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Consequências jurídicas do registro no CADIN para as contratações públicas

19/06/2014 às 15:29
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Deve a Administração verificar se a inadimplência registrada no CADIN, em nome do fornecedor a ser contratado, refere-se, ou não, ao cumprimento de qualquer das condições de regularidade fiscal previstas no artigo 29 da Lei de Licitações.

1. O Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN) foi inicialmente instituído pela Medida Provisória n.º 1110, de 30 de agosto de 1995, que, após várias reedições[1], foi finalmente convertida na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.

2. O texto original da Medida Provisória trazia, em seu art. 7º, vedação à celebração de contratos com empresas que possuíssem registro de débito junto ao CADIN por mais de quinze dias. Durante as muitas reedições da MP, o prazo de inadimplência foi ampliado para trinta dias.

3.  Contra esse dispositivo foi proposta, pela Confederação Nacional da Indústria, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1454-4/DF (ADI 1454-4/DF), que pretendia a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 6º e 7º da Medida Provisória.

4. Ao analisar liminarmente a ADI, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu a cautelar em relação ao art. 6º, porquanto ali se estabelecia simples obrigatoriedade de consulta ao CADIN, ato meramente informativo, sem repercussão sobre direitos ou interesses de terceiros. Deferiu a liminar, porém, quanto ao art. 7º, ante o relevo da arguição de inconstitucionalidade da sanção administrativa ali instituída.

5.  A inconstitucionalidade verificada, no que concerne especificamente à vedação de contratar com a Administração Pública, baseava-se no disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal, segundo o qual a lei somente poderia estabelecer exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, não tendo a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) previsto nenhuma exigência relativa ao CADIN.

6. A exigência de regularidade perante o CADIN, dessa forma, teria contrariado o texto constitucional.

7. No decorrer das reedições da Medida Provisória, mais precisamente quando da publicação da Medida Provisória n.º 1863-52, de 26 de agosto de 1999, excluiu-se a vedação à celebração de contratos e outras restrições impostas aos inscritos no CADIN, o que resultou, quando do julgamento do mérito da ADI 1454/DF, no reconhecimento da perda do objeto em relação ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 7º, cujo conteúdo foi totalmente alterado.

8. A Lei n.º 10.522/02, quando promulgada e publicada, já veio ao ordenamento jurídico sem aquela vedação, constando do seu artigo 6º apenas a obrigatoriedade de “consulta” ao CADIN, antes da celebração dos ajustes, não mais havendo proibição de contratar com pessoas inscritas no Cadastro:

Art. 6º É obrigatória a consulta prévia ao Cadin, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para:

I - realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos;

II - concessão de incentivos fiscais e financeiros;

III - celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica:

I - à concessão de auxílios a Municípios atingidos por calamidade pública reconhecida pelo Governo Federal;

II - às operações destinadas à composição e regularização dos créditos e obrigações objeto de registro no Cadin, sem desembolso de recursos por parte do órgão ou entidade credora;

III - às operações relativas ao crédito educativo e ao penhor civil de bens de uso pessoal ou doméstico.

9. Assim, analisando sistematicamente as disposições da Lei de Licitações e da Lei do CADIN, em cotejo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, é possível afirmar que, apenas na hipótese de o registro no CADIN referir-se a descumprimento de algumas das condições de regularidade fiscal previstas no artigo 29 da Lei n.º 8.666/93, será admitida a imposição de qualquer restrição do direito de contratar com o Poder Público. Caso contrário, embora haja registro de inadimplência, não será lícito, por esse motivo, recusar a contratação que, não fosse por isso, seria firmada.

10. Tal entendimento já foi pacificado no Tribunal de Contas da União, conforme noticiam os Informativos de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nºs 22, 40 e 44, respectivamente:

Licitação da Petrobras Transporte S.A. (Transpetro) para execução de obras: 1 - Consulta prévia ao cadastro informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin)

Entre os achados identificados no relatório de levantamento de auditoria realizada nas obras do Terminal de São Sebastião e dos oleodutos Osvat e Osbat, no Estado de São Paulo, mereceu destaque a não utilização do Cadin, pela Transpetro, “como parâmetro para a exclusão da empresa Techint S/A do Convite nº 005.8.001.03.0 e para sua consequente contratação”, em desacordo com a Lei n.º 10.522/2002. Considerando não ser recente o encaminhamento de determinações à Petrobras afetas ao tema em discussão e em vista da presunção de que as determinações dirigidas àquela entidade sejam de conhecimento de suas subsidiárias, o relator concluiu que “não haveria mais razões para que este Tribunal se abstivesse de multar os agentes responsáveis pela não observância ao Cadin no âmbito da Transpetro”. Por outro lado, o relator observou que o ofício de audiência encaminhado apontou como irregularidade a “não utilização do CADIN como parâmetro para a exclusão da empresa Techint S/A do Convite nº 005.8.001.03.0 e para sua consequente contratação”. De acordo com o relator, o art. 6º da Lei n.º 10.522/2002 não veda a contratação de empresa inscrita no Cadin, mas apenas exige que o referido cadastro de inadