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Medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha e sua real eficácia na atualiadade

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17/08/2014 às 09:28
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2. A Lei Maria da Penha

A LMP é dotada de objetivo, objeto e de diversos aspectos, tutelando expansivamente o bem-estar da vítima e a proteção desta contra a violência doméstica e familiar através de diversas frentes, as quais, para melhor compreensão do tema central aqui abordado, faz-se necessário conhecer.

2.1. Objetivo

Em seu primeiro artigo, a LMP traz o entendimento de que é absolutamente necessária a criação de mecanismos que coíbam e previnam a violência familiar e doméstica contra a mulher. Para Alice Bianchini, o objetivo da lei é: “coibir e prevenir a violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto” (2013, p. 28).

Para Maria Berenice Dias: “A Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, antes de qualquer coisa, é preciso ao menos tentar identificar seu âmbito de abrangência, ou seja, saber o que é violência doméstica” (2007, p. 39).

O artigo primeiro traz em sua completude:

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226. da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Notadamente, evidencia-se a intenção do legislador em acabar com a violência de gênero em nosso país.

2.2. Objeto

Segundo Alice Bianchini, (2013, p. 29) o objeto da lei é: “a violência contra a mulher baseada no gênero, praticada no âmbito doméstico, familiar ou em uma relação de afeto”. A Lei Maria da Penha não trata de toda violência contra a mulher, mas somente daquela baseada no gênero (art. 5º, caput).

De acordo com Silva Júnior (2011, online, n. 1231), para a aplicação correta e concreta da lei se de obedecer aos seguintes requisitos:

· A ação ou omissão deve ser considerada baseando-se no gênero. Esta categoria de violência se caracteriza pela submissão da mulher ao homem, tendo em vista a maneira desigual que se encontra em todos os aspectos.

· A violência deve ocorrer nos âmbitos familiar e doméstico, ou em qualquer relação de afeto íntima, conforme disposto no artigo 5º, incisos I, II e III.

· O sujeito passivo do crime deve ser a mulher.

Notou-se que o artigo 5º, da referida lei, procura delimitar o objeto de incidência da violência doméstica e familiar, bem como delimita o campo em que ela pode ser praticada, explicando o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher (BIANCHINI, 2013, p. 28).

2.3. Aspectos da Lei Maria da Penha

2.3.1. Aspecto material conceitual

A LMP, de acordo com as diretrizes anteriormente traçadas pela CEDAW e pelas demais convenções internacionais com foco na proteção aos direitos da mulher, cumpre o papel de definir critérios objetivos a serem utilizados pelo operador do direito quando da utilização dos demais mecanismos previstos pela lei para assegurar referidos direitos.

Tal função se revela especialmente importante, na medida em que, como afirma Maria Berenice Dias, a “absoluta falta de consciência social do que seja violência doméstica é que acabou condenando este crime à invisibilidade” (2008, p. 39). De fato, os tratados e convenções internacionais a respeito do tema não produziram os efeitos esperados, e, com o advento de lei específica que delimitasse objetivamente esse tipo de conduta, esperava-se que a situação mudasse positivamente.

Assim, a Lei tanto define a violência doméstica em geral quanto especifica suas várias formas.

Referente à primeira definição, o artigo 5º da LMP se revela, mesmo em interpretação literal, bastante claro, afirmando:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Novamente, de acordo com Maria Berenice Dias:

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Modo expresso, ressalva a Lei que não há necessidade de vítima e agressor viverem sob o mesmo teto para a configuração da violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida mantenham, ou já tenham mantido, um vínculo de natureza familiar (2008, p. 40).

Quanto às formas de violência doméstica, incorre a lei novamente em explicitação a priori desnecessária, por meio de seu art. 7º, mas, dada a completa desconsideração dispensada ao assunto, em que pese a ratificação de tratado internacional a respeito, pode-se afirmar que é indispensável tal exemplificação, a exemplo da consagração do status de direitos humanos dos bens jurídicos tutelado pela LMP, absolutamente imprescindível.

2.3.2. Aspecto material programático

Não bastasse o caráter pedagógico evidenciado no tópico acima, ocupou-se também o legislador de fornecer instruções ao Poder Público em geral, para que este auxiliasse na garantia dos demais direitos conferidos pela lei à vítima de violência doméstica.

O art. 8º estabelece:

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221. da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Todas as diretrizes elencadas são caracterizadas pelo legislador como “medidas integradas de prevenção”. Não obstante, enquadram-se perfeitamente na definição de normas programáticas, o que, segundo Bonavides, embora confira ao Poder Público um norte a ser seguido, confere aos dispositivos, por outro lado, certo grau de vagueza e de entrave em sua aplicação imediata:

A face moderna das Constituições é indubitavelmente a programática. Não resultou fácil contudo na região da doutrina estabelecer-lhe juridicidade normativa. Hoje, porém, já nos acercamos da consolidação desse entendimento. As normas programáticas, às quais uns negam conteúdo normativo, enquanto outros preferem restringir-lhe a eficácia à legislação futura, constituem no Direito Constitucional contemporâneo o campo onde mais fluídas e incertas são as fronteiras do Direito com a Política. Vemos com frequência os publicistas invocarem tais disposições para configurar a natureza política e ideológica do regime, o que aliás é correto, enquanto naturalmente tal invocação não abrigar uma segunda intenção, por vezes reiterada, de legitimar a inobservância de algumas determinações constitucionais. Tal acontece com enunciações diretivas formuladas em termos genéricos e abstratos, às quais comodamente se atribui a escusa evasiva da programaticidade como expediente fácil para justificar o descumprimento da vontade constitucional.

