Gestão da investigação criminal: o papel do Delegado de Polícia Federal

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3. O GESTOR NECESSÁRIO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Vicente Falconi Campos, estudioso da área de gestão disse: “a única razão pela qual você trabalha é porque alguém precisa do resultado do seu trabalho” (CAMPOS, 2004, p. 23). Não é diferente na Investigação Criminal, pelo contrário, aqui mais do que nunca a sociedade como um todo espera um resultado positivo que em ultima instância deve se revelar como promotora da própria paz social.

CAMPOS (2004, p. 26) diz mais:

Gerenciar é essencialmente atingir METAS. Não existe gerenciamento sem METAS.

Para se atingirem METAS DE MELHORIA é necessário estabelecer NOVOS PADRÕES ou MODIFICAR PADRÕES EXISTENTES.

Para se atingirem METAS PADRÃO é necessário CUMPRIR OS PADRÕES EXISTENTES.

Portanto, gerenciar é estabelecer novos padrões, modificar os padrões existentes ou cumpri-los. A PADRONIZAÇÃO É O CERNE DO GERENCIAMENTO.

O Delegado de Polícia Federal Romero Luciano Lucena de Meneses, em estudo acerca do tema da gestão da Investigação Criminal, pontua ser “possível concluir que a utilização de estratégias voltadas para a gestão policial poderá inclusive transformar as instituições policiais em importante ator dotado de capacidade efetiva para contribuir no aperfeiçoamento das instituições e da sociedade como um todo”. (MENESES, 2012, p. 89).

É certa a necessidade do reconhecimento e gestão da investigação criminal como um processo complexo, mas para tal, o gerente da investigação precisar ser preparado institucionalmente, ou se preparar, para assumir obrigações que envolvem muitas variáveis, tanto relacionados ao problema, quanto aos próprios atores envolvidos na solução do mesmo, pois são muitos os servidores que dependem das ordens do Delegado de Polícia para agirem. Considerando que o Delegado de Polícia é limitado por ser um só, é claro, ele precisa delegar (como é da raiz do próprio nome) funções, e é neste momento que se torna crucial que o mesmo seja capaz de realizar esta ação com método e planejamento. COATES e BREEZE disseram sobre o tema:

Delegar é um processo complexo que, como outras atividades gerenciais, precisa ser cuidadosamente planejado e monitorado. Não basta dizer simplesmente: “Estou muito ocupado; faça isto para mim”, ou “Não estou disposto a fazer esta tarefa, encarregue-se dela”. Isso se chama “descarregar” e a coincidência de começar com “d” é o único ponto de ligação com o processo de delegação.

Delegar não é algo que ajuda somente a você; é um procedimento que também dá a seus funcionários abertura para se desenvolverem. Contribuirá para a sua confiança e para a deles também. [...]

Ter sucesso ao delegar é um passo fundamental para você se desenvolver e ser um verdadeiro gerente. A capacidade de gerenciar outras pessoas a fim de que façam o trabalho que você costumava fazer sozinho e liberar seu tempo é um ponto crucial para seu desenvolvimento. (COATES; BREEZE, 2000, p. 7. e 10).

Conforme já pontuado em parágrafo anterior, as próprias instituições, e principalmente as relacionadas à Investigação Criminal, deveriam cuidar da preparação dos seus gestores, considerando que os seus dirigentes são até mesmo legalmente identificados e são responsáveis pelos rumos do órgão. Sobre a identificação e preparação continuada dos gerentes, podemos ver com bastante propriedade o que foi dito pela Organização Para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico no estudo Liderança e Setor Público no Século 21:

Uma vez que os líderes em potencial tenham sido identificados e selecionados, o passo seguinte consiste em assegurar sua formação contínua. Para isso, conforme mencionado anteriormente, alguns países estruturaram uma instituição especializada no desenvolvimento da liderança. Por exemplo, o Governo dos Estados Unidos estabeleceu o Instituto Executivo Federal e os Centros de Desenvolvimento Gerencial, onde os dirigentes do setor público são submetidos a um treinamento para o desenvolvimento da liderança, conhecido como “Jornada da Liderança”[...]

Outros países, por exemplo, a Áustria, Bélgica, Finlândia, Japão, Coréia, Holanda, Polônia e Portugal, optaram por reforçar o componente de liderança nos currículos existentes e estabelecer novos cursos de reciclagem para dirigentes de alto nível ou funcionários graduados. (Organização Para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, 2002, p. 36).

Inicialmente já foi falado, porém é didaticamente importante que se repita neste momento o que já dito sobre quem deve gerir os trabalhos investigativos no Brasil, o que fazemos novamente através da citação do §4º do Art. 144. de nossa Carta Magna: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” 11

Seguindo-se da Lei 12.830/13:

Art. 2º As funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da Investigação Criminal por meio de Inquérito Policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. 12

Com esta clareza da legislação, pode-se pensar que não haveria mais o que ser dito acerca de quem seria o gestor necessário da investigação, o Delegado de Polícia, que é um Bacharel em Direito que foi submetido a um concurso público com nível de dificuldade semelhante a quaisquer outros concursos jurídicos de mesma natureza (Juiz, Promotor, Procurador, Defensor Público etc.), porém, dizer que aquele é necessariamente o coordenador dos trabalhos investigativos, não é o mesmo que dizer que aquele é necessariamente um gestor, ou líder, conforme já falado por ADAIR:

  • autoridade da posição e do posto — “Faça isso porque eu sou o chefe!”

