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O exame criminológico como uma barreira aos direitos na execução penal

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23/05/2014 às 12:41
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CAPÍTULO 3 – DO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA

Conforme a tese defendida na presente pesquisa, com a reforma estabelecida pela Lei 10.792/03 no artigo 112 da Lei de Execução Penal, o exame criminológico não constitui requisito subjetivo para a concessão de direitos na fase da execução penal, sob pena de violarmos diversos princípios constitucionais, sobretudo o da legalidade, da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana.

Contudo, apesar da referida legislação ter extinguido a obrigatoriedade do exame criminológico, muitos magistrados continuaram exigindo-o como requisito para a concessão de direitos em sede da execução penal, principalmente para a progressão do regime prisional.

Em razão dessa divergência, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante nº. 26, que dispõe:

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. (grifo nosso)

Nesse mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 439, que estabelece:

Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

Assim, ambas as súmulas dispõem que o exame criminológico pode ser determinado pelo magistrado, excepcionalmente, desde que por decisão devidamente fundamentada.

O doutrinador Guilherme de Souza Nucci61 entende positiva a edição das respectivas súmulas. Para ele, o juiz pode exigir o exame criminológico com fundamento no preceito constitucional de que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário, bem como no princípio da individualização da pena. Vejamos:

Portanto, cabe ao juiz da execução penal determinar a realização do exame criminológico, quando entender necessário, o que deve fazer no caso de autores de crimes violentos contra a pessoa, bem como a concretização do parecer da Comissão Técnica de Classificação. A requisição do exame e do parecer fundamenta-se não apenas no preceito constitucional de que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário, mas também na clara norma da Constituição Federal a respeito da individualização da pena, que não se limita à aplicação da pena na sentença condenatória.

Entretanto, conforme já mencionado, o exame criminológico quando realizado como requisito para a progressão de regime prisional ou mesmo para outros direitos em sede de execução penal, constitui em instrumento que não se relaciona com o princípio da individualização da pena, já que tem como conseqüência a análise da probabilidade da reincidência, que constitui dado impossível de ser verificado e que não encontra amparo na teoria do “Direito Penal dos Fatos”.

O princípio da individualização da pena é observado em sede da execução penal quando a perícia é realizada para atender os interesses do condenado no cumprimento da pena, por meio da verificação de suas necessidades. Isto ocorre quando o exame é realizado desde o início da execução, conforme prevê expressamente a Lei de Execução Penal. Porém, quanto a essa perícia, como o seu objetivo não é a negativa de direitos, os magistrados não lhe dão a importância devida, não havendo um controle efetivo sobre a sua realização.

Por conseguinte, o dever de colaborar com o Poder Judiciário também não constitui fundamento idôneo que ampara a exigência do exame criminológico, já que esse dever surge quando há a determinação legal no sentido de estabelecer uma obrigação.

Isto significa que, se não há a determinação legal em colaborar com o Poder Judiciário, não existe nenhum dever a cumprir, caso contrário estaríamos permitindo um abrandamento do princípio da legalidade que tornaria tal postulado um dispositivo meramente formal, sem eficácia e efetividade, pois qualquer determinação do magistrado deveria ser cumprida, mesmo que sem amparo legal e com a conseqüência de interferir na esfera da liberdade individual.

Ademais, a exposição de motivos que fundamenta a exclusão do exame criminológico do artigo 112 da Lei de Execução Penal demonstra a intenção do legislador em não permitir ou mesmo facultar a sua realização. Vejamos as palavras do Deputado Ibrahim Abi-Ackel, relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação62:

Hoje, cumprido um sexto da pena, o prisioneiro tem de submeter-se a um exame que não se realiza nunca, tem de requerer a sua liberação ao conselho Penitenciário, que nunca tem número e que nomeia um relator que nunca dá parecer rapidamente, e o sexto da pena, muitas vezes é dobrado e triplicado na sua extensão temporal sem que a Justiça emita alvará de soltura. Pelo substitutivo, o réu que cumprir um sexto da pena não tem que requerer coisa alguma e seu advogado terá apenas de requerer ao Juiz da Execução a imediata liberação do alvará de soltura, porque não haverá mais dependência do Conselho Penitenciário nem exame criminológico algum. Ele cumpriu a pena que lhe foi imposta e não deve ser submetido à burocracia judiciária, sempre demorada e confusa. (grifo nosso)