[...]

Dentre as normas jurídicas, sujeitas todas ao influxo inevitável do desenvolvimento histórico, a programática é a que melhor reflete o conteúdo profundo dos valores em circulação e mudança na Sociedade, sendo por isso mesmo aquela cujo caráter técnico-jurídico mais fraco e impreciso se mostra. Aliás, um dos constitucionalistas da República de Weimar atentou indiretamente para esse aspecto das normas programáticas, ao asseverar que, em relação ao conteúdo espiritual dos direitos fundamentais, a baixa consistência do significado técnico-jurídico desses direitos faz com que nele se operem mudanças de fundamentos espirituais bem mais rápidas e desimpedidas do que em qualquer outro ramo do Direito Constitucional” (2008, p. 244. e 245).

2.3.3. Aspecto material garantista

A LMP traz também normas de direito material em prol da vítima de violência doméstica, garantindo-lhe prerrogativas especiais em razão de sua hipossuficiência, a exemplo do que se faz nos arts. 9º, 10 e 11:

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Notadamente sobre as garantias do art. 9º, cujo caráter se pode afirmar que entre todos é o mais eminentemente material, por independer da atuação de qualquer autoridade em qualquer grau, ao contrário do estipulado nos arts. 10. e 11, em que a garantia dos direitos depende diretamente da atuação da Polícia, afirma Dias que:

O caráter protetivo da nova legislação assegurou à mulher vitimizada um punhado de garantias. Cercou-a de cuidados sem descuidar da necessidade que ela tem de prover o próprio sustento. Para isso precisa continuar trabalhando. Quando do rompimento do vínculo familiar, por episódio de violência doméstica, no mais das vezes deixa a vítima de contar com o auxílio do varão, que, de um modo geral, é o provedor da família. Por isso é bem-vinda a absoluta novidade trazida pela Lei Maria da Penha ao assegurar a preservação do vínculo laboral da mulher vítima da violência doméstica, trabalhe ela no serviço público ou na iniciativa privada (2008, p. 93).

Tal aspecto da LMP mostra-se extremamente benéfico à vítima, pois torna o amparo ainda mais completo e cumpre com a função social da norma.

2.3.4. Aspecto procedimental

Antes da adição da LMP ao nosso ordenamento jurídico, a violência doméstica e familiar contra a mulher era tratada pelos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95), onde tais crimes eram considerados de menor potencial ofensivo, sendo aplicada a pena de no máximo dois anos de reclusão. Muitas vezes aplicavam-se penas mais brandas como o pagamento de multas e prestação de serviços comunitários. Era notória a ausência de eficácia das penas estipuladas pelos Juizados Especiais Criminais. Com a falta de uma penalização mais rigorosa, o número de casos de violência contra a mulher não parou de crescer e fez-se necessário a criação de um dispositivo que tratasse com mais vigor tal delito tão recorrente em nossa sociedade.

Com o advento da LMP, a situação mudou para melhor e os procedimentos ficaram mais rigorosos e amparadores, beneficiando e protegendo a vítima. Houve a exclusão da competência dos Juizados Especiais Criminais (art. 74), bem como a instituição do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFM, que tem competência exclusiva para processar este tipo de crime.

O artigo 14, da LMP, discorre sobre a criação específica dos Juizados voltados para o processamento dos casos de violência doméstica contra a mulher:

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Outras medidas procedimentais estipuladas pela LMP garantem maior segurança para a vítima que procura a delegacia após ter sofrido a violência. Vale salientar que qualquer delegacia pode ser procurada pela mulher vítima de violência doméstica, devendo o procedimento ser remetido com urgência ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Com a vigência da Lei 11.304/2006 os procedimentos mudaram e a vítima de violência doméstica comparece à delegacia, registra o ocorrido e autoridades competentes lavrarão o Boletim de Ocorrência. A vítima poderá requerer no mesmo ato a aplicação das medidas protetivas de urgência. O pedido será encaminhado ao Juiz e decidido em até 48 horas. O Ministério Público, como fiscal da lei, deverá ficar ciente de tudo que ocorrer durante o processo.

As medidas protetivas de urgência possuem grande relevância. É de se afirmar que a vítima, antes desamparada pela polícia e pela justiça, está cercada de medidas que a protegem de seu agressor, pelo menos em tese. A criação das medidas protetivas de urgência foi um grande passo na tentativa de diminuir o número de homicídios causados após a mulher violentada procurar apoio policial.