  • autoridade do conhecimento — “a autoridade flui para quem tem o saber”

  • autoridade da personalidade — na sua forma extrema, o carisma

  • autoridade moral — autoridade pessoal para pedir a outros que façam sacrifícios

O mesmo princípio serve também para você. Mas não pense que ter o conhecimento técnico ou profissional apropriado basta para qualificá-lo como líder. Repetindo, isso é necessário, mas não é suficiente. Todos os principais campos da liderança — posição, conhecimento, e personalidade — são importantes. Para conseguir que pessoas livres e iguais cooperem e produzam grandes resultados, você precisa se apoiar na segunda e terceira formas de autoridade, assim como na primeira. É como uma corda de três fieiras. Não ponha peso demais numa fieira só. (ADAIR, 2000, p. 15. e 18).

É certo que a atividade diária do Delegado de Polícia está permeada pela aplicação das leis, dos seus entendimentos e interpretações jurídicas diversas, sempre se utilizando de todas as ferramentas legais existentes, sendo certo que sua natureza é eminentemente jurídica, porém não somente. O Delegado de Polícia é responsável pelos procedimentos criminais, aqui analisados através do Inquérito Policial, desde o seu início (em regra por Portaria) até a sua conclusão (Relatório Final), porém, durante todo o processo investigativo, diversas posturas, alheias ao simples conhecimento jurídico, devem ser adotadas por aquele profissional, o qual lidera um trabalho que é realizado por todo um grupo de pessoas, que necessita ser transformado em uma equipe, para o melhor desenvolvimento de qualquer investigação. CHIAVENATO leciona acerca do tema:

O Administrador [gestor] não é o executor, mas o responsável pelo trabalho de pessoas a ele subordinadas. Sua formação é ampla e variada: deve conhecer disciplinas heterogêneas (como Matemática, Direito, Psicologia, Sociologia, Estatística etc.); lida com subordinados (que executam tarefas ou planejam, organizam, controlam, assessoram, pesquisam etc.); está atento a eventos presentes e passados, bem como a previsões futuras, pois seu horizonte deve ser amplo, visto ser ele o responsável pela direção das pessoas que seguem suas ordens e orientação. [...]

Por essa razão, profissionais – como engenheiros, economistas, contabilistas, advogados ou médicos que conhecem suas especialidades –, quando são promovidos em suas empresas – como indústrias, construtoras, serviços, consultorias ou hospitais – ao nível de supervisor, gerente ou diretor, precisam se transformar em administradores. A partir daí, precisam aprender a administrar e adquirir conhecimentos que suas especialidades não lhes ensinaram. (CHIAVENATO, 2004, P.11)

A necessidade de preparação também já foi comentada ao se discutir o rumo de Organizações Governamentais, sob pena inclusive de perda do controle institucional, conforme podemos ver:

A autoridade não é mais tão absoluta quanto antes, em muitas organizações as hierarquias foram comprimidas e, devido a uma série de mudanças sociais, incluindo maior mobilidade e maiores oportunidades de trabalho, os líderes atuais no setor público precisam conquistar o engajamento dos liderados, não apenas sua obediência. Como resultado, os líderes de hoje precisam encontrar maneiras – que excedem sua autoridade – de influenciar seus liderados efetivamente. (Organização Para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, 2002, p. 21).

Notadamente, quando se fala em liderança, administração, gestão, equipes etc., é natural que se pense em empresas, porém a Investigação Criminal, desenvolvida modernamente, metodologicamente, envolve todos os pontos ali citados [como é proposto no Ciclo do Esforço Investigativo Criminal - CEIC]. O Delegado de Polícia, ao tomar ciência da ocorrência de um possível crime (fase do CEIC Demanda), deverá analisar todas as situações fáticas e jurídicas inicialmente possíveis e determinar aos servidores sob sua tutela (agentes, escrivães, papiloscopistas, peritos etc.) que sejam reunidos todas as demais evidências existentes (fase do CEIC Reunião de Evidências) acerca do fato, para realização nova análise, agora mais aprofundada (fase do CEIC Análise), antes da finalização da investigação (fase do CEIC Conclusão).

Em cada fase, ali citada de maneira corrida, omitiu-se que o Delegado de Polícia: 1) precisa agir sempre dentro de um tempo determinado legalmente; 2) que sua equipe tem recursos limitados para a realização das diligências; 3) e que esta equipe, normalmente também é limitada, além de nem sempre poder ser considerada uma equipe, não nos termos do que HARDINGHAM ensina como tal:

De fato, existe apenas uma única pergunta-chave a fazer a si próprio, quando estiver tentando decidir se seu grupo constitui ou não uma equipe: Será que todos os membros de meu grupo compartilham, pelo menos, de um objetivo que só pode ser atingido pelo esforço conjuntode todos?

