VIII – CASOS REAIS.
Para dar um pouco mais de vida ao presente trabalho, colaciona-se alguns casos reais de considerável repercussão nacional e o que foram feitos neles. Vejamos.
O primeiro caso refere-se a 03 (três) galpões de propriedade da Copersucar (localizados aos redores do porto de Santos, São Paulo) que foram atingidos por um incêndio ocorrido na manhã do dia 18.10.2013 que consumiu uma quantidade estimada de 180.000,00 (cento e oitenta mil) toneladas de açúcar que lá estavam armazenados.[49]
A Companhia Ambiental do estado de São Paulo – CETESB, estimou que de 200 a 300 (duzentas a trezentas) toneladas do açúcar derretido (melaço) foram escoados diretamente no porto do canal de Santos percorrendo o leito do rio que nasce em Santa Adélia e corta os municípios de Pindorama, Catanduva, Catiguá e Uchoa até chegar ao Rio Turvo causando uma grande mortandade de peixes.[50]
Além do melaço formado por conta do incêndio, houve também uma grande quantidade de água residuária decorrente do combate ao incêndio. Dados preliminares, também da CETESB, estimaram que a extensão de contaminação é de 50 Km (cinquenta quilômetros) de Santa Adélia até Pindorama, onde o nível de oxigênio é de 0%. (zero por cento).[51]
A secretária de Meio Ambiente da cidade de Catanduva (Katia Casemiro Penteado), afirmou que “Já é considerada uma das maiores tragédias ambientais dos últimos tempos no Brasil. Toda a fauna aquática deste rio vai acabar. Com o passar do tempo podemos acelerar a recuperação do rio com a recolocação de peixes”[52]. Nem é preciso comentar que muitas pessoas dependem da atividade pesqueira no local. As consequências, no entanto, não se limitaram a isso. Ruas e casas ficaram ilhadas em caramelo. Isso sem contar o forte odor gerado pelo melaço.
Por conta do lançamento irregular de efluentes líquidos e de resíduos de açúcar, a CETESB aplicou uma multa à Copersucar de 10.000 (dez mil) UFESP´s, que equivale à quantia de R$ 193.700,00 (cento e noventa e três mil e setecentos reais).[53]
O segundo caso, de igual repercussão, ocorreu em meados de novembro de 2011 em que a sociedade empresarial americana Chevron foi a responsável pelo vazamento de óleo no campo de Frade, localizada na Bacia de Campos (Rio de Janeiro), em razão da abertura de fissuras durante atividades de perfuração. Estima-se que a mancha de óleo tenha alcançado 18 km (dezoito quilômetro) de extensão, cobrindo uma área de 11,8 km² (onze vírgula oito quilômetros quadrados).[54]
A Chevron assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal na data de 13.09.2013, em que restou ajustado diversas obrigações de precaução e prevenção de novos incidentes, além de um investimento em melhorias compensatórias socioambientais na ordem de R$ 95.000.000,00 (noventa e cinco milhões).[55]
Em 2012, a Chevron também desembolsou a quantia de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões) à Agência Nacional de Petróleo (ANP) pelo vazamento causado. Além disso, o IBAMA aplicou uma multa de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).[56]
Em um primeiro momento, pode até parecer que o valor a ser desembolsado (ou já desembolsado) pela Chevron no importe de R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões), sem considerar eventuais outras ações já existentes, parece ser desproporcional à área contaminada por óleo estimada em 18 km (dezoito quilômetro) de extensão cobrindo uma área de 11,8 km² (onze vírgula oito quilômetros quadrados).
Contudo, não se trata apenas da área atingida e danificada. Trata-se, pois, da degradação natural do local, da morte das espécies que ali viveram, da consequente contaminação delas pelo óleo, da movimentação do produto pelo mar em decorrência do vento aumentando potencialmente os riscos de maior dano ambiental, os prejuízos causados etc. Todos esses eventos (ou pelo menos a maioria deles), seguramente, não há preço que paguem.
IX - DA CONCLUSÃO.