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Para os fins deste estudo, abordar-se-ão os aspectos procedimentais da lei e as medidas protetivas de urgência, o que se fará com minúcias no terceiro capítulo.

2.4. Das formas de violência contra a mulher na Lei Maria da Penha

A CEDAW traz em seu artigo 1º o conceito de violência contra a mulher: "qualquer ato de violência baseado em sexo que ocasione algum prejuízo ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluídas as ameaças de tais atos: coerção ou privação, arbitrárias de liberdade que ocorram na vida pública ou privada”.

Na CIPPEVCM o conceito é similar. Segundo tal Convenção a violência contra a mulher é "qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, ou psicológico à mulher tanto na esfera pública como na esfera privada".

Dentre as diversas formas de violência, algumas foram trazidas de maneira expressa pela LMP e outras de maneira não expressa, não havendo limitação total acerca dos seus tipos. O legislador procurou especificar as formas de violência, tendo em vista que no âmbito penal os princípios da legalidade e da taxatividade reinam, mas mesmo assim deixou o campo aberto ao escrever no caput do artigo a expressão "entre outras" (DIAS, 2008, p. 46).

Alice Bianchini (2013, p. 42) afirma que: “cinco são as formas de violência mencionadas expressamente na lei: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral”. O rol é meramente ilustrativo, visto que o dispositivo faz menção à expressão “entre outras”. Para a autora, tal artigo restringe e amplia simultaneamente o conceito de violência doméstica e familiar, lembrando que nem todos estes tipos de violência constituem agressões à integridade física da pessoa.

Seguindo a mesma linha de pensamento, Bianchini (2013, p. 42), afirma ainda que as cinco formas de violência mencionadas no art. 7º são meramente exemplificativas, podendo-se adicionar outras formas que não foram elencadas no corpo do artigo.

Em concordância com Bianchini e Dias, Leda Maria destaca:

O artigo 7º define, em rol exemplificativo, as formas ou manifestações da violência doméstica e familiar contra a mulher, reafirmando e conceituando as esferas de proteção delineadas no artigo 5º, caput: integridade física, integridade psicológica, integridade sexual, integridade patrimonial e integridade moral. As definições não possuem escopo criminalizador, ou seja, não pretendem definir tipos penais. Sua função, no contexto misto da lei, é delinear situações que implicam em violência doméstica e familiar contra a mulher, para todos os fins da Lei Maria da Penha, inclusive para agilização de ações protetivas e preventivas (HERMANN, 2008, p. 108).

Estas formas de violência são uma afronta à integridade física e mental da mulher. Há violação de diversos direitos destas vítimas. Os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana não são respeitados. A integridade da pessoa física também não.

Para combater todas essas violações foram criadas as medidas protetivas, que visam proteger a vítima de seu agressor, evitando que ela sofra ainda mais agressões. Muitas vezes estas medidas são tardias. No próximo capítulo o assunto será aprofundado.

O legislador apresenta um rol exemplificativo, objetivando categorizar os tipos de violência doméstica e familiar. Assim dispõe o art. 7º da referida Lei, que será melhor analisado a seguir.

2.4.1. Violência Física

O inciso I, do artigo 7º, da LMP, define que violência física é "entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal".

Observa-se que este tipo de violência caracteriza-se por qualquer tipo de agressão que atinja o corpo da mulher, deixando marcas ou não. Basta que haja o uso da força bruta contra a saúde ou corpo da mulher para que ela se consuma (DIAS, 2008, p. 46).

Segundo Maria Berenice Dias, tanto a lesão dolosa como a lesão culposa constituem violência física, já que nenhuma diferenciação foi feita sobre o a intenção do agressor de agir pela Lei (2008, p. 47).

Leda Maria Hermann comenta o conceito de violência física contido no inciso I, falando de integridade, das ações e condutas:

Quanto à integridade física, o conceito transcrito no inciso I do dispositivo é expresso em considerar violentas as condutas que ofendam, também, a saúde corporal da mulher, incluindo, por consequência, ações ou omissões que resultem em prejuízo à condição saudável do corpo. Conduta omissiva é a negligência, no sentido de privação de alimentos, cuidados indispensáveis e tratamento médico/medicamentoso a mulher doente ou de qualquer forma fragilizada em sua saúde, por parte do marido, companheiro, filhos (as), familiares e afins (2008, p. 108).

Em geral, consideram-se condutas que causam a violência física: as surras, as pancadas, as queimaduras, as facadas, os pontapés, os murros, os enforcamentos, os tapas e outras agressões, podendo levar a vítima a morte (HERMANN, 2008, p. 109).

2.4.2. Violência Psicológica

A violência psicológica está descrita no inciso II, do artigo 7º, da LMP:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Este tipo de violência ocorre com mais frequência e é a forma mais subjetiva das violências. A violência psicológica geralmente está ligada a todos os outros tipos de violência, pois tudo envolve os sentimentos da vítima, o psicológico, a situação de humilhação e submissão em que se encontra a mulher vítima de violência doméstica e familiar (BIANCHINI, 2013, p. 47).

