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Composição do STF:

da escolha política à legítima

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05/06/2014 às 15:42
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V - Tribunais Constitucionais em outras nações

Empregando o Direito Comparado, iremos aprofundar esse estudo analisando o processo de composição dos Tribunais Constitucionais em outros países.

Na Alemanha, a Magna Carta alemã instituiu a criação do Tribunal Constitucional Federal nos termos dos arts. 92 a 94. Este é composto por dezesseis representantes, divididos em dois Senados, de mesma hierarquia, com oito representantes em cada, os quais são nomeados para mandato de doze anos, sendo vedada a recondução. Para cada um dos Senados são escolhidos três membros de tribunais superiores que estejam no cargo há pelo menos três anos. As demais vagas são escolhidas pelo Parlamento Federal e Conselho Federal, com o quorum de dois terços.

Como requisitos para a Corte alemã, temos idade mínima de quarenta anos, possuir plenos direitos políticos para eleger-se no Parlamento Federal e, ainda, preencher os requisitos para a magistratura. A aposentadoria se dá compulsoriamente quando atingidos os sessenta e oito anos de idade.

Enquanto isso, na Espanha o Tribunal Constitucional é formado por doze julgadores nomeados pelo Rei, sendo um quarto escolhido pelo Senado, outro um quarto escolhido pelo Congresso dos Deputados, dois pelo Governo e mais dois pelo Conselho Geral do Poder Judiciário. A condição para ser um candidato é ter carreira jurídica há pelo menos quinze anos com o devido reconhecimento de profissionalismo.  Cada membro tem mandato de nove anos e a renovação do colegiado se dá na proporção de um terço a cada três anos.

A crítica que o sistema espanhol sofreu recentemente alerta para o fato de a maioria das vagas, ou seja, dois terços do total, ser indicadas pelo Legislativo, poder político, e que desta forma, o partido que dominasse e tivesse maioria representativa, em determinado momento, emplacaria essas nomeações.

Em Portugal, a Corte Maior é constituída por treze operadores do direito, dos quais dez são eleitos pela Assembléia da República, por quorum qualificado de dois terços, e os demais por eleição dentro da própria Corte com participação de pelo menos sete dos seus membros. Ademais, do total de membros, seis devem ser provenientes de tribunais das instâncias inferiores e outros sete juristas para exercerem a função por um período de nove anos sem a possibilidade de recondução.

O Tribunal Constitucional italiano é formado por quinze participantes, sem subdivisões de câmaras ou turmas e requer que o candidato tenha pelo menos vinte e cinco anos de profissão jurídica, seja ela de advogado, magistério ou magistrado. Na Itália, o Presidente da Republica, o Parlamento e a própria Magistratura Suprema indicam, cada um, um terço dos membros da composição do tribunal para mandato de nove anos.

Já na França, não há qualquer exigência para atender requisitos de instrução para a investidura no cargo de Juiz do Conselho Constitucional, que é compreendido por nove membros que são nomeados a partir de escolha  política pelo Senado, Assembléia Nacional e Presidente da República. Novamente, existe previsão de mandato de nove anos e a condição de renovação de um terço do tribunal a cada três anos.

As idéias do constitucionalista Hans Kelsen contribuíram bastante para a formação da Corte Maior austríaca, que é a mais antiga das cortes européias e, consequentemente, a que mais influenciou os sistemas de outros países. Ela conta com um total de vinte integrantes. São eles: doze juízes titulares, seis juízes suplentes, um vice-presidente e o presidente. Desse total, o Presidente da Federação indica o presidente, o vice, seis juízes titulares e três suplentes enquanto que o Conselho Federal e o Conselho Nacional nomeiam as demais vagas.

Finalmente, nos Estados Unidos da América, como dito anteriormente, sistema que mais influenciou o Brasil, a escolha dos que irão compor a Suprema Corte é baseada na indicação do Presidente com posterior parecer e aprovação do Senado americano através de votação com quorum simples. Ao total são nove juízes que possuem vitaliciedade e, mais, não há limite de idade para aposentadoria compulsória. O ocupante se manterá nessa posição enquanto estiver servindo adequadamente a Nação. Uma curiosidade que podemos destacar no modelo americano reside no fato de não haver espécie de qualificação mínima ou característica desejável para o candidato a vaga na Suprema Corte, reforçando o caráter político dessa indicação.

Para PRITCHETT (1978, p. 145):

A Corte Suprema dos Estados Unidos é um grupo de nove juristas mais ou menos idosos, nenhum dos quais até agora enfrentou os eleitores numa eleição para cargo público, sendo que a maioria carece de experiência pré-judicial substancial na vida pública.


