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A prova escrita na tutela monitória

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01/07/2002 às 00:00
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RESUMO. Quando falamos acerca da tutela monitória, logo constatamos que um ponto sensível merece uma atenção especial: qual o significado e alcance da expressão "prova escrita", inserida pelo legislador no artigo 1.102a do Código de Processo Civil, que possibilitaria ao credor ingressar com a demanda monitória. Pretendemos, aqui, buscar através de um exame doutrinário e jurisprudencial, traçar um perfil do que realmente pretendeu o legislador com a nomenclatura "prova escrita" e a sua liquidez, especialmente quando nos deparamos com pedido referente a pagamento de determinada soma em dinheiro.

PALAVRAS CHAVES: Processo civil; tutelas diferenciadas; ação monitória; prova escrita.

SUMÁRIO: 1. A monitória no ordenamento jurídico brasileiro. Uma espécie do gênero tutelas jurisdicionais diferenciadas. 2. Efetividade como norte da demanda monitória. 3. A prova escrita e seu quantum debeatur. 3.1. Ausência de um conceito de prova escrita. 3.2. A prova escrita não precisa ser emanada pelo devedor. A possibilidade de o credor ajuizar a ação com base em vários documentos. 3.3. A prova escrita, o juízo de admissibilidade e o quantum debeatur. 4. À guisa de considerações finais. 5. Bibliografia.


1. A Monitória no ordenamento jurídico brasileiro. Uma espécie do gênero tutelas jurisdicionais diferenciadas.

A reforma do direito processual civil, em voga há mais de uma década, vem tentando, com sucesso, introduzir no nosso ordenamento jurídico mecanismos cada vez mais eficazes e diferenciados, com o propósito de conceder um efetivo acesso à justiça, ou, como quer a moderna corrente processualista, acesso à ordem jurídica justa [1].

Sabemos que a conjuntura nacional envolvendo a questão da justiça [2] é lamentável e desacreditada. O cidadão brasileiro, em decorrência da própria história do poder judiciário, quando da necessidade de acionar a tutela jurisdicional do Estado, acredita que o sucesso de sua demanda e a satisfação de seu interesse não serão prontamente atendidos. Do contrário, os diversos meios de defesa utilizados pelos devedores em respostas às pretensões deduzidas em juízo, geralmente protelatórias, colocam em xeque o próprio escopo do processo e a crença pela majestade da justiça.

Algumas leis [3], editadas especialmente a partir de 1993, passaram a ganhar vigência na ordem jurídica nacional com o fim principal de, num lapso temporal diminuto, conceder às partes que se socorrem das vias judiciais, seus respectivos direitos. É o processo a serviço do direito material [4]. A cada direito invocado, um tipo específico de tutela capaz de, em breve espaço de tempo, e a custos baixos, amparar o direito invocado pelo seu titular.

Foi assim que, motivado também pelo sentimento de mudanças, bem como pela incansável e inesgotável busca de tutelas diferenciadas, o legislador introduziu no ordenamento jurídico, em 14 de julho de 1995, por sugestão do projeto de lei 3.805/93, apresentado pela Comissão de Reforma presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira, três dispositivos, na parte derradeira do artigo 1.102 do CPC, que tratam dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa. Cuida-se de um instrumento jurídico muito utilizado no direito europeu [5].

Com efeito, reza a Lei nº. 9.079, de 14 de julho de 1995:

Art. 1102a. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

Art. 1102b. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias.

Art. 1102c. No prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma prevista do Livro II, Título II, Capítulos II e IV.

§ 1º. Cumprindo o réu o mandado, ficará isento de custas e honorários advocatícios.

§ 2º. Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário.

§ 3º. Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV.

Art. 2. Esta Lei entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

Encontramos, aqui, um novo tipo de tutela colocada à disposição do credor para, de forma eficaz e sem aquele formalismo exacerbado do procedimento ordinário, garantir-lhe a rápida prestação jurisdicional do Estado, ou melhor, a formação do título executivo, uma vez que este é seu fim último.

