Resumo: E quantas vezes sentarão no banco dos réus aqueles que dirão: “Matei por Amor”. O presente artigo faz uma breve análise das teses de defesa que giram em torno dos crimes passionais, os quais apresentam crescentes índices de incidência nos últimos anos, sendo cometidos por homens e mulheres possessivos, que em sua maioria não aceita o termino do relacionamento e a perda da pessoa amada. Ao longo do tempo, acompanhando os costumes e a evolução do direito penal, diversas foram as teses levantadas pela defesa buscando a absolvição de acusados de homicídios passionais e passamos de “lavar a honra” para a atenuante da violenta emoção logo após injusta provocação da vítima. A forma como essas teses se apresentaram e se modificaram ao longo das décadas é o objeto do presente estudo. Passaremos a analisar as circunstâncias que levam a consumação do homicídio passional até a validade de suas principais teses defensivas.
Palavras-chave: Tribunal do Júri. Legítima Defesa da Honra. Crimes Passionais. Homicídio Privilegiado. Teses de Defesa.
1. INTRODUÇÃO
Desde os tempos mais remotos a idéia de vingança com ares de Justiça compõe a sociedade. Da Mitologia Grega nasceram Thêmis e Nemêsis, filhas de Zeus, o Deus Supremo com a Titã Gaia (a terra). Enquanto Thêmis fora criada por seu pai no Olimpo e tornou-se a Deusa da Justiça Ética, sua irmã, Nêmesis, foi criada por Moiras (Deusas do Destino), tornando-se desta forma a Deusa da Justiça tida por Vingança.
Os crimes passionais chocam a sociedade em virtude da convicção inaceitável de se “matar por amor”, por razões morais ou psicológicas. A sentença para os acusados desses crimes já tiveram diversas alterações conforme o costume e o curso do Direito Penal na história do Brasil, ora condenando, ora absolvendo o autor do fato.
Este estudo busca analisar os sentimentos existentes nos crimes passionais, sua trajetória pelo mundo no curso da história até chegarmos ao Brasil, onde segundo a tese vinda de Portugal era lícito que o marido que pegasse sua mulher em flagra com o amante “lavasse sua honra”, assassinando os adúlteros.
A pesquisa em questão é importante e inovadora, pois visa analisar dados acerca da maneira como o júri vem tratando os crimes passionais e suas teses de defesa, o que simboliza de acordo com a soberania dos veredictos, a forma como a sociedade visa estes delitos.
Da corrente defensiva da tese de Legítima Defesa da Honra, a retirada do crime de adultério do Código Penal Brasileiro e do advento da causa de diminuição de pena do privilégio da violenta emoção nos casos atuais, o que se busca aqui é um panorama geral da validade e repercussão das duas teses, e o faço não como mera especuladora e sim como uma componente assídua da “Banca de Ruy Barbosa” no Tribunal do Júri.
2. CRIME PASSIONAL: BASES HISTÓRICAS.
O suporte do exemplo, agora é a lição, o discurso, o sinal decifrável, a encenação e a exposição da moralidade pública. (FOCAULT, Michael. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2002, p.91).
Neste sentido, no que tange ao gênero, os grupos sociais hierarquizavam as relações entre homens e mulheres, e tornam os homens detentores do poder nelas implícito. (SAFFIOTI, Heleieth. Violência contra a mulher e a violência doméstica. BRUSCHINI, Cristina e UNBEHAUM, Sandra. Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: FCC/Ed.34, 2002).
Dentro desta lógica, a violência é inerente à organização social de gênero, visto que é permissível aos homens fazer uso dela, a fim de garantir sua posição privilegiada na sociedade, demonstrando, assim, que a violência é um elemento estrutural.
Na esfera do Direito, a ação humana era justificada de diferentes maneiras. Na escola clássica, a noção de livre-arbítrio e responsabilidade moral, exigia consciência do criminoso no momento do ato. No caso dos crimes de honra, por exemplo, esta noção podia ser subvertida pela ideia de que o criminoso estava privado de razão, pois a traição, por exemplo, era considerada um motivo suficientemente forte para provocar a “´privação dos sentidos e inteligência”.
