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Danos morais transindividuais no processo coletivo brasileiro em matéria de Direito Ambiental

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27/05/2014 às 10:20
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V –BREVÍSSIMOS APONTAMENTOS SOBRE A COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO.

Para se entender a coisa julgada em Processo coletivo é preciso deixar de lado o conceito e o regime tradicional da coisa julgada prevista no Código de Processo Civil (artigo 472). Vejamos, nas próximas linhas, como funciona a coisa julgada nos sistema coletivo!

A coisa julgada em processo coletivo é secundum eventun litis vel probationis, ou seja, forma-se de acordo com o resultado do julgamento combinado com a suficiência ou não das provas produzidas nos autos.

A improcedência da demanda em ação coletiva lato sensu, sem a devida instrução probatória, não faz coisa julgada.

A coisa julgada em processos que envolvam interesses ou direitos difusos, em caso de procedência da ação, terá efeito erga omnes. Se, no entanto, a ação for julgada improcedente por falta de provas não haverá a formação de coisa julgada material o que, portanto, autoriza o ajuizamento da mesma ação, inclusive, pelo mesmo legitimado que a ajuizou desde que se tenha uma nova prova hábil e capaz de reverter a sorte da ação antes improcedente (artigo 103, inciso I do Código de Defesa do Consumidor).

Caso, no entanto, a sentença seja de procedência ou improcedência com suficiente instrução probatória haverá a formação da coisa julgada formal e material e os legitimados (v.g. art. 05º da Lei 7.347/1985 e art. 82 do CDC) não estão autorizados ao ajuizamento de uma nova ação. Ainda que se trate de outro legitimado que não aquele que ajuizou a ação julgada improcedente.

Em se tratando de processo coletivo que abordem interesses ou direitos coletivos stricto sensu tem-se por aplicáveis as mesmas regras expostas nos 02 (dois) parágrafos acima diferenciando, no entanto, apenas os efeitos da coisa julgada que será ultra partes (e não erga omnes). Vale dizer: os efeitos da coisa julgada estão limitados ao grupo, categoria ou classe (artigo 103, inciso II do Código de Defesa do Consumidor).

Se o objeto da ação coletiva, no entanto, envolver questões ligadas aos interesses e direitos individuais homogêneos somente haverá efeitos erga omnes caso haja procedência do pedido e desde que para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores (artigo 103, inciso III do Código de Defesa do Consumidor). Repare que, nesta hipótese, o legislador pátrio não se manifestou se é necessário ou não a suficiente instrução probatória no feito. Logo, a conclusão a que se pode chegar é que, havendo ou não a devida instrução probatória, haverá a formação de coisa julgada. Ou seja, os legitimados não poderão ajuizar a mesma ação.

Ainda sobre os interesses ou direitos individuais homogêneos é preciso, ainda, mencionar também a hipótese de existir uma ação coletiva lato sensu e uma ação ajuizada pelo particular individual que tenham os mesmos objetos (pedido e causas de pedir próxima e remota).

Na situação acima narrada, o particular terá 02 (duas) opções: (01) requerer a suspensão de seu processo até o julgamento da ação coletiva. Em sendo a ação coletiva procedente, o particular poderá aproveitar a sentença; (02) Se, no entanto, o particular prejudicado optar por prosseguir com a sua ação individual (portanto em paralelo com a coletiva) e, por ventura, não obtiver êxito em sua empreitada (improcedência) não poderá ele se valer de eventual sentença de procedência prolatada na ação coletiva.

Percebe-se, portanto, que a coisa julgada em processo coletivo (difusos, coletivos e individuais homogêneos), em tese, não prejudica o indivíduo lesado seja a ação coletiva stricto sensu julgada procedente ou improcedente havendo ou não suficiente instrução probatória ressalvada, claro, a hipótese acima (a existência de ação ajuizada por um particular em já existindo uma ação coletiva lato sensu em trâmite).