Aliás, a Exposição de Motivos da Lei nº. 9.079/95 mostra-nos que o legislador buscou este tipo de instrumento "com o objetivo de desburocratizar, agilizar e dar efetividade ao processo civil. A proposta introduz no atual direito brasileiro, a ação monitória, que representa o procedimento de maior sucesso no direito europeu, adaptando o seu modelo à nossa realidade, com as cautelas que a inovação recomenda. A finalidade do procedimento monitório, que tem profundas raízes também no antigo direito luso-brasileiro, é abreviar, de forma inteligente e hábil, o caminho para a formação do título executivo, controlando o geralmente moroso e caro procedimento ordinário".

Marinoni [6], jurista sempre preocupado com a problemática envolvendo o acesso à justiça e o estudo de instrumentos diferenciados para a rápida e efetiva solução dos litígios, consigna que a demanda monitória é, de fato, um mecanismo de grande importância para a efetividade do processo. E mais, reforça a idéia de que as chamadas tutelas diferenciadas são necessárias para assegurar o exercício do direito à adequada tutela jurisdicional. Para o autor acima, "o processo, por ser a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos da proibição da autotutela, deve traduzir-se na disposição prévia dos meios de tutela jurisdicional (de procedimentos, provimentos e meios executórios) adequados às necessidades da tutela de cada uma das situações de direito substancial".

Seguindo o mesmo raciocínio, Carreira Alvim [7], apreciando a finalidade do processo monitório, escreve que o fim a ser buscado pela monitória é simplificar o lento e moroso processo de cognição, uma vez que o credor deveria suportar vários entraves até obter uma condenação. Com este tipo de tutela o credor atinge a providência condenatória diretamente, evitando-se perda de tempo e dinheiro. O credor forma, assim, o mais rápido possível, o título executivo.

Estudos mostraram que em diversas hipóteses os devedores não têm interesse em discutir os direitos invocados por seus credores, principalmente aqueles demonstrados através de prova escrita, ou que podem ser evidenciados em alto grau de probabilidade, o que não justificaria a demora e o custo da cognição ordinária. No processo monitório, abre-se a possibilidade para o devedor efetuar o pagamento da dívida, sem custos, porque os honorários advocatícios e custas processuais correrão por conta do credor; ou, se permanecer omisso, abre-se ensejo à formação rápida do título executivo, uma vez que não há sentença de procedência da ação monitória [8].

Proto Pisani, citado por Marinoni [9], comenta que a história mostra que o procedimento comum tem um custo altíssimo para as partes e para a administração da justiça. Muitas vezes, a plena realização do contraditório é inoperante, e, o que é pior, apresenta sérios riscos; dentre eles, destaca: "a) servir de estímulo para contestações ou resistências sem qualquer consistência, apresentadas pelo réu que não tem razão apenas com o intuito de lucrar com o tempo necessário para a conclusão do processo; b) de abarrotar, além da medida, a administração da justiça, com processos de conhecimento inúteis, aumentando o seu número, paralisando o seu desenvolvimento e de qualquer forma alongando a sua duração".

A doutrina nacional ensina que a demanda monitória é um remédio criado pelo legislador para eliminar o processo de conhecimento, possibilitando ao devedor escolher entre o pagamento da dívida e o debate judicial. Garante a parte o rápido acesso à execução, desprezando o moroso e cansativo trâmite oferecido pelo rito ordinário [10]. Nesta linha, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira, citado por Humberto Theodoro Júnior, assinalou que "somente procedimentos rápidos e eficazes têm o condão de realizar o verdadeiro escopo do processo. Daí a imprescindibilidade de um novo processo: ágil, seguro e moderno, sem as amarras fetichistas do passado e do presente, apto a servir de instrumento à realização da justiça, à defesa da cidadania, a viabilizar a convivência humana e a própria arte de viver" [11].