Pense em seu grupo de trabalho. Há algum objetivo comum? É preciso que vocês todos trabalhem em conjunto para poder alcançá-lo? Caso a resposta seja “afirmativa”, esse grupo caracteriza-se como uma equipe.

O objetivo ou objetivos comuns são a diferença entre um grupo e uma equipe. Assim, dentro de uma organização, existem diversas equipes e diversos grupos e, a qualquer momento, cada um de nós pode pertencer a vários grupos ou equipes. Você pode, por exemplo, fazer parte de um grupo de pessoas que compartilhem o mesmo escritório, saiam para almoçar na mesma hora, mas também de um grupo que está disponível para certos tipos de trabalho em períodos complementares. Talvez você pertença a uma equipe que desenvolve um projeto e de uma equipe de especialistas que executa tarefas especiais para a empresa.

Os requisitos, benefícios e riscos especiais de equipes são acionados assim que pelo menos um objetivo comum exija a união de esforços. Isso porque o objetivo ou objetivos precisam ser igualmente compreendidos por todos os membros da equipe, e os esforços em conjunto precisam ser coordenados. Como conseqüência, os riscos normais dos altos níveis de interação e comunicação aumentam, assim como ampliam-se as possíveis recompensas que provêm da colaboração e cooperação bem-sucedidas. (HARDINGHAM, 2000, p. 9/10, grifo nosso).

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Quando se analisa a Investigação Criminal como um processo sistêmico, obrigatoriamente a figura do Delegado de Polícia tem que aparecer como um líder, pois é o gestor necessário, na acepção de MAXIMIANO:

Liderança (e outros processos de administração de pessoas). Liderança é o processo de trabalhar com pessoas para possibilitar a realização de objetivos. Liderança é um processo complexo, que compreende diversas atividades de administração de pessoas, como coordenação, direção, motivação, comunicação e participação no trabalho em grupo. (MAXIMIANO, 2010, p. 8/9).

Na visão do autor, todas as Investigações Criminais são processos complexos, pois envolvem as variáveis já comentadas, resguardando, é claro, o grau de complexidade de cada tipo penal, o que as diferencia na verdade é o viés metodológico creditado as mesmas pelos seus presidentes, os Delegados de Polícias e, durante toda a investigação a Autoridades Policiais precisam estar na supervisão de todas as atividades envolvidas, sempre delegando funções e avaliando os resultados obtidos através de suas determinações, tendo ainda sempre que ter em mente que lida com seres humanos distintos que por sua vez agem de maneira distinta. Sobre a supervisão necessária que os gestores devem realizar, COATES e BREEZE disseram com muita didática:

Delegar pode ser desesperador, quando se cometem erros, principalmente quando você está tentando dar condições para que seus funcionários cheguem a resultados em áreas em que você pode fazer isso com competência. Não se trata de aceitar deficiências, nem estamos falando de comportamento irresponsável e inconseqüente. Estamos nos referindo aos erros que as pessoas cometem por encontrarem dificuldades enquanto estão aprendendo.

Uma das coisas que você precisa estabelecer é o que deve ser feito de uma maneira predeterminada, e o que pode ser mudado para se adaptar ao estilo da pessoa que está executando a tarefa. Há certas atividades que podem ser executadas da forma que acharem melhor, enquanto há outras em que você tem de ser absolutamente decisivo e inequívoco quanto ao grau de flexibilidade.

Estabelecer prioridades de modo cuidadoso e fazer verificações regulares faz parte da supervisão. Tente encorajar seu funcionário a questioná-lo quando você lhe dá instruções confusas em termos de prazos ou prioridades. Se esse desafio puder ser encarado como profissional e útil, em vez de impertinente, suas relações melhorarão. (COATES; BREEZE, 2000, p. 28).

As investigações criminais tem que chegar obrigatoriamente a um resultado e o que se busca com a aplicação de métodos, com a Gestão da Investigação Criminal, é que este resultado seja obtido dentro do menor tempo possível, empregando sempre somente a mão de obra realmente necessária, com custos reduzidos e sempre com um grau de erros reduzidos e, ainda, se houver erros, com possibilidades de identificação dos mesmos, pois os processos devem ser autosutentáveis.

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Sobre o autor
Victor Emannuel Fernandes Gomes Mesquita

Delegado de Polícia Federal, já tendo atuado na chefia de diversas especializadas, tais como segurança privada, imigração e financeiro e tem experiência principalmente em investigações voltadas ao combate aos desvios de verba pública. Pós graduado em Gestão da Investigação Criminal pela Escola Superior de Polícia da Academia Nacional de Polícia e em Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública pelo LFG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado à Academia Nacional de Polícia como exigência parcial para a conclusão do Curso de Especialização em Gestão da Investigação Criminal, sob a orientação do Professor Mestre Adriano Mendes Barbosa e avaliado em banca pelos membros Professor Mestre Rodrigo Carneiro Gomes e Professor Mestre Eliomar da Silva Pereira ao dia 08/05/2014.

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