Por derradeiro, temos que as súmulas supracitadas estão em flagrante violação aos ditames legais e constitucionais. No presente caso, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça atuaram como “legislador positivo”, já que permitiram um instituto que foi retirado do ordenamento jurídico, violando o princípio da separação de poderes (artigo 2º da Constituição Federal). Esse é o entendimento do Ministro Marco Aurélio que emitiu voto contrário à súmula vinculante nº. 26, conforme constata a doutrina de Luís Carlos Valois63:

(...) podemos partir para a interpretação analógica que acabe por prejudicar o réu? A resposta é desenganadamente negativa. Não podemos nos antecipar a projeto em tramitação no Congresso, para restabelecer – no campo jurisprudencial – o exame criminológico, que, sabidamente, dificulta a progressão (...) Por isso é que adiantando o voto, e devo ter muito cuidado na edição de verbete vinculante especialmente em matéria penal, no sentido de não aprová-lo, porque se o fizermos, restabelecendo a redação primitiva do art. 112 da Lei de Execução Penal, estaremos atuando como legisladores (fls. 05).

A doutrina de Heráclito Antônio Mossin e Júlio César O.G. Mossin64 também corroboram com a tese defendida no presente trabalho, vejamos:

Independentemente do juízo de valor sobre a imprescindibilidade ou não, conforme o caso, de ser feito o exame criminológico, a verdade é que ambos os Tribunais Superiores usurparam a função do legislador, o que não pode tolerar do ponto de vista constitucional.

Evidentemente, cada “Poder” tem sua função previamente determinada na Constituição Federal. O Legislativo tem a incumbência de aprovar ou não projetos de leis de sua iniciativa ou do Executivo, ao passo que este último poderá sancioná-los ou não. Já o Poder Judiciário é o organismo estatal incumbido da aplicação das leis, quando para isso provocado, posto que os juízes não procedem de ofício.

Portanto, a partir do momento que esses Tribunais Superiores passam a prever por intermédio de Súmulas a viabilidade de ser feito o exame tratado, sem que haja lei fazendo essa previsão, eles passam a legislar, o que não é plausível e menos ainda recomendável em um Estado Democrático de Direito, uma vez que isso implica regra básica de atuação.

O próprio Supremo Tribunal Federal65 se manifesta contra a atuação do Poder Judiciário como “legislador positivo”, senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. LEI N. 9.249/1995. CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (Grifo nosso)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. LEGISLAÇÃO QUE ESTABELECE LIMITES À DEDUÇÃO DE GASTOS COM EDUCAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do STF é no sentido de que não pode o Poder Judiciário estabelecer isenções tributárias, redução de impostos ou deduções não previstas em lei, ante a impossibilidade de atuar como legislador positivo (...) (Grifo nosso)

Sobre o tema, essa também é a lição de Alexis Couto de Britto66:

A questão que se coloca com a edição da Súmula Vinculante 26 é a possibilidade de se criar restrições à liberdade sem previsão legal, o que pelo nosso ordenamento constitucional se mostra inviável, diante do princípio da estrita legalidade. Assim, não seria correto, como prega a súmula, que o juiz tivesse a faculdade de inventar alguma restrição sem que esta possua parâmetros legais que possam verificar a sua correção e benefício social.

Por fim, diante da existência das súmulas dos tribunais superiores ora estudadas, temos que a solução a ser dada quando de sua interpretação e aplicação é no sentido de admitirmos o exame criminológico apenas quando tal instrumento for capaz de beneficiar o condenado, aplicando-se o princípio do in dubio pro reo.

Assim, seria permitido ao magistrado exigir o exame criminológico para flexibilizar o requisito subjetivo previsto na Lei de Execução Penal, ou seja, o bom comportamento carcerário devidamente comprovado pelo diretor do estabelecimento penitenciário, que, objetivamente, consiste na inexistência de falta grave homologada judicialmente nos últimos doze meses.

Portanto, o exame criminológico poderia ser determinado pelo magistrado, excepcionalmente e de forma fundamentada, para realizar uma avaliação positiva do comportamento condenado, quando este cometera falta grave nos últimos doze meses, a fim de comprovar que o requisito subjetivo encontra-se presente, mesmo diante da falta grave homologada, permitindo a concessão de direitos em sede da execução penal.