Como se vê, os caminhos que devem seguir a doutrina e a jurisprudência para a interpretação da Lei nº 9.079/95 são aqueles contrários que a história e a experiência demonstraram em relação ao processo de conhecimento. Com isso pretende-se eliminar a perda de tempo, os custos elevadíssimos e formalidades não pretendidas pelo legislador, cujos entraves colidem com o espírito da referida lei.

Cuida-se, em linhas finais, de um instrumento diferenciado colocado à disposição do credor de quantia certa ou de coisa determinada, sem eficácia executiva, crédito esse demonstrado, sumariamente, através de prova escrita, cujo titular busca o provimento do Estado para a satisfação de seu interesse, caracterizado na expedição do mandado de pagamento. Ao devedor resta, no prazo legal, cumprir a ordem, efetuando a quitação da quantia reclamada, apresentar seus embargos ou, ainda, permanecer na inação, quando então a prova escrita convalesce em título executivo judicial.

É uma ótima experiência, com certeza, mas que somente saberemos de seus resultados quando a história nos contar.


2. A efetividade como norte da demanda monitória.

A doutrina nos mostra que o horizonte a ser percorrido pela hermenêutica jurídica, como forma de melhor entender o fim da ação monitória, é um só: o da efetividade. Vale dizer, o processo deve traduzir, ao mesmo tempo confiança, segurança e rapidez.

Para compreendermos a efetividade do processo, é imperioso verificarmos quais são seus escopos. A doutrina nos indica três. O primeiro deles é o fim social, que se traduz da educação do cidadão para o exercício dos próprios direitos e no respeito ao de terceiros. O segundo escopo traduz-se na preservação dos valores de liberdade, da oferta de mecanismos que possibilitem o cidadão a participar do destino da Nação e do Estado. É preservar o ordenamento jurídico e sua autoridade. E, o último, o fim jurídico que, singelamente, reflete a idéia de atuação da vontade concreta do direito [12]. Com isso, o legislador deve atender aos anseios da comunidade a que faz parte, a fim de eliminar os entraves, os chamados pontos sensíveis que impedem o efetivo acesso à ordem jurídica justa. São eles: a) admissão ao processo; b) o modo de ser do processo; c) justiça das decisões e, d) utilidade das decisões [13].

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A necessidade da sociedade é por procedimentos judiciais céleres e que proporcionem maior segurança na distribuição da justiça. O legislador tem que se preocupar em conceder, aos cidadãos, armas jurídicas aptas a garantir um pleno acesso à ordem jurídica justa. Isto implica custos processuais condizentes com as partes litigantes, redução do tempo para a entrega da prestação jurisdicional e, sobretudo, resultados práticos e eficazes. O slogam "tempos de mudanças" foi a bandeira utilizada pela doutrina internacional de direito processual civil, muito bem aceita pela brasileira, diga-se de passagem, que estudou o processo sob a perspectiva da sua efetividade. De nada adianta pretender amparar direitos se não existem aparelhos ou estruturas jurídicas suficientes para concedê-los e/ou preservá-los de forma harmoniosa e eficaz. Todos clamam por um processo de resultado.

A comunidade jurídica, sensibilizada com a delicada posição do cidadão, esforça-se cada vez mais para criar e estabelecer novas regras que permitam tutelar, efetivamente, direitos. Novos caminhos são percorridos para fazer valer a máxima chiovendiana [14] de justiça, dentre os quais a "onda renovadora" tem como meta racionalizar o processo com a maior participação do cidadão.

Em suma, podemos afirmar, sem medo de equívocos, que a lei que trata da demanda monitória tem a preocupação de melhor atender aos reclamos da sociedade descrente com o sistema judiciário. As normas jurídicas insculpidas naquela lei devem ser interpretadas de conformidade com o fim do processo, refletindo segurança, rapidez, enfim, efetividade.

Em face disso, a questão envolvendo a prova escrita e sua liquidez assim devem ser entendidas e interpretadas, sob pena de criar outros obstáculos não pretendidos pelo legislador.