Ao determinar que a responsabilidade do criminoso era social, Ferri e os juristas da escola positiva (ALVARES, Marcos Cesar. Bacharéis, Criminologistas e Juristas: saber jurídico e Nova Escola Penal no Brasil (1889-1930), 2001, 194p. Tese (doutorado em ciências sociais), USP, São Paulo), reforçavam uma noção da lei como determinada pela sociedade e suas regras. O espaço para garantir a isenção, no caso de crimes passionais, era a categorização dos criminosos e a individualização das penas.
Estas noções apontavam qualidades diferentes para os criminosos, e serviam como base legal para um julgamento, no qual o ato criminoso era obscurecido pelo motivo, ou seja, as qualidades desejadas para a mulher ideal podiam ser reforçadas pela supressão da adúltera. Pode parecer uma lógica ambígua ou despropositada, mas, ao julgar o crime desta forma, o judiciário cumpria sua função: a defesa da sociedade contra um comportamento desafiante.
Ferri (DARMON, Pierre. Médicos e Assassinos na Belle Époque. Rio de Janeiro: Rocco, 1991) ampliou o trabalho de Lombroso e classificou os criminosos em cinco categorias básicas: O criminoso louco era aquele que estava entre a sanidade e a doença, sendo seu estado quase patológico; o criminoso nato que, para ele, era alguém com atrofia do senso moral; o delinquente habitual era, antes de qualquer coisa, um produto do meio em que vivia, ou seja, indivíduos que cometiam crimes influenciados por más companhias; este diferia do ocasional que, segundo Ferri, pela falta de firmeza de caráter, podia cometer um crime se envolvido em uma situação propícia; e o criminoso passional, que era assim descrito pelo autor:
O Delinquente Passional – acrescenta Ferri – é aquele, antes de tudo, movido por uma paixão social. Para construir essa figura de delinquente concorre a sua personalidade, de precedentes ilibados, com os sintomas físicos- entre outros – da idade jovem, do motivo desproporcionado, da execução em estado de comoção, ao ar livre, sem cúmplices, com espontânea apresentação à autoridade e com remorso sincero do mal feito, que, frequentemente. Exprime-se com o imediato suicídio ou tentativa séria de suicídio. Esta classificação dos criminosos advinha de uma nova postura perante a questão da gênese da ação criminosa que, segundo Ferri, estava na paixão. A paixão era o móvel da ação criminosa. Contudo, por ser uma força incontrolável, não atingia somente os indivíduos “perversos”, os bons cidadãos podiam ser atingidos pelas explosões da paixão. (FERRI, Enrico. O delito Passional na civilização contemporânea. São Paulo: Saraiva 1934, p.3).
No caso dos passionais, devia-se, já no primeiro momento, determinar a qualidade da paixão que o impulsionava (HARRIS, Ruth. Assassinato e Loucura: Medicina, leis e sociedade no fim de Siécle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993). O motivo que o levou à ação tinha de ser relevante para a manutenção da ordem moral da sociedade. Se agiu em defesa de princípios, como família e honra, a paixão que o impulsionava classificava-se como social e, portanto, era possível a atenuação da pena, diminuindo o tempo de reclusão ou levando à absolvição do criminoso.
3. O AMOR COMO FATO GERADOR DO HOMICIDIO PASSIONAL
“Matei por amor”, foi o que disse Raul Fernandes do Amaral Street, vulgo Doca Street, logo após ser julgado e absolvido pelo crime que cometera na noite do dia 30 de Dezembro de 1976, em que matara sua convivente Angela Diniz, com três tiros na face e um na nuca. Doca Street, em seus quatros meses de convivência com a vítima, mostrou-se uma pessoa ciumenta, possessiva. Em seu segundo julgamento, no qual foi condenado, a promotoria optou pelo slogan “quem ama não mata”, frase essa também aclamada por militantes feministas da época (ELUF,2008).
Afinal, mata-se por amor? Ou trata-se de outros sentimentos que formam uma reação em cadeia capaz de como uma válvula de escape, fazer o parceiro eliminar a pessoa amada?
