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Possibilidade de extensão dos efeitos da decisão concessiva de habeas corpus, de ofício, ao corréu

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24/05/2014 às 14:15
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3 INSTITUTO DO HABEAS CORPUS E EFEITOS DOS RECURSOS

Após o breve histórico acerca da origem e da evolução do instituto, tendo em vista o habeas corpus objetivar uma ordem judicial para evitar ou fazer cessar um constrangimento ilegal102, faz-se necessária uma rápida contextualização do instituto no sistema jurídico vigente.

Para tanto, o presente capítulo desdobra-se em dois assuntos: na primeira parte, abordar-se-ão os aspectos gerais do habeas corpus, como conceito, natureza jurídica, espécies, legitimidade, admissibilidade, competência, dentre outros, para que se possa ter uma visão panorâmica do habeas corpus; na segunda parte, tratar-se-ão sobre os efeitos recursais, com o intuito de que, no último capítulo, consiga-se concluir pela admissibilidade, ou não, da aplicação do efeito extensivo ao corréu, de ofício, nos casos de impetração de habeas corpus por apenas um dos agentes.

3.1 ASPECTOS GERAIS ACERCA DO HABEAS CORPUS

A expressão habeas corpus, etimologicamente é composta pelo verbo habeas, que significa ter, andar, tomar e corpus, que denota corpo, literalmente, define-se como “tenha o corpo, ande com o corpo, ou tome o corpo.”103 Ela consistia numa ordem por meio da qual a Corte ordenava ao detentor que apresentasse imediatamente o preso e o caso ao juízo, a fim de que, ao conhecer as razões da prisão, pudesse decidir acerca da legitimidade da restrição ao direito de locomoção.104

Como visto no capítulo anterior, a origem do instituto é inglesa, porquanto seu gérmen nasceu quando os barões ingleses pressionaram o rei João-Sem-Terra a promulgar a Magna Charta Libertatum vel concordia inter regem Johannem et barões105, escrita em latim, que era a língua usual da Corte, à época, por influência dos clérigos, os quais conheciam o latim e o direito.106 A Carta previa em seu capítulo 29:

Nullus liber hommo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super eum ibimus, nec super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terrae. (Nenhum homem livre será detido, ou feito prisioneiro, ou posto fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo arruinado-privado de seus bens, e nem iremos nem mandaremos alguém contra ele, exceto mediante julgamento de seus pares ou de acordo com as leis da terra.).107

Nas palavras de Miranda:

Habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o Tribunal concedia, endereçado a quantos tivessem em seu poder, ou guarda, o corpo do delito. A ordem era do teor seguinte 'toma (literalmente: tome, no subjuntivo, habeas, de habeo, habere, ter, exibir, tomar, trazer, etc.) o corpo deste detido e vem submeter ao Tribunal o homem e caso. Por onde se vê que era preciso produzir e apresentar à corte o homem e o negócio, para que pudesse a justiça, convenientemente instruída, estatuir sobre a questão, e velar pelo indivíduo.108

Esse conceito, contudo, não mais se justifica, porquanto as questões afetas ao habeas corpus são de direito, logo, não há que se falar, em regra, na apresentação de prisioneiro, mesmo que no juízo singular exista a possibilidade de apresentação do paciente ao magistrado.109 Dessa forma, o habeas corpus, atualmente, consubstancia-se em um remédio jurídico destinado a proteger a liberdade de ir, vir e ficar do indivíduo, ou seja, a assegurar a liberdade física da pessoa, com o objetivo de evitar ou fazer cessar qualquer ilegalidade ou abuso de poder.110

Por consequência, conclui-se que o instituto é um meio de defesa relevante, porque visa à garantia da liberdade do cidadão, que “é básica e fundamental para o indivíduo, o que torna indeclinável, quando violada, o seu restabelecimento”, ao possibilitar a este reagir, manter ou recuperar a liberdade ameaçada ilegalmente ou abusivamente pelo poder.111

A Constituição da República Federativa do Brasil reconhece a liberdade de locomoção como direito fundamental, em seu artigo 5º, inciso XV, ao dispor que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”, e assegura pelo habeas corpus, também no artigo 5º, inciso LXVIII, ao prever que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”112 À medida é garantida a gratuidade judiciária, prevista no artigo 5º, LXXVII, que assim dispõe: “São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.”113

Ademais, qualquer ameaça ou lesão a direito, individual ou coletivo, ainda que não esteja amparado por lei, deve ser apreciada por aquele que tem o poder-dever de agir, ou seja, pelo Estado-Juiz, conforme impõe a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, inciso XXXV:114

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Nesse sentido, é a Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

PROCESSUAL PENAL - DECISÃO UNÂNIME DE ÓRGÃO COLEGIADO SOBRE A APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 - REQUISITO LEGAL OBJETIVO, QUE NÃO DEPENDE DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA ANÁLISE DOS REQUISITOS SUBJETIVOS. MANIFESTAÇÃO NO TOCANTE AO REQUISITO OBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE - CONFORMISMO DO ÓRGÃO MINISTERIAL - PRECLUSÃO QUANTO À MATÉRIA NÃO IMPUGNADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO. [...] ‘Na omissão do órgão ministerial, à evidência, não só pode como deve o Judiciário agir, de forma supletiva, para restaurar o direito lesado, em cumprimento à atribuição constitucional que lhe é concedida pelo art. 5º, XXXV, da Carta Magna’ (RT 737/626). [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 2001.008197-0, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 13-11-2001).115 (grifo nosso).

Desse modo, constatada a ameaça ao direito, o Poder Judiciário é obrigado a apreciar o pedido de prestação jurisdicional da parte de forma regular, haja vista ser a indeclinabilidade da prestação judicial princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde a uma ação correlativa, mesmo que inexista lei especial que a outorgue.116

Contudo, nos casos de transgressões disciplinares militares, o artigo 142, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil, veda a impetração de habeas corpus, no que diz respeito ao mérito da medida, ou seja, a conveniência e a oportunidade.117 Entretanto, ao Poder Judiciário caberá a apreciação do ato, no que tange aos pressupostos de legalidade, a saber: “hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente”118, desde que exista a restrição à liberdade física do militar-, haja vista não poder ser tolerada a afronta ao ordenamento jurídico independentemente da instituição que cometa a ilicitude119, do contrário, a apreciação do ato deve ficar restrita à esfera administrativa.120

Além da previsão constitucional, o Código de Processo Penal, em seu artigo 647, apresenta conceito semelhante ao prever que: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”121

3.1.1 Espécies de habeas corpus

Dos conceitos previstos constitucional e infraconstitucionalmente, infere-se que o habeas corpus pode ser liberatório (repressivo ou corretivo), o qual é cabível na hipótese em que tenha se consumado o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção e se pretenda ver cessada esta ilegalidade. Nesse caso, concedida a ordem, será expedido um alvará de soltura a fim de que seja imediatamente restabelecida a liberdade física da pessoa122; ou preventivo, quando “alguém se encontra na iminência de sofrer a violência ou coação, isto é, quando se pretenda evitar que a ilegal restrição à liberdade se efetive, desde que haja fundado receio de que ocorrerá.”123 Nessa hipótese, expede-se ordem de salvo-conduto assinado por autoridade competente124, visando à concessão de livre trânsito ao seu portador, de modo a impedir-lhe a prisão pelo motivo que deu causa ao pedido125, com o intuito de garantir a proteção daquele que corre risco de ver cerceada a sua liberdade.126 Nos dizeres de Lenza, Reis e Gonçalves:

É com base no caráter preventivo do habeas corpus que se exerce o controle de legalidade da persecução penal, pois o evento prisão, em maior ou menor probabilidade, afigura-se possível quando instaurado inquérito policial ou ajuizada ação penal. Por esse motivo, permite-se, em certos casos, até mesmo o trancamento de inquérito ou de ação penal pela via do habeas corpus, desde que o fato apurado, por exemplo, seja evidentemente atípico ou que já esteja extinta a punibilidade. Consolidou-se, entretanto, o entendimento segundo o qual não é cabível habeas corpus para discutir matéria relativa a processo cujo crime é apenado exclusivamente com multa, pois não se estaria tutelando liberdade de locomoção. Nesse sentido, a Súmula n. 693, do Supremo Tribunal Federal: ‘Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada’. Também por não haver risco de restrição à liberdade de locomoção do indiciado ou réu, o Supremo editou a Súmula n. 695, segundo a qual ‘não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade’.127

O artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, determina que “os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”128 Se a ordem for concedida pelo juiz de primeiro grau, “necessário se faz o impropriamente denominado recurso de ofício, que é condição de validade da decisão, mediante o reexame necessário pelo Tribunal”, nos termos do artigo 574, inciso I, do Código de Processo Penal.129 Entretanto, se a ordem for concedida de ofício pelo tribunal, nenhuma aplicabilidade terá o mencionado artigo, porquanto previu somente recurso do órgão monocrático para o colegiado.130

Cabe frisar que o juiz ou tribunal não pode conceder habeas corpus contra si próprio ou contra autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição, tendo em vista que a ordem deve emanar de órgão superior àquele do qual proviera a violência ou a coação. Assim, nesses casos, se houver convicção acerca da existência de ato ilegal não levantado pelo impetrante, cabe ao juiz ou ao tribunal afastá-lo, mesmo que implique concessão da ordem em sentido diverso do pleiteado, haja vista inexistir vínculo ou subordinação entre a concessão do writ de ofício na hipótese de impetração do mandamus e do julgamento ultra e extra petita, isso porque tanto juiz quanto o tribunal têm plena liberdade para a outorga de ofício, mesmo que isso resulte em distanciamento do pleito formulado pelo autor da ação mandamental.131

3.1.2 Hipóteses de cabimento do habeas corpus

No que diz respeito à coação ilegal, o Código de Processo Penal, em seu artigo 648, enumera as hipóteses que comportam a impetração do habeas corpus132, a saber: I- justa causa, quando inexistirem fundamentos legais e fáticos para a coação133, advinda de um inquérito policial, de uma ação penal ou de uma prisão; II- excesso de prazo, como, por exemplo, nos casos em que o réu esteja preso cautelarmente por mais tempo que a pena máxima cominada ao crime, mesmo que já sentenciado o processo em primeiro grau ou concluída a instrução134; III- incompetência, visto que somente pode ser determinada a prisão pela autoridade judiciária dotada de competência135; IV- cessação do motivo, uma vez cessada a causa que deu ensejo à prisão136; V- fiança, quando não é oferecida nas hipóteses em que a lei admite a prestação e também nos casos em que o valor oferecido é excessivo, que equivale ao não arbitramento137; VI- nulidade manifesta do processo, a qual deve ser evidente e pode advir de várias causas, como a ilegitimidade de parte, ausência de citação138; VII- extinção da punibilidade, quando cabalmente comprovada, não há razão para instauração ou prosseguimento do processo.139

3.1.3 Natureza jurídica do habeas corpus

Quanto à natureza jurídica do habeas corpus, os que defendem ser ele recurso, como Galdino Siqueira140, firmam-se, particularmente, no aspecto de estar ele inserido, no Código de Processo Penal, no capítulo dos recursos.141 Todavia, é praticamente unânime o entendimento de que se trata o instituto de verdadeira ação constitucional mandamental. Conquanto seja tratado pelo Código de Processo Penal, no Livro III, Título II, Capítulo X, ou seja, dos recursos em geral, dando a entender que se trata de um recurso, quando se investiga a essência do habeas corpus, vê-se que dessa medida não se trata142, visto que, embora possa ser utilizado eventualmente como tal, “[...] o habeas corpus é remédio constitucional de maior amplitude, destinado à proteção do direito à liberdade de locomoção contra toda espécie de ilegalidade.”143

É importante enfatizar que a jurisprudência prevalente é no sentido de que não poderá ter seguimento o habeas corpus, quando a coação ilegal não restrinja ou não provoque risco à liberdade de locomoção. Nesse sentido, as Súmulas de números 693 e 695 do Supremo Tribunal Federal dispõem: Súmula nº 695: “Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade” e Súmula nº 693: “Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.”144

Não obstante, somente contra decisão judicial pode ser interposto o recurso, ao passo que o habeas corpus pode ser impetrado contra ato de autoridade administrativa e, até mesmo, contra ato de particular. E, ainda, porque o recurso “[...] ocorre dentro da mesma relação jurídico-processual, enquanto o habeas corpus instaura uma nova relação jurídica, independentemente daquela que deu origem à instauração”, ou até mesmo, sem que haja qualquer relação jurídica estabelecida.145 Ademais, o habeas corpus não possui prazo para impetração, ao contrário do recurso, que requer prazo para interposição definido em lei. Pontes de Miranda comunga desse entendimento, para ele:

[...] o pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação. [...] A ação é preponderantemente mandamental. Nasceu assim o instituto. Os dados históricos no-lo provarão. Não se diga (a errônea seria imperdoável) que se trata de recurso. A pretensão não é recursal. Nem no foi, nem no é. É ação contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.146

Cabe ressaltar, ainda, que a ação de habeas corpus é de conhecimento, uma vez que tende a uma cognição exauriente acerca da legalidade da atacada restrição do direto à liberdade física do indivíduo, mesmo que potencial, “como ocorre nas hipóteses em que se pede a ordem em caráter preventivo”. Por oportuno, não se pode confundir a tutela preventiva, na qual ocorre uma verificação anterior do direito, ante à urgência do remédio postulado, em que a decisão judicial é de cunho definitivo, com a tutela antecipatória ou cautelar, que possui caráter instrumental e objetiva assegurar o processo, razão porque a decisão concessiva terá caráter meramente provisório. Dessa forma, observa-se que somente na primeira hipótese a concessão da ordem de habeas corpus resolve de forma definitiva e completa o direito aplicável à tese anunciada.147

O habeas corpus, portanto, é processado como ação de conhecimento e terá provimento declaratório, quando, por exemplo, declarar extinta a punibilidade; ou constitutivo, quando, por exemplo, rescindir a sentença transitada em julgado. Assim, tendo o habeas corpus uma pretensão de liberdade, não pode haver, via de regra, um provimento condenatório.148 No entanto, a fundamentação para o provimento condenatório, quando houver, está lastreada no artigo 653 do Código de Processo Penal, que possibilita a condenação em custas da autoridade que, por evidente má-fé ou abuso de poder, houver determinado a coação.149 A conjugação entre os elementos pode ser plena”150, sem que haja conflito com o cunho mandamental, porque o caráter constitutivo ou declaratório se extrai da natureza do seu pedido ou do próprio conteúdo da ação de habeas corpus, enquanto sua forma mandamental advém do comando que emerge da pronuntiatio iudicis (decisão do juiz), que determina o cumprimento imediato e irrefutável pela autoridade coatora, quer se trate de pedido liberatório, quer se trate de pedido preventivo151, sem que haja necessidade de submissão a novo processo de execução.152 Destarte, por se tratar de “verdadeira ação mandamental, da decisão que denega, não cabem embargos infringentes e de nulidade, destinados apenas aos recursos em sentido estrito e apelação.”153

A ação constitucional, no que diz respeito à admissibilidade, sujeita-se às mesmas condições a que se subordinam as demais ações penais, pública e privada, quais sejam: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam. Para haver a possibilidade jurídica do pedido é necessária a violência ou a coação ilegal direta ou indireta à liberdade de locomoção, entretanto, não se poderá impetrar o remédio heróico para sanar coação determinada durante a vigência de estado de sítio, isso porque nesse período muitas garantias constitucionais ficam suspensas.154 No que tange ao interesse de agir, este está ligado à necessidade da existência do constrangimento ou da ameaça à liberdade do indivíduo, de modo que “se a coação desaparecer (artigo 659 do Código de Processo Penal), ou se a via eleita não for adequada, tal como impetrar o writ para liberação de bagagem retida no aeroporto”, por óbvio inexistirá interesse processual. A legitimidade, por sua vez, é dividida em ativa e passiva.155

3.1.4 Legitimidade

No que concerne à legitimidade ativa, qualquer pessoa é parte legítima para impetrar a ordem, em favor próprio ou de outrem, ainda que menor, estrangeiro ou mesmo o Ministério Público.156 Ao se admitir que o habeas corpus possa ser impetrado por qualquer pessoa, tal fato caracteriza-se verdadeira ação popular, o que leva a crer que a legitimidade ativa para a causa é bem ampla, uma vez que não se atém somente àquele que tenha interesse no litígio, ou a quem postula em seu nome, possibilitando-se, inclusive, que um analfabeto impetre o pedido com a assinatura de alguém a seu rogo.157 É possível, ainda, que o próprio paciente peça a ordem.158 Também, não há impedimento de impetração da ordem pela pessoa jurídica em favor daquele que esteja submetido a constrangimento ilegal. Entretanto, não se admite o conhecimento do pedido no caso de solicitação anônima, entendendo-se por ela também aquela em que não se pode identificar a pessoa do requerente159, nesse caso, deverá ser indeferido de plano, não havendo impedimento, no entanto, ante à gravidade do pedido, de que o magistrado ou tribunal, certifique-se do constrangimento e, caso positivo, conceda a ordem de ofício, nos termos do § 2º160 do artigo 654 do Código de Processo Penal.161

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A impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal não se inclui na atividade privativa da advocacia (Lei nº 8.906/94), pois não se exige a capacidade postulatória. Contudo, por ser o writ um “instrumento constitucional de defesa de direitos individuais fundamentais, em especial, do direito à liberdade, indisponível por natureza, o ideal é que como impetrante atue sempre um advogado”162, o qual é o impetrante por excelência e tem o dever de utilizar o habeas corpus em favor de seu cliente, quando verificar ameaça ou coação à liberdade.163 Na verdade, a falta de um advogado “não prejudica o conhecimento do pedido, mas pode enfraquecê-lo, tornando mais débeis os argumentos”, razão porque os regimentos internos do Supremo Tribunal Federal (artigo 191, inciso I) e do Superior Tribunal de Justiça (artigo 201, inciso I) garantem ao relator a prerrogativa de nomeação de um advogado para “acompanhar e defender oralmente o habeas corpus impetrado por pessoa que não seja bacharel em direito.”164