Essa também é a solução apontada por Luís Carlos Valois67:

Já que a súmula vinculante, com valor de lei, permite que o juiz traga ao processo dados a serem interpretados, estes novos elementos dos autos podem servir para uma avaliação positiva do comportamento do preso, ainda que haja fatos concretos que objetivamente possam impedir o direito à progressão de regime. Em termos práticos, uma falta grave poderia ser rechaçada como indício de conduta negativa, apesar da certidão da administração penitenciária, se a manifestação técnica trouxesse, por exemplo, elementos que indicassem ser tal fato esporádico ou involuntário na vida daquele preso, de acordo com as circunstâncias do cárcere. Por outro lado, em nome do princípio da legalidade, um preso que não cometeu qualquer infração disciplinar e possui atestado de bom comportamento, não pode ter direito negado com base na interpretação de características extraídas de sua avaliação psicológica.

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Ocorre que esta não é a interpretação realizada pela jurisprudência brasileira.

Conforme será demonstrado no tópico seguinte, os julgadores utilizam as referidas súmulas para estabelecer, como regra, a exigência do exame criminológico para a concessão de direitos em sede da execução penal. Verifica-se que essa determinação acaba funcionando como um verdadeiro “cavalo de tróia” para burlar a legislação e a Constituição Federal.

3.1– Da ausência de fundamentação e excepcionalidade nas decisões que autorizam a realização do exame criminológico

Como cediço, o presente trabalho defende a tese de que a exigência do exame criminológico para a concessão de direitos em sede da execução penal não é compatível com a legislação ordinária e com a Constituição Federal. Contudo, a súmula vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal e a súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça admitem tal procedimento de maneira excepcional e desde que haja efetiva fundamentação.

Ocorre que tal exceção (que sequer deveria existir) vem sendo aplicada como regra pelos magistrados, senão vejamos:

Há decisões que vinculam a exigência do exame criminológico ao direito pleiteado e aos “futuros direitos” que irão surgir no curso da execução penal. Isto demonstra que a realização do exame criminológico se tornou a regra e que não há a fundamentação concreta conforme determina as súmulas supramencionadas, mas sim uma fundamentação meramente formal.

Nesse sentido, foi concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a ordem no julgamento do Agravo Penal nº 0128784-44.2013.8.26.0000 da Comarca de Araçatuba, vejamos:

(...) o agravo, entretanto, comporta provimento em um ponto. É que o MM. Juiz de Direito responsável pela execução mencionou em sua decisão que deveria ser elaborado previamente exame criminológico sempre que fosse formulado novo pedido de benefício, o que é notoriamente inconstitucional por ferir o princípio da individualização das penas e da necessidade de fundamentação concreta das decisões judiciais. (grifo nosso)

Ademais, há muitas decisões que fundamentam a exigência do exame criminológico com base na “gravidade em abstrato do delito praticado” ou mesmo na “pena longa fixada na sentença judicial”.

Porém, tais decisões também não possuem fundamentação idônea, havendo uma fundamentação meramente formal que não pode ser tolerada, pois viola o princípio da individualização da pena e, sobretudo, da separação dos poderes.

É sabido que o princípio da individualização da pena consiste em um direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, sendo dirigido ao legislador, ao definir o campo do punível, criando tipos penais e cominando as respectivas penas; ao juizo de conhecimento, ao condenar a aplicar a pena ao réu, observando os parâmetros já estabelecidos pelo legislador; e, por fim, ao juízo da execução, ao analisar, de forma individualizada, a situação prisional de cada sentenciado, concedendo-lhes os direitos expressamente determinados em lei.

É importante ressaltar que a análise da “gravidade do delito” já foi considerada pelo legislador quando da fixação da pena máxima em abstrato. Desta forma, pode-se perceber que, por exemplo, o crime de furto (reclusão, de um a quatro anos, e multa) não possui a mesma pena do crime de roubo (reclusão, de quatro a dez anos, e multa), já que este último é praticado mediante violência ou grave ameaça a pessoa.

Por derradeiro, essa mesma análise pelo juízo da execução penal violaria o princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal, pois compete ao Poder Legislativo e não ao Poder Judiciário fixar os limites das penas aos delitos considerando a gravidade em abstrato do crime.