Abordemos por fim, agora, o último assunto que nos interessa, que é a forma de execução da sentença prolatada em ação coletiva lato sensu.


VI – BREVÍSSIMOS APONTAMENTOS ACERCA DA EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROLATADA EM SEDE DE AÇÃO COLETIVA LATO SENSU.

O Código de Defesa do Consumidor disciplina apenas a liquidação de sentença dos interesses ou direitos individuais homogêneos (preferencialmente por artigos). Não há, no entanto, prejuízo em aplicar esses dispositivos, no que couber, aos interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu. Em última análise, tanto a liquidação como a execução das condenações havidas em ações coletivas são feitas individualmente.

O Código de Defesa do Consumidor silenciou quanto aos interesses difusos e coletivos stricto sensu, o que nos leva a concluir que apenas os interesses ou direitos individuais homogêneos foram priorizados. Logo, não existe procedimento especial para os interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu podendo ser adotado a forma de liquidação que mais convir previsto no Código de Processo Civil.

A Outra hipótese de liquidação e execução de sentença ocorre na forma do artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se, aqui, de uma liquidação e execução essencialmente coletiva.

Conclui-se, portanto, que pode haver, conforme o caso, a liquidação e execução da sentença coletiva e/ou a liquidação e execução coletiva da sentença.

primeira hipótese, a mais comum, a liquidação e execução da sentença coletiva ocorrem, basicamente, de 02 (duas) maneiras: (a) pelos entes legitimados (v.g. art. 05º da Lei 7.347/1985 e art. 82 do CDC) ou; (b) de forma individual, promovida pelas vítimas ou seus sucessores, com o transporte in utilibus da coisa julgada oriundo do processo coletivo lato sensu objetivando a definição do quantum da reparação devida individualmente.

No caso proposto inicialmente, a ação coletiva requereu uma obrigação de fazer (recuperação in natura da área degradada, executando projeto de recuperação ambiental ou a compensação da área mediante a constituição de ecossistema equivalente, no caso de a primeira opção ser impossível, desproporcional, ou insatisfatória) e não fazer (cessar o descarte irregular de dejetos naquele rio), bem como também uma indenização por dano moral.

Uma vez procedente a ação inicia-se a fase de liquidação e execução da sentença pelos legitimados autorizados que farão fazer valer o comando da sentença (obrigação de fazer e não fazer), bem como também providenciará a destinação de eventual valor obtido a título de indenização para o fundo mencionado no artigo 13 da Lei 7.347/1985.

Mas, e como fica cada pescador lesado do nosso caso hipotético? Bom. Poderá ele se utilizar da sentença proferida em sede de ação coletiva (como causa de pedir remota) para fundamentar e justificar a sua habilitação de crédito. Trata-se do transporte in utilibus da coisa julgada.

Ou seja, forte na sentença de procedência obtida em sede de ação coletiva, poderá o indivíduo lesado habilitar seu crédito comprovando o ato, dano e o nexo causal. A liquidação, nesses casos, ocorrerá (a) ou por liquidação por artigos (artigo 475-E do CPC), (b) ou por liquidação por arbitramento (art. 475-C do CPC); (c) ou, em caso que envolver simples cálculo aritmético, com a apresentação de memória de cálculo (art. 475-B do CPC).

A liquidação dessa sentença não tem por objeto apenas a definição do valor da indenização (quantum debeatur). Pode ser incluído também, na habilitação, gastos e despesas não abarcados na sentença coletiva, mas, que foi necessário para, por exemplo, para o restabelecimento da saúde do lesionado tais como uma cirurgia e medicamentos.