O membro do Ministério Público, que atua em primeiro grau e que acompanha o andamento processual, também tem legitimidade para impetrar habeas corpus em favor do indiciado ou do acusado, desde que demonstre a necessidade de beneficiar o réu. O magistrado que fiscaliza ou que instrui o processo não poderá pedir a ordem em favor do réu, pois ele possui o poder-dever de fazer cessar qualquer constrangimento sofrido pelo processado ou investigado. Igualmente, não pode o delegado de polícia que exerce a investigação impetrar habeas corpus em favor de indivíduo que ele mesmo indiciou ou investigou. Todavia, nas duas últimas hipóteses, é possível o exercício do direito constitucional de impetrar o habeas corpus, apenas como cidadão, desde que desvinculado do caso, ou em causa própria (em seu favor), sendo essas as exceções à liberdade de impetração.165

No que tange à legitimidade passiva, embora, via de regra, a autoridade coatora seja pública – como, por exemplo, os colegiados abrangidos pelas comissões parlamentares de inquérito, as comissões especiais de investigação, os delegados de polícia, os magistrados, os promotores de justiça – é importante ressaltar que prevalece o entendimento doutrinário de que o habeas corpus pode ser impetrado também contra ato de particular, tendo em vista que a Constituição da República Federativa do Brasil admite a utilização do remédio não só por coação ou abuso de poder, mas também por ilegalidade.166 Dessa forma, pode ser considerada autoridade coatora, por exemplo, o diretor de hospital por retenção de paciente.167

3.1.5 Competência

O habeas corpus, como visto, sempre será dirigido para autoridade judicial superior à do coator. No que diz respeito à competência, há dois critérios fundamentais para sua fixação, quais sejam, a territorialidade e a hierarquia.168

No primeiro caso, a competência para processamento e julgamento será do juízo, em cuja comarca ou circunscrição judiciária esteja ocorrendo a violação ao direito à liberdade.169 No segundo caso, encontra-se a regra prevista no artigo 650, § 1º, do Código de Processo Penal, segundo a qual, “a competência do juiz cessará sempre que a violência ou coação provier de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição.” Dessa forma, compete ao juízo de primeiro grau julgar habeas corpus quando o delegado de polícia da comarca for a autoridade coatora. Todavia, não poderá resolver o writ quando intentado contra ato de magistrado de outra vara, haja vista a igualdade hierárquica existente.170

Conquanto haja a previsão geral no Código de Processo Penal, há outras regras acerca da competência estabelecidas em regimentos internos de tribunais, leis de organização judiciária, nas Constituições Estaduais e, sobretudo, na Constituição da República Federativa do Brasil, a qual se passa a expor.171

Assim, será competente para o processamento e julgamento de habeas corpus o Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “d”, “quando forem pacientes o Presidente da República, o Vice-Presidente, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”; será competente também, nos moldes do artigo 102, inciso I, alínea “i”, “quando forem coatores os Tribunais Superiores”, quando forem coatores ou pacientes autoridades ou funcionários cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal.172

No texto original da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, previa-se o cabimento de habeas corpus originário no Supremo Tribunal Federal contra decisão de qualquer tribunal, mesmo de segunda instância. No habeas corpus julgado em 1989 (HC173 67.263/STF), o ministro da Suprema Corte Moreira Alves afirmava que uma única hipótese impediria essa ação originária, mesmo como substitutivo de outros recursos: se o habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal fosse em substituição a recurso ordinário em habeas corpus (RHC) cabível perante o Superior Tribunal de Justiça.

Entretanto, atualmente, ao Supremo Tribunal Federal somente cabe o julgamento de habeas corpus no caso de sua competência originária – por prerrogativa de função – ou quando a coação provier de um Tribunal Superior (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal Militar e Tribunal Superior do Trabalho), tal como esclarece o seguinte excerto:174

Após o advento da EC175 nº 22 /1999, não mais compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, ‘habeas corpus’ impetrado contra decisão emanada de Tribunal de Justiça, ainda que o fundamento da impetração seja exclusivamente de natureza constitucional. Precedente. - A locução constitucional ‘Tribunais Superiores’ abrange, na organização judiciária brasileira, apenas o Tribunal Superior Eleitoral, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar. (HC 85.838-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 31-5-2005, Segunda Turma, DJ de 23-9-2005.) No mesmo sentido: HC 88.132, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 04/04/2006, DJ 02/06/2006.176

Ao Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, competirá o julgamento do habeas corpus, conforme previsto no artigo 105, inciso I, alínea “c”, “quando forem coatores ou pacientes os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiarem perante tribunais”, e, por fim, será competente “quando for coator tribunal sujeito à jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército, ou da Aeronáutica.”177

Aos Tribunais Regionais Federais competirá o julgamento do writ, nos termos do artigo 108, inciso I, alínea “c”, “quando a autoridade coatora for Juiz Federal.” Aos Juízes Federais caberá o julgamento da ordem, nos moldes do artigo 109, inciso VII, “quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição.”178

Quando a autoridade coatora for magistrado atuante no Juizado Especial Criminal, segundo Avena, prevalece o entendimento de que a competência para julgamento do habeas corpus será da Turma Recursal, a qual se constitui órgão de segunda instância dos Juizados.179 No mesmo sentido, é o entendimento de Chimenti.180 Da mesma forma o Superior Tribunal de Justiça se posicionou:

CRIMINAL. INJÚRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PEDIDO NÃO ANALISADO PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO-CONHECIMENTO. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA AUTORIDADE COATORA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. ORDEM DENEGADA. [...] O critério prevalente para a determinação da competência para o processo e julgamento de habeas corpus impetrado contra ato de membro integrante do Juizado Especial Criminal Federal é o da hierarquia jurisdicional, sobressaindo a competência das Turmas Recursais dos Juizados Especiais para o processamento do feito. Precedente. Ordem denegada.181 (grifo nosso).

Todavia, Tourinho Filho182 e Mirabete183, não se filiam a essa corrente, tendo em vista atribuírem tal competência ao Tribunal de Justiça Estadual ou Federal, conforme se trate de juiz estadual ou federal.