Ademais, a “pena longa” fixada na sentença judicial também já foi analisada pelo magistrado prolator da decisão condenatório, que adequou a sanção de acordo com o caso concreto. O lapso temporal do requisito objetivo é proporcional à pena aplicada, mesmo que longa, uma vez que um sexto de vinte anos, por exemplo, é maior que um sexto de dois anos.

Assim, tais considerações não podem ser averiguadas novamente em sede de execução penal, conforme pretendem muitos magistrados, sob pena de importar em dupla punição pelo mesmo fato, configurando violação ao princípio do ne bis in idem.

Por derradeiro, o argumento de que a “longa pena” a cumprir ensejaria o motivo de realização de exame criminológico, é contrária ao nosso ordenamento jurídico, pois cria uma espécie de delito (pena longa) que exige exame criminológico para a progressão, até mesmo mais rígido do que os critérios para os crimes hediondos.

Com efeito, caso acolhido tal entendimento, todo o preso com “pena longa” estaria desestimulado a manter um bom comportamento carcerário durante o cumprimento da sua pena, uma vez que eventual progressão de regime prisional lhe seria negada sob o argumento de que não está presente o requisito subjetivo.

Sobre o tema, podem-se aplicar, por analogia, as súmulas nº 71868 e 71969 do Supremo Tribunal Federal, segundo as quais é vedado ao magistrado impor o regime de cumprimento de pena mais severo do que a legislação prevê com base na gravidade em abstrato do delito. Na mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 44070.

Veja a posição do Supremo Tribunal Federal71:

(...) A jurisprudência do STF consolidou entendimento segundo o qual a hediondez ou a gravidade abstrata do delito não obriga, por si só, o regime prisional mais gravoso, pois o juízo, em atenção aos princípios constitucionais da individualização da pena e da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, deve motivar o regime imposto observando a singularidade do caso concreto. 5. Aplicação das súmulas 718 e 719. 6. Ordem concedida para fixar o regime inicial semiaberto para início do cumprimento da pena. (grifo nosso)

(...) O Supremo Tribunal Federal entende que a alusão à gravidade do delito ou o uso de expressões de mero apelo retórico não validam a ordem de prisão cautelar. O juízo de que a liberdade de determinada pessoa se revela como sério risco à coletividade só é de ser feito com base no quadro fático da causa e, nele, fundamentado o respectivo decreto prisional. Necessidade de demonstração do vínculo operacional entre a necessidade da segregação processual do acusado e o efetivo acautelamento do meio social. 3. O fato em si da inafiançabilidade dos crimes hediondos e dos que lhes sejam equiparados não tem a antecipada força de impedir a concessão judicial da liberdade provisória, submetido que está o juiz à imprescindibilidade do princípio tácito ou implícito da individualização da prisão (não somente da pena) (...) (grifo nosso).

Cumpre transcrever, ainda, interessante julgado do Ministro Marco Aurélio72:

(...) tem-se que por último foi editada a Lei n 10.792, de 1 de dezembro de 2003, alterando a lei de execução penal - e o Decreto lei n 3.689 de outubro de 1941 - Código Penal-, revogando disposições em contrário. A nova redação do artigo 112 da lei de Execução Penal afastou o exame criminológico, estendendo-se a nova disciplina ao livramento condicional. Ora, se não mais se tem citado exame, incabível adentrar o campo do subjetivismo, observado o envolvimento que diz respeito ao núcleo do tipo penal, como é o relativo a esta ou aquela associação. O que cabe perquirir é o atendimento do fator objetivo, o cumprimento de parte da pena assinada na lei e a existência de bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento. (...). Por tais razões, concedo a ordem para deferir ao paciente livramento condicional (grifo nosso)

Segue a mesma linha os agravos em execução n° 488.187.3/3-00 e 1494577/1-00 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Veja a posição do desembargador Francisco Menin73:

(...) Ademais, o Egrégio Tribunal de Justiça tem entendido que: pode o magistrado determinar a realização de perícia, vez que a lei não proíbe, sempre que entender imprescindível para a formação de sua convicção, vale dizer, em casos especiais, quando presentes elementos concretos a indicar a sua efetiva necessidade. Ademais, constou que: ora, a natureza ou a gravidade abstrata do delito é de consideração legislativa, quando são apenas cominadas aos tipos penais definidos e por si só não justificam a submissão do reeducando a prova criminológica para evoluir no sistema progressivo de cumprimento de pena privativa de liberdade. Do mesmo moedo, não se mostra suficiente e idôeno o fundamento de que o sentenciado possui longa pena a cumprir, porquanto a sexta parte de sua pena é proporcionalmente igual ao mesmo período de uma pena curta (...) (grifo nosso)