Bianchini continua: "A violência psicológica, não obstante ser muito comum caracteriza-se pelo fato de normalmente não ser reconhecida pela vítima como algo injusto ou ilícito" (2013, p. 46).

Antes este tipo de violência não estava previsto em nosso ordenamento jurídico. Foi uma grande conquista ao se incluir esta tipificação em nosso sistema jurisdicional (BIANCHINI, 2013, p. 46).

Por se tratar de uma agressão emocional, que muitas vezes gera diversos problemas para o resto da vida como traumas e limitações sociais, buscou-se proteger dois bens preciosos para as mulheres: a saúde mental e autoestima (BIANCHINI, 2013, p. 46).

Para Dias, a violência psicológica: “É a mais frequente e talvez seja a menos denunciada. A vítima muitas vezes nem se da conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser denunciados” (2008, p. 48).

Para que se comprove a existência desta modalidade de violência não se faz necessário laudo técnico ou perícia, tendo em vista que não é possível comprová-la por tais medidas. O juiz, ao tomar ciência dos fatos, poderá conceder as medidas protetivas em favor da vítima. O art. 61, II, “f” do CP, traz a violência psicológica como causa majorante da pena, se praticada juntamente com algum delito (DIAS, 2008, p. 48).

Segundo Hermann:

É nitidamente ofensiva ao direito fundamental à liberdade, solapada através de ameaças, insultos, ironias, chantagens, vigilância contínua, perseguição, depreciação, isolamento social forçado, entre outros meios. Implica em lenta e contínua destruição da identidade e da capacidade de reação e resistência da vítima, sendo comum que progrida para prejuízo importante à sua saúde mental e física (2008, p. 109).

Percebe-se que para a autora, a violência psicológica é causada por condutas que tiram a harmonia e equilíbrio emocional da mulher vitimada, deixando-a com a autoestima afetada, privando-a de sua autodeterminação e afetando bruscamente sua identidade pessoal.

2.4.3. Violência Sexual

A violência sexual está definida no artigo 7º, III, da Lei 11.340/2006:

São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

“A Lei Maria da Penha tem ajudado a desfazer o mito de que a relação sexual não consensual é uma obrigação da mulher. Nesses casos, a relação sexual não consensual é um caso de violação de direitos” (CARVALHO, online, 2011, p. 29).

Hermann destaca que a violência sexual:

É considerada conduta violenta não apenas aquela que obriga à prática ou à participação ativa em relação sexual não desejada, mas ainda a que constrange a vítima a presenciar, contra seu desejo, relação sexual entre terceiros. Da mesma forma, também é considerada como violência sexual o induzimento – mediante qualquer meio que vicie sua vontade – ao sexo comercial ou a práticas que contrariem a livre expressão de seus autênticos desejos sexuais, assim entendidas aquelas que não lhe tragam prazer sexual (2008, p. 111).

A violência sexual é um dos tipos de violências mais cruéis e repudiadas pela sociedade. Este tipo de agressão fere a alma da vítima, deixando sequelas para o resto de sua vida. Diversos são os relatos e ocorrências espalhados por todo o mundo deste tipo de violência. Esta modalidade afronta a liberdade sexual da mulher, bem como fere sua personalidade.

A mulher tem que ter o livre arbítrio de se relacionar sexualmente com quem quiser. Seus desejos e suas vontades devem ser respeitados. Seu desejo de engravidar deve ser aceito pelo parceiro. A utilização de contraceptivos deve ficar a critério do casal, não devendo haver conflitos que gerem agressões. O aborto, que é considerado crime em nosso país, com exceção de duas situações, não deve ser forçado pelo agressor, isso caracteriza também um tipo de violência sexual. Quando a mulher é constrangida a se casar ou a se prostituir está configurada mais uma vez a violência sexual descrita no referido artigo (HERMANN, 2008, p. 111).

É de se destacar que o direito sexual e reprodutivo da mulher foi amplamente tutelado neste artigo, fazendo com que a mulher ganhasse imensa liberdade no tocante às suas realizações sexuais e reprodutivas:

Trata-se da mais ampla proteção declarada em lei até hoje, aos direitos sexuais e/ou reprodutivos da mulher, principalmente se for dada interpretação extensiva à parte final do inciso ora comentado, que define – genericamente – como violência sexual (qualquer conduta que...) “limite ou anule” o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (HERMANN, 2008, p. 112).

A violência sexual merece destaque no que tange à proteção das vítimas, tendo em vista o grande número de casos registrados em todo território nacional e no mundo.

2.4.4. Violência Patrimonial

Nada mais é do que a manipulação da vítima visando à subtração de seus bens, pertences, valores, posses e documentos.

Elencada no art. 7º, IV, a violência patrimonial é: “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

O dispositivo acima equivale ao 5º artigo da Convenção de Belém do Pará.