VI - Propostas de Emenda à Constituição e a Composição  do STF

Até o momento, podemos destacar oito Propostas de Emenda à Constituição que estão em trâmite no âmbito do Congresso Nacional do Brasil. Contudo, convém expor e relembrar, antes de qualquer coisa, o atual dispositivo que vigora com a Magna Carta brasileira:

Art. 101 – O Supremo Tribunal Federal compõem-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Em ordem cronológica, apresentam-se abaixo as PEC que versam sobre reformas atingindo a composição e o modelo de indicação para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Partindo da Câmara dos Deputados, o Deputado  Nicias Ribeiro inovou na PEC nº 92/1995, trazendo proposta onde o próprio STF elaboraria lista tríplice englobando candidatos que deveriam ser escolhidos dentre membros dos tribunais superiores. O autor esclarece que tal reforma visa dar maior democraticidade e possibilitar que um juiz de carreira almeje e tenha condições de compor o quadro do Tribunal Constitucional.

Em 1999, o Deputado Valdemar Costa Neto apresentou a PEC nº 71, com proposta no sentido de equilibrar as indicações e dividi-las entre os três Poderes, ou seja, Judiciário, Legislativo e o Chefe do Executivo, cada um deles seria responsável por indicar um terço das vagas da Corte.

A PEC nº 473/2001, de autoria do Deputado Antonio Carlos Pannunzio, defende que a escolha para composição do Supremo deve se dar pelo Presidente da Republica e pelo Congresso Nacional de forma alternada, onde no último caso, exigir-se-ia quorum de maioria absoluta para aprovação.

A Deputada Telma de Souza, em 2002, apresentou a PEC nº 546, visando alterar a forma de ingresso no Poder Judiciário. Prevê o documento que o candidato à vaga do STF deveria ter, pelo menos, quinze anos de magistratura, e que o próprio Tribunal elaboraria lista tríplice de candidatos para que, assim, o Presidente possa fazer a nomeação com, ainda, posterior sabatina pelo Senado Federal.

No mesmo ano, o Deputado Alceu Collares propõe a PEC nº 566, estabelecendo que o próprio Pleno do STF escolheria um candidato que seria posteriormente confirmado pelo Senado. Tal indicação deveria ser dividida em terços e compreender membros de, alternadamente, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça e do Ministério Público Federal, Estadual, DF e Territórios.

Novamente, em 2002, na PEC nº 569, o Deputado Evilásio propõe que o Presidente da Republica nomeie os Ministros do STF, após aprovação em concurso publico de provas e títulos, além de serem exigidos quinze anos de carreira na magistratura.

Em 2005, o Deputado João Campos apresenta a PEC nº 484, esclarecendo que o Congresso Nacional ficaria responsável por escolher o candidato que, posteriormente, seria nomeado pelo Presidente da República. Ressalva-se nessa proposta, que não poderão ser indicados para a vaga de Ministro do STF aqueles que tenham exercido presidência de partido político, algum cargo eletivo ou ainda cargo de Ministro de Estado por um período de até quatro anos, após o encerramento de suas respectivas atividades profissionais.

Por fim, também em 2005, o Senador Jefferson Peres, na PEC nº 68, sugere que na ocorrência de vacância no STF, o órgão de representação dos magistrados, o dos advogados e o do Ministério publico, cada um, indicassem dois candidatos, totalizando, ao final, seis candidatos, dentre os quais  seria escolhido o novo membro pelo Pleno da Corte e nomeado pelo Presidente da Republica.

A partir daí, depreende-se que, apesar das mais diferentes propostas apresentadas, algumas com maiores e, outras, com menores inovações, todas convergem para a reforma do processo de como são indicados os membros da Corte Constitucional brasileira, que, atualmente, concentra o poder de indicação nas mãos de um único membro de Poder, o Presidente da República. Outrossim, destaca-se que, com a exceção de uma PEC, todas as demais foram propostas por parlamentares da Câmara dos Deputados, que são os representantes do povo no Congresso Nacional, evidenciando que a Nação também já não  acolhe com bons olhos o método utilizado.


VII - Conclusão

Percebe-se a grande influência do sistema americano, utilizado na Suprema Corte, na escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal, e que a nossa Constituição manteve-se praticamente fiel à idéia de que o Presidente da República nomeia o candidato depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal. As singelas inovações que o sistema brasileiro tem em relação ao americano residem na  limitação de idade e nos requisitos de “notável saber jurídico e reputação ilibada”, que  não são fáceis de evidenciar e definir objetivamente.

