta que são materializados deveres estatais, ou seja, ela é o instrumento que permite a consecução dos fins do Estado. Reafirmando o papel instrumental da atividade financeira, Manoel Cavalcante afirma que:

Dado o caráter instrumental da atividade financeira do Estado cujo principal suporte advém dos tributos, a realização dos objetivos escolhidos pelos instrumentos políticos e jurídicos, em especial a concretização de direitos, possuem como lastro a arrecadação de tributos. Num primeiro momento, pela função fiscal, notadamente dos impostos que visa o custeio das despesas gerais, o montante se dilui na atuação pública para satisfação dos direitos negativos, ou de primeira geração, exercitados perante o Estado. Aqui também cumpre a tributação papel social para garantir o funcionamento de serviços básicos e de estrutura organizacional do Estado[14]. (itálico do autor)

Conforme o exposto, o Estado possui como fim intrínseco a satisfação do Bem Comum, este tendo conteúdo variável, conforme época e ideologia dominantes, haja vista depender de opção política sua densificação semântica. Pois bem, no Brasil, pode-se extrair o conteúdo - ou melhor, construir o significado – pelas linhas mestras estabelecidas na Constituição Federal de 1988, a qual em seu art. 3º estabelece os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.[15]


1.2 Origens do orçamento, seu desenvolvimento e formação na Constituição Federal 1988.

A concepção moderna de orçamento tem origem na Magna Carta, de 1215, imposta pelos nobres a João Sem-Terra, na qual a arrecadação de tributos deveria ter autorização do Parlamento, ou seja, tal instrumento surge como meio de controle dos gastos realizados pelo soberano, tendo em vista que tais gastos serem custeados com parcela das riquezas geradas pelos súditos. Pode-se dizer que, na Idade Média, não havia um controle orçamentário, mas era intuitiva a necessidade de abastecimento do erário para suportar os devaneios do príncipe, surgindo, aos poucos, a necessidade de se impor meios de controle entre gastos e receitas[16].

Com a derrocada do antigo regime, absolutismo, surge o Estado Liberal, com a prevalência do Parlamento, haja vista que este representava a vontade geral e era o legítimo auscultador dos anseios sociais, solidificando, portanto, os gastos da administração por meio do orçamento, que passa a ser, sob o ponto de vista político, forma de controle da Administração, que por seu intermédio fica adstrita à execução das despesas no período e nos limites estabelecido pelo Legislativo[17].

Com efeito, o orçamento surge com o escopo de autorizar as despesas e de estabelecer uma previsão de receitas, ou seja, nessa fase embrionária, o orçamento era mera peça contábil, ainda que houvesse meios incipientes de controle. Cabe ressaltar, que de início, nas monarquias, havia uma separação entre o patrimônio da coroa – patrimônio público – e o patrimônio do príncipe, este imune a qualquer tipo de controle, vigendo, portanto, o caráter da

irresponsabilidade na sua administração. A insuficiência desse modelo orçamentário ficaria evidente ante a crise do Estado Liberal que nem oferecia soluções às reivindicações dos direitos sociais, levadas a cabo pelos trabalhadores a partir do século XIX, nem garantia o pleno funcionamento do mercado ou soluções que pusessem fim às constantes crises econômicas.

No Brasil, conforme José Afonso da Silva:

O orçamento clássico, cuja origem se identifica com as das instituições democráticas representativas, era uma peça de previsão das receitas e autorização das despesas públicas, classificadas estas por objeto, sem se cogitar das necessidades reais da administração e da população, nem dos objetivos econômico-sócias a atingir com sua execução [18].

Com o crescimento das funções estatais, o orçamento como mera peça financeiro-contábil passa a ser insuficiente; surge, assim, o orçamento moderno, graças ao qual os representantes dos contribuintes condicionavam sua aprovação ao emprego dos fundos nos fins que mais interessasse ao povo representado.[19] Assume, assim, o Orçamento Público, a função de coordenar os meios, despesas e receitas, com os fins das finanças públicas, sempre vinculado à satisfação das necessidades públicas.

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Igualmente salientado por Régis Fernandes de Oliveira, o orçamento:

Deixa de ser mero documento financeiro ou contábil para passar a ser o instrumento de ação do Estado. Através dele é que se fixam os objetivos a serem atingidos. Por meio dele é que o Estado assume funções reais de intervenção no domínio econômico. Em suma, deixa de ser mero documento estático de previsão de receitas e autorização de despesas para se constituir no documento dinâmico solene de atuação do Estado perante a sociedade, nela intervindo e dirigindo seus rumos [20].

Essa mudança de paradigma se consolida com a Constituição Federal de 1988, na medida em que ela traz um regramento minucioso com relação à estrutura orçamentária estatal, dedicando a Seção II, do Capítulo II, do Título VI, ao regramento do Orçamento Público. Pretende-se aqui fazer uma análise descritiva desse sistema orçamentário, haja vista que, conforme escólio de Gabriel Ivo:

São dois corpos de linguagem. O Direito Positivo – o objeto – e a Ciência do Direito. Uma é linguagem do direito positivo – linguagem-objeto -, a outra é linguagem de sobrenível, uma metalinguagem. A segunda linguagem fala da primeira, emitindo enunciados descritivos.[21]

A Constituição Federal de 1988 estrutura o orçamento do artigo 165 ao artigo 169. Em primeiro lugar, atribui iniciativa privativa das leis orçamentárias, Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual, ao chefe do executivo. Antônio de Oliveira Leite registra que:

O Poder Executivo, em todos os países civilizados, tem sempre a iniciativa de elaboração do orçamento, importa em dizer, da proposta do orçamento, já que antecede, na prática orçamentária, a discussão e votação do que virá a ser, em definitivo, orçamento público, para determinado exercício financeiro. Sabido que, com o desenvolvimento do Estado, cabe sempre e cada vez mais, u’a maior repartição ou distribuição das funções que incumbem a esse órgão executar, o que justifica e legitima essa divisão.[22]

Já o §1º[23], do art. 165, trata do Plano Plurianual – PPA, assim, este plano tem por escopo traçar a atuação estatal, por meio de programas e metas, de logo prazo, ou seja, é um instrumento de programação e planejamento por excelência, haja vista que por meio dele, traçam-se metas em todas as áreas que o Estado pretende atuar, metas estas vinculativas quando da feitura das outras leis orçamentárias.[24]

O Plano Plurianual possui vigência de quatro anos, sendo de observância obrigatória no processo legislativo tanto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, como na Lei Orçamentária Anual, tal observância compulsória tem suscitado celeuma na doutrina, tendo em vista que é pacífico que não há hierarquia entre instrumentos normativos da mesma espécie, além de, no ordenamento pátrio, não haver controle de legalidade de lei. Decerto, se houver incompatibilidade entre PPA e LDO, por exemplo, esta não será ilegal, mas sim inconstitucional, haja vista que ultrapassou âmbito material estabelecido na própria constituição.

Ademais, como instrumento de planejamento que é, o PPA tem início no segundo ano do mandato do chefe do executivo e término no primeiro ano do mandato seguinte, com o intuito de não haver rompimento brusco nos projetos traçados, ou seja, buscando uma continuidade estrutural na atuação do Estado e na prestação dos serviços públicos.

A Constituição Federal atribuiu papel crucial ao PPA, com uma busca incessante de sua efetividade, determinando, por exemplo, que nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão sob pena de crime de responsabilidade, conforme redação de seu art. 167, § 1º.

Outro ponto relevante a ser observado refere-se à característica formal da lei que institui plano plurianual, pois esta depende do orçamento anual para que tenha concretização quanto às metas e aos programas nela estabelecidos. Nesse sentido, a elaboração do orçamento anual pelo legislador está vinculada ao PPA, constituindo peça de programação ou orientação, que deve ser respeitada pelo poder Legislativo e Executivo na elaboração das leis orçamentárias.

Por fim, o PPA possui a tarefa de, na esfera federal, concretizar objetivos dos mais caros ao constituinte originário, tendo em vista que, por meio dele, deve combater as diferenças regionais e sociais, possibilitando um desenvolvimento nacional mais equânime, essa parece ser a atual orientação do PPA vigente, Lei 12.593/2012, conforme se pode ver em seu artigo 4º[25].

Assim, o plano plurianual é a lei orçamentária mais voltada para o lado social, haja vista que ele traça as metas cujo escopo é concretizar os grandes valores e anseios constitucionais, como erradicação da pobreza, diminuição das desigualdades regionais, sem olvidar, por certo, questões de ordem fiscal.

A CF/88 prevê como segunda etapa orçamentária a feitura da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – que observando os parâmetros constitucionais, além da compatibilidade com o PPA, compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

Como primeiro aspecto da LDO, tem-se sua vigência temporária, haja vista a determinação de incluir as despesas de capital para o exercício subsequente e orientar a elaboração do orçamento anual, devendo, sempre, sua aprovação anteceder a da Lei Orçamentária Anual, reafirmando a vigência anual da LDO a decisão Supremo Tribunal Federal, da lavra do Min. Celso de Mello, In verbis:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N. 1.848/91, DO RIO DE JANEIRO (ART. 34) - LEI DE DIRETRIZES ORCAMENTARIAS - NATUREZA JURÍDICA - NORMA LEGAL DE VIGENCIA TEMPORARIA - PLENO EXAURIMENTO DE SUA EFICACIA JURÍDICO-NORMATIVA - PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO. - A Lei de Diretrizes Orçamentárias possui destinação constitucional especifica e veicula conteúdo material próprio, que, definido pelo art. 165, par. 2. da Carta Federal, compreende as metas e prioridades da Administração Pública, inclusive as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente. Mais do que isso, esse ato estatal tem por objetivo orientar a elaboração da lei orçamentária anual e dispor sobre as alterações na legislação tributaria, além de estabelecer a política de aplicação das agencias financeiras oficiais de fomento. - A ordinária vinculação da Lei de Diretrizes Orçamentárias a um exercício financeiro determinado define-lhe a natureza essencialmente transitória, atribuindo-lhe, em consequência, eficácia temporal limitada. Esse ato legislativo - não obstante a provisoriedade de sua vigência - constitui um dos mais importantes instrumentos normativos do novo sistema orçamentário brasileiro. - Objeto do controle concentrado de constitucionalidade somente pode ser o ato estatal de conteúdo normativo, em regime de plena vigência. A cessação superveniente da vigência da norma estatal impugnada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, enquanto fato jurídico que se revela apto a gerar a extinção do processo de fiscalização abstrata, tanto pode decorrer da sua revogação pura e simples como do exaurimento de sua eficácia, tal como sucede nas hipóteses de normas legais de caráter temporário. [26] (Negrito não consta do original)

Outrossim, a LDO tem um papel integrador entre as outras leis orçamentárias, PPA e LOA, tendo em vista que ela extraí parte dos macro-objetivos e metas do Plano Plurianual, isto é, parte dos investimentos de capital estabelecidos para compor o exercício financeiro subsequente. Deve, também, conter eventuais alterações na legislação tributária, sendo tal exigência justificável, haja vista que essas alterações, em regra, repercutem na arrecadação de receitas, sendo, por isso, primordial que tais alterações estejam previstas antes da feitura da Lei Orçamentária Anual.

Outra exigência constitucional é que a LDO discipline a política de investimentos das agências oficiais de fomento - Banco do Nordeste S.A., Banco do Brasil S.A., Banco do Desenvolvimento Econômico, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia S.A. Etc.

É importante ressaltar que a Lei Complementar nº 101/2000, no seu artigo 4º[27] incluiu novas exigências ao § 2º, do artigo 165 da CF/88.

Fechando ciclo o orçamentário no plano Legislativo, tem-se a Lei Orçamentária Anual, com previsão no § 5º, do artigo 165 da CF/88, que deve compreender o orçamento fiscal – receitas e despesas – de todos os poderes da União, seus fundos e órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, orçamento de empresas que a União direta ou indiretamente detenha a maioria do capital social com direito de voto e o orçamento da seguridade social, abrangendo os órgãos e entidades a ela vinculados, da administração direta ou indireta[28].

Em que pese à importância do PPA e da LDO, a Lei Orçamentária Anual é a lei orçamentária mais importante; pode-se dizer que abaixo da Constituição, ela, a LOA, é a lei mais relevante do Estado brasileiro, haja vista que é por meio dela que se personifica toda a atuação estatal na satisfação das necessidades públicas, e como dito alhures, o Estado tem por fim, ou mesmo razão de sua existência, a satisfação de tais necessidades, ou seja, é por meio de tal lei que ele, Estado, cumpre sua finalidade precípua.

Nessa linha, a LOA é o instrumento de toda a atuação estatal, é meio pelo qual todo o aparato público entra em movimento, visto que a realização de despesas, no Estado de Direito, está subordina ao princípio da estrita legalidade, só podendo o gestor público realizar qualquer gasto com prévia autorização orçamentária. Ora, toda atividade estatal requer dispêndios, e por isso, sua realização está indissociavelmente ligada à lei orçamentária.

Enfatizando o caráter imprescindível da lei orçamentária na vida de Estados com orçamento periódicos, Alfredo Augusto Becker afirma que “o Estado constitui-se por prazo determinado: o período orçamentário. O Estado viverá o espaço de um Orçamento” [29]. De fato, só a partir do orçamento o Estado pode realizar seus fins, os quais legitimam sua existência e permanência no meio social.

Assim, orçamento é o conjunto de relações entre um feixe de direitos do Estado, tributação etc., com um feixe de deveres – prestação de Bens Públicos -, tal relação além de personificar o Estado, delimita suas feições, visto que, por meio do orçamento, pode-se determinar se as políticas públicas têm caráter social ou liberal, pode-se, inclusive, definir o tamanho do Estado, isto é, a extensão de sua atuação e os órgãos e entidades dos quais ele se vale para concretizar seus fins.

No que concerne ao processo de elaboração da LOA, a Constituição Federal de 1988 foi minuciosa – sem olvidar as exigências que a Lei complementar nº 101/2000, em seu artigo

5º inseriu, no Direito positivo brasileiro na elaboração da Lei Orçamentária Anual.[30] -, tendo em vista seu caráter imprescindível para a vida do Estado, ou seja, “em face dessa imprescindibilidade do orçamento, (é) que a Constituição estabelece um processo legislativo fortemente vinculado”[31]. De início, ela, a CF/88, estabelece como de iniciativa privativa do chefe do executivo o projeto de lei que a institui, ou seja, o processo legislativo do Orçamento Público anual só será deflagrado por meio do envio do projeto de lei orçamentária pelo chefe.

Além de iniciativa privativa, o orçamento deve observar outros limites na sua feitura. Ou seja, há um conjunto de limites procedimentais que condicionam esse procedimento. Como um dos limites clássicos tem-se a exclusividade[32]­,[33], o qual impõe que não haja disposições estranhas a previsão de receitas e a fixação de despesas[34], evitando, assim, as famigeradas caudas orçamentárias, ou na pitoresca expressão cunhada por Rui Barbosa: os orçamentos rabilongos, meio esdrúxulo utilizado por parte dos parlamentares para facilitar modificações legislativas que não gozavam de simpatia da maioria dos parlamentares ou mesmo do chefe do executivo.

Outra imposição constitucional na elaboração do orçamento é que todas as receitas e despesas estejam contidas na mesma lei, visando um maior controle na execução do mesmo; o orçamento deve conter todas as receitas e despesas da pessoa de direito público, de qualquer natureza, procedência ou destino, inclusive a dos fundos, dos empréstimos e dos subsídios concedidos, tal limitação recebe o nome de universalidade orçamentária[35].

Sem olvidar a importância desses dois limites, ou princípios clássicos, na confecção da lei orçamentária, deve-se dar atenção especial aos preceitos do §6º[36] e §7º[37], ambos do artigo 165, da CF/88.

O primeiro prevê o impacto causado pelos benefícios fiscais concedidos nas receitas e despesas, tal preceito servirá como uma das linhas mestras, no presente trabalho, para o desenvolvimento do conceito de despesa fiscal.

O segundo visa à consecução de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil elencado no artigo 3º, inciso III, segunda parte: reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de vincular tais ações às ações estabelecidas no PPA. Assim, fica latente o viés social da constituição vigente, na busca incessante de combater as desigualdades regionais, reafirmando o caráter solidário da Federação.

Percebe-se que a Constituição traçou um sistema concatenado, no qual deve haver observância da mesma pelas três leis orçamentárias, como também a compatibilidade da LDO com lei que institui o PPA, e da LOA com ambas, haja vista “a importância conferida ao processo orçamentário, quando confere um encadeamento lógico e sistemático ao planejamento de da aço do governo, envolvendo as três etapas”[38]. Na mesma linha, Basile, Basile Christopoulos[39] afirma que:

a lei orçamentária anual não pode se formar em contradição disposto na lei de diretrizes orçamentárias e no plano plurianual, nem a lei de diretrizes com o mesmo plano, além de que, obviamente, todas devem ter em mente e seguir as disposições constitucionais.

Ora, tal observância é pressuposto lógico para o cumprimento das metas e dos objetivos traçados pelo constituinte, sendo certo que a feitura do orçamento não é ato livre, nessa linha, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, analisando o sistema orçamentário português, fazem uma observação que em tudo se aplica ao sistema financeiro brasileiro: “O orçamento não é acto livre, tendo de ser elaborado de harmonia com as grandes opções do plano anual e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou contrato.”[40]

Cabe ressaltar que a Lei complementar nº 101/2000, artigo 5º inseriu, no Direito positivo brasileiro, outras exigências na elaboração da Lei Orçamentária Anual.[41]

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Sobre o autor
Joaquim Cabral da Costa Neto

Procurador Federal.<br>Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas.<br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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