A figura do terceiro beneficiário na Lei de Improbidade Administrativa

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Análise do alcance da LIA sobre os terceiros que não concorreram nem participaram do ato de improbidade, mas tão somente se beneficiaram da sua ocorrência. Discussão acerca de sua extensão, bem como sobre os elementos necessários de sua responsabilização.

SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Dos atos de improbidade administrativa. 4. Dos elementos do ato de improbidade administrativa. Existência de dolo e culpa. 5. Dos sujeitos ativo e passivo. 6. A figura do terceiro na condição de beneficiário do ato de improbidade. 7. Conclusão. 8. Bibliografia.

1. Introdução.

Este ano, mais precisamente no dia 02 de junho de 2014, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), Lei 8.429/92, irá completar 22 (vinte e dois) anos de existência no ordenamento jurídico brasileiro.

Desde sua edição, referida lei sempre acompanhou movimentos contrários e favoráveis à sua aplicação, em razão da notória modificação normativa trazida em seu bojo que acarretou na transformação de muitos procedimentos utilizados pela Administração Pública Direta e Indireta.

Isso porque diversas condutas, anteriormente sem punição civil e penal específica, passaram a ser classificadas como atos de improbidade administrativa. Os agentes responsáveis por estas condutas ímprobas passaram a responder por esses atos e ficaram sujeitos a pesadas sanções, dentre elas: ressarcimento do dano, pagamento de multa civil e, até mesmo, suspensão dos direitos políticos por até 10 (dez) anos (prazo este que poderá ser ainda maior com os agravantes trazidos pela Lei da Ficha Limpa – LC n.º 135/2010).

Assim, embora a preocupação do legislador com atos lesivos à Administração tenha se iniciado desde o Código Criminal do Império, em 1830[1], sendo mantida nas Constituições de 1891[2], 1934[3] e 1937[4], certo é que sua previsão e utilização eram ineficientes.

Esta mudança, dizem os doutrinadores, ocorreu em razão do ciclo de redemocratização do Brasil iniciado pela Constituição Federal de 1988, promulgada após mais de vinte anos de ditadura, que atribuiu diversos meios de controle à improbidade administrativa[5], concedendo ao Ministério Público, amplos poderes de fiscalização e de defesa da ordem jurídica[6].

Pois bem, durante esses 20 anos de aplicação da Lei 8.429/92, durante os quais até mesmo inconstitucionalidades formais foram ignoradas pelo em prol da aplicação da norma, verificou-se a existência de diversas mutações na sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. A própria conceituação do que vem a ser um ato de improbidade ainda é matéria que demanda discussões e encontra decisões díspares no Judiciário brasileiro. Essa divergência de interpretações, longe de tornar inócua a legislação punitiva, faz com que, justamente, a interpretação da norma evolua no tempo de modo a atingir a pretensão do legislador com a sua promulgação, refletindo assim o que a sociedade dela espera.

Abordaremos em parágrafos posteriores a evolução da interpretação da norma no que se refere, especificamente, à conceituação do ato ímprobo.

Não se alegue, porém, que as divergências quanto à aplicação da norma se encerram na caracterização da improbidade. Pelo contrário, diversos outros aspectos ainda hoje são motivo de debates e demandam de todos os operadores do direito um aprofundamento sobre o tema. Dentre estes, um, entendemos, demanda particular atenção e será examinado no presente artigo: a responsabilização por improbidade do chamado terceiro beneficiário do ato tido como de improbidade.

De toda forma, podemos dizer que atualmente a Lei de Improbidade Administrativa tem sido aplicada de maneira satisfatória, punindo os administradores ímprobos, aqueles que agiram com intenção de lesar a Administração ou, no mínimo, imbuídos de culpa grave, deixando de condenar aqueles inaptos ou inábeis.

Todavia, ainda não há uma posição definida acerca do terceiro que, muitas vezes vem sendo incluído no pólo passivo da demanda e não poucas vezes acaba sendo condenado solidariamente, tão somente, porque teria se beneficiado do ato tido como ímprobo.

A experiência nos indica que a aplicação da LIA aos terceiros que de alguma forma se relacionaram com o ato de improbidade ainda tem um campo grande de evolução. Aqui buscamos trazer alguns pontos para reflexão e debate.