Haverá, no entanto, situações em que o objeto da reparação dos danos não seja efetivo ou não traga os efeitos desejados para o fim que a ação se destinou. E, aqui, estamos diante da segunda hipótese, ou seja, da execução e liquidação coletiva da sentença que, para melhor elucidá-la, apresentaremos 02 (duas) situações: a primeira um pedágio que cobra, por engano (ou até mesmo de forma dolosa), R$ 0,05 (cinco centavos) à mais do preço regular dos usuários de determinada rodovia no período de um mês; a segunda um fornecedor de caviar indicar em sua embalagem o conteúdo de 100g (cem gramas) do produto mas, na verdade, o fabricante oferece somente 95g (noventa e cinco gramas) dessa iguaria.

Em ambas as situações, o direito violado é ínfimo ou quase que imperceptível frente a um consumidor individual o que, na prática, faz com que poucos (ou nenhum) consumidores corram atrás de seus direitos (habilitem seus crédiros). Mas, por outro lado, não há como passar despercebido o lucro obtido por ambos os agentes (enriquecimento sem causa). Lucro esse que, de centavo a centavo, pode se constituir em um vultoso valor. Se isso ocorrer (poucos interessados em reaver o seu crédito) há uma solução dada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Se, no entanto, no prazo de 01 (hum) ano (a meu ver a se contar do trânsito em julgado da sentença genérica) não houver habilitação de interessados suficientes à compatibilidade da extensão e da gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor promover a execução dessa sentença na forma do artigo 100 do mesmo codex (fluid recovery). Por toda a interpretação do sistema processual coletivo brasileiro o prazo de 01 (hum) ano não deve ser interpretado como decadencial.

O legitimado, em executando a sentença genérica, requererá ao magistrado a fixação de um valor a título de indenização tendo como parâmetro o dano global causado e este produto terá como destino o fundo criado pelo artigo 13 da Lei 7.347/1985. Portanto, este artigo (13 da Lei 7.347/1985) tem aplicação residual frente ao sistema coletivo processual brasileiro porque essa indenização tem gins diversos dos reparatórios.

Note que a necessidade e a legitimidade para a execução e liquidação coletiva da sentença surgem se não existir interessados em número proporcional à lesão no prazo de 01 (hum) ano. É, portanto, essa modalidade, residual. Subsidiária.


VII – DO EXAME SOBRE A DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ACERCA DO CABIMENTO DO DANO MORAL TRANSINDIVIDUAL EM AÇÕES COLETIVAS LATO SENSU.

Uma vez analisados alguns conceitos do processo coletivo brasileiro e o instituto do dano moral passar-se-á, agora, à análise jurisprudencial acerca da possibilidade de aplicação, ou não, do dano moral em ações coletivas lato sensu. A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça ainda não pacificou o entendimento acerca desse tema.

A 01ª Turma do Colendo, por exemplo, entende não caber reparação de dano moral transindividual sob a justificativa de que não existe sofrimento negativo coletivo. É o que se pode observar nos autos do Recurso Especial n.º 598281/MG[43] de Relatoria do Excelentíssimo Ministro Luiz Fux.

Os Excelentíssimos Ministros Luiz Fux, D.D. Relator, bem como também o Excelentíssimo Ministro José Delgado tiveram os seus votos vencidos ao darem provimento ao Recurso Especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral transindividual decorrente da ilicitude da conduta dos réus para com o meio ambiente. Ambos entenderam, na essência, que

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“[...] o dano moral ambiental caracterizar-se-á quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano”.

E assim concluíram:

“[...] Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental.

Deveras, o dano moral individual difere do dano moral difuso e in re ipsa decorrente do sofrimento e emoção negativas.

Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado. [...]”

Por outro lado, os demais eminentes Ministros Teori Albino ZavasckiDenise Arruda e Francisco Falcão votaram por negar provimento ao recurso ao entenderem que o dano ambiental não comporta, em sua generalidade, a responsabilização por dano moral do agente causador da ofensa ao meio ambiente, porquanto para a condenação em dano moral, faz-se impositiva a comprovação de que o estrago alcançou a órbita subjetiva de terceiros, atingindo uti singuli a pessoa, de forma a lhe causar desconforto de caráter individual.