O amo não é a única paixão que qualifica o delito passional, tanto na linguagem jurídica, como na linguagem comum, mas as paixões ligadas á etiologia do crime são: o amor, a honra, a fé religiosa ou a política. Essas, normalmente exercem uma função útil na sociedade e só aberram em determinadas condições mesológicas e antropológicas. [...] o jurista e o legislador não podem nem devem esquecer nunca que, quando a ação humana vai de encontro á ordem material constituída e à humanidade, os seus autores não se confundem na bolsa dantesca dos criminosos comuns e vulgares, que não nos merecem respeito ou piedade. (FERRI, Enrico. O delito Passional na civilização contemporânea. São Paulo: Saraiva 1934, p.63).
No Brasil, um dos maiores juristas que combatiam com veemência as absolvições dos passionais foi o promotor de justiça Roberto Lyra (1975, p.97), aduzia que: “o verdadeiro passional não mata. O amor é por natureza e por finalidade, criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é cliente das pretorias, das maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios, dos manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para fins de responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E nele o que atua é ódio. O amor não figura nas cifras da mortalidade e sim nas da natalidade; e não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos túmulos”.
4. BREVE ANÁLISE DAS TESES DEFENSIVAS DA LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA E DA PRIVILEGIADORA DA VIOLENTA EMOÇÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI EM HOMICÍDIOS PASSIONAIS.
4.1 DA LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA COMO TESE DE HOMICÍDIO PASSIONAL
O passional, buscando eliminar a antijuridicidade de seu fato típico, alega, em algumas vezes, em sua defesa, ter cometido o crime em legítima defesa de sua honra.
Essa ideia de legítima defesa da honra conjugal surgiu na legislação portuguesa trazida para o Brasil a qual admitia que o marido matasse a mulher e seu amante fossem surpreendidos cometendo adultério, porém essa legislação não era reconhecida juridicamente. O Código Penal Brasileiro de 1890 trouxe a figura da excludente de ilicitude da “perturbação dos sentidos e inteligência”, excludente essa que os advogados acabaram se ancorando para suprir a falta de estratégia.
Deve-se observar que, o próprio Ferri, ao definir o que era criminoso passional, apontava que ele era um individuo de baixa periculosidade e que sua ação era fruto de uma conjunção de fatores que dificilmente aconteceria outra vez. Desta forma, a sociedade não precisava temê-lo, e o direito, que era responsável pela defesa social, não precisava puni-lo com rigores excessivos.
Ao aplicar estes princípios ao caso dos assassinos de mulheres, o judiciário esvaziava a violência do ato que tinha suprimido uma vida. Assim, o foco da questão era levado para a vida pregressa e a periculosidade do assassino, garantindo uma pena amena ou inexistente. Provavelmente, a questão era ainda mais aceitável nos casos que envolvesse a ruptura dos padrões socialmente aceitos.
Surgiu assim, a tese de defensiva da legítima defesa da honra que, conforme Eluf (2007, p.165), “[...] os jurados aceitavam, sem muito esforço, para perdoar a conduta criminosa”. Isso porque, na época, perdurava a diferença de direitos entre homens e mulheres, ainda havia muita discriminação da mulher, Eluf (2007, p.165) afirma que “[...] a concepção de que infidelidade conjugal da mulher era uma afronta aos direitos do marido e insulto ao cônjuge enganado encontrava eco nos sentimentos dos jurados, que viam o homicida passional com benevolência”.
Há doutrinadores que defendem que a legítima defesa da honra tem aplicabilidade até nos dias atuais. Demonstra o advogado Beraldo Junior (2004), que a ideia de legítima defesa da honra é válida sim, pois a honra deve ser reconhecida como direito, conforme a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso X.
Para Beraldo Junior (2004, p.1):
A legítima defesa consiste no uso dos meios necessários e se o ofendido julgava no momento de sua exaltação emocional e psicológica que, aquele era o meio necessário para a repulsa da ofensa e não era capaz de discernir se aquela repulsa era necessária ou se a melhor saída seria a separação litigiosa ou consensual, não há que se desclassificar a legitima defesa e puni-lo por homicídio qualificado, ou na melhor das hipóteses no homicídio privilegiado. O que deve ser analisado é núcleo do tipo penal, ou seja, repulsa a injusta agressão a honra, que caracteriza legitima defesa.