Visando prejudicar e tornar a mulher ainda mais submissa, o agressor muitas vezes destrói ou retém os documentos seus documentos para que ela não consiga arrumar emprego, por exemplo, e assim fique totalmente dependente economicamente dele. Outras vezes, o agressor se apropria do dinheiro da vítima, vende suas propriedades a ameaçando de todas as maneiras possíveis. Ele faz isso para que a vítima fique cada vez mais fragilizada e encurralada. Uma pessoa sem documentos, sem propriedades, sem posses, fica totalmente sujeita às vontades do agressor (BIANCHINI, 2013, p. 49).

Alice afirma que:

A ausência de autonomia econômica e financeira da mulher contribui para sua subordinação e/ou submissão, ao enfraquecê-la, colocando-a “em situação de vulnerabilidade, atingindo diretamente a segurança e dignidade, pela redução ou impedimento da capacidade de tomar decisões independentes e livres, podendo ainda alimentar outras formas de dependência como a psicológica (FELIX, 2011, p. 208, apud BIANCHINI, 2013, p. 49).

Sobre o tema, Hermann menciona:

O inciso insere no contexto não apenas os bens de relevância patrimonial e econômica financeira direta (como direitos, valores e recursos econômicos), mas também aqueles de importância pessoal (objetos de valor afetivo ou de uso pessoal), profissional (instrumentos de trabalho), necessários ao pleno exercício da vida civil (documentos pessoais) e indispensáveis à digna satisfação das necessidades vitais (rendimentos). A violência patrimonial é forma de manipulação para subtração da liberdade à mulher vitimada. Consiste na negação peremptória do agressor em entregar a vítima seus bens, valores, pertences e documentos, especialmente quando se toma a iniciativa de romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como subterfugio para obriga-la a permanecer no relacionamento do qual pretende se retirar (2008, p. 114).

Notadamente, comprova-se que a violência patrimonial é uma forma de tirar os pertences da vítima a fim de prejudicá-la ao máximo.

2.4.5. Violência Moral

Trata-se da desmoralização da figura da mulher perante a sociedade, havendo um elo estreito entre a violência psicológica e a violência moral. Qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria é entendida como violência moral (BIANCHINI, 2013, p. 50).

O inciso V, do art. 7º, da LMP, dispõe: “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

No Código Penal Brasileiro a violência moral está tutelada e amparada nos artigos 138, 139 e 140, que versam sobre calúnia, difamação e injúria. Estes crimes são considerados contra a honra quando não ocorrem no âmbito familiar. Ocorrendo na esfera familiar tem-se a configuração da violência familiar ou domestica de cunho moral.

O Código Penal Brasileiro dispõe:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Entende-se que a conduta do autor da agressão no crime de calúnia consiste na imputação da prática do delito que o sujeito ativo do crime sabe ser falso. Na difamação, há imputação da prática do fato desonroso, fato este que atinge a reputação da vítima, enquanto na injúria, há ofensa à vítima devido à atribuição de “qualidades negativas” (BIANCHINI, 2013, p. 50, apud CUNHA; PINTO, 2011, p. 61).

Sobre este tipo de violência, Hermann destaca:

A violência moral, tratada no inciso V, consiste na desmoralização da mulher vítima, confundindo-se e entrelaçando-se com a violência psicológica. Segundo o dispositivo, corre sempre que é imputada à mulher conduta que configura calúnia, difamação ou injúria. [...] Por calúnia define a lei penal a imputação falsa de crime; por difamação, a falsa atribuição, diante de terceiros, de atos e condutas desonrosas e vergonhosas; injúria, conforme a norma penal respectiva, é a ofensa ou insulto proferido contra a vítima, pessoalmente (2008, p. 115).

2.5. Os índices de violência contra a mulher no Brasil

Neste tópico serão analisadas pesquisas e relatórios feitos pelo Ligue 180, pelo Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) e pelo DataSenado. Todas as instituições citadas possuem credibilidade e suas pesquisas estão dotadas de real veracidade.

Os estudos feitos buscaram trazer diversas informações, dentre as quais se podem destacar: a quantidade de feminicídios (homicídios de mulheres) ocorridos no Brasil em um determinado período de tempo; quais os tipos mais praticados de violência doméstica contra a mulher; quem é o agressor, etc.

Analisaremos a seguir os dados disponibilizados pelas instituições pesquisadoras.

2.5.1. Dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

O Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) realizou um relatório e avaliou o real impacto da LMP e para a surpresa de todos, o estudo constatou que não houve diminuição significativa dos índices de mortalidade de mulheres por agressões. O impacto foi zero, ou seja, as taxas de mortalidade não foram reduzidas. Fazendo uma comparação entre as taxas de mortalidade de antes e depois da edição da lei, constatou-se que não houve redução nos homicídios (IPEA, 2013, online).