Após a análise de alguns dos institutos do direito processual coletivo brasileiro, uma breve visita a alguns institutos do direito civil e após uma análise jurisprudencial acerca do tema ora proposto tentar-se-á, agora, nessa parte conclusiva, responder as 02 (duas) questões inicialmente propostas na introdução, ou seja, se é possível (ou não) a aplicação do dano moral no âmbito dos processos coletivos lato sensu e, se positiva a primeira resposta, como indenizar adequadamente os lesados se o destino do produto da indenização, a priori, é o fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/1985?
No que se refere á primeira pergunta, a resposta parece ser positiva, ou seja, vislumbra-se, sim, a possibilidade de aplicação do instituto do dano moral em ações coletivas lato sensu ainda que a coletividade não possua personalidade jurídica e/ou sentimento para ser abalado moralmente.
O fato de a coletividade não poder sofrer um dano que lhe cause dor, vexame, sofrimento ou humilhação de modo a atingir seu psicológico proporcionando-lhe a angústia e o desequilíbrio em seu bem-estar, não é impeditivo para o reconhecimento do dano moral em uma ação de natureza coletiva lato sensu. E por uma razão muito simples: se a coletividade não possui sentimento, os membros que a compõem, por outro lado, têm!
As pessoas que compõem a coletividade sujeitam-se a todas as perturbações decorrentes do ato ilícito. Em última análise, são elas que sentem todas as consequências do ato ilícito que podem ser graves, maléficas e até devastadoras.
Há, sem dúvidas, situações que parecem ser inconcebíveis deixar impune o infrator irresponsável que pouco fez, por exemplo, para contribuir com a diminuição dos impactos ambientais e, tampouco, cumpriu as normas vigentes para a preservação ambiental.
Logo, portanto, parece que o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 01º, inciso III da Constituição Federal) e a responsabilidade civil (dever de indenizar) são 02 (dois) fundamentos mais do que suficientes para se justificar a aplicação do dano moral transindividual. Isso sem falar na fundamentação constitucional (artigo 05º, incisos V e X e artigo 116, inciso VI).
Contudo, para que seja possível o reconhecimento do dano moral transindivual em processo coletivo, o legitimado deve pleitear tal pedido no sentido de se ser reconhecida a ocorrência desse instituto no caso em concreto (an debeatur). Os interessados, então, em fase de habilitação de crédito, comprovam o ato infrator, o dano sofrido e o nexo causal entre este e aquele apresentando, se o caso, um valor (quantum debeatur).
Em outras palavras, o legitimado deve requerer apenas o reconhecimento da ocorrência do dano moral e o valor ser liquidado ou apurado em fase posterior. Em se tratando de interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu esse procedimento deve ser evitado. Em se tratando, por outro lado, de interesses ou direitos individuais homogêneos, o procedimento pode ser adotado com tranquilidade (artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor).
Em ações coletivas que tenha por objeto interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu deve-se, a todo custo, evitar o procedimento bifásico consistente em aferição do an debeatur e posterior fixação do quantum debeatur.
Nesses tipos de ações é a coletividade (ou o grupo, classe ou categoria) que faz parte do polo ativo. E, justamente por isso, que essas ações devem evitar pedidos em pecúnia para que a sentença proferida possa ser executada (o quanto antes) e não liquidada. Por isso, recomenda-se pedidos consistentes em obrigações de fazer não fazer. É que interessa muito mais à coletividade (ou à comunidade) a restituição do bem ao seu estado anterior do que obtenção de numerário como contrapartida da conduta lesiva. A compensação monetária, cada lesado poderá buscar em ação individual.
Não é, pois, por outra razão que a tutela ressarcitória ou compensatória só deve ser admitida subsidiariamente, quando inviável a recomposição dos interesses difusos e coletivos stricto sensu lesados.
As ações que versam sobre interesses ou direitos individuais homogêneos, de outra banda, objetivam a prolação de sentença que sejam aproveitadas pelos indivíduos lesionados. A intenção é que a sentença sirva como um título executivo (ainda que representativo de obrigação ilíquida). De modo que, se não for possível, de forma simples, a determinação do nexo causal do direito individual e daquele que seria reconhecido na sentença coletiva, não haverá interesse de agir para a ação individual.
