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Liberdade de expressão do Juiz

14/06/2014 às 16:22

Resumo:


  • A liberdade de expressão é um direito essencial, que deve ser exercido com responsabilidade e está intrinsecamente ligado à dignidade humana e à cidadania.

  • O magistrado, como cidadão, tem o direito de se expressar livremente, desde que respeitando a ética e a responsabilidade inerentes à liberdade de expressão.

  • A liberdade de expressão do juiz é fundamental para a democracia e a transparência do sistema judiciário, devendo ser protegida e atualizada de acordo com os princípios constitucionais vigentes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Visão panorâmica das manifestações judiciais, à luz da liberdade de expressão. Evidente confronto entre dispositivos da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e princípios da Constituição Federal. Necessidade de modificação legislativa.

Liberdade de expressão... Sempre, mas com responsabilidade! É atributo que se não pode dissociar da dignidade humana, também ínsita à cidadania. A livre manifestação do pensamento a precede e com ela faz coro, até por impositivo da Constituição Federal (artigo 5º, IV e IX).

E o que dizer da liberdade de expressão do magistrado? Como outro qualquer, é ser humano – dotado, como os demais, de direitos humanos. Como já dito, “não é a liberdade que faz mal aos homens. É a sua falta que deforma as sociedades humanas” (desembargador paulista Antonio Carlos Malheiros). Também deste a afirmação, em processo sob sua análise, de que “A liberdade de expressão é atributo indissociável do estatuto da dignidade humana. Privar juízes de exercer esse direito é mutilá-los em sua própria humanidade e relegá-los a uma condição sub-humana.”.

Fato: o magistrado é cidadão. Como tal, no exercício da cidadania, como os demais, no campo do direito da expressão de seu pensamento, há de ser tratado igualmente. É lógico, sob a ótica da liberdade responsável – coisa inerente a qualquer pessoa.

Assim, cidadão brasileiro, o juiz também pensa e tem o direito de se expressar. A sociedade não deve ter medo do que o juiz possa dizer publicamente, mas sim do que ele pode fazer às ocultas.

O cerceamento da liberdade de expressão do juiz nada mais é do que forma oblíqua de controle ideológico e, por consequência, de supressão de sua independência. Deixar o juiz refém, no entanto, não é ruim só para ele, mas para toda a sociedade.
Fixemo-nos, agora, no valor da liberdade e das formas pelas quais se pode expressar.

Para Max Stirner, a liberdade não pode ser concedida, mas conquistada. Sabe-se que, pela Constituição Federal de 1988, dita Cidadã, ao menos no papel, essa conquista já é patrimônio da sociedade brasileira. A este passo, lembremo-nos do grande Ruy Barbosa, para quem a liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições.

Finalmente, e para que mais não nos alonguemos, de se invocar Simone de Beauvoir, quando, referindo-se à liberdade, declarou: “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”.

Se assim o é, relativamente à liberdade, genericamente considerada, quanto mais se tratando da liberdade qualificada pela expressão do pensamento, vertido na forma que for. Daí, justamente, a razão de ser dos já citados incisos IV e IX, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Para Voltaire, pode-se discordar do que se diz, mas se há de defender até à morte o direito de dizê-lo.

Segundo Salman Rushdie, “A liberdade de expressão é o coração da humanidade.”. Daí sua superlativa importância. De fato, suprima-se a possibilidade de expressão do pensamento, sob que forma for, e da humanidade se retirará o próprio coração!

O magistrado não é um ser fora da sociedade, encastelado numa torre de marfim, alheio a tudo e a todos. Mais que nunca, hoje, é cidadão atuante, convivente com os múltiplos aspectos e problemas sociais, a torná-lo, bem por isso, mais capacitado a dar conta de sua relevante missão de julgar. Decide melhor quem vive em sociedade, acostumado ao fervor dos embates do dia-a-dia, no meio do povo. Só assim, definirá da forma pela qual vê e entende o mundo. E, para tanto, preciso se expresse – com responsabilidade, mas livremente.

Nesse contexto, em pleno 2014, já inadmissível a persistência da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), nos moldes em que vazada, por editada no apagar das luzes do período da ditadura militar e a se contrapor – boa parte de seus dispositivos – aos tempos de renovação, do pensamento e da sociedade.

Nos idos de março de 1979, essa Lei vetou manifestação de juízes, suas opiniões críticas ou elogios, tolhendo-lhes os movimentos e transformando-os em verdadeiros robôs, servos fiéis do só processo sob seu exame. A bem retratar o quadro, seu artigo 36, III, nestes termos: “É vedado ao magistrado: III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

O projeto da LOMAN foi duramente criticado, não só pelas associações de juízes do Brasil, mas por todos quantos visavam à sua democratização. Então, deputados ressaltaram que “a independência e a garantia do magistrado são condições preliminares para a normalização da vida brasileira”.