Este é o nosso propósito.


3. A prova escrita e o seu quantum debeatur.

3.1. Ausência de um conceito de prova escrita

Questão interessante e discutida pela doutrina e jurisprudência nacional é a referente à prova escrita e sua respectiva liquidez. Para que o titular do crédito possa fazer valer o seu direito em face do devedor da obrigação, qual ou quais as provas admitidas? Devem ser emanadas pelos devedores? E o quantum devido? Estas são algumas questões que tentaremos responder.

O artigo 1.102a do Código de Processo Civil estabelece que a ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma de dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. O dispositivo prescreve as condições de admissibilidade [15] da demanda monitória, sendo uma delas a existência de prova escrita sem eficácia de título executivo. Mas o que vem a ser prova escrita sem eficácia de título executivo?

A priori, poderíamos entender que, para instruir uma demanda monitória, somente bastassem os documentos [16] que não estivessem formalmente perfeitos para o ajuizamento da demanda executiva. Mas não é bem assim. A prova escrita pretendida pelo legislador é mais ampla.

Antes de tudo, é necessário esclarecer que não há no ordenamento jurídico brasileiro um conceito de prova escrita. Entretanto, é voz corrente na doutrina que, para ajuizar uma demanda monitória, deve o credor estar municiado de prova escrita grafada, seja ela pré-constituída ou casual [17]. Entendemos como prova pré-constituída aquela confeccionada anteriormente ao nascimento de um direito ou obrigação. Tem a finalidade de demonstrar, a priori, a existência do fato que se pretende provar É, portanto, sempre anterior à obrigação. Já as chamadas provas casuais têm escopos diversos, uma vez que não demonstram, previamente, a existência da obrigação ou direito [18].

Bem lembra a doutrina que a prova escrita exigida pelo legislador não precisa ser aquela revestida das formalidades exigidas pela Lei, mas também não pode constituir simples começo de prova escrita descrita pelo artigo 402,I do CPC [19]. Para este tipo de prova, que representa apenas sua origem, deve o credor demonstrar suas alegações atreves de outros meios de prova, valendo, inclusive da via ordinária.

Nesta toada, é prova escrita para fins de demanda monitória a nota ou missiva confeccionada e encaminhada pelo devedor ao credor apenas ratificando esta sua condição, mas sem especificar valores, ou uma proposta de parcelamento da dívida; o orçamento do dentista assinado pelo paciente; a carta do cliente dirigida ao advogado anuindo a questão de honorários, forma de pagamento; dentre vários outros exemplos.

A melhor doutrina escreve que o procedimento monitório, "é o instrumento para a constituição do título judicial a partir de um pré-título, a prova escrita da obrigação, em que o título se constitui não por sentença de processo de conhecimento e cognição profunda, mas por fatos processuais, quais sejam a não apresentação de embargos, sua rejeição ou improcedência. Em resumo, qualquer prova escrita de obrigação de pagamento em dinheiro, entrega de coisa ou determinado bem móvel é um pré-título que pode vir a se tornar título se ocorrer um dos fatos acima indicados" [20].

É do mesmo escólio da lição de Marcato, citado por Theodoro Junior, "deve ser considerado documento hábil a respaldar a pretensão à tutela monitória, aquele produzido na forma escrita e dotado de aptidão e suficiência para influir na formação do livre convencimento do juiz acerca da probabilidade do direito afirmado pelo autor, como influiria se tivesse utilizado no processo de cognição plena. Em síntese - e aqui lançamos mão de entendimento jurisprudencial já consolidado da Itália -, qualquer documento que seja merecedor de fé quanto à sua autenticidade [21]".

Mas, para melhor entendermos o alcance da expressão prova escrita, é imprescindível que esta seja analisada sob a ótica da posição do devedor e o juízo de admissibilidade.

3.2. A prova escrita não precisa ser emanada pelo devedor. A possibilidade de o credor ajuizar a ação com base em vários documentos.

É importante destacarmos a irrelevância de o documento estar subscrito ou não pelo devedor [22]. Primeiro, porque a lei não exigiu. Segundo, o mais importante, o autor pode anexar vários outros documentos que, somados, são capazes de formar o convencimento do magistrado acerca do direito invocado, uma vez que a prova produzida na fase sumária é somente aquela que seja capaz de formar um mero juízo de probabilidade. Aliás, o credor poderá lançar mão de documentos produzidos unilateralmente que, somados a outros elementos, tenham força suficiente para formar a convicção do juiz e, conseqüentemente, um conjunto idôneo e apto.

É novamente de Marcato [23] a lição de que:

é deferida ao autor a possibilidade de instruir sua petição inicial com dois ou mais documentos, sempre que a insuficiência de um possa ser suprida por outro (isto é, em seu conjunto a prova documental tenha aptidão para induzir a formação do convencimento do juiz), ou de valer-se de documento proveniente de terceiro, desde que ele tenha aptidão para, isoladamente ou em conjunto com outro, demonstrar a existência de uma relação jurídica material que envolve autor e réu, ai e, ainda, para atestar a exigibilidade e a liquidez da prestação.

O acórdão proferido pela 3.ª Câmara do Tribunal de Alçada de Minas Gerais lançou entendimento de que o credor, para ingressar com ação monitória deve possuir documento escrito. E mais, que este documento não precisa estar assinado pelo devedor, não obstante a maioria o seja. E, por último, o credor pode valer-se de vários documentos que, somados, formam um conjunto probatório apto a ensejar a demanda monitória.

Ação monitória possui como requisito essencial o documento escrito. Se este, apesar de não possuir a eficácia de título executivo, permite a identificação de um crédito, gozando de valor probante, sendo merecedor de fé, quanto à sua autenticidade e eficácia probatória, possibilita o procedimento monitório.

Embora seja o documento escrito o mais comum do título monitório o que vem assinado pelo próprio devedor, a restrição do procedimento monitório a estes casos não traduziria em toda a extensão o alcance dessa prova. Pode a lei ou o próprio contrato fazer presumir que certas formas escritas, embora não contendo a assinatura do devedor, relevem certeza e liquidez processuais da obrigação.

A boleta bancária, expedida em favor de estabelecimento de ensino, relativa à cobrança de mensalidade, acompanhada da prova do contrato de prestação de serviço, enquadra-se no conceito de prova escrita do art. 1.102a do CPC [24]."

Podemos citar como exemplos, também, o credor de locatício que não tenha contrato escrito, mas, em contrapartida, possua o termo de entrega das chaves do imóvel locado ou uma carta de seu locatário entregando o prédio. O locatário poderá valer-se da demanda monitória anexando, ao seu pedido, o termo de entrega das chaves (prova escrita, portanto) e os recibos dos meses anteriores para demonstrar o quantum devido, demonstrando a liquidez.

Em contrapartida, já se decidiu [25] que não é prova escrita a simples notificação encaminhada pelo credo ao devedor dando conta a existência de um débito, não possuindo referido documento o mínimo de credibilidade para formar o juízo de admissibilidade do julgador.

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou questão envolvendo duplicatas sem aceite, sem recibo de entrega das mercadorias, mas devidamente protestadas, e decidiu pela possibilidade de anexá-las ao pedido monitório [26]. Ficou evidenciado no corpo do acórdão que não há necessidade de a prova escrita ser emanada pelo devedor. Os documentos juntados pelo autor da monitória devem demonstrar, razoavelmente, a existência da obrigação de pagar determinada soma em dinheiro.

O mesmo Superior Tribunal de Justiça, apreciando ainda questão referente a das duplicatas sem aceite, decidiu que o devedor que permanece inerte com o protesto dos títulos presumivelmente tenha concordado, pelo menos, com a existência da dívida, sendo, portanto, tais duplicatas, aptas a instruir o procedimento monitório [27].