Antes, contudo, de ingressarmos nesta seara, torna-se necessário traçar uma breve explicação sobre o conceito de improbidade administrativa e os atos que a configuram.

2. Conceito.

O legislador não trouxe um conceito de improbidade administrativa na Lei 8.429/92, mas tão somente elencou os atos que configurariam sua ocorrência. Para muitos, a Lei de Improbidade Administrativa é um tipo penal aberto. Os E. Min. Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, por exemplo, em diversos julgamentos no Plenário do Supremo Tribunal Federal manifestaram seu posicionamento nesse sentido.

De fato, uma leitura direta do texto da lei permite enquadrar quase todas as condutas como sendo de improbidade administrativa. Contudo, esta não é a interpretação que deve prevalecer e, felizmente, não é a que se consolidou hoje nos Tribunais Superiores, embora alguns membros do Ministério Público insistam em acoimar como ímprobas as mais simples irregularidades administrativas, as quais sequer causaram lesão à Administração Pública.

O ponto é que, ante à ausência de uma conceituação legal, coube à doutrina e a jurisprudência, ao longo desses anos, definir o que seria improbidade.

Entretanto, sendo impossível dissociar a sua conceituação ao princípio da moralidade administrativa, a doutrina majoritária acabou por definindo a improbidade administrativa como uma espécie de imoralidade administrativa qualificada.

Neste sentido, vejamos os conceitos trazidos por Marcelo Figueiredo, José Afonso da Silva e João Batista de Almeida:

Entendemos que a probidade é espécie do gênero ‘moralidade administrativa’ a que alude, v.g., art. 37 caput e seu § 4º da CF. O núcleo da probidade esta associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa; verdadeiro norte à Administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatórios à moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao contrário, a probidade é peculiar e específico aspecto da moralidade administrativa.[7]

A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37,§4º). A probidade administrativa consiste no dever de o ‘funcionário servir a administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queria favorecer’. O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade qualificada. A improbidade é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem[8].

Improbidade administrativa significa desonestidade, infringência ao princípio da moralidade, com enriquecimento ilícito, dano ao erário ou ofensa aos princípios constitucionais da Administração Pública e às normas legais[9].

Importante destacar. A improbidade não se confunde com imoralidade. Embora relacionadas, não é verdadeira a assertiva de que sendo imoral a conduta será ímproba. Pelo contrário. Para que uma conduta imoral seja considerada como ato de improbidade é necessário, justamente, que essa imoralidade tenha um algo mais, seja qualificada pelo dolo do agente ou pelo prejuízo ao erário decorrente da culpa grave do administrador.

A explicação, contudo, não encerra a discussão. Afinal, como é sabido, não há na Carta Magna uma conceituação acerca do que vem a ser moralidade administrativa, como nos ensina, em sábias palavras, Odete Medauar[10]:

de difícil tradução verbal porque impossível enquadrar em um ou dois vocábulos a ampla gama de condutas e práticas desvirtuadoras das verdadeiras finalidades da Administração Pública”.

De toda forma, também podemos conceituar a improbidade administrativa como uma espécie de corrupção contra o estado, conforme aduz Mario Pazzaglini Filho e Andre de Carvalho Ramos:

(...) a corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.[11]

 

(...) a improbidade administrativa é a designação técnica da chamada corrupção administrativa, pela qual é promovido o desvirtuamento dos princípios basilares de uma administração eficiente, transparente e equânime, em prol quer de vantagens patrimoniais indevidas, quer para beneficiar, de modo ilegítimo, servidores ou mesmo terceiros.[12]

O que se extrai do aqui sustentado é que a improbidade administrativa se caracteriza não com a simples ilicitude da conduta. Não decorre, ainda, da simples imoralidade do ato. O ato de improbidade, para que seja assim acoimado e caracterizado, necessita da verificação da vontade deliberada do agente, ou ao menos de sua culpa grave, em locupletar-se, beneficiar terceiros e ou violar os princípios norteadores da Administração Pública. Há de haver, necessariamente, o elemento subjetivo por trás da conduta inquinada, sob pena de se ter como ímprobas condutas ilegais de baixíssimo potencial ofensivo, que não passam de irregularidades administrativas.

Não se pode nunca esquecer que a Administração Pública tem funcionamento deveras complexo. Por tal razão, não são raras as vezes em que, alguns rituais, formalidades e procedimentos são ignorados de modo a atingir o interesse público que sempre deve ser almejado por aquele que exerce a função de administrador. Justamente por este motivo que não se pode ter qualquer irregularidade ou imoralidade por si só como caracterizadora da improbidade.

3. Dos atos de improbidade administrativa.

O legislador dividiu os atos de improbidade administrativa em três grandes grupos, quais sejam: (i) atos que acarretam no enriquecimento ilícito em razão de vantagem patrimonial indevida; (ii) atos que causam lesão ao erário, ensejando perda patrimonial e; (iii) atos que violem os princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade).

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Dentre destes grandes grupos, o legislador ainda elencou, exaustivamente, diversas condutas de caráter aberto e de ampla aplicação. O rol não é taxativo, não se encerra em si mesmo. Pelo contrário, permite que condutas não expressamente previstas sejam enquadradas em seus tipos. Justamente por isso não é pequena a parcela de juristas que questiona a Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, entende-se que a conduta, mesmo não prevista especificamente, possa vir a ser configurada como improbidade administrativa desde que acarrete em enriquecimento ilícito, prejuízo da administração pública ou ainda em violação de seus princípios.

A principal insurgência destas condutas, diz respeito ao elemento subjetivo do agente, previsto pelo legislador nas modalidades culposa e dolosa (atos que causam lesão ao erário – art. 10, da Lei n.º 8.429/92) e nas modalidades dolosa (para os atos que importam em enriquecimento ilícito e/ou violem os princípios da administração pública – respectivamente arts. 9º e 11, da Lei n.º 8.429/92), referida discussão será melhor abordada no próximo tópico, senão vejamos:

4. Dos elementos do ato de improbidade administrativa. Existência de dolo e culpa.

Como já afirmado no tópico introdutório, a Lei 8.429/92, mesmo significando inegável avanço no campo da responsabilização daqueles que atuam na Administração Pública por atos que atentem contra o patrimônio público, possui algumas lacunas que permitem interpretações divergentes da doutrina e jurisprudência.

A principal discussão, hoje de certa forma pacificada, em razão da evolução na sua interpretação, diz respeito ao elemento subjetivo necessário para a caracterização da conduta dos agentes ímprobos.

Em outras palavras, exatamente o que se buscou pontuar no tópico anterior. Não basta que se constate que o ato praticado beneficiou o agente ou terceiros, causou lesão ao erário ou violou princípios da administração pública. É obrigatório seja perquirido se a conduta tida como ímproba foi cometida por culpa grave ou dolo, discutindo-se, ainda, se a culpa, por si só, seria suficiente para a aplicação das sanções legais ao agente infrator.

Apesar do STJ definir que: “É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, (...)[13]". Após inúmeros debates acabou por firmar seu entendimento, aceitando a existência de atos de improbidade na modalidade culposa, ainda que exclusivamente nas hipóteses de infração ao artigo 10, e ainda que com a ressalva de se evitar com isso a caracterização da vedada responsabilidade objetiva:

(...) 3. Observe-se, ainda, que a conduta do Agente, nos casos dos arts. 9o. e 11 da Lei 8.429/92, há de ser sempre dolosa, por mais complexa que seja a demonstração desse elemento subjetivo; nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/92, admite-se que possa ser culposa, mas em nenhuma das hipóteses legais se diz que possa a conduta do agente ser considerada apenas do ponto de vista objetivo, gerando a responsabilidade objetiva. Precedentes: AIA 30/AM, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 28.09.2011; REsp. 1.103.633/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 03.08.2010; EDcl no REsp. 1.322.353/PR, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 11.12.2012; REsp. 1.075.882/MG, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 12.11.2010; REsp. 414.697/RO, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 16.09.2010; REsp. 1.036.229/PR, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe 02.02.2010. (...) (REsp 1.216.633-PR, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 23/10/2013)

 

A doutrina, por sua vez, em sua maioria defende a necessidade do elemento subjetivo dolo na conduta do agente, ainda que a modalidade culposa esteja expressamente prevista no art. 10 da Lei 8.429/92.