De 2001 a 2006, antes da vigência da lei, a taxa de mortalidade foi de 5,28 óbitos por 100 mil mulheres. De 2007 a 2011, depois da vigência da legislação, a taxa de mortalidade ficou em 5,22 mortes por 100 mil mulheres (IPEA, 2013, online).

Em 2007, ano seguinte à implantação da lei, houve uma leve queda nesta taxa, porém, nos anos posteriores as taxas voltaram a crescer e se tornaram parecidas aos índices contabilizados antes da aplicação da lei (IPEA, 2013, online).

O relatório aponta que, de 2009-2011, foram registrados 16.933 homicídios de mulheres, número que corresponde a uma taxa de mortalidade de 5,82 mortes por 100 mil mulheres (IPEA, 2013, online).

No Brasil, a região Nordeste é a que tem a taxa de mortalidade mais alta (6,90), seguido pelo Centro-Oeste (6,86), Norte (6,42), Sudeste (5,4) e Sul (5,08). A título de curiosidade a taxa do Ceará é de 5,26 óbitos por 100 mil vítimas (IPEA, 2013, online).

Os principais resultados apontados pela pesquisa do IPEA (2013, online) revelam que a situação realmente está grave. Veja:

  • · A taxa corrigida de feminicídios foi 5,82 óbitos por 100.000 mulheres, no período 2009-2011, no Brasil.

  • · Estima-se que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia.

  • · As regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte apresentaram as taxas de feminicídios mais elevadas, respectivamente, 6,90, 6,86 e 6,42 óbitos por 100.000 mulheres.

  • · As UF com maiores taxas foram: Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Por sua vez, taxas mais baixas foram observadas nos estados do Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).

  • · Mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos.

  • · No Brasil, 61% dos óbitos foram de mulheres negras (61%), que foram as principais vítimas em todas as regiões, à exceção da Sul. Merece destaque a elevada proporção de óbitos de mulheres negras nas regiões Nordeste (87%), Norte (83%) e Centro-Oeste (68%).

  • · A maior parte das vítimas tinham baixa escolaridade, 48% daquelas com 15 ou mais anos de idade tinham até 8 anos de estudo.

  • · No Brasil, 50% dos feminicídios envolveram o uso de armas de fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou contundente. Enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% dos óbitos. Maus tratos – incluindo agressão por meio de força corporal, força física, violência sexual, negligência, abandono e outras síndromes de maus tratos (abuso sexual, crueldade mental e tortura) – foram registrados em 3% dos óbitos.

  • · 29% dos feminicídios ocorreram no domicílio, 31% em via pública e 25% em hospital ou outro estabelecimento de saúde.

  • · 36% ocorreram aos finais de semana. Os domingos concentraram 19% das mortes.

A pesquisa revela sua conclusão:

Conclui-se que a magnitude dos feminicídios foi elevada em todas as regiões e UF brasileiras e que o perfil dos óbitos é, em grande parte, compatível com situações relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa situação é preocupante, uma vez que os feminicídios são eventos completamente evitáveis, que abreviam as vidas de muitas mulheres jovens, causando perdas inestimáveis, além de consequências potencialmente adversas para as crianças, para as famílias e para a sociedade. Assim, destaca-se a necessidade de reforço às ações previstas na Lei Maria da Penha, bem como a adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento à violência contra a mulher, à efetiva proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero no Brasil. Os achados deste estudo são coerentes com os resultados do Relatório da CPMI com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apoiam a aprovação dos Projetos de Lei apresentados no Relatório, em especial aquele que propõe alteração do Código Penal, para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, como uma forma extrema de violência de gênero contras as mulheres, que se caracteriza pelo assassinato da mulher quando presentes circunstâncias de violência doméstica e familiar, violência sexual ou mutilação ou desfiguração da vítima (IPEA, 2013, online).

2.5.2. Dados do Ligue 180

Em pesquisa realizada de janeiro a junho de 2013, outros dados importantes foram divulgados pelo balanço do Ligue 180. Divulgou-se que de janeiro de 2006 a junho de 2013 foram contabilizados 3.364.633 de atendimentos, sendo quase 500.000 contendo pedidos de informações sobre a LMP (LIGUE180, 2013, p. 4, online).

O 180 é um número de telefone disponibilizado pelo Governo para atender as mulheres de todo o Brasil, não só para fazer denúncias sobre a LMP, mas também para tirar dúvidas, fazer elogios e sugestões. O ligue 180 trata também de temas que envolvem os direitos e serviços públicos da população feminina. O serviço é oferecido aproximadamente para 56% dos municípios brasileiros, funcionado todos os dias da semana, 24 horas por dia, inclusive nos feriados. No período da pesquisa foram feitos 51 mil registros mensais, que correspondem a 1.691 atendimentos por dia, em todo Brasil (LIGUE180, 2013, p. 3,4, 6 e 15, online).