Quando analisamos ponto a ponto a tese do Dr. Beraldo Junior, fica explicito a procedência de fato na tese de legítima defesa da honra, e ainda, formulada sob pilares de bases constitucionais, versa a legislação pátria;
Art. 5º CF/88 - São Direitos Fundamentais;
Inc. X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização por dano moral ou material decorrente de sua violação.
Posteriormente, analisando o instituto da legítima defesa presente no Código Penal Brasileiro vigente;
Art.25 – Age em legitima defesa, quem, usando dos meios necessários moderadamente, repele injusta, atual e iminente, agressão ou ameaça a direito seu ou de outrem.
Sendo Honra, um direito fundamental inviolável, garantido pela Constituição e segundo o art. 25 do Código Penal, age em legítima defesa todo aquele que repele injusta agressão ou ameaça iminente a direito seu ou de outrem, então nestes parâmetros de fato, age em legítima defesa aquele que vê sua honra sendo ameaçada ou agredida em estado atual ou iminente.
Os doutrinadores que afirmam a validade da legitima defesa da honra até os dias atuais justificam que a sociedade absolve acusados de homicídios passionais com base nessa tese em razão de que ela não está disposta a conviver com o adultério, a desonra, a traição, e, muitas vezes, o comportamento da vítima é que impulsiona a prática delitiva.
Completa Beraldo Junior (2004, p.20):
Apesar de vários doutrinadores entenderem que a tese foi superada após o advento do Código Penal de 1940, os tribunais têm mantido as sentenças singulares absolutórias que acatam a tese da legitima defesa da honra, desde que, obviamente, presentes os requisitos do art. 25 do Código Penal e não seja decisão manifestamente contrária a prova dos autos, o que enseja recurso e consequente reforma do decisum.
Em contraponto a essa ideia, há doutrinadores que acreditam que a tese de legitima defesa da honra perdeu validade em razão da evolução social e que o direito tende a acompanhar essa evolução. Os direitos de homens e mulheres foram reconhecidos com equidade pela Constituição Federal de 1988; assim, a aplicabilidade da tese de legitima defesa da honra perdeu força por se demonstrar inconstitucional. Para tanto, demonstra Eluf (2001, p.199):
A tese de legitima defesa da honra, que levou à absolvição ou à condenação a penas muito pequenas de autores de crimes passionais, já não é mais aceita em nossos tribunais. A honra do homem não é portada pela mulher. Honra, cada um tem a sua. Aquele que age de forma indigna deve arcar pessoalmente com as consequências de seus atos. Sua conduta não contamina o cônjuge [...] A tese de legitima defesa da honra é inconstitucional, em face da igualdade dos direitos entre homens e mulheres assegurada na Constituição Federal de 1988 – art. 5º - e não pode mais ser alegada em plenário do júri, sob pena de incitação à discriminação do gênero.
Entende-se que com a reforma do Código Penal em 1940 e a nova CF/88, caiu por terra a tese de legitima defesa da honra, e os advogados estrategistas tiveram que buscar outra saída para suas teses de homicídios passionais. Isso porque as teses estavam baseadas no homicídio privilegiado sob violenta emoção, que dessa vez não absolvia o acusado, apenas amenizava sua pena. (ELUF, 2007).
Dessa forma, conforme analisado, percebe-se que a tese de legitima defesa da honra foi caindo em uso pela defesa por sua subsequente negação em plenário por parte dos jurados com o advento da igualdade entre homens e mulheres asseguradas na Carta Magna. Isso nos leva a concluir por simples raciocínio lógico de que o Direito acompanha ou tende a acompanhar a evolução social.
4.2 DA PRIVILEGIADORA DE VIOLENTA EMOÇÃO COMO TESE DE DEFESA DOS HOMICÍDIOS PASSIONAIS.
No texto definitivo do Código Penal de 1940, a paixão foi considerada uma atenuante da pena, ou seja, dependendo da análise do juiz, o criminoso poderia obter a redução da pena. O juiz deveria considerar a qualidade da paixão que levou ao crime, para assim reduzir a pena. Sua decisão deveria refletir a posição da sociedade quanto ao crime cometido.
Este elemento, segundo os juristas, reduziria os crimes dos chamados pseudopassionais, pois a impunidade que o Código Penal anterior garantia tinha sido excluída, dessa forma, diante da ameaça da prisão, o crime seria evitado. (FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1994).