 

 

 

Isso porque, dizem os doutrinadores adeptos deste entendimento, que o ato, ainda que ilícito, não poderá ser caracterizado como de improbidade sem a voluntariedade e má-fé da conduta do agente, sendo inquestionável a necessidade do dolo, em toda conduta considerada ímproba.

Nesse sentido, se posiciona Marcelo Figueiredo, que argumenta da seguinte forma.

(...) cumpre observar que a presente lei pretende colher em suas malhas os atos de improbidade, que comportam, como veremos ao longo dos comentários, diversos “graus”, com diferentes conseqüências jurídicas.

Nessa direção, não nos parece crível punir o agente público, ou equiparado, quando o ato acoimado de improbidade é , na verdade, fruto de inabilidade, de gestão imperfeita, ausente o elemento de “desonestidade”, ou de improbidade propriamente dita.[14]

               

Ainda no mesmo sentido, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não há como se falar em ato de improbidade culposo, ainda que conste expressamente no art. 10 da aludida lei, pois é difícil compactuar com tal entendimento, vez que esbarra no próprio conceito de improbidade e a vontade constituinte.

Assim, segundo a autora, parece ser mais crível que o legislador tenha cometido um equívoco, do que ponderarmos que a intenção da Lei de Improbidade é alcançar também agentes honestos, mas inábeis.

Dos três dispositivos que definem os atos de improbidade, somente o artigo 10 fala em ação ou omissão, dolosa ou culposa. E a mesma idéia de que, nos atos de improbidade causadores de prejuízo ao erário, exige-se dolo ou culpa, repete-se no art. 5º da lei. É difícil dizer se foi intencional essa exigência de dolo ou culpa apenas com relação a esse tipo e ato de improbidade, ou se foi falha do legislador, como tantas outras presentes na lei. A probabilidade de falha é a hipótese mais provável, porque não há razão que justifique essa diversidade de tratamento.

A responsabilidade objetiva, além de ser admissível somente quando prevista expressamente destoa do sistema jurídico brasileiro, no que diz respeito à responsabilidade do agente público, a começar pela própria norma contida no artigo 37, § 6º, da Constituição, que consagra a responsabilidade objetiva do estado por danos causados a terceiros, mas preserva a responsabilidade subjetiva do agente causador do dano. Quando muito, pode-se dizer que, em algumas hipóteses de atos de improbidade, em especial nos que causam enriquecimento ilícito, a culpa é presumida.

No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a da suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.[15](grifamos)

 

Esse o entendimento que acreditamos seja mais adequado. Veja, não se está aqui defendendo que o administrador inábil poderia lesar a administração pública e passar incólume. Poderia responder, em caso de erros grosseiros, pela reparação do prejuízo efetivamente causado ao erário, desde que comprovado. Contudo, no nosso entender, a aplicação das demais sanções inerentes ao ato de improbidade administrativa somente deve ser imposta quando o administrador for comprovadamente ímprobo, imbuído dos conceitos aqui já defendidos.

A verdade é que o núcleo da conceituação de improbidade deve primeiramente passar pela verificação de seu no texto constitucional, de onde extraímos, inegavelmente, o conceito de má-fé e desonestidade. E, efetivamente, a modalidade de atos culposos não se enquadram no conceito de má-fé, de voluntariedade na prática da ilegalidade qualificada.

5. Dos sujeitos ativo e passivo.

Os sujeitos de improbidade administrativa podem ser ativos (aqueles responsáveis pela prática do ato) e passivos (aqueles sob os quais recairão as consequências do ato ímprobo praticado)[16].

Em outras palavras, sujeitos ativos são aquelas pessoas físicas que se relacionam com a administração, sendo sujeitos passivos, a própria Administração Pública, direta ou indireta, as Associações, Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)[17]

Assim, a caracterização do ato de improbidade administrativa depende, necessariamente, do envolvimento da Administração Pública direta ou indireta de um lado, e de pelo menos um agente público do outro[18].

O terceiro, por sua vez, de acordo com o art. 3º[19] da Lei 8.429/92, responderá pelo ato de improbidade, desde que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Estará ele sujeito, “no que couber”, segundo a dicção legal, aos comandos da lei.

Assim temos situações distintas, duas claramente comissivas – induzir e concorrer – e outra que pode se materializar apenas pelo resultado do ato – eventual benefício (direto ou indireto).

Quanto à indução (participação), que se dá no momento antecedente à conduta do agente público ou no concurso (conluio), em que o terceiro é co-autor, nada temos a opor, afinal, se o terceiro tinha não só ciência do ato tido por ímprobo mas como dele participou ativamente, certamente deve ser punido.

A insurgência, por outro lado, diz respeito ao terceiro incluído, na maioria das vezes de forma aleatória, na ação de improbidade tão somente como mero beneficiário do ato ímprobo, ficando, desde então, sujeito às gravíssimas penas veiculadas pela LIA.

6. A figura do terceiro na condição de beneficiário do ato de improbidade.

Com base em uma análise meramente literal da Lei 8.429/92, basta ser beneficiário direto ou indireto de determinado ato administrativo para incorrer em suas penas de suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, dentre outras penas.

Neste sentido, muitos são os julgados que verificam apenas o elemento subjetivo na conduta do agente público e o condena, juntamente com o terceiro beneficiário, às penas previstas na lei de improbidade administrativa, tão somente porque este se beneficiou do ato considerado ímprobo, abaixo:

ADMINISTRATIVO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, DA LEI 8.429/92. DANO AO ERÁRIO. MODALIDADE CULPOSA. POSSIBILIDADE.

FAVORECIMENTO PESSOAL. TERCEIRO BENEFICIADO. REQUISITOS CONFIGURADOS. INCURSÃO NAS PREVISÕES DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

(...)

5. A lei de improbidade administrativa aplica-se ao beneficiário direto do ato ímprobo, mormente em face do comprovado dano ao erário público. Inteligência do art. 3º da Lei de Improbidade Administrativa. No caso, também está claro que a pessoa jurídica foi beneficiada com a prática infrativa, na medida em que se locupletou de verba pública sem a devida contraprestação contratual. Por outro lado, em relação ao seu responsável legal, os elementos coligidos na origem não lhe apontaram a percepção de benefícios que ultrapassem a esfera patrimonial da sociedade empresária, nem individualizaram sua conduta no fato imputável, razão pela qual não deve ser condenado pelo ato de improbidade.

6. Recurso especial provido em parte.

(REsp 1127143/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)

 

(...) Nos termos do art. 3º da Lei nº 8.429/92, os terceiros que, não sendo agentes públicos, induzam ou concorram para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficiem, de forma direta ou indireta, também podem ser sujeitos ativos e, consequentemente, respondem pelos atos de improbidade.

Beneficiário é aquele indivíduo que aufere vantagem com a prática do ato de improbidade. Para sua responsabilização, não se exige que tenha agido com má-fé, bastando, para tanto, que não tenha agido com a corriqueira diligência (...).

(TJ-SP. 2ª Câm Dir. Publico. Apelação nº 0000542-25.2004.8.26.0601 28. Rel. Des. José Luiz Germano. D.J. 11.10.11).

É bem verdade que a legislação não chegou a dispor, especificamente, sobre a necessidade do elemento subjetivo do terceiro beneficiário, sendo este considerado como ímprobo tão somente porque se beneficiou de uma conduta praticada pelo agente público.

Este caráter extremamente aberto, já havia sido percebido por Fernando Capez ao afirmar:

Esse dispositivo estende, portanto, as punições a todos aqueles que contribuíram ou se beneficiaram ‘de qualquer modo’ do ato de improbidade. Logo, qualquer pessoa que auxilie, induza ou instigue o agente público à prática do ato, ou concorra de modo omissivo para sua ocorrência, ou, ainda, desfrute direta ou indiretamente desse ato, será responsabilizado nos termos dessa lei”[20].

Entretanto, com a devida vênia aos entendimentos em sentido contrário, de certo que a caracterização da responsabilidade do terceiro deve ser igualmente analisada, ainda que tenha se beneficiado com o ato administrativo ímprobo. O elemento volitivo deve estar presente e deve ser analisado.

Isso porque, a conduta do agente público, para ser caracterizada como conduta ímproba, deve ser acompanhada da voluntária má-fé – dolo – (ou no mínimo, segundo a jurisprudência, culpa grave, para as hipóteses do art. 10) e ter no seu resultado, o enriquecimento ilícito, o prejuízo à administração pública ou a violação de seus princípios.