Ainda de acordo com o Ligue 180, de janeiro a junho de 2013, os relatos de violência somaram 37.582 (12,3%) dos atendimentos feitos. Dentre estes relatos, os de violência física foram os mais frequentes, com 20.760, equivalente a 55,2% em relação às modalidades estabelecidas pela LMP. A violência psicológica vem em segundo lugar, registrando 11.073, o que corresponde a 29,5% dos atendimentos. Em terceiro, quarto e quinto lugar, respectivamente, vem a violência moral, com 3.840 registros (10,2%), a sexual, 646 (1,7%) e a patrimonial, com 696 (1,9%) relatos. Também foram registrados 340 casos de cárceres privados e 263 de tráfico de pessoas (LIGUE180, 2013, p. 16, online).

O estudo mostra que em 83,8% dos relatos de violência, que ao total somam 37.582, o agressor era cônjuge, companheiro, namorado ou “ex” da ofendida, com quem ela mantém ou manteve relações íntimas afetivas e sexuais (LIGUE180, 2013, p. 17, online).

Outros dados são revelados pela pesquisa:

As relações familiares concentraram 10,6% dos casos em que agressões foram feitas por filhas, filhos, mães, pais, entre outros. Em 5,4%, as mulheres foram vítimas de pessoas com quem possuíam vínculos externos (vizinhas, vizinhos, chefes e pessoas desconhecidas). Em relacionamentos íntimos de envolvimento sexual entre mulheres, ocorreram 67 casos. É importante salientar que a Lei Maria da Penha orienta que as políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contemplam todas as mulheres, independente da sua orientação sexual (2013, p. 18, online).

O Ligue 180 (2013, p. 19, online) revela o perfil das vítimas de acordo com as informações fornecidas nos relatos de violência, é possível constatar que:

  • · 98,8% das vítimas de violência eram mulheres, agredidas por homens em 94% dos casos;

  • · 49,1% eram pardas, 38,7%, brancas, 10,9%, pretas, 0,7% amarelas e 0,6% indígenas;

  • · 31,52% entre 20 e 29 anos e 27,94% entre 30 e 39 anos;

  • · 43,82% possuíam ensino fundamental (completo ou incompleto) e 40,47% ensino médio (completo ou incompleto);

  • · 62% não dependiam financeiramente do agressor;

  • · 82,7% eram mães

Sobre a prática de violência diária revelou-se:

A prática diária da violência de gênero foi constatada em 42,3% dos casos ao Ligue 180. Em 31,5%, ocorrem algumas vezes na semana e, em 10,3%, algumas vezes no mês. Episódio único apresentou-se em 6,6% dos relatos. Em 9,3%, o público não soube informar a frequência de ações violentas.

Esses dados revelam que a violência de gênero não constitui evento isolado na vida das brasileiras. Além de ser frequente, é, em sua maioria, um fenômeno que ocorre diariamente. Desse modo, são incontáveis os efeitos da violência diária para a família, para o mercado de trabalho e para o desenvolvimento do país (LIGUE180, 2013, p. 19, online).

Sobre a vulnerabilidade das vítimas computa-se:

  • · No primeiro semestre de 2013, 46,3% dos relatos apresentaram risco de morte para as vítimas. Em 27,7%, o risco de dano físico foi denunciado, inclusive o de espancamento, com 4.655 registros.

  • · Em 15,8% dos casos, foram identificados o risco de danos psicológicos, incluindo o suicídio das vítimas, com 117 registros. Elevado risco de estupro foi sinalizado em 265 situações.

  • · Dentre os demais riscos para as vítimas, houve 5,9% sobre aborto, ameaça a terceiros, danos morais e perda de bens e/ou direitos. Em 3,2% dos casos, não foi informada a vulnerabilidade de integridade da vítima (LIGUE 180, 2013, p. 22, online).

Outro fator agravante e preocupante é que o risco de morte da vítima foi identificado em 46,3% dos atendimentos (LIGUE 180, 2013, p. 24, online).

De fato, os dados mostrados na pesquisa mostram a realidade brasileira, devendo ser levados em consideração pelo Poder Público para reverter este quadro de violência.

2.5.3. Dados do DataSenado

Mais dados importantes foram demonstrados pelo estudo do DataSenado. Estudo aponta que no Brasil as mulheres conhecem universalmente a LMP, entretanto cerca de 700 mil continuam a sofrer agressões mesmo tendo se passado alguns anos de sua criação (2013, p. 2, online).

O relatório acerca da violência contra a mulher do DataSenado aponta que cerca 99% das mulheres brasileiras, de todas as idades, crenças, raças, classes e de todos os tipos de escolaridade, já ouviram falar na Lei 11.430/2006 (DATASENADO, 2013, p. 2, online).

Em contrapartida, o estudo mostra que mais de 13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum tipo de agressão, o equivalente a 19% da população feminina com 16 anos ou mais. Comprovou-se que 31% destas mulheres ainda mantem convivência com o agressor. Estima-se que 14% das mulheres que ainda convivem com seu agressor continuam sofrendo algum tipo de agressão, violência, ou seja, 700 mil mulheres permanecem como alvo de agressões em nosso país (DATASENADO, 2013, p. 2, online).