Não é por demais relembrar que a o credor pode instruir seu pedido monitório com um documento emitido unilateralmente, mas é necessário que esteja acompanhado de outros capazes de formarem a convicção do julgador. Vislumbra-se, assim, um conjunto probatório idôneo e eficaz.

3.3 A prova escrita, o juízo de admissibilidade e o quantum debeatur.

O conceito de prova escrita, também, deve ser encarado sob a ótica do juízo de admissibilidade da demanda monitória, porquanto basta apenas a prova que permita ao juiz chegar a um juízo de probabilidade, não sendo necessária uma prova que demonstre o fato constitutivo [28].

Marinoni, mais uma vez, nos dá a lição de que:

Contudo, para que a doutrina possa se desincumbir desta tarefa adequadamente é imprescindível que ela esteja atenta para a razão pela qual exige-se a prova escrita. É preciso que fique claro o motivo que levou o legislador a condicionar o uso da ação monitória à presença de prova escrita, demonstrando-se que "prova escrita" não é sinônimo de "prova que pode demonstrar o fato constitutivo do direito, até porque o procedimento monitório não pode ser confundido com um procedimento verdadeiramente documental, como é aquele em que se veda a produção de prova diferente da documental (mandado de segurança)" [29].

Nessa perspectiva, é importante frisar, portanto, que não é o critério da "certeza" que deve buscar o julgador quando da análise primeira da demanda monitória. O documento, a prova escrita que deve juntar o credor ao pedido é aquele que possa garantir ao magistrado firmar um juízo de admissibilidade do direito invocado por aquele, nada mais. Não há uma análise profunda do direito do autor, posto que, do contrário, geraria um formalismo excessivo. Se se fosse exigir do credor demonstrar um direito líquido e certo, não haveria razão para dar-lhe oportunidade de, nos embargos, produzir prova [30]. O direito de defesa concedido ao credor e ao devedor é amplo.

O juiz, ao apreciar o juízo de admissibilidade de uma demanda monitória, verificará se a prova trazida pelo credor é apta para procedimento monitório, ou seja, se ela perpassa pelo crivo da probabilidade, sem que haja necessidade de imergir na questão da prova. A partir de então, qualquer tipo de matéria deve ser levantada e discutida nos embargos [31], fato que nenhum prejuízo, frise-se, causa ao devedor, porquanto a apresentação dos embargos independem da segurança do juízo.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu.

Ação Monitória - Prova escrita - Adquirente de imóvel que se obriga a pagar as despesas de conservação do empreendimento - Exordial instruída com a promessa de compra e venda, a escritura padrão e a planilha dos custos - Via idônea - A questão referente à efetiva prestação dos serviços e seus custos proporcionais atribuídos à ré constitui matéria de mérito, a ser alegada em eventuais embargos e solvida na sentença. Requisito da "prova escrita" satisfeita no caso. Recurso especial conhecido e provido. [32]"

O procedimento monitório, desta forma, faculta ao devedor os mesmos meios de defesa do rito ordinário. Vale dizer, é concedida ao devedor a ampla defesa, surgindo daí a cognição exauriente. Não há razão, portanto, para se pensar que prova escrita seja absoluta e inquestionável. A própria posição geográfica em que se situa a demanda monitória - entre a execução e ação ordinária -, permite chegar-se à conclusão de que a prova pretendida é, sem dúvida, de menor complexidade e formalidade. Já que o procedimento monitório se situa entre o processo executivo e o ordinário, a questão da "prova escrita", exigida no artigo 1.102a do estatuto processual brasileiro, também aí deveria ser tratada. O credor de determinada soma em dinheiro, por exemplo, para valer-se da tutela monitória, deve possuir prova escrita que não lhe abra as portas da via executiva, como também não seja tão exaustiva como aquela exigida pela via ordinária. A prova escrita deve retratar, a princípio, um juízo de probabilidade para o magistrado.

É de Cândido Rângel Dinamarco [33] a lição que:

Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos.