Vale lembrar que é contra a sistemática de nosso ordenamento a responsabilização objetiva, sendo sempre, nas remotas hipóteses previstas, especifica e decorrente de comando expresso neste sentido. A responsabilidade objetiva é completa exceção em nosso ordenamento.

Ademais, no mínimo por isonomia, o terceiro igualmente deve ter a sua conduta e o seu elemento subjetivo analisados, pois se não houve dolo (e culpa para alguns), ainda que tenha sido beneficiado com o ato não poderá ser condenado às penas de improbidade administrativa.

Apesar deste aspecto ainda não ser profundamente explorado pela doutrina ou pela jurisprudência, podemos destacar o brilhante voto do Ministro Teori Albino Zavascki, ainda no Superior Tribunal de Justiça, em que expressamente abordou a questão sobre a figura do terceiro beneficiário:

(...) a responsabilidade do terceiro que induz ou concorre com o agente público na prática da improbidade, ou que dela se beneficia, supõe, quanto aos aspectos subjetivos, a existência de dolo, nas hipóteses dos arts. 9º e 11 da Lei, ou de culpa nas hipóteses do art. 10. Não há, no sistema punitivo, responsabilidade objetiva. O terceiro, mesmo beneficiado, não pode ser punido se agiu de boa-fé, ou seja, se ‘mesmo com razoável diligência, comum aos homens médios, não teria percebido a ilicitude do ato gerador de seus benefícios (...).

É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se reconheça ou presuma esse vício justamente na conduta oposta: de ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a revisão de atos praticados como nelas

recomendado, ainda mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem os prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida por imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.

(REsp 827445/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 08/03/2010)

Por estas razões não temos dúvidas da necessidade de verificação do elemento subjetivo também nos casos de terceiro beneficiário nas ações de improbidade administrativa.

Se o agente público, sujeito sem o qual não há improbidade, para a configuração do ato ímprobo, deve ter o elemento volitivo de sua conduta analisado, não se mostra juridicamente razoável ou mesmo lógico, que o terceiro beneficiário do ato não sofra esta mesma análise. Não podemos ser mais rigorosos com o particular do que com o próprio agente público, foco central da Lei. Até por que, vale lembrar, é possível a ação de improbidade sem a presença de nenhum particular, porém não se mostra viável a ação sem a presença de um agente público.

A situação fica mais grave quando verificamos a hipótese prevista na lei de condenação em razão de ser o terceiro beneficiário meramente indireto do ato, pois nessas hipóteses a condenação poderá fugir completamente do objetivo da lei e da matriz constitucional que zela e preserva a probidade. A amplitude de situações e definições que podem ser encaixados nesse conceito de benefício indireto inegavelmente vai de encontro a diversas garantias constitucionais.

Aqui voltamos a discussão anterior de que não se coaduna com os preceito constitucional de probidade a penalização na modalidade culposa. No caso de terceiro entendemos que não basta o simples benefício para sua condenação. Ou, para aqueles que aceitam a idéia de condenação por ato culposo, entendemos que o terceiro somente poderá ser condenado na condição de mero beneficiário se o agente público ter praticado ato tipificado no artigo 10 da LIA.

E ainda, no caso de conduta dolosa do agente, o terceiro somente estará sujeitos às sanções da LIA apenas se for também agir com dolo. Neste caso, o dolo será demonstrado através da comprovação de que o beneficiário, direto ou indireto, estava cientes de que esta vantagem é oriunda de um ato de improbidade.

Tomemos como exemplo casos que se tornaram recorrente nos tribunais, inclusive nos superiores: as contratações de servidores sem o respectivo concurso público. Por diversas ocasiões os gestores foram condenados em ações de improbidade, mas os contratados ou não foram sequer réus nas ações ou, se figuraram no pólo passivo, não foram condenados[21].

Neste caso devemos, como já visto, considerar o elemento subjetivo do beneficiário. Ou seja, nesta hipótese, se havia ou não dolo por parte do particular. E este dolo estaria configurado na intenção de receber um benefício que estava ciente ser ilegal. Neste exemplo o terceiro deveria ser condenado por improbidade se, apesar de não ter concorrido ou induzido o agente para a prática do ato das contratações, tivesse, por exemplo, tido acesso a um parecer da procuradoria jurídica do órgão indicando de forma fundamentada a ilicitude das contratações.