Quando a autoridade coatora for a Turma Recursal, o entendimento vigente até pouco tempo atrás era o de que o habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal deveria ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, entendimento este, inclusive, contido na Súmula nº 690, desse tribunal, a qual dispunha competir “originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais.”184

Apesar de não revogada expressamente a Súmula nº 690 do Supremo Tribunal Federal, que atribuía a si esta competência, atualmente, a Suprema Corte passou a considerar-se incompetente para julgamento de Habeas Corpus contra decisões das Turmas Recursais Criminais. Inclusive, essa foi a deliberação adotada na análise da questão de ordem levantada no julgamento do Habeas Corpus 86.009/DF, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal assentou a competência para julgamento de habeas corpus impetrados contra atos das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais Estaduais aos Tribunais de Justiça Estaduais e contra decisão de Turmas de Recursos dos Juizados Especiais Criminais Federais aos Tribunais Regionais Federais, modificando, pois, sua jurisprudência.185

Ressalte-se que o motivo dessa alteração de entendimento consiste no fato de que os juízes integrantes das Turmas Recursais dos Juizados Especiais estão submetidos, nos crimes comuns e nos crimes de responsabilidade, à jurisdição do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal, conforme se trate de Juiz de Estadual ou Juiz Federal. Assim, “por simetria, a estes Tribunais incumbe o julgamento dos habeas corpus impetrados contra ato que tenham praticado os juízes integrantes de Turmas Recursais.”186

Não obstante, não há que se falar em julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça de habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal, isso porque esse Tribunal assevera, a teor do disposto no artigo 105, inciso I, alínea "c"187, da Constituição da República Federativa do Brasil, que as Turmas Recursais de Juizados Especiais não podem ser qualificadas como "Tribunal”, para fins de autorizar a inauguração da competência desta referida Corte.188

HABEAS CORPUS. PENAL. COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME OU CONTRAVENÇÃO. [...] ORDEM IMPETRADA CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO POR TURMA RECURSAL. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. As Turmas Recursais de Juizados Especiais não se qualificam como ‘Tribunal’, não estando, assim, abrangidas pela previsão contida no art. 105, I, ‘c’, da Constituição Federal, o que impede a inauguração da competência do Superior Tribunal de Justiça para apreciar habeas corpus impetrado contra suas decisões. 2. Ordem não conhecida. (STJ, Habeas Corpus n. 223.550 – SP, de Brasília, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 27-03-2012).

No que diz respeito à Justiça do Trabalho, a Emenda Constitucional nº 45/2004 inovou o sistema jurídico nacional, ao modificar a competência da Justiça do Trabalho para nela incluir o habeas corpus e aquietou as discussões acerca da possibilidade de apreciação do writ pelo Judiciário, quando a coação à liberdade é decorrente de matéria trabalhista.189

Essa nova competência, no entanto, sofreu duas grandes derrotas impostas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: a primeira quando recusou competência criminal à Justiça do Trabalho (ADI n. 3684) e a segunda quando proibiu a prisão civil do depositário infiel (SV 25)190, esvaziando, assim, as possibilidades fáticas de ofensa à liberdade de locomoção reparável no foro trabalhista.191

Desse modo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.684 o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Emenda Constitucional nº 45/2004 não atribuiu competência criminal genérica à Justiça do Trabalho, razão pela qual, atualmente, a este órgão não incumbe a apreciação de habeas corpus em matéria criminal, tendo, portanto, a previsão do artigo 114, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil192, tornado-se inócua, já que, nesses casos (de matéria criminal), o habeas corpus é julgado pela Justiça Federal. Esse entendimento já havia sido objeto da Súmula nº 165 do Superior Tribunal de Justiça, a qual prevê competir à Justiça Federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo trabalhista.193

3.1.6 Rito do habeas corpus

Uma vez impetrado o remédio heróico, deve ser observado o rito previsto no Código de Processo Penal, independentemente de ser competente para julgamento o juiz ou o tribunal. O procedimento do habeas corpus é regulamentado, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, pela Lei nº 8.038/1990, a qual faz menção do rito previsto Código de Processo Penal.194

Assim, nos termos do artigo 654 do referido Código, “o habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”.195 A petição de habeas corpus deverá conter:196

a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;

b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor;

c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências.

Ao receber a inicial, consoante disposto no artigo 656 do Código de Processo Penal, o juiz competente, “se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar.”197 Se o paciente estiver encarcerado, nenhum motivo eximirá a sua apresentação, exceto: a) grave enfermidade do paciente; b) não estar ele sob a guarda da pessoa a quem se atribui a detenção; se o comparecimento não tiver sido determinado pelo juiz ou pelo tribunal (artigo 657 do Código de Processo Penal).198

A impetração pode dar-se por telegrama, fac-símile, etc. A ausência do nome do paciente não ocasiona a inépcia da petição, desde que seja possível a identificação física do paciente. Contudo, não se admite a impetração anônima, haja vista caber ao impetrante identificar-se. Também não acarreta qualquer invalidade a omissão do nome da autoridade coatora, desde que declinado seu cargo ou, ainda, indicado o detentor ou executor.199

Em que pese a sumariedade do procedimento, cabível a antecipação da tutela pleiteada, por meio da concessão de liminar. Embora não haja previsão legal expressa, admite-se a medida, desde que estejam presentes os requisitos legais, quais sejam, o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (risco em razão da demora). Assim, concedida a liminar pleiteada, esta poderá, por ocasião do julgamento do mérito do writ, tanto ser mantida quanto revogada. No último caso, restabelece-se a situação anterior à antecipação pleiteada.200

Em suma, em primeira instância, o juiz, após analisar o pedido liminar, poderá concedê-lo, fazendo cessar imediatamente a coação. Não sendo o caso, poderá ainda: a) determinar, caso julgue necessário, e se o paciente estiver preso, que lhe seja ele apresentado; b) requisitar informações à autoridade coatora, concedendo-lhe prazo para apresentação; c) determinar a realização de diligências, decidindo em 24 horas.201

Como o procedimento do habeas corpus não é dotado de fase destinada à instrução probatória, a petição inicial deverá ser acompanhada das provas pré-constituídas, documentos, certidões, admitindo-se, inclusive, o rol de testemunhas, tendo em vista que, em casos excepcionais, não há impedimento para a colheita de outras provas, dentre elas, a prova oral. Entretanto, via de regra, não se admite o exame aprofundado de provas, mesmo aquelas existentes carreadas no processo, devendo o impetrante, de plano, trazer aos autos todas as provas de que disponha.202 Nesse sentido, é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina203:

HABEAS CORPUS. [...] DEBATE INCABÍVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. REMÉDIO CONSTITUCIONAL NÃO DESTINADO À DISCUSSÃO PROBATÓRIA. [...] 1. ‘A discussão sobre o mérito da causa não é compatível com a estreita via de cognição da ação constitucional de habeas corpus, que não admite dilação probatória tampouco aprofundado exame das provas existentes nos autos’. (TJSC - Habeas Corpus n. 2012.008842-7, de Capinzal, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 22/03/2012). (grifo nosso).