Os juristas do período, diante desta nova situação, passaram a considerar a defesa da honra e da família como paixões sociais. Nesse sentido, o homem que declarasse matar por este motivo deveria ser eximido de culpa.
Pode-se afirmar que, o discurso jurídico apoiava-se na constituição gendrada das noções de honra e família, dentro do universo das relações sociais. Portanto, ao determinar a defesa destes elementos como motivo justo para a ação violenta, garantia-se a defesa de uma noção que pressupunha a subordinação feminina ao controle masculino, em relações marcadas por hierarquias.
Deve-se observar que, tal mecanismo foi considerado eficiente no controle da insubordinação feminina, pois, durante a vigência do Código, foi largamente utilizado para liberar os homens que atentavam contra suas companheiras, alegando serem criminosos passionais. Todavia, apesar das alterações do Código Penal de 1940, os advogados encontraram outros caminhos, a noção de legítima defesa da honra.
Na busca de tornar os homicidas passionais inimputáveis, foram elaboradas, no decorrer dos tempos, teses que buscassem sua absolvição ou diminuição considerável da pena. Em razão da perda de sustentação da tese de legitima defesa da honra no julgamento de crimes passionais, outra foi a figura que retornou aos palcos dos tribunais, qual seja, a tese de homicídio privilegiado por violenta emoção seguida à injusta provocação da vítima. Já não era mais possível conseguir a absolvição do autor de um delito passional, mas com a tese de violenta emoção, que tem validade nos dias atuais, é possível buscar uma diminuição da pena do condenado, desde que cumpra os requisitos exigidos para o beneficiamento.
A previsão dessa tese encontra-se no art. 121, § 1º do Código Penal, que prevê como caso de diminuição de pena o homicídio praticado sob domínio de violenta emoção seguida à injusta provocação da vítima. Essa diminuição de pena ocorre na terceira fase da dosimetria e prevê uma redução de um sexto a um terço. Assim, a pena será do delito base, previsto no caput, podendo ter uma redução que varia de um sexto a um terço. Para conseguir o benefício da violenta emoção, o sujeito deve agir se a reação do agente ocorrer logo em seguida a uma injusta provocação feita pela vítima.
Para alguns doutrinadores, é difícil a configuração da violenta emoção, uma vez que o homicídio passional, na vasta maioria dos casos, revela-se premeditado, ou seja, o autor planejou detalhadamente cada etapa do crime. A premeditação afronta o benefício da violenta emoção, uma é incongruente com a outra, pois a emoção não será violenta se ocorre de forma planejada.
Por outro lado, acrescenta Eluf (2007, p.161): “[...] mesmo havendo provocação da vítima, se o agente já comparece ao local do crime armado, demonstrando estar preparado para matar, não se pode reconhecer o privilégio. A premeditação é incompatível com a violenta emoção”.
Prosseguindo Vergara (apud MIRABETE, 2008, p.36) “[...] a paixão pode apresentar-se, e esta é sua conceituação verdadeira científica e exata – como a sistematização de uma idéia que se instala morbidamente no espírito e exige tiranicamente a sua conversão em ato”. Conclui Mirabete (2008ª, p.36) “a morte por ciúmes e a vingança pelo abandono da pessoa amada não constitui homicídio privilegiado”.
O homicídio guiado por violenta emoção por motivo de flagrante adultério não deixa de ser um crime passional, por este motivo, existem muitas discussões sobre o assunto e diversas decisões também podem ser observadas. Neste contexto, é pertinente informar que, embora a diminuição da pena do agente seja apenas uma possibilidade, existem vários casos onde esse privilégio tem sido concedido. Sobre a possibilidade de redução da pena, Prado (2010) afirma:
Parte da Doutrina divisa que a diminuição da sanção penal imposta é facultativa, já que a própria Exposição de Motivos (Decreto-Lei nº 2.848/40) se pronunciava neste sentido. De outro lado, defende-se a obrigatoriedade da redução da pena, com lastro na soberania do júri, constitucionalmente reconhecida (art.5º, XXXVIII, CF). Com efeito, sendo o homicídio delito de competência do Tribunal do Júri, ter-se-ia manifesta violação da soberania dos veredictos na hipótese de não realização pelo juiz da atenuação prevista, se reconhecido o privilégio ínsito no § 1º do art. 121.
