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A mediação de conflitos familiares:

promovendo o amplo acesso à justiça através do diálogo

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30/05/2014 às 17:22
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4 O PARADIGMA JURÍDICO DOMINANTE COMO OBSTÁCULO PARA A MEDIAÇÃO FAMILIAR

Boaventura de Sousa Santos (2008), a partir de estudos sobre o pluralismo jurídico, chegou à conclusão de que o Estado contemporâneo não detém o monopólio da produção e distribuição do direito. Isto posto, o direito estatal, muito embora dominante, coexiste com outros modos de juridicidade. Formas diversas de direito e padrões de vida jurídica tornaram-se conhecidos através de diversos estudiosos, os quais são trazidos como exemplos pelo autor supracitado:

[...] Os estudos de Evans-Pritchad(1969), no Sudão, de Gulliver (1963) e Sally Moore (1970) na África Oriental, de Gluckman (1955) e Van Velsen (1964) na África Central/Austral e de Bohannan (1957) na África Ocidental [...]. Deram a conhecer formas de direito e padrões de vida jurídica totalmente diferentes dos existentes nas sociedades ditas civilizadas; direitos com baixo grau de abstração, discerníveis apenas na solução concreta de litígios particulares; [...] com pouca ou nula especialização em relação às restantes atividades sociais; mecanismos de resolução dos litígios caracterizados pela informalidade, rapidez, participação ativa da comunidade, conciliação ou mediação entre as partes através de um discurso jurídico retórico, persuasivo, assente na linguagem comum. [...] estes estudos revelaram a existência na mesma sociedade de uma pluralidade de direitos convivendo e interagindo de diferentes formas (2008, p.175).

É também de se salientar que processos de constante transformação no direito, no sistema jurídico e judicial apontam para, dentre outras coisas, a desjudicialização, informalização e desjuridificação da resolução de litígios (SOUSA JUNIOR, 2008).

Entretanto, o modelo ideológico da modernidade se mostra insensível a tais mudanças reveladas no processo de transformação e aperfeiçoamento do fenômeno jurídico. Nesse padrão, o mundo é pensado pela sua exteriorização jurídica, segundo uma visão normativista, que faz da norma a unidade de análise da realidade. Assim sendo, no paradigma da modernidade, o direito não é pensado no sentido de promover uma cultura pacificadora dos conflitos sociais, ele intensifica os conflitos. Assim são as palavras de José Geraldo de Sousa Jr.:

Neste sentido o direito terá não a função de integração social ou de redução de complexidades, e nem mesmo precipuamente de mediar conflitos no sentido do apaziguamento, mas pelo contrário, o direito aparece neste contexto como um forte instrumento de emancipação individual e coletiva, que necessariamente irá acirrar os conflitos (2008, p.3).

Correntemente, no paradigma jurídico moderno , , tende-se a haver uma identificação do Judiciário em papel central, no que se refere a acesso à justiça. Há uma “focalização de instâncias formais de garantia e de efetivação de direitos individuais e coletivos, como pretensão objetiva de distribuição de justiça” (SOUSA JUNIOR, 2008, p.1). Destarte, os outros modos de juridicidade, que não os decorrentes do Estado, são preteridos, considerados não legítimos e, com isso, incapazes de obter resultados promissores. Nesse sentido, o acesso à justiça fica restrito à possibilidade de tutela jurisdicional, perdendo o caráter emancipatório verificado a partir da utilização de novos mecanismos que permitam, para a democratização da efetivação da justiça, o exercício da autonomia dos cidadãos para resolução de seus próprios conflitos.