No procedimento de primeira instância, não é obrigatória a intervenção do Ministério Público, todavia, deve ser ele intimado da decisão, seja ela concessiva ou denegatória, para que, caso queira, dela recorra.204

Negado o habeas corpus, torna-se possível a impetração de um novo writ ao órgão superior (habeas corpus substitutivo), admitindo-se também a impetração no mesmo tribunal, em caso de nova fundamentação.

A Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 102, inciso II, alínea “a”, permite ao Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso ordinário constitucional, os habeas corpus, decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, quando denegatória a decisão, bem como no artigo 105, inciso II, alínea “a”, ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso ordinário, habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, se denegatória a decisão.205 Da mesma forma, o artigo 30 da Lei nº 8.308/90 prevê a possibilidade de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça das decisões denegatórias de habeas corpus, proferidas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.206

3.1.7 Limitação do papel do habeas corpus pelos tribunais

Desde agosto de 2012, vem sendo reduzido o cabimento do habeas corpus, porquanto o Supremo Tribunal Federal, ao julgar os feitos distribuídos de números 109.956 e 111.909, alterou a sua posição e firmou entendimento jurisprudencial no sentido da impossibilidade de impetração de habeas corpus quando haja previsão no ordenamento jurídico brasileiro de recurso que ataque a decisão objeto do remédio heróico.207

No habeas corpus nº 109.956, oriundo do Estado do Paraná, o relator, Ministro Marco Aurélio, atribuiu a mudança de posição da Suprema Corte à sobrecarga de processos que praticamente inviabiliza a jurisdição em tempo hábil. Para o ministro,

o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea ‘a’, e 105, inciso II, alínea ‘a’, tem-se a previsão do recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por tribunal superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-se novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso, impugnando pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de outras situações em que requerida, a jurisdição.208

A Ministra Rosa Webber, relatora no habeas corpus nº 11.909, originário do Estado de São Paulo, destacou que, em que pese o restrito cabimento do instituto, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil, a casos de ameaça ou restrição de liberdade, “passou-se a admiti-lo como substitutivo de recursos no processo penal, por vezes até mesmo sem qualquer prisão vigente ou sem ameaça senão remota de prisão.” Para a Ministra, “o desvirtuamento do habeas corpus também tornou sem sentido o princípio da exaustividade dos recursos no processo legal”, pois, de nada adianta haver um número limitado de recursos contra decisões, sejam finais ou interlocutórias, se a jurisprudência entender, à falta de previsão do recurso, manejável o habeas corpus.209

Não obstante, é necessário enfatizar que assegurar o manejo do habeas corpus contra toda e qualquer decisão interlocutória pode ser prejudicial, e muito, para a duração razoável do processo, a qual se consubstancia em um princípio fundamental constitucional, uma vez que por se admitir esta ampla recorribilidade, observa-se quantidade expressiva de impetrações de habeas corpus com a finalidade de submeter, inclusive sucessiva e concomitantemente, a mesma questão a diferentes tribunais. Todavia, ressalte-se, o habeas corpus é uma garantia constitucional de liberdade, que não pode ser empregado com finalidade de burlar o texto legal.210

3.1.8 Habeas corpus no anteprojeto do Código de Processo Penal

O habeas corpus, pelo anteprojeto do Código de Processo Penal, passará a ser tratado, no capítulo II, livro IV, que se ocupa “das ações de impugnação”, logo, caso seja aprovado, encerrará de vez a celeuma que gira em torno da natureza jurídica do instituto.

Há que se destacar que o cabimento ao habeas corpus, pelo anteprojeto do novo Código, ficou limitado apenas aos casos em que há prisão ou iminência de prisão ilegal, haja vista a possibilidade de interposição de agravo contra a decisão de recebimento da denúncia.211,212

Com efeito, a mudança vem ao encontro do atual entendimento jurisprudencial, cujo objetivo, conforme visto no item anterior, é evitar impetrações excessivas do writ, sobretudo, nos casos em que é cabível a interposição de recurso.

No que diz respeito aos recursos, não há dúvidas de que os efeitos do julgamento do reclamo podem ser estendidos aos réus não recorrentes, quando a decisão estiver pautada em aspectos eminentemente materiais. De acordo com a teoria geral dos recursos, há alguns efeitos que são aplicáveis aos recursos em matéria processual penal e que são passíveis de aplicação às ações de impugnação. Passar-se-á a analisá-los.

3.2 EFEITOS DOS RECURSOS

Em regra, os provimentos jurisdicionais finais estão condicionados a determinado lapso temporal, destinado à impugnação das partes e, somente, quando fluído este prazo impugnativo é que a decisão passa a produzir seus efeitos de forma plena. Contudo, interposto recurso, a preclusão de questões já decididas ficará afastada temporariamente até que se realize novo julgamento213, já que a interposição de um recurso traz implicações práticas, as quais são denominadas de efeitos.214

Assim, dentre os efeitos mais tradicionais apresentados pela doutrina, destacam-se os efeitos devolutivo e suspensivo. No entanto, boa parte da doutrina também relaciona o efeito regressivo (iterativo, reiterativo ou diferido) e o extensivo.215 Estes podem ocorrer de forma isolada ou simultânea, a depender da espécie de impugnação, bem como da menção desses efeitos pelo juiz ou tribunal.216 Passar-se-á à análise de cada um dos efeitos.

