Em 04 de Junho de 2014 foi promulgada a Emenda à Constituição (EC) n. 80/2014, após aprovação da PEC na Câmara dos Deputados (n. 247/2013) e no Senado Federal (n. 04/2014), conhecida no mundo jurídico como “PEC Defensoria Para Todos”, “PEC das Comarcas” ou “PEC das Defensorias Públicas”.
A alteração do texto constitucional conduzirá a uma mudança de realidade social, econômica e de Justiça no país, em virtude do empoderamento e da interiorização da Instituição Defensorial (universalização de acesso aos necessitados – assistidos da Defensoria).
A Emenda Constitucional n. 80 constitucionaliza o art. 1.º da LC n. 80/94 (alterada pela LC n. 132/2009) – a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LONDP) – e os princípios institucionais da unidade, indivisibilidade e independência funcional (art. 3.°, LONDP), além de ampliar o conceito e a missão/vocação da Defensoria Pública, tornando-a permanente, expressão e instrumento do regime democrático, incumbida da Defesa dos Necessitados (Vulneráveis e Hipossuficientes), em todos os graus, judicial ou extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos (transindividuais/supraindividuais), de maneira integral e gratuita.
De mais a mais, criou-se a Seção IV, do Capítulo IV (Funções Essenciais à Justiça – “FEJs”), do Título IV (Organização dos Poderes), da Constituição do Brasil (CRFB), divorciando inequivocamente a Advocacia (Seção III) da Defensoria Pública, cada qual com Seção específica (Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública, respectivamente).
De modo a engrandecer e potencializar a Instituição, seus membros e suas funções constitucionais, previu-se igualmente a iniciativa de Lei (consoante arts. 96, inc. II, e 134, § 4.°, da CRFB), independentemente de futura alteração expressa nas Constituições Estaduais em relação às Defensorias Públicas dos Estados (“DPEs”), haja vista tratar-se de norma constitucional de observância obrigatória (e não de repetição obrigatória), em virtude do Direito Fundamental à Assistência Jurídica Integral e Gratuita – AJIG (art. 5.°, inc. LXXIV, da CRFB) e de acesso à Justiça-Defensoria, além do paralelismo natural entre os Tribunais de Justiça (TJs) e as DPEs, e, no que couber, a aplicação de preceitos do art. 93 da CRFB e do futuro Estatuto da Magistratura de responsabilidade do STF, como a exigência de três anos de atividade jurídica para os concursos públicos de ingresso à Carreira Defensorial, mudança nos critérios de promoção por merecimento e antiguidade, previsão de cursos de preparação, aperfeiçoamento e promoção dos Defensores Públicos, subsídios remuneratórios, além de incentivo à criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública (CNDP).
Como decorrência da alteração da Constituição, algumas discussões caíram por terra e outras estão com reforço argumentativo de base constitucional.
A primeira delas está inserta na ADI n. 4.636, em que o CFOAB entende que os membros da Defensoria Pública exercem Advocacia Pública, devendo eles se inscrever nos quadros da OAB para exercício da capacidade postulatória. Um dos argumentos mais utilizados pelo Conselho na sua petição (art. 103, VII, CRFB) foi o de que o Constituinte colocou propositadamente a Defensoria Pública na mesma Seção que a Advocacia (n. III), indicando que os Defensores devem se submeter à Ordem para exercício de sua atividade funcional e institucional.
Com a criação da Seção IV (Capítulo e Título IV) passa a Defensoria Pública a figurar em Seção própria, com distanciamento da Advocacia, reforçando a clara exegese de que Defensor Público não é Advogado Público, não exercendo Advocacia Pública, mas sim Advocacia Institucional ou Estatutária (como o Ministério Público), sendo desnecessária a inscrição nos quadros da Ordem, seja pela Autonomia da Instituição (e Independência Funcional dos seus membros), pela necessidade de Lei Complementar para tratar do assunto (134, § 1.°, CRFB), existência de regime disciplinar-correicional próprio, pela interpretação da Lei (EAOAB/LONDP) em face da Constituição, e não o contrário, pela capacidade postulatória dos Defensores como decorrência exclusiva da nomeação e posse no cargo público (art. 4.°, § 6.°, da LONDP), além de outros argumentos indicados no artigo jurídico “Defensor Público não exerce Advocacia Pública” (disponível em: http://jus.com.br/artigos/23468/defensor-publico-nao-exerce-advocacia-publica).
Além de a Defensoria figurar como Instituição Permanente, com princípios institucionais próprios (§ 4.° do art. 134), teve o reconhecimento constitucional de sua atuação extrajudicial (e judicial) e coletiva (e individual), reforçando a ideia prioritária de solução extrajudicial dos conflitos (art. 4.°, II, LONDP) e resolução em massa (coletiva) dos problemas da sociedade e da camada hipossuficiente.