A seguir, temos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça74 que repudiam a análise do magistrado acerca da gravidade em abstrata do delito e da pena longa fixada na sentença, em sede de execução penal:

HABEAS CORPUS. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS E DESACATO. PEDIDO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. DEFERIMENTO EM PRIMEIRO GRAU E REFORMA NO TRIBUNAL DE ORIGEM. GRAVIDADE DOS DELITOS E LONGA PENA A CUMPRIR. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS. DETERMINAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. EXIGÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA N.º 439/STJ. ILEGALIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. Na hipótese, a negativa de progressão ao regime semiaberto e a determinação de exame criminológico foram fundamentadas pelo Tribunal de origem com base em considerações genéricas relacionadas com a gravidade do delito e com o longo tempo de cumprimento da pena, sem que fosse apontado nenhum dado concreto que desmerecesse a conduta do Paciente. Fundamentação que evidencia o alegado constrangimento ilegal e o descumprimento da Súmula n.º 439/STJ, cuja exigência é a de que a determinação de exame criminológico seja precedida de motivação concreta. 2. “O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a gravidade do crime ou a longa pena a cumprir não constituem fundamentos idôneos para indeferir o pedido de progressão de regime, especialmente quando dissociados de elementos concretos, ocorridos no curso da execução penal” (HC 248.488/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 30/10/2012) 3. Ordem de habeas corpus concedida, para cassar o acórdão impugnado e restabelecer a decisão do Juízo das Execuções Penais, concessiva do regime semiaberto (Grifo nosso)

(...) EXECUÇÃO PENAL. VISITAS PERIÓDICAS AO LAR. BENEFÍCIO CONCEDIDO PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. REFORMA DO ENTENDIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO COM BASE EM CONSIDERAÇÕES ABSTRATAS SOBRE OS OBJETIVOS DA SANÇÃO E A LONGA PENA A CUMPRIR. 3. ACÓRDÃO QUE REGISTRA BOM COMPORTAMENTO DO PACIENTE E IMINÊNCIA DE PROGREDIR AO REGIME ABERTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 4. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

(...) 2. Para a concessão das saídas temporárias, a Lei de Execução Penal exige: o comportamento adequado do condenado, o cumprimento de 1/6 da pena, se for primário, e de 1/4, se reincidente, bem como a compatibilidade do benefício com os objetivos da reprimenda. Aqui, o pleito de autorização de visitas periódicas ao lar foi negado pelo Tribunal a quo com base em elementos abstratos quanto à sanção penal, a gravidade dos delitos e a longa pena a cumprir.

3. Acórdão que identificou bom comportamento do paciente, bem como sua iminência de progredir para o regime aberto.

4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a autoridade da decisão de fls. 73/74. (grifo nosso)

É importante ressaltar que, em sede da execução penal, o magistrado deve aplicar o princípio da individualização da pena averiguando o comportamento atual do condenado, logo, não cabe verificações em abstrato (que compete ao legislador) e nem mesmo a verificação do comportamento do condenado no momento da prática do fato delituoso (que compete ao juiz da condenação).

A análise de condutas anteriores afronta o Estado Democrático de Direito e o Sistema Constitucional de Garantias, que prima pela existência do Direito Penal voltado ao fato e não ao autor.

Portanto, temos que as súmulas dos tribunais superiores estão sendo utilizadas para burlar dos ditames legais e estabelecer a exigência do exame criminológico em sede da execução penal como verdadeira regra, sendo inconstitucional por violar, sobretudo, os princípios da motivação das decisões judiciais, uma vez que não há concreta fundamentação, bem como o postulado da individualização da pena.

3.2– Da medida processual cabível para atacar a decisão que determina a realização do exame criminológico

Conforme analisamos no item anterior, o exame criminológico vem sendo aplicado como a regra em sede da execução penal, violando o ordenamento jurídico e a Constituição Federal, bem como os ditames da súmula vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal e da súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça, que o prevê de maneira excepcional e desde que em decisão devidamente fundamentada.