Na mesma linha de raciocínio, a doutrina justifica a sua posição no sentido de que é necessária a vinculação do dano moral à noção de dor e sofrimento psíquico, o que são incompatíveis á noção de coletividade. A propósito, o agora Ministro do Excelso Pretório, o Dr. Teori Zavascki defende que:

“[...] a vítima do dano moral é, necessariamente, uma pessoa. É que o dano moral envolve, necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica, afetando ´a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas´, ou seja ´tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado´. Assim, não se mostra compatível com o dano moral a ideia de transidividualidade (= da indeterminabilidade individual do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão ao direito lesado.”[44]

Da mesma opinião compartilha Rui Stoco ao posicionar-se no sentido de que

“[...] não existe ´dano moral ao meio ambiente´. Muito menos ofensa aos mares, tios, à Mata Atlântica, ou mesmo agressão moral a uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria;  de um vultus singular e único. Os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre  ela mesma. [...] Ressuma claro que o dano moral é personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de características e atributos invioláveis. Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes,por isso, de subsistir sozinhos [...] Do que se conclui mostra-se impróprio, tanto no plano fático como sob o aspecto lógico-jurídico, falar em dano moral ao ambiente, sendo insustentável a tese de que a degradação do meio ambiente por ação do homem conduza, através da mesma ação judicial, à ação de reconstituí-lo, e, ainda, de recompor o dano moral hipoteticamente suportado por um número indeterminado de pessoas.”[45]

Além disso, sustentam que a coletividade não goza de personalidade jurídica, logo, não seria possível aferir a dor, o abalo psíquico e moral da coletividade.

A 03ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, entende ser cabível o dano moral transindividual conforme se verifica nos autos do Recurso Especial n.º 636.021/RJ[46], de Relatoria da Excelentíssima Ministra Nanci Andrighi que, em seu voto, expôs as seguintes considerações:

Estabelecida essa primeira premissa, segundo a qual a existência em nosso sistema legal dos interesses difusos e coletivos é inquestionável diante do expresso reconhecimento legal, deve-se analisar o conceito de dano moral.

[...]

Constrói-se, assim, uma segunda premissa de fundamental importância para o deslinde da presente controvérsia. O dano moral corresponde, hoje em nosso sistema legal, à lesão a um bem não suscetível de avaliação em dinheiro.

[...]

Ora, se por um lado, a coletividade não goza de personalidade jurídica e se, por outro, há bens de sua titularidade que são insuscetíveis de valoração econômica, como, por exemplo, o ar, o equilíbrio ambiental e a sobrevivência de uma espécie animal, não há que se falar, em regra, de patrimônio – no sentido tradicional – difuso ou coletivo.

A conseqüência que se extrai dessa conclusão é que a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano não-patrimonial e, por isso, deve encontrar uma compensação, permitindo-se que os difusamente lesados gozem de um outro bem jurídico. Não se trata, portanto, de indenizar, porque não se indeniza o que não está no comércio e que, portanto, não tem preço estabelecido pelo mercado. A degradação ambiental, por exemplo, deve ser compensada, pois a perda do equilíbrio ecológico, ainda que temporária, não pode ser reduzida a um valor econômico. Mesmo que possa se identificar o custo da despoluição de um rio, não se precifica a perda imposta à população ribeirinha que se vê impossibilitada, durante meses, de nadar em suas águas outrora límpidas.

Por tudo isso, deve-se reconhecer que nosso ordenamento jurídico não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado. Nosso sistema jurídico admite, em poucas palavras, a existência de danos extra-patrimoniais coletivos, ou, na denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos. [...]”