Caso não haja esta comprovação do dolo do beneficiário ele estará sujeito a, quando for o caso, responder pelo ressarcimento em ação com outra causa de pedir e pedido. Nesta análise devemos ter em conta ainda a vedação ao enriquecimento ilícito e ainda uma verificação da licitude do benefício.

Jacintho de Arruda Câmara[22] já destaca este ponto ao expor:

...Quando se fala do benefício auferido está se pretendendo atingir aqueles que, mesmo não participando da prática do ato (lembre-se que na celebração de contratos o particular participa efetivamente da prática do ato), tenha ‘dolosamente’ recebido, direta ou indiretamente, benefício em função da improbidade (como na hipótese de, em razão de recebimento de propina, agente público tenha frustrado a ilicitude de processo licitatório – art. 10, VIII).

Em outras palavras, poderá ser o particular apenado com as severas sanções da LIA somente se tiver ciência que seu benefício foi oriundo de uma prática ímproba. De outra forma, sequer será possível incluí-lo no pólo passivo da ação de improbidade. E essa ciência não pode ser presumida.

Não se nega, por outro lado, a possibilidade de se questionar ou perseguir eventual vantagem percebida por terceiro proveniente de um ato de improbidade, apenas se afirma que, sem a presença do dolo, o particular se sujeitará será responder a uma ação de ressarcimento, de cunho exclusivamente econômico e não sancionador/punitivo.

Não se pode confundir a típica ação de improbidade administrativa, de que trata o artigo 17 da Lei 8.429/92, com a ação de responsabilidade civil para anular atos administrativos e obter o ressarcimento do dano correspondente. Aquela tem caráter repressivo, já que se destina, fundamentalmente, a aplicar sanções político-civis de natureza pessoal aos responsáveis por atos de improbidade administrativa (art. 12). Esta, por sua vez, tem por objeto consequências de natureza civil comum, suscetíveis de obtenção por outros meios processuais[23].

Por fim, devemos ressaltar que diante do instrumental amplo colocado à disposição dos legitimados ativos, é requisito obrigatório para a inclusão de um particular no pólo passivo de uma ação por cometimento de ato de improbidade na condição de beneficiário o expresso apontamento não só deste benefício, mas também da sua conduta dolosa. A prova[24] até poderá vir na fase instrutória[25], mas, repita-se, esta indicação da conduta deverá ser claramente exposta na petição inicial, sob pena de a ação não ser recebida (art. 17, §6º.) contra o particular.

De toda forma, por se tratar de questionamento relativamente novo, ainda não se sabe qual será o entendimento a ser consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, mas, novamente com a devida vênia, entendemos que deveria ser realizado mediante a análise individual do elemento subjetivo de todos os participantes e beneficiários do ato tido por ímprobo.

6. Conclusão.

Assim, exposto todo o material argumentativo acima, visa o presente estudo levar ao intérprete do direito, operador e julgador aos novos questionamentos que ainda deverão ser solucionados no âmbito de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa e seu alcance.

Isso porque, embora ainda não consolidado os limites pelos quais o terceiro beneficiário deverá responder à ação de improbidade administrativa, defende-se que este, caso ausente sua má-fé, não responda por ato de improbidade administrativa.

Ora, se o legislador visou punir o administrador desonesto, antiético denominando-o de ímprobo, seria juridicamente impossível a punição do terceiro que não cumprisse os mesmos requisitos de desonestidade e antiética.

Para tanto, defende-se aqui, a análise individual de cada réu na Ação de Improbidade Administrativa, com a respectiva narrativa individual dos elementos subjetivos (o dolo e, para aqueles que aceitam, a culpa) nas condutas praticadas por estes, de modo a tornar mais coerente a responsabilização destes.

7. Bibliografia.

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29ª Ed. São Paulo:Malheiros, 2007.

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Sobre os autores
Eduardo Maffia Queiroz Nobre

Advogado. Sócio coordenador da área de Direito Público do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados. Mestrando em Direito Constitucional pela PUC-SP.

André Santos Silva

Mestrando em Direito Constitucional pela PUC-SP, Advogado em São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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