Carreira Alvim sustenta que: "Para fundamentar uma ação monitória, o que se exige é que se trate de prova escrita, pouco importando a sua natureza ou o momento da sua formação. Pouco importa também suas características, podendo ser um bilhete privado, uma carta missiva, um bilhete de loteria, um bilhete de rifa, desde que tenha autoria comprovada (no sentido de quem seja o seu autor) [34]".

Seguindo a mesma orientação da doutrina, a jurisprudência de nossos tribunais é no mesmo sentido. Acórdão proferido pela 5ª. Câmara Cível do Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, em julgado publicado na Revista dos Tribunais 784/308, deixou evidente que "ao apreciar a petição inicial da ação monitória o Juiz realiza cognição sumária ao valorar a prova escrita, que pode consubstanciar-se num documento ou num conjunto de documentos. Convencido o Juiz de que há alto grau de probabilidade de verossimilhança deve conceder a tutela monitória, uma vez que a cognição plena dependerá da atividade do devedor [35]".

Portanto, para conhecer da probabilidade do direito do autor, o magistrado analisará a idoneidade da prova carreada pelo credor, bem como verificará se a soma pleiteada é líquida. Vale dizer, se não depende de ato posterior para se chegar ao quantum debeatur. Já se decidiu [36] que é impertinente a liquidação no procedimento monitório para se apurar o valor da dívida, porquanto seria um ritual inadequado à celeridade e caráter sumário da ação monitória.

A própria natureza do processo monitório repele a idéia de admitir a formulação de pedido ilíquido. O credor, ao manejar seu pedido, tem a obrigação de indicar o exato valor que está sendo cobrado, sob pena de restar indeferida sua petição inicial. Eventual discussão do quantum é matéria a ser levantada em sede de embargos.

Valendo-se destes raciocínios é inviável o credor pedir quantia incerta, a qual seria objeto de futura liquidação. A expedição do mandado de pagamento depende, portanto, da prova escrita oferecida pelo credor e, também, da demonstração da quantia que pretende receber.

Theodoro Júnior [37], abordando a liquidez da prova escrita ensina que:

A prova a cargo do autor tem de evidenciar, por si só, a liquidez, certeza e exigibilidade da obrigação, porque o mandado de pagamento a ser expedido liminarmente tem de individuar a prestação reclamada pelo autor, e não haverá oportunidade para o credor completar a comprovação do crédito e seu respectivo objeto. Além disso, o mandado de pagamento só pode apoiar-se em obrigação cuja existência não reclame ulterior e cuja atualidade já esteja adequadamente comprovada.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso emanou decisão de que da petição inicial de uma ação monitória deve constar a memória do cálculo, discriminadamente. A ementa do acórdão diz ser condição da demanda monitória que o credor demonstre a existência de seu crédito, bem com [38]o consignar expressamente da inicial o cálculo referente ao débito, segundo o indexados aplicável, bem como, se incidente, a correção monetária.

Uma questão recentemente foi uniformizada [39] pelo Superior Tribunal de Justiça é a pertinente à viabilidade da demanda monitória com base nos contratos bancários de abertura de crédito em conta corrente. Ficou, desta forma, assentado que não há que se falar em iliquidez e incerteza da obrigação, porquanto os extratos, embora confeccionados unilateralmente, e o contrato provam satisfatoriamente a existência da obrigação de pagar e o quantum [40]. Caso o devedor pretenda discutir a dívida fica a matéria reservada para os embargos [41]. Vejamos.

A liquidez deverá ser demonstrada através da memória discriminada do débito, a teor do artigo 604 do Código de Processo Civil, sendo, portanto, requisito da petição inicial. Como salientamos, ao réu será concedida a ampla oportunidade para questionar o "quantum" cobrado e a forma como o credor atingiu este montante nos embargos, que é a sede própria.

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Sobre o autor
Marcelo Brandão Fontana

advogado, mestrando em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (SP), coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Marília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTANA, Marcelo Brandão. A prova escrita na tutela monitória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2933. Acesso em: 23 dez. 2024.

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