O impacto da violência doméstica e familiar contra a mulher influencia diretamente nos índices de feminicídios. O Brasil encontra-se em 7º lugar num ranking dos países que mais matam mulheres composto por 84 nações. Em número de mortes, na América Latina, o Brasil só perde para a Colômbia, na Europa, perde apenas para Rússia. O Brasil mata mais mulheres do que todos os países árabes e africanos (DATASENADO, 2013, p. 2, online).

Um fato curioso é que depois da vigência da LMP, 66% das brasileiras sentem-se mais protegidas. Entre as mulheres jovens e que tem ensino superior o índice de confiança na lei é de 71% e de 75% entre as mulheres com elevada remuneração. Estudou-se que 80% das mulheres do Sul do país confiam na norma regulamentadora. Comprovou-se, também, que quase 80% das entrevistadas acreditam que apenas a lei não é capaz de solucionar a problemática da violência doméstica e familiar contra a mulher (DATASENADO, 2013, p. 2. e 3, online).

Segundo a pesquisa 63% das mulheres acredita que a violência doméstica aumentou deste a criação da LMP, entretanto, apurou-se que desde 2009 o número de vítimas agredidas está estável (DATASENADO, 2013, p. 3, online).

DataSenado revela diversos outros dados importantes para entendermos os aspectos da violência doméstica contra a mulher:

  • · Aproximadamente uma em cada cinco brasileiras reconhece já ter sido vítima de violência doméstica ou familiar provocada por um homem. Os percentuais mais elevados foram registrados entre as que possuem menor nível de escolaridade, as que recebem até dois salários-mínimos, e as que têm idade de 40 a 49 anos (2013, p. 4, online).

  • · O tipo de violência mais frequente sofrido por mulheres é a física, segundo relato de 62% das vítimas. Desde 2009, em todas as rodadas da pesquisa, tem sido esse o tipo mais citado de violência contra a mulher. Em seguida, vêm a violência moral e a psicológica, que, em 2013, foram relatadas por 39% e 38% das vítimas, respectivamente (2013, p. 5, online).

  • · Dentre as mulheres que já sofreram violência, 65% foram agredidas por seu próprio parceiro de relacionamento, ou seja, por marido, companheiro ou namorado. Ex-namorados, ex-maridos e ex-companheiros também aparecem como agressores frequentes, tendo sido apontados por 13% das vítimas. Parentes consanguíneos e cunhados aparecem em 11% dos casos (2013, p. 5, online).

  • · O ciúme e o uso do álcool continuam sendo os principais fatores declarados como motivos para a agressão, com 28% e 25% das respostas, respectivamente (2013, p. 5, online).

  • · Quase 40% das mulheres afirmam ter procurado alguma ajuda logo após a primeira agressão. Para as demais, a tendência é buscar ajuda da terceira vez em diante ou não procurar ajuda alguma – o que acontece em 32% e 21% dos casos, respectivamente (2013, p. 6, online).

  • · O principal motivo para as mulheres escolherem essas vias alternativas à denúncia formal é certamente o medo do agressor, fator apontado por 74% das entrevistadas. Em seguida, a dependência financeira e a preocupação com a criação dos filhos foram os fatores apontados por 34% do total de entrevistadas (2013, p. 6. e 7, online).

  • · A vergonha da agressão, também apontada como motivo para não denunciar, é mais frequente conforme cresce a escolaridade e a renda das entrevistadas. Entre aquelas que têm até o ensino fundamental, 19% afirmaram que a vergonha é fator que impede as vítimas de denunciar a agressão. Entre as que têm o ensino superior, essa proporção sobe para 35%. Já em relação à renda, a vergonha é apontada com menos frequência pelas mulheres sem remuneração (21%) que pelas que recebem mais de cinco salários-mínimos (39%) (2013, p.7, online).

  • · A pesquisa mostra mudança também no nível de confiança na autoridade policial. As delegacias foram as instâncias mais lembradas, espontaneamente, pelas mulheres na hipótese de elas fazerem uma denúncia contra ato de violência doméstica. As delegacias comuns foram indicadas por 53% das entrevistadas e as delegacias da mulher foram mencionadas por 34% das brasileiras ouvidas (2013, p. 8, online).

  • · Dentre as mulheres que já foram vítimas de violência e que denunciaram o fato à polícia, mais de 50% avaliam o atendimento recebido como bom ou ótimo. Apesar dos avanços, um grande caminho ainda há a percorrer, pois 30% das vítimas avaliaram o atendimento recebido na delegacia como ruim ou péssimo (2013, p. 8, online).

Partindo dessa abordagem, notou-se que: as muitas mulheres sentiram vergonha em denunciar seus companheiros e reclamaram do atendimento recebido nas delegacias; a violência mais praticada pelos agressores é a física; os ciúmes e a embriaguez são os principais motivos das agressões.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Pablo. Medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha e sua real eficácia na atualiadade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4064, 17 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29229. Acesso em: 23 nov. 2024.

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