Desse modo, embora se reconheça o potencial transformador da mediação, principalmente no que tange a resolução de conflitos familiares – tendo em vista sua capacidade de criar um ambiente propício ao diálogo e restauração das relações, assim como de possibilitar a capacitação dos sujeitos para que possam vir a resolver futuramente seus próprios litígios sem a intervenção de um terceiro – o modo de pensar, calcado no anacrônico paradigma da modernidade, revela-se como barreira para a sua concretização.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: ULTRAPASSANDO BARREIRAS

Suplantar o modelo paradigmático moderno, cuja visão, a nível jurídico, restringe a legitimidade para resolver conflitos ao Judiciário, é expectativa do processo de mediação familiar. Como de antemão fora exposto, os conflitos familiares são extremamente complexos, envolvidos por relações das mais íntimas e, por isso, carregam em si um potencial ofensivo às partes demasiadamente grande.

Sendo assim, tratar os dissídios de natureza familiar segundo uma visão maniqueísta, em que a resolução é definida entre um ganhador e outro perdedor, significa reduzir abrupta e negligentemente o nível de complexidade característico de tais conflitos de modo que se adequem ao modo positivista de resolução de conflitos. José Geraldo de Souza Jr. considera tal visão positivista como uma barreira para a abertura do sistema de acesso à justiça, afirmando ser ela fruto de um modelo tradicional de ensino do Direito. Segundo afirmação do autor:

[...] estudar Direito implica elaborar uma nova cultura para as Faculdades e cursos jurídicos e, um dos eixos fundamentais dessa reformulação cultural tem sido, à luz das diretrizes em curso, constituir-se a educação jurídica uma articulação epistemológica de teoria e prática para suportar um sistema permanente de ampliação do acesso à justiça, abrindo-se a temas e problemas críticos da atualidade, dando-se conta ao mesmo tempo, das possibilidades de aperfeiçoamento de novos institutos jurídicos para indicar novas alternativas para sua utilização (2008, p.11).

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A mediação, nos termos em que foi exposto, adequa-se a solucionar tais conflitos carecedores de resolução pacífica, haja vista que seu objetivo não é o acordo como solução para um problema pontual, mas o resgate do diálogo e das relações abaladas pelo conflito, isto é, a restauração dos vínculos que se desfizeram. Sendo assim, havendo o consenso entre as partes, este será resultado do processo de escuta e respeito mútuo instaurado a partir do restabelecimento da comunicação entre os envolvidos. Segundo afirmação de Isa Simões e Rita Lelis:

A mediação é um instrumento de transformação no comportamento e nas relações entre os conflitantes. Essas mudanças podem melhorar o nível de compreensão e o fortalecimento da comunicação entre as pessoas. Conseqüentemente, elas aprendem a autoadministrar, de forma pacífica, os conflitos interpessoais que surgirem da vida em sociedade. Esses novos comportamentos estimulam a solidariedade e a autodeterminação das comunidades (2009, p.40).

Portanto, pode-se inferir que a mediação de conflitos, enquanto metodologia de conscientização social e promoção da cidadania, indispensáveis a uma cultura de paz, tem um grande papel a exercer na sociedade contemporânea, de modo que proporcione o exercício do diálogo e do consenso, gerando o respeito à diversidade – característica das relações interpessoais – em detrimento da adversidade.


REFERÊNCIAS

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CARNEIRO, Rosamaria Giatti. Entre Idas e Vindas: A Mediação, O Conflito e A Psicanálise. Anais do XIII Encontro Nacional do Conpedi. Fortaleza: Fundação Boiteux, 2005.

MELEU, Marcelino. Mediação de conflitos e práticas restaurativas: um novo olhar para o ensino jurídico.  Disponível em: <http://luisalbertowarat.blogspot.com/2009/05/mediacao-de-conflitos-e-praticas.html >. Acesso em: 28 mai.2010.

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Sobre a autora
Sâmela Santana Vieira

Advogada, bacharela em Direito, formada pela Universidade Estadual de Feira de Santana - BA (UEFS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Sâmela Santana. A mediação de conflitos familiares:: promovendo o amplo acesso à justiça através do diálogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3985, 30 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28971. Acesso em: 22 dez. 2024.

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