É preciso, agora, fazer um parêntese muito importante antes de prosseguir com a conclusão: a floresta destruída, a espécie animal extinta, o rio poluído etc. não possuem personalidade jurídica, sentimento e psíquico a serem abalados. Logo, portanto, a ação coletiva com pedido de dano moral objetivando a reconstituição do bem lesado não parece ser possível.
Não é possível aferir a dor, o abalo psíquico e o dano moral da coletividade que varia de acordo com a concepção de cada indivíduo que a compõe. O que pode ser mais gravoso para um pode não ser tanto para o outro. Tampouco há como estimar ou reduzir a um valor econômico a perda ambiental como, por exemplo, a extinção de uma espécie, a floresta destruída ou o rio poluído.
Ainda que fosse possível, como se chegar a um valor correto de dano moral ambiental, por exemplo? Como chegar a um valor justo e razoável que não ficará aquém ou que não suplante as pretensões de todos os lesados e que ainda dê para reconstruir o bem lesado?
Os critérios existentes para a apuração do dano moral são variados, mas, nenhum deles, no entanto, levam a um valor comum. Vale relembrar esses critérios: o jurisprudencial (método bifásico do Colendo Superior Tribunal de Justiça); e o doutrinário (extensão do dano – art. 944 do Código Civil, grau de culpa do agente e contribuição causal da vítima - art. 944, § único e 945 ambos do Código Civil, condições gerais dos envolvidos (econômicas, financeiras, culturais, sociais), a vedação do enriquecimento sem causa etc.). Modernamente, uma parte da comunidade jurídica vem considerando também o caráter pedagógico e educativo da indenização (punitive damages).
Todos os critérios ora expostos são utilizados tanto pela doutrina como pela jurisprudência, cada um a seu modo, na tentativa de se fixar um valor a título de indenização. Com efeito, pode se concluir, com certa segurança, que é impossível se chegar a um valor unânime às partes utilizando-se deste e daquele critério ou daquele além deste e mais o outro. A fixação do valor a título do dano moral cairá sempre no subjetivismo e dependerá do sentimento do operador do direito ou do magistrado.
Sempre haverá uma celeuma. A parte que vai pagar achará excessivo o valor e a que percebeu o dano se sentirá insatisfeita. E a mesmíssima situação, em outra cultura, poderá resultar, não raras vezes, em valore diferente a título de condenação.
Talvez para o fim de reconstituição do bem lesado, um pedido de indenização por danos materiais parece ser mais adequado (ainda que não recomendável esse tipo de pedido conforme já exposto). Aliás, um pedido de obrigação de fazer (recuperação in natura da área degradada, executando projeto de recuperação ambiental ou a compensação da área mediante a constituição de ecossistema equivalente, no caso de a primeira opção ser impossível, desproporcional, ou insatisfatória) e/ou um pedido de obrigação de não fazer (cessar a atividade lesiva) parece(m) ser mais coerente(s) em ações que versem sobre ações que tratam de direitos difusos e coletivos stricto sensu.
É preciso, por oportuno, esclarecer que não há contradição nessa parte conclusiva. O dano moral transindividual pode ser reconhecido em sentença de modo a favorecer os individualmente lesados (direitos individuais homogêneos). Estes, se quiserem, podem se utilizar da sentença coletiva como causa de pedir remota em sua ação individual (transporte in utilibus da coisa julgada).
O pedido de dano moral para fins de reconstituição do bem lesado, por outro lado, parece não ser possível (talvez o pedido de dano material, sim). Mas, repita-se, que esse tipo de pedido não se figura como recomendável em sede de ação coletiva, a não ser que se trate de interesses ou direitos individuais homogêneos (artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor).
Os órgãos existentes (aqui foram citados o IBAMA, a CETESB e a ANP) aplicam as multas que bem podem atender o fim de reconstruir o bem lesado e a persuadir o infrator a não mais cometer a mesma infração. É importante relembrar que a multa tem caráter administrativo ou penal ao causador do dano, que são manifestações do poder sancionador monopolizado pelo Estado. A indenização por danos morais, por sua vez, tem uma função eminentemente reparatório e está dentro do âmbito da responsabilidade civil.
