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O exame criminológico como uma barreira aos direitos na execução penal

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23/05/2014 às 12:41
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CONCLUSÃO

Conforme restou demonstrado, de acordo com a Lei de Execução Penal, para a concessão do direito à progressão de regime prisional são necessários dois requisitos: um de ordem objetiva, que consiste no cumprimento do lapso temporal de pena e outro de ordem subjetiva, que consiste no bom comportamento carcerário, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional, conforme o artigo 112.

O bom comportamento carcerário ocorrerá quando o executado não tiver falta grave homologada judicialmente nos últimos doze meses, consoante a Resolução SAP 144.

Assim, temos que a Lei de Execução Penal, com a reforma promovida pela Lei 10.792/03, não mais exige o exame criminológico como requisito para a progressão de regime ou para a concessão de qualquer outro direito do condenado, sendo que a sua determinação constitui violação ao sistema legal e constitucional.

A referida exigência viola o princípio da legalidade, conforme artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, pois se trata de entrave criado pelo magistrado, já que não encontra amparo legal.

Ademais, há a violação dos princípios da motivação, da segurança jurídica, da igualdade, da presunção de inocência, da culpabilidade, da lesividade, da alteridade e da dignidade da pessoa humana.

Por meio desse instituto, o direito subjetivo do condenado ficaria subordinado à discricionariedade do magistrado ou mesmo do perito, embora ambos não possuam a capacidade de realizar um juízo de prognóstico sobre a reincidência.

Insta consignar que tal juízo sobre a impossibilidade ou possibilidade do condenado reincidir foge ao interesse do “Direito Penal dos Fatos”, se aproxima de um mero “achismo” e configura verdadeiro retrocesso à Teoria Lombrosiana, atualmente já superada pelo estágio atual do Direito Penal.

Portanto, entendemos que todos os requisitos para a concessão de direitos em sede da execução penal devem possuir previsão legal, sob pena de inconstitucionalidade e ilegalidade. Como exemplo, temos as avaliações multidisciplinares realizadas no Estado de São Paulo.

Isso condiz com a falência do sistema prisional. A negativa de direitos sob o fundamento de que o condenado não se adéqua à “terapêutica penal” não deve prevalecer, uma vez que não existe “terapêutica penal”, mas sim sistemáticas violações aos direitos humanos, como a ausência de água potável, castigos, falta de assistência médica, saneamento básico, educação, alimentação adequada, dentre outros direitos que compõe o mínimo existencial, ou seja, o núcleo inderrogável que guarda relação com o valor jurídico da dignidade da pessoa humana.

Dados e pesquisas comprovam que a reincidência é maior quanto maior for a permanência no sistema penitenciário, já que a função positiva individual da pena, que é a ressocialização, não esta sendo cumprida.

Por derradeiro, foi constatado que o exame criminológico é utilizado como um instrumento de promoção da seletividade, pois está sendo exigido para a “suposta” verificação do requisito subjetivo para a progressão de regime prisional apenas em relação aos agentes vulneráveis (pobres, negros etc.).

Porém, ao invés de adotar o entendimento supracitado, que corrobora com o texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que é possível a exigência do exame criminológico de maneira excepcional, mediante decisão fundamentada.

Ocorre que tal exceção (que sequer deveria existir), vem sendo aplicada como regra pelos magistrados, já que estes fundamentam o exame criminológico com base na “pena longa” fixada na sentença condenatória e até mesmo na “gravidade em abstrato do delito”, porém tais fundamentações não são idôneas, pois violam o princípio da individualização da pena, da separação de poderes e da proibição do ne bis in idem.

De acordo com a pesquisa, temos que o princípio da individualização da pena, quando aplicado na execução penal, exige que o magistrado analise o comportamento atual do condenado, logo, não cabe verificações em abstrato (que compete ao legislador) e nem mesmo a verificação do comportamento do condenado no momento da prática do fato delituoso (que compete ao juiz da condenação).

O presente trabalho também constatou que a realização de exames e avaliações estão previstas na Lei de Execução Penal como um direito do condenado, a fim de que haja uma seleção e classificação que melhor se adéqüe as suas necessidades para o cumprimento da pena. Porém, sob esse aspecto não há qualquer fiscalização ou preocupação do Poder Judiciário.

Portanto, verifica-se que o exame criminológico está sendo utilizado como uma barreira à implementação de direitos subjetivos do condenado. Assim, compete aos aplicadores do direito e, principalmente à Defensoria Pública dos Estados, instituição que assegura a defesa dos vulneráveis juridicamente no âmbito da execução penal, realizar uma transformação desse cenário; seja por meio do recurso de agravo em execução, seja por meio do remédio constitucional do habeas corpus, assegurando de maneira efetiva o acesso à justiça daqueles que não possuem vozes ou simplesmente não são ouvidos pela “elite social”.


BIBLIOGRAFIA

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Notas

1 BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 66.

2 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1013 – 1014.

3 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 229.

4 COSTA JR, Paulo José. Comentários ao código penal. Ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 155.

5BITENCOURT, Cesar Roberto; PRADO, Luiz Regis. Código penal anotado e legislação complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 260.

6 Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão

7 Artigo 89 - o preso em regime fechado ou em regime semi-aberto tem, no âmbito administrativo, os seguintes prazos para reabilitação do comportamento, contados a partir do cumprimento da sanção imposta:

I- 03 (três) meses para as faltas de natureza leve;

II- 06 (seis) meses para as faltas de natureza média;

III- 12 (doze) meses para as faltas de natureza grave.

8 Súmula Vinculante nº 26: Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

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9 Súmula 439: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.