A 02ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça também parece seguir a mesma linha da 03ª Turma, conforme se verifica nos autos do Recurso Especial n.º 1.057.274/RS[47], de Relatoria da Excelentíssima Ministra Eliana Calmon que, em seu voto, pondera que:

Não aceito a conclusão da 1ª Turma, por entender não ser essencial à caracterização do dano extrapatrimonial coletivo prova de que houve dor, sentimento, lesão psíquica, afetando "a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (Clayton Reis, Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 236), "tudo aquilo que molesta a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado" (Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2ª ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20, apud Clayton Reis, op. cit., p. 237), pois como preconiza Leonardo Roscoe Bessa:

[...] a indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação Dano Moral coleitvo, a qual traz consigo - indevidamente - discussões realtivas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual.(apud Dano Moral Coletivo, p. 124)

[...]

E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227⁄STJ).

Com efeito, os direitos de personalidade manifestam-se como uma categoria histórica, por serem mutáveis no tempo e no espaço. O direito de personalidade é uma categoria que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua conceituação como categoria apta a receber novas instâncias sociais. (cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental. do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 287).

[...]

O dano moral extrapatrimonial deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo.

O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia mais reclama soluções jurídicas para sua proteção. É evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação tal qual fosse um indivíduo isolado. Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à idéia do coletivo.

Assim sendo, considero que a existência de dano extrapatrimonial coletivo pode ser examinado e mensurado, tendo-se em consideração os requisitos de configuração do dano moral individual. [...]

Há bens que não são suscetíveis de valoração econômica tais como a qualidade do ar, o equilíbrio ambiental, a sobrevivência de uma espécie animal etc.

A doutrina, então, defende que a lesão a um bem coletivo lato sensu corresponde a um dano não-patrimonial e, por isso, deve encontrar uma compensação/reparação pois esses bens difusos e/ou coletivos não se reduzem a um valor econômico. Essa, inclusive, foi a opção do legislador pátrio ao incluir o artigo 01º da Lei 7.347/85. Nesse sentido, o consagrado professor Hugo Nigro Mazzilli nos ensina que

“[...] é possível reconhecer a presença de dano moral, mesmo que não haja dano patrimonial, como nos casos do art. 11 da Lei n.º 8.429/92.

[...]

Não se justifica o argumento de que não pode existir dano moral coletivo uma vez que o dano moral estaria vinculado à noção de dor ou sofrimento psíquico individual. De um lado, os danos transindividuais nada mais são do que um feixe de lesões individuais, de outro, mesmo que se recusasse o caráter de soma de lesões individuais para o dano moral coletivo, seria necessário lembrar que hoje também se admite uma função punitiva na responsabilidade civil, o que confere caráter extrapatrimonial ao dano moral coletivo.”[48]

Conforme se verifica dos entendimentos até aqui expostos, o segundo maior Tribunal do país, bem como também a doutrina, divergem quanto à possibilidade ou não de aplicação dos danos morais transindividuais em sede de ações coletivas lato sensu. Se é assim em um Tribunal Excepcional, é certo que perante os demais tribunais da federação, nos juízos singulares e os operadores do direito enfrentam a mesma dificuldade.

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Sobre o autor
Rafael Hideo Nazima

Advogado militante nas áreas de direito civil, direito do consumidor e contratos empresariais.<br><br>Mestrando em direitos difusos e coletivos e especialista em direito Processual Civil pela Pontífice Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.<br><br>Cursa LL.M. em Direito Empresarial com Ênfase em Contratos pelo Instituto Internacional de Ciência Social - IICS.<br><br>Possui cursos de atualização e extensão, inclusive no exterior (University of Miami) na área de negociação estratégica e gestão de conflitos, processo civil, direito civil, contratos empresarias e direito do consumidor pelas seguintes instituições: Escola Superior de Advocacia – ESA, Associação dos Advogados de São Paulo – AASP e Fundação Getúlio Vargas – GVlaw.<br><br>Formado pela faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAZIMA, Rafael Hideo. Danos morais transindividuais no processo coletivo brasileiro em matéria de Direito Ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3982, 27 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28917. Acesso em: 25 abr. 2024.

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