O processo utilizado é ancestral, são mais de duzentos anos desde sua implementação nos EUA e mais de 100 anos no Brasil. No passado, o fato de se dividir o processo de composição entre a nomeação do Presidente e a aprovação do Senado, além de utilizar  o sistema de freios e contra pesos , trazia a idéia de legitimidade democrática como acreditava Favoreu. Não obstante, a vitaliciedade, foi adotada pois visa, a priori, garantir a independência do juiz ao realizar suas funções, ou seja, diminuindo drasticamente a chance de ser destituído do cargo por conta de sua função.

Paralelamente a esse sistema, traçou-se na Europa rumo diverso, que apesar dos mais variados modelos de indicação para as Cortes Constitucionais, a maioria, como se pode perceber a partir da análise dos dados apresentados, é uniforme em adotar esquemas de mandato para seus integrantes, inclusive, muitas vezes, impossibilitando a recondução do membro, visando a constante renovação dos Tribunais Constitucionais.

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Sugere-se que, como forma de minimizar a influência política, sejam criados requisitos menos duvidosos e mais objetivos para a escolha de  candidato a vaga de Ministro do  Supremo Tribunal Federal , do que aqueles expressos no art. 101 da Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, de aprimoramento  do  sistema, poder-se-ia adotar espécie de mandatos, assim como a maioria dos países europeus o fazem,visando a renovação da composição da Corte, de modo a acompanhar  a mutação da realidade jurídica, dadas as transformações sociais e econômicas.

Ainda, recomenda-se que sejam proibidas nomeações, por parte do Presidente da República, de ocupantes de quaisquer cargos de confiança da esfera governamental ou que tenha ligação político partidária com aquele que nomeia, visando diminuir vinculações políticas que comprometam a impessoalidade  que deve reger  a  escolha de membros da  mais alta  Corte  do País.

Um ponto que vale ser ressaltado e que merece posterior reflexão é o da influencia do modelo atual de composição  do Supremo Tribunal Federal e  de sua competência para elaborar súmulas vinculantes. Com efeito, uma Corte Constitucional que tenha sua composição majoritária escolhida  pelo mesmo líder político  poderá, em termos potenciais, adotar  súmulas vinculantes  alinhadas  com as políticas defendidas por este mesmo líder político, o que, sem dúvida,  comprometeria  o regime  democrático.


REFERÊNCIAS                                                                                                                                      

AIDAR, Carlos Miguel. Democratizando as indicações ao STF. Gazeta Mercantil, São Paulo, 3 jul. 2002.

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AMB. [S.l.]: Associação dos Magistrados Brasileiros, 2002. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2002-mai-12/amb_abrat_questionam_criterio_escolha_ministro>. Acesso em: 09 nov. 2009.

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ANEXO: TABELA COMPARATIVA

Anexo

Países

Número de Membros

Mandato

Requisitos

Quem indica

Alemanha

16, divididos em 2 senados

12 anos, vedada a recondução, aposentadoria compulsória aos 68 anos

Min de 40 anos, ter plenos direitos políticos para eleger-se no Parlamento Federal e preencher os requisitos para a magistratura

Tribunais superiores (6), Parlamento Federal (5) e Conselho Federal (5) com quorum de dois terços

Áustria

20, sendo 12 titulares, 6 suplentes, Presidente e Vice

Vitalício até completar 70 anos

Formação em direito ou ciência política, além de experiência de no min. 10 anos.

Presidente da Federação (11), sendo eles, presidente, o vice, 6 juízes titulares e 3 suplentes enquanto que o Conselho Federal e o Conselho Nacional nomeiam as demais vagas

Brasil

11

Vitalício até completar 70 anos

Min de 35 anos e máx de 65 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada

Presidente da República (11) após ratificação pelo Senado

EUA

9

Vitalício

Não há

Presidente da República (9) após sabatina do Senado

Espanha

12

9 anos

Carreira jurídica há pelo menos 15 anos com o devido reconhecimento de profissionalismo

Rei (3), pelo Senado (3), pelo Congresso de Deputados (3), Governo (2) e Conselho Geral do judiciário (2)  

França

9

9 anos

Não há

Senado, Assembléia Nacional e Presidente da República

Itália

15

9 anos

pelo menos 25 anos de profissão jurídica

o Presidente da Republica (5), o Parlamento (5) e a própria Magistratura Suprema (5)

Portugal

13

9 anos,vedada recondução

Operador do direito

 Assembléia da República (10) c/ quorum de dois terços, e os demais por eleição dentro da própria Corte com participação de pelo menos 7 dos seus membros

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Sobre o autor
Christopher Elias Valente

Advogado. Especialista em direito do trabalho e direito tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALENTE, Christopher Elias. Composição do STF:: da escolha política à legítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3991, 5 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29212. Acesso em: 23 abr. 2024.

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