Seguiu-se a dita democratização e a Constituição Cidadã, seu marco, acolheu valores duma sociedade verdadeiramente interessada em avanços. Natural e impositivo, pois, sejam as normas interpretadas à luz das diretrizes constitucionais. É o conhecido princípio da recepção das regras existentes pela Constituição emergente. No que recepcionadas, valem; do contrário, não.

Espelho de novos tempos, aquela Constituição também modelou o Judiciário. E o há de fazer mais que teoricamente, não só no papel, mas na prática, na vida diária dos juízes. Isso, em que pese se haja de muito caminhar rumo à efetiva democratização da Instituição – hoje, já não tão distante da sociedade a que deve servir, em razão de políticas de interação e aproximação com a população.

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 E a interface que consubstancia essa mudança está baseada no diálogo (dialética) e na transparência que devem nortear as coisas da Justiça. Atualmente, não é incomum que magistrados, de todas as esferas, manifestem-se sobre temas diversos e, mesmo, sobre processos judiciais em curso. Por vezes, até sobre aqueles destinados a seu julgamento, conquanto preservada cautela e razoabilidade.

E a esses magistrados, em sã consciência, nos dias atuais, poder-se-á acusar de descuidados, audaciosos e rebeldes infratores daquela Lei Orgânica? Os tempos são outros, as coisas evoluem e as leis, como reflexo da consciência dum povo, também precisam se atualizar.

O fato é que essa nova conduta, fruto dum tempo novo, e que se poderia considerar, apenas sob os olhos postos na apontada norma da Lei Orgânica da Magistratura, como infração funcional, hoje, é adequada aos ditames da Constituição Cidadã, bússola pela qual se hão de balizar os Poderes do Estado.

Ao contrário, desde que sob contornos razoáveis, porque máxima daquela Constituição, a liberdade de expressão do pensamento erige-se num dos direitos fundamentais de primeira grandeza, não subtraídos dos magistrados. A isso se associam compromissos internacionais, na forma de Declarações e Tratados – na órbita da ONU (Organização das Nações Unidas), inclusive.

No próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça) há precedente, de relatoria do então Conselheiro Rui Stoco, no sentido de que ao magistrado não se pode prejudicar ou punir por suas opiniões, com a só ressalva de impropriedade ou excesso de linguagem (PCA 200810000023273).

Destarte, na evolução natural das coisas, nenhum o sentido de se valorar texto obsoleto da vetusta Lei Orgânica, em prejuízo dos novos princípios insculpidos na Constituição Federal – Lei das leis!

É certo: as opiniões divergem, inclusive entre juízes – isto é do homem! E não se pode reprimir pensamento que se queira exteriorizar, mesmo dum magistrado, desde que afeito e afeto a critérios da razoabilidade e do bom senso.

Já dizia Stuart Mill: “Se em toda humanidade menos um fosse da mesma opinião, e apenas um indivíduo fosse da opinião contrária, a humanidade não teria maior direito de silenciar essa pessoa do que esta o teria, se pudesse, de silenciar a humanidade”.

Aprendamos, pois, com as lições vivas da História, relembrando outra passagem que diz: “Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem”.

Bem por isso, não há por que se preocupar em ver, hoje em dia, quase que rotineiramente, magistrados exercerem seu direito de opinião, chegando, até, a comentar decisões judiciais em curso – a começar pelos ministros do STF. Antes de negativo, este é sinal positivo de franca evolução das coisas do Judiciário.

Depois disso tudo, fica a indagação: qual a razão de se não haver modificado formalmente a ultrapassada Lei Orgânica da Magistratura Nacional? Seria, por acaso, pela proposital manutenção de estado de coisas concernente ao ditado “para os amigos tudo, para os inimigos os rigores da lei?”. Esperemos que não. Porém, mais que isto, façamos o impossível para ajustar leis anacrônicas ao progresso traduzido pela Constituição Cidadã.

Pontofinalizando, uma vez mais, invoco o testemunho do preclaro desembargador Antonio Carlos Malheiros, a nos dar conta de que conflitos dessa espécie, hoje mais que nunca, hão de ser solucionados à luz, exclusivamente, de princípios constitucionais. Ou seja, sob o amplexo e o espectro da Constituição, que vivifica, e não da fria letra da LOMAN, que, no particular, é morta.

Portanto, fixemo-nos nas estacas dos novos tempos, sob os auspícios de inequívoca renovação de pensamentos e idéias, rumo à expressão livre do pensamento que, sem amarras, tem necessidade de se exprimir e sede de voar! Mordaça, nunca mais!

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Sobre o autor
Edison Vicentini Barroso

Desembargador em São Paulo. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Magistrado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO, Edison Vicentini. Liberdade de expressão do Juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4000, 14 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28780. Acesso em: 22 dez. 2024.

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