É importante frisar que os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental são revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, Fundo Naval, fundos estaduais ou municipais de meio ambiente, ou correlatos, conforme dispõe o órgão arrecadador (artigo 73, da lei n.º 9.605/1998). As multas aplicadas pelos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente têm suas destinações estabelecidas por leis estaduais e municipais.
O Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA - é o mais antigo fundo ambiental da América Latina. Cuida-se de uma unidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), criado pela lei n.º 7.797/1989, com a missão de contribuir, como agente financiador, por meio da participação social, para a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA.
Indenização e multa podem ser cumuladas desde que se suponha que a indenização supõe dano e que a aplicação de penas supõe lei prévia que estabeleça seu conteúdo e as hipóteses de incidência.
Com as considerações até aqui expostas, a segunda pergunta, ou seja, “como indenizar adequadamente os lesados se o destino do produto da indenização, a priori, é o fundo previsto no artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985?” já pôde ser parcialmente respondida cabendo, ainda, ser complementada.
Em primeiro lugar, é importante registrar que o fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais a que se refere o artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985 é o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) que tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos (artigo 01º, § 01º, da Lei n.º 9.008/1995).
Os recursos arrecadados pelo FDD são aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no §1º, do artigo 01º da Lei n.º 9.008/1995 (artigo 01º, § 03º, da Lei n.º 9.008/1995).
A ideia de que se “o produto da indenização for destinado a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais não irá compensar ou amenizar toda a dor e sofrimento causados às famílias ou os pescadores individuais pelo ato infrator no caso hipotético proposto” deve ser afastada. Vejamos, nas próximas linhas, as razões.
A primeira porque o individualmente lesado, via de regra, não será prejudicado. A ele estará reservado o direito de ação com fundamento no artigo 05º, inciso XXXV da Constituição Federal.
Quando muito, pode existir uma ação coletiva já em trâmite. Nessa hipótese, o particular será a intimado a dizer se requer a suspensão da ação dele até o julgamento da ação coletiva ou se prefere prosseguir de forma independente. Se o particular optar em prosseguir com sua ação individual, não poderá ele aproveitar a sentença coletiva em caso de procedência. Se no entanto, o indivíduo lesado optar em suspender a sua ação até o julgamento do processo coletivo e esta for improcedente, não terá ele prejuízo, podendo prosseguir com a ação individual.
A segunda razão, os órgãos já existentes (PROCON, IBAMA, ANP, CETESB etc.) já atuam aplicando multas perante todo o território nacional para punir e dissuadir o infrator a cometer o mesmo erro.
A terceira razão é que o produto da indenização somente irá para o fundo previsto no artigo 13 da Lei n.º 7.347/985 caso o número de lesados habilitados sejam ínfimos frente aos danos causados (artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor). Ou seja, essa ocorrerá apenas residualmente. De forma subsidiária se, dentro do prazo de 01 (hum) ano, não surgir interessados suficientes. Ainda, sim, os legitimados agirão para encontrar um valor a ser destinado ao fundo.
A quarta razão, o infrator poderá responder, além de civil, criminalmente se o ato infrator estiver tipificado como crime.
Numa sociedade em que os direitos de personalidade são lesados dia após dia, reiteradamente, em detrimento de interesses financeiros, a sanção privada se apresenta como resposta almejada, no intuito ter não só seus danos restaurados, mas também, de garantir que foi dada ao infrator uma pena suficiente para dissuadi-lo de repetir a conduta ofensiva ou passiva. A sanção privada, portanto, é a resposta que a população hodierna almeja, de modo a afastar o sentimento de impunidade que é inerente em nossa sociedade sendo, portanto, aplicável no âmbito das ações coletivas lato sensu.
Essas são, enfim, as conclusões a que se chegam sobre o tema com a certeza de não tê-lo exaurido e de estar longe de uma resposta unânime (que dirá correta) por conta do complexo sistema processual coletivo e da grande divergência jurisprudencial sendo, pois, naturais as críticas construtivas ou destrutivas que podem surgir.