A atuação e legitimidade coletiva (metaindividual) da Defensoria ganhou cenário desde a Lei da Ação Civil Pública – LACP (art. 5.°, inc. II, Lei n. 7.347/85, inserto pela Lei n. 11.448/2007) e a LC n. 80/94 (com alterações da LC n. 132/2009). Agora esta realidade é positivada na Constituição da República, demonstrando irrefragavelmente sua missão transindividual, como expressão e instrumento do regime democrático, forma mais acertada de solução dos conflitos em massa, dada a maior segurança jurídica, isonomia, economicidade, publicidade, justiça integral, acesso e celeridade.
A despeito da previsão constitucional da legitimidade coletiva, a qual abrange a atuação difusa, coletiva “stricto sensu” e dos interesses individuais homogêneos, a ADI n. 3.943, proposta pela CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), não perdeu seu objeto, devendo o STF declarar expressamente que a Defensoria Pública detém legitimidade coletiva no seu aspecto difuso na defesa de toda a sociedade, necessitada ou não, já que tal distinção é impossível diante dos casos concretos (interesses indivisíveis e de titularidade indeterminável), pena de amputar sua atuação coletiva e malferir a assistência jurídica integral, enquanto direito fundamental, além da necessidade de definição do conceito constitucional (e não literal-gramatical) de “necessitados” no âmbito coletivo, se está adstrito ao conceito de pobre na forma da lei (necessitado econômico, geralmente feito na triagem da assistência jurídica individual da Defensoria), ou se abrange os necessitados jurídico-sociais (grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado: consumidores, idosos, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de necessidades especiais, mulheres vítimas de violência doméstica e familiar etc. – art. 4.°, inc. XI, da LONDP) e os organizacionais (sociedade em massa).
Na atuação coletiva da Defensoria, os atuais instrumentos administrativos e investigativos cíveis ainda são insuficientes à proteção plena dos Assistidos, devendo ser reforçado o uso de meios efetivos para sua plena função, como a legitimidade para a condução do Inquérito Civil, com alteração dos arts. 8.º e 9.º da LACP e do art. 4.°, incisos, da LONDP, já que, diferentemente do MP (art. 129, inc. III, CRFB), a Constituição não trouxe detalhamento minucioso das funções institucionais da Defensoria, deixando o leque aberto para a integral assistência jurídica e defesa dos Necessitados.
Esta discussão pode ser mais bem aprofundada no texto “Defensoria Pública na concretização de políticas públicas: um controle da aparente discricionariedade administrativa governamental” (disponível em: http://jus.com.br/artigos/22066/defensoria-publica-na-concretizacao-de-politicas-publicas).
Por fim, e desta vez voltada à real universalização dos serviços jurídico-sociais da Defensoria, a EC n. 80 alterou o ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), inserindo o art. 98, determinando o prazo de oito anos para que União, Estados e DF contem com Defensores Públicos em todas as Unidades Jurisdicionais, disseminando-se os Núcleos Regionais da Instituição por todos os Estados, por todo o país carente de assistência jurídica integral e gratuita, conforme o Mapa da Defensoria Pública publicado pelo IPEA e pela ANADEP (disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria/) e o Atlas de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça (disponível em: http://www.acessoajustica.gov.br/).
A nova EC não determina que os Municípios provejam as Unidades Jurisdicionais de Defensores, exatamente porque estes Entes Federativos não têm competência para legislar sobre “assistência jurídica e Defensoria Pública” (art. 24, XIII, CRFB), além do que não existe “Defensoria Pública Municipal” (à semelhança do Judiciário e MP), tampouco a assistência jurídica é mero assistencialismo social, não podendo o Administrador Público Municipal dispor como política pública de acesso à Justiça e Cidadania, podendo contribuir de diversas outras formas neste segmento.
Estipulou-se regra durante o decurso dos oito anos, devendo atender-se, prioritariamente, as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. Esta disposição constitucional transitória não pode se consubstanciar em letra morta, sem efetividade real, como muitos dos direitos sociais previstos na Constituição.
O STJ, julgando o REsp n. 869.843/RS, asseverou que “a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas” (Rel. Luiz Fux, T1).
Para que a Defensoria Pública efetivamente exerça sua função institucional, necessário é o emprego de recursos pessoais e orçamentários que viabilizem sua universalização e interiorização, sob pena de a alteração constitucional não passar da Casa Legislativa (textual) para a Casa do Necessitado (real).
Em sendo assim, necessária a derrubada ao veto presidencial do PLP n. 114/2011, o qual previa destinação em tempo razoável de percentual da receita corrente líquida do Estado às Defensorias, como forma de assegurar efetivamente sua autonomia e permitir sua atuação efetiva e plena nos moldes da Emenda Constitucional.