4.4 DA COMPREENSÍVEL EMOÇÃO
É possível afirmar que a compreensível emoção trata-se de um estado psicológico anormal do agente, sendo que este é capaz de afetar sua vontade, inteligência, e diminuir suas resistências éticas, assim como sua capacidade reflexiva. Resumidamente, podemos entender que a violenta emoção é um estado psicológico a que um homem de boa fé não deixaria de ser sensível.
Acerca do criminoso emocional, é importante citar o que nos diz Hungria (1979,p.150): “retornando ao seu estado normal o delinqüente emocional quase sempre se entrega a demonstrações de remorso, a profundo abatimento. Não procura negar o crime, e o confessa espontaneamente, embora com lacunas de memória”. O que nos faz concluir que o crime emocional é um dos que tem maior índice de confissão, mesmo porque normalmente os crimes emocionais são cometidos com testemunhas e sem nenhuma premeditação, o que torna impossível de ser negado.
Importante acrescentar o que informa Faria (1959, p.16): emoção não pode ser confundida com paixão, uma vez que a paixão é permanente, enquanto a emoção é rápida e violenta.
Além da violenta emoção, deve ser observada a injusta provocação por parte da vítima. Acerca do assunto, Hungria (1959, p.289) entende que esta deve ser observada de maneira objetiva, ou seja, segundo a opinião da média, e não do agente.
4.5 APANHADO GERAL ACERCA DO ENTENDIMENTO DOS JULGADORES SOBRE O HOMICÍDIO PRIVILEGIADO.
É possível afirmar que a emoção e a paixão são capazes de tornar um agente inimputável, pois existem casos onde estes estados de afeto dão origem à doença mental; todavia, é necessário observar que, para esses casos, a inimputabilidade se dá devido à doença mental, não à emoção e à paixão, tendo em vista que estas são apenas a causa de origem da doença.
Neste contexto, a possibilidade de inimputabilidade está absolutamente excluída. Tendo em vista que o privilégio é meramente diminuidor de pena, mas não é o caso de inimputabilidade penal, cabe aos julgadores decidirem se em determinado caso esse benefício será considerado ou não. O autor Freu Rosa (1995, p.67) afirma que a questão sobre o privilégio deve ser apresentada ao júri antes deste ser submetido as circunstancias agravantes, sob pena de nulidade do julgamento.
Sobre os julgadores, é pertinente citar o que nos diz Greco (2011, p.147):
Nos julgamentos realizados pelo júri, embora não devam ser admitidos os chamados crimes passionais, como os jurados, em geral, se colocam no lugar daquele que praticou a infração penal, absolvem, muitas vezes, o agente de fatos que, de acordo com a lei penal, ensejariam condenações.
4.6 O CASO “MOTTA COQUEIRO” E O FIM DA PENA DE MORTE NO BRASIL.
Na chuvosa noite do dia 12 de setembro de 1852, em uma fazenda do norte fluminense, oito colonos da família de Francisco Benedito da Silva foram brutalmente assassinados a golpes de foice, facão e bastão. Apenas a filha Francisca, grávida, conseguiu escapar. Manoel da Motta Coqueiro, rico e proprietário da fazenda, então com 53 anos e certa projeção social é acusado de ser o mandante do crime, pois havia tido um caso extraconjugal com Francisca, disso resultando a gravidez. Tendo se negado a reconhecer a criança, o pai da moça foi procurá-lo e ambos discutiram ferozmente. Poucos dias depois, Francisco e sua família estavam mortos.
Rapidamente iniciou-se um movimento incriminador por parte dos muitos inimigos de Coqueiro, movimento este que acabou por deturpar e negligenciar as investigações policiais, que acabaram indiciando o fazendeiro e mais dois escravos como autores do crime. O caso teve ampla repercussão e chocou o país tanto porque o réu tratava-se de um homem branco livre e rico, tanto pela barbárie da execução do delito.