3.2.1 Efeito devolutivo

O efeito devolutivo possui origem no sistema inquisitivo, no qual as funções de acusar, julgar e defender acumulavam-se nas mãos do monarca. Por esse motivo, era ele o titular da jurisdição penal, fato, que em razão do grande número de casos, não lhe permitia exercer diretamente esses poderes, razão pela qual delegava a funcionários subalternos as funções judicantes, reassumindo-as quando necessário. Nesse caso, no momento em que um indivíduo impugnava a decisão de um funcionário, este devolvia ao soberano a matéria para reexame, o que fez nascer o efeito devolutivo.217

Todo recurso possui esse efeito, que significa a devolução, a entrega da matéria recorrida para ser apreciada por órgão de jurisdição hierárquica superior, ou seja, “para que confirme, integre ou invalide a decisão recorrida.”218 Esse também é o entendimento de Mirabete219, de Tavora e Alencar220, de Grinover, Gomes e Fernandes221, de Tourinho Filho.222 Todavia, para alguns doutrinadores, como Avena223 e Constantino224, com a interposição do recurso ao Poder Judiciário, transfere-se ao prolator da decisão atacada ou à instância superior a reapreciação da matéria.225 Para estes estudiosos, portanto, o efeito devolutivo determina o reexame da decisão, sendo irrelevante se promovido pelo órgão prolator da decisão ou pelo órgão superior. Com a diferença de que, na primeira hipótese, tem-se o denominado efeito devolutivo de instância iterativa (a quo) e, na segunda, de instância reiterativa (ad quem).226

Naturalmente, é possível a instância superior apreciar, ainda, matéria que lhe permite o pronunciamento de ofício, como, por exemplo, uma nulidade absoluta do processo.227 Porém, a teor da Súmula nº 160 do Supremo Tribunal Federal, não se pode reconhecer contra o réu a nulidade não arguida no recurso de acusação228, em razão da proibição de reformatio in pejus (reforma para pior), inspirada no princípio favor rei, segundo o qual229, qualquer dúvida ou interpretação na seara do processo penal, deve sempre ser levada pela direção mais benéfica ao réu.230

Aponta-se, comumente, como desdobramento do princípio refomatio in pejus, o princípio da reformatio in pejus indireta, e o da reformatio in mellius. No caso de reforma para pior, “anulada a sentença condenatória em virtude de recurso exclusivo da defesa, não pode ser prolatada decisão mais grave que a anulada, quando da nova sentença”, mesmo em caso de mutatio libelli.231,232

A exceção é concernente ao Tribunal do Júri, cuja vedação contida no artigo 617 do Código de Processo Penal a este não se aplica233, em razão do princípio da soberania dos vereditos, de modo que é possível aos jurados agravar a situação do réu, com base na pronúncia. Nesse sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, desde a edição do enunciado nº 23:

Tratando-se de preceito decorrente da lei ordinária (CPP, art. 617), a vedação da reformatio in pejus indireta não se aplica às decisões do Tribunal do Júri, cuja soberania assenta na própria Constituição Federal (art. 5º, XXXVIII). Aplica-se, todavia, ao Juiz-Presidente, que não pode, no segundo julgamento, e em face de idêntico veredicto, exasperar a pena imposta no primeiro. Habeas corpus deferido para reduzir a pena do paciente ao montante fixado no primeiro julgamento, tendo em vista que, no segundo, o veredicto fora, inclusive, mais favorável ao acusado. Precedente citado: HC 66274-RJ (RTJ 127/561). HC 73.367-MG, rel. Min. Celso de Mello, 12.03.96.234

Todavia, havendo recurso exclusivo da acusação, admite-se a reformatio in mellius, “sob o fundamento de que a liberdade do acusado não pode ser sobreposta por uma regra processual.”235

Por outro lado, quando não se trata de matéria de ordem pública, o pedido do recorrente limita a competência do tribunal, como na hipótese de impugnação parcial da decisão, ou seja, o reexame na instância ad quem fica adstrito ao objeto do recurso (tantum devolutum quantum apellatum), o que se consubstancia na extensão do efeito devolutivo, conforme artigo 599 do Código de Processo Penal.236 No juízo de delibação (revisão limitada), em que pese a restrição quanto à extensão da matéria, o órgão superior tem total liberdade para proceder a uma análise exauriente do pleito formulado, o que se denomina profundidade do efeito devolutivo.237

3.2.2 Efeito suspensivo

Além do efeito devolutivo, os recursos podem ter também o efeito suspensivo, que é regra no processo penal, quando a interposição de um recurso impede a produção de efeitos imediatos pela decisão combatida238, até que seja confirmada pelo órgão ad quem.239

Em verdade, o recurso dotado de efeito suspensivo procrastina a suspensão dos efeitos que acompanham a decisão desde seu início, suspensão esta decorrente da existência de prazo para a interposição de recurso. Não obstante, no que diz respeito à quantidade e à qualidade da matéria devolvida ao conhecimento da instância recursal continuará sendo devolutivo.240

Apesar de o efeito suspensivo impedir que a decisão produza efeitos desde logo, há situações, como no caso de sentença absolutória, que comportam eficácia imediata, ao provocar a pronta soltura do réu. É o que dispõe o artigo 596 do Código de Processo Penal: “A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade”; outras situações, por sua vez, “submetem-se à eficácia contida”, como na hipótese de sentença condenatória, na qual se impõe que a pena privativa da liberdade somente pode ser executada, nos termos do artigo 147 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal-LEP)241, após o trânsito em julgado da decisão. Consoante regra disposta no artigo 597 do Código de Processo Penal, “a apelação de sentença condenatória terá efeito suspensivo, salvo o disposto no art. 393242, a aplicação provisória de interdições de direitos e de medidas de segurança (artigos 374 e 378243), e o caso de suspensão condicional de pena.”244

Dessa forma, no processo penal, esse efeito do recurso está relacionado, via de regra, à possibilidade ou não de se poder efetivar a prisão do réu a partir da sentença condenatória proferida. Nesse caso, não se permite mais a restrição da liberdade como mera decorrência da condenação em primeiro grau245, isso porque não se pode antecipar os efeitos executórios em face do princípio constitucional, da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República Federativa do Brasil).246 Por esse motivo, a prisão, de forma geral, não pode constituir simples efeito da sentença e, mesmo quando tenha sido determinada nessa fase, deverá manter sua natureza cautelar, em função de ter havido a revogação do artigo 594 do Código de Processo Penal, o qual dispunha que o réu não poderia apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se fosse primário e tivesse bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livrasse solto. Dessa forma, nos termos do § 1º do artigo 387 do Código de Processo Penal, “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.”247

Pelo exposto, pode-se afirmar, por exemplo, que a apelação contra sentença condenatória terá sempre efeito suspensivo, o que não ocorre quando se trata de sentença absolutória, tendo em vista a determinação contida no artigo 596 do Código de Processo Penal248, a qual impõe, nesse caso, que seja o réu imediatamente posto em liberdade249, porquanto, o recurso dotado de efeito suspensivo adia a condição de ineficácia da decisão prolatada.250 Neste sentido Moreira:

Aliás, a expressão ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso.251

Dessa maneira, portanto, o recurso dotado de efeito suspensivo impede a produção imediata de todos os efeitos da decisão e não somente a eficácia executiva da sentença condenatória. Vale dizer, o decisum somente poderá ser executado quando confirmado pelo órgão ad quem.252

3.2.3 Efeito regressivo

O denominado efeito regressivo, também conhecido por iterativo ou diferido, “consiste na devolução da matéria impugnada, para reexame ao próprio órgão jurisdicional que prolatou a decisão recorrida, ou seja, o próprio juízo a quo”, desde que haja previsão legal.253 Para Pacheco, trata-se apenas de um aspecto do efeito devolutivo, porquanto dá azo para que se faça um juízo de retratação, ou confirmação, como é o caso de alguns recursos, dentre eles, o recurso em sentido estrito, o agravo em execução, a carta testemunhável, o agravo nos próprios autos, o agravo regimental.254

Isso porque, conforme visto, a base da expressão devolução advém da época em que o rei delegava o julgamento aos subalternos e, havendo recurso, o caso lhe era devolvido. Dessa forma, para alguns, manteve-se o entendimento de que a devolução era remeter o processo ao tribunal ad quem, e a regressão, ao julgamento pelo próprio prolator da decisão combatida. Ocorre que, atualmente, entende-se por devolutividade a efetiva reapreciação da matéria, o que poderá ser feito tanto pelo prolator do decisum quanto pelo órgão superior, de modo que resta prejudicado concluir que a regressão é efeito recursal, quando na verdade, conforme Constantino, é uma peculiaridade do efeito devolutivo, em face da admissibilidade de retratação pelo próprio julgador.”255

3.2.4 Efeito extensivo

Esse efeito surgiu da necessidade de se dar tratamento igualitário a indivíduos que, acusados pela prática do mesmo crime, encontrem-se em situação jurídica idêntica. Assim, esse efeito consiste, a teor do que dispõe o artigo 580 do Código de Processo Penal256, na possibilidade de se estender ao corréu não recorrente o resultado favorável alcançado pelo réu recorrente, desde que se atendam dois requisitos: a ocorrência do concurso de pessoas - que duas ou mais pessoas tenham sido condenadas pela prática do mesmo crime-; o provimento do recurso por razões que não sejam de caráter exclusivamente pessoais do recorrente.257

O primeiro requisito, concurso de pessoas, é a cooperação delituosa, com o objetivo de assegurar o proveito coletivo do crime e abrange tanto a coautoria quanto a participação (seja moral ou material). Na primeira situação, duas ou mais pessoas se juntam para praticar a conduta descrita no tipo penal. No segundo caso, o agente não comete qualquer das condutas típicas (verbos descritos na lei), nos termos do artigo 29 do Código Penal258, mas de alguma outra forma concorre para o crime.259

Todavia, as várias condutas não são suficientes para se determinar a coautoria ou a participação, haja vista a necessidade da existência do elemento subjetivo, pelo qual cada concorrente tem a consciência de contribuir para a realização da obra comum.260 Por esse motivo, quando reconhecido o concurso de pessoas, todos os agentes envolvidos no fato respondem, em regra, pela prática do mesmo crime, isso porque o Código Penal adotou a Teoria Monística ou Unitária, segundo a qual, “todo aquele que concorre para o crime causa-o na sua totalidade e por ele responde integralmente.”261 Portanto,

o crime é produto da conduta de cada um e de todos, indistintamente. Essa concepção parte da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado. No entanto, o fundamento maior dessa teoria é político-criminal, que prefere punir igualmente a todos os participantes de uma mesma infração penal.262

Não obstante, quanto à valoração do crime, no artigo 29, em seus parágrafos263, o legislador adotou um sistema diferenciador, o qual permite a distinção da conduta de autores e partícipes ao possibilitar uma adequada dosagem da pena de acordo com a efetiva participação e eficácia causal da conduta de cada envolvido, na medida de sua culpabilidade, perfeitamente individualizada.264

Como exemplo do segundo requisito, o provimento do recurso por razões que não sejam de caráter exclusivamente pessoais do recorrente, tem-se a comprovação quanto à inexistência material do fato, à atipicidade do fato ou este não constituir crime, bem com a extinção da punibilidade.265 Esse efeito, por sua vez, somente poderá ser utilizado em benefício da defesa266, assim, se a acusação recorrer para majorar a pena de um dos réus, o tribunal não poderá aumentar a pena dos demais, porquanto quem não recorreu não poderá ter sua condição agravada.267

Entretanto, para alguns doutrinadores, como Tourinho Filho268, Demercian e Maluly269, Pacheco270, em verdade, a extensão não se trata de efeito do recurso, que decorre da sua mera interposição, não impede o trânsito em julgado da decisão ao réu não recorrente, mas sim, consequência do efeito devolutivo, pois o recurso devolve ao tribunal a apreciação da matéria comum aos corréus.271 Por exemplo, se, ao apelar, um corréu alegar a inexistência de crime, o provimento do recurso deverá beneficiar o corréu não recorrente, visto que a matéria não é de caráter exclusivamente pessoal, contudo, caso se alegue em favor de um réu circunstância atenuante pela confissão, o provimento não beneficiará o réu não recorrente, por se tratar de matéria de cunho eminentemente pessoal.272 Dessa forma, o referido efeito extensivo deve ser aplicado, de ofício, quando verificadas circunstâncias de caráter objetivo, mesmo que haja preclusão da matéria ao réu não recorrente.

Assim, conhecidos os efeitos recursais, interessa a este trabalho analisar a possibilidade de aplicação desse efeito, de ofício, às ações autônomas de impugnação, como habeas corpus, revisão criminal e mandado de segurança, levando-se em conta que o objeto desta pesquisa é a aplicação do efeito extensivo, de ofício, ao habeas corpus.

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Sobre a autora
Marcia de Medeiros Goulart

Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOULART, Marcia Medeiros. Possibilidade de extensão dos efeitos da decisão concessiva de habeas corpus, de ofício, ao corréu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3979, 24 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28786. Acesso em: 22 dez. 2024.

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