Assim, nesse item, analisaremos as medidas cabíveis para impugnar a decisão judicial do magistrado que determina a realização do exame criminológico.

Inicialmente, temos que as decisões do magistrado no curso da execução penal são impugnadas por meio do recurso de agravo em execução, conforme expressa previsão no artigo 197 da Lei de Execução Penal: “das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo”.

Tal recurso segue o mesmo rito processual do recurso em sentido estrito, conforme interpretação atribuída à súmula 700 do Supremo Tribunal Federal75.

Porém, esta não deve ser considerada a única medida processual, pois é cabível também o remédio constitucional do habeas corpus, conforme assegura o inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal76, bem como o artigo 647 e seguintes do Código de Processo Penal.

Insta consignar que alguns magistrados vêm limitando o cabimento do habeas corpus, no sentido de não admiti-lo em sede da execução penal, por não considerá-lo um sucedâneo recursal do agravo em execução. Conduto esse entendimento deve ser rechaçado, uma vez que a Constituição Federal não faz qualquer ressalva quanto ao cabimento desse remédio constitucional que, por conseguinte, constitui garantia fundamental, logo, não é cabível interpretação restritiva.

Veja que não compete ao Poder Legislativo limitar o cabimento do habeas corpus e nem mesmo ao Poder Judiciário, pois se trata de um remédio constitucional que tutela um dos mais importantes bens jurídicos do cidadão, qual seja, a liberdade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal).

É importante mencionar que há outras decisões em matéria criminal que também são impugnadas por recursos próprios, e, nem por isso os Tribunais têm restringido a utilização do habeas corpus sob esse mesmo argumento.

Por conseguinte, nem se alegue que o cabimento do habeas corpus limita-se ao disposto nos incisos do artigo 648, pois é sabido que o Código de Processo Penal possui um rol exemplificativo.

Ademais, temos que o Código de Processo Penal é de 1940, sendo a Constituição Federal de 1988, ou seja, compete à legislação ordinária se adequar ao texto da Constituição Federal, que não limitou o cabimento do habeas corpus, de acordo com a nova hermenêutica constitucional.

Confirmando a assertiva acima, temos que os recursos previstos em lei possuem um trâmite demorado quando comparado ao do habeas corpus. Assim, a sua negativa permite que decisões que violem a liberdade dos condenados perpetuem por muito tempo, violando também a garantia constitucional do julgamento célere e dentro de um prazo razoável (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).

Diante disso, esperar o julgamento de recurso ordinário constitucional ou de qualquer outro recurso previsto em lei (como o agravo em execução) causaria um prejuízo enorme ao paciente, que sofre latente constrangimento ilegal.

Esse é o entendimento da Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal77:

(...) O eventual cabimento de recurso não constitui óbice à impetração de Habeas Corpus, desde que o objeto esteja direta e imediatamente ligado à liberdade de locomoção física do Paciente. Precedentes. 3. Ordem concedida, de ofício, para determinar à Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que examine o mérito do Habeas Corpus n. 139.346. (grifo nosso)

Por derradeiro, é na fase da execução penal que a liberdade do condenado pode ser efetivamente violada com a não concessão de direitos expressamente previstos em lei, logo, não permitir a incidência do habeas corpus significaria esvaziar uma garantia constitucional.

Por fim, verifica-se que compete aos aplicadores do direito alterar o cenário atual da jurisprudência acerca da exigência do exame criminológico como condição aos direitos pleiteados em sede da execução penal, por meio da interposição do recurso de agravo em execução ou mesmo do remédio constitucional do habeas corpus.

É importante ressaltar que tal tarefa vem sendo exercida brilhantemente pela Defensoria Pública dos Estados, uma vez que a maioria das execuções penais são acompanhadas por essa instituição, diante da sua função constitucional de defender os vulneráveis não só economicamente mais também juridicamente, a fim de assegurar o efetivo acesso à justiça daqueles que não possuem vozes ou, por vezes, não são ouvidos.

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Sobre a autora
Aline Munhoz Seixas

Advogada. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEIXAS, Aline Munhoz. O exame criminológico como uma barreira aos direitos na execução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3978, 23 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28747. Acesso em: 22 dez. 2024.

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