Sempre afirmando inocência, Manoel entrou para a história como a “Fera de Macabu”. Julgado duas vezes, em ambas o júri decretou-lhe a pena capital. Recorrendo da decisão, o Supremo Tribunal de Justiça negou o pedido e manteve a sentença de Primeira Instância. Restava apenas a Graça Imperial, que autorizava o imperador a comutar penas de morte para galés perpétuas. Entretanto, D.Pedro II, indignado com o caso, nega-lhe sua Graça. Manoel foi enforcado em praça pública no dia 06 de março de 1855 alegando inocência até o fim, diante de uma multidão boquiaberta.
Pouco tempo após a execução, entretanto, por confissão dos próprios escravos, indiciados como co-autores e que intecorrentemente haviam conseguido esquivar-se à aplicação da Justiça, ficou demonstrado o inteiro alheamento de Motta Coqueiro ao crime, pois foi sua segunda esposa, Úrsula das Virgens Cabral, que movida por intenso ciúme, é quem concebera o plano sinistro e fornecera as armas aos dois escravos que executaram o delito. Um inocente havia sido morto. Úrsula falecera um ano depois do marido, completamente louca. René Ariel Dotti, citando uma publicação da Faculdade de Direito de Coimbra acerca da pena de morte, datada de 1967, assim descreve o desfecho do episódio e suas implicações na aplicação da Justiça no Brasil:
“Foi tal o abalo que o caso produziu na opinião pública, e tal clamor suscitado contra a pena de morte por sua irreparabilidade quando resultado de equívoco da Justiça, que o imperador D. Pedro II, usando seu de seu Poder Moderador, passou a comutar, sistematicamente, a pena capital na de galés, apegando-se, para tanto, a qualquer circunstancia favorável ao condenado, ainda que sem maior comprovação. Desde então, até a queda do Império, ninguém mais subiu à forca”. (DOTTI, René Ariel. Op. Cit. P.337).
A pena de morte foi finalmente abolida no Código Penal de 1890, com supedâneo na Constituição Federal do ano seguinte.
5. METODOLOGIA
A Metodologia do presente artigo fundou-se em abordagem do presente tema através de Pesquisas Bibliográficas e de casos de crimes passionais no país observando-se primariamente as analises psicológicas do criminoso e as teses defensivas em campo de trabalho: Tribunal do Júri.
Outros métodos que usei potencialmente para abordar a questão pesquisada foram os casos de homicídios passionais e seus processos na Comarca de Manaus – AM.
6. CONCLUSÃO
Analisando a evolução do Direito Penal no Brasil é possível perceber como o desenvolvimento de uma nação é refletido em seu ordenamento jurídico. E não é possível compreendermos as leis que temos atualmente sem uma analise sistemática de como elas foram um dia.
O crime sempre existiu na sociedade, porém o homicídio passional aumentou significativamente sua incidência. Através deste trabalho pretendeu-se apresentar as teses defensivas desse crime, já apresentadas ao Tribunal do Júri, ao longo dos anos, para que se possa encontrar uma penalidade justa ao réu. Certamente ainda ocorrem crimes dessa natureza e é evidente que sempre vão ocorrer, mas a penalização para com esses crimes é um dos fatores que demonstra o grau de evolução jurídico-social de um país.
Uma sociedade não tem existência sem o Direito Penal. E uma sociedade evoluída é aquela na qual a punição ocorre sem a desvinculação dos direitos básicos inerentes à própria condição de pessoa humana, lição que nosso país aprendeu, infelizmente, à custa de séculos de terror imposto pelas Ordenações Portuguesas e vergonhosos erros judiciários, como o caso da “Fera de Macabu”. Mas nosso ordenamento conseguiu superar suas limitações e consolidar-se como trunfo que cada cidadão brasileiro dispõe para defender-se da opressão.
Não tenho compromisso com esta ou aquela tese de defesa, tampouco sustentar este ou aquele entendimento no júri. Analisei o Tribunal do Júri puramente da ótica crítica e teórica de uma estagiária de Direito que desempenha suas funções no mesmo, procurando dar à sociedade uma contribuição para refletir sobre o papel que deve desempenhar no júri. Posso não ter logrado êxito no meu objetivo, mas fui feliz ao escrevê-lo, pelo Direito e para o Direito.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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