10 TRISTÃO, Rafael Barcelos. Exame Criminológico. Movimento "DIREITO PARA QUEM?”. Disponível em: <http://direitopraquem.blogspot.com.br/2012/03/exame-criminologico.html>. Acesso em: 06.11.2013.

11 Op. cit., p. 71.

12 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 626.

13 Op. cit., p. 76 e 77.

14 Insta consignar que tal entendimento ainda é mantido por alguns doutrinadores que acreditam que a Lei 10.2016/01 não derrogou o Código Penal e a Lei de Execução no tocante às medidas de segurança.

15 JACOBINA. Paulo. Medidas de segurança e reforma psiquiátrica. In Boletim dos Procuradores da República, nº 70, ano VI, maio/2006.

16 QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 9 ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 551.

17 SANTOS. Hélio David Vieira Figueira do. Exames criminológicos e execução penal. Biblioteca Virtual. Disponível em: <http://www.bu.ufsc.br/Exames_criminologicos.PDF>. Acesso em: 06.11.2013.

18 Esse foi o tempo exato de duração dos exames criminológicos realizados pelo Hospital de custódia e Tratamento Psiquiátrico da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina, conforme relato pessoal ao autor por um diretor do Departamento de Estabelecimentos Penais do referido órgão, em conclave sobre Execução Penal ocorrido no ano de 2001, na cidade de Blumenau/SC.

19 Op. cit., p. 627.

20 Artigo 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

21 Artigo 9º, parágrafo 2º, da Lei 10.684/2003: Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

22 O Direito Penal simbólico utiliza-se do medo e da sensação de insegurança da população, ao invés de criar normas que realmente protejam os bens jurídicos considerados essenciais para a vida em sociedade, o legislador preocupa-se tão somente em criar uma falsa atmosfera de tranqüilidade, gerando a sensação de que a criminalidade encontra-se sob controle.

23 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1 - Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 73.

24 Op. cit.

25 Op. cit., p. 442.

26 Op. cit., p. 425.

27 COIMBRA, Mário; HAMMERSCHMIDT, Denise; MARANHÃO, Douglas Bonaldi; PRADO, Luiz Regis. Direito de execução penal. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 160 – 161.

28 Op. cit., p. 1014.

29 TJSP – EP 1763728120128260000 SP, 16ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Desembargador Otávio de Almeida Toledo – D.J 28.11.2012.

Nesse mesmo sentido: TJSP – EP 1119599320118260000 SP, 5ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Desembargador Sérgio Rui – D.J 26.09.2011.

30 Op. cit., p. 435.

31 Op. cit.

32 Os juristas contemporâneos criticam a dicotomia do direito em Direito Público e Direito Privado, uma vez que deve existir uma relação de integração e não de exclusão entre esses institutos, cuja preocupação do aplicador do direito deve ser em alcançar a unidade hermenêutica do ordenamento jurídico, tendo a Constituição Federal como ponto de referência.

33 Op.cit., p. 59 e 62.

34 MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O conceito material de culpabilidade – O fundamento da imposição da pena a um indivíduo concreto em face da dignidade da pessoa humana. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 69.

35 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 59.

36 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 9.

37 VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade na execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 199.

38 SILVA, Igor Luis Pereira e. Princípios penais. Salvador: Jus Podivm, 2012, p. 15 e 16.

39 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 167.

40 Op. cit., p. 250-251.

41 Op. cit., p. 113 e 125.

42 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

43 Rocha, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem ao Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 168 e 169.

44 Op. cit., p. 109 e 206.

45 MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Vol 1. 3 ed. Rio de Janeiro, 2010, p. 43.

46 Op. cit., p. 50 e 51.

47 Artigo 93, inciso IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

48 Op. cit., p. 243.

49 Artigo 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

50 ALMEIDA, Vitor Luís de. A fundamentação das decisões judiciais no sistema do livre convencimento motivado. Disponível em < http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2012_05_2497_2536.pdf>. Acesso em: 13.11.2013.

51 Op. cit., p. 229.

52 Op. cit., p. 207.

53 Op. cit., p. 344.

54 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...) (grifo nosso).

55 Op. cit., p. 77.

56 Op. cit., p. 79.

57 Op. cit., p. 169.

58 Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

59 Op. cit.

60 PIERANGELLI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.610.

61 Op. cit., p. 1015.

62 Deputado Ibrahim Abi-Ackel, relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação - Detaq, sessão: 033.1.52.0, data: 01.04.2003, p. 888.

63 Op. cit., p. 208.

64 Op. cit., p. 27.

65 STF – ARE 698851 MG, 2ª Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia – D.J 13.08.2013.

STF – RE 606179 SP, 2ª Turma, Rel. Ministro Teori Zavascki – D.J 13.08.2013.

66 Op. cit., p. 73.

67 Op. cit., p. 212.

68 A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

69 A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

70 Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito

71 STF – HC 114817, 2ª Turma, Rel. Ministro Gilmar Mendes – D.J 27.08.2013.

STF – HC108802, 2ª Turma, Rel. Ministro Ayres Britto – D.J 04.10.2011.

72 STF – 83.700/AC, 1ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio – D.J 17.12.2004.

73 TJ/SP, Agravo em Execução Penal nº 0573005-52.2010.8.26.0000, 7ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Desembargador Francisco Menin - D.J 05/05/11.

74 STJ – HC 266.694/SP, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz – D.J 06.08.2013.

STJ – HC 276.772/RJ , 5ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze – D.J 08.10.2013.

75 É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz da execução penal.

76 LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

77 STF - HC 112836, 2ª Turma, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA - D.J 25.06.2013.   

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Sobre a autora
Aline Munhoz Seixas

Advogada. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEIXAS, Aline Munhoz. O exame criminológico como uma barreira aos direitos na execução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3978, 23 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28747. Acesso em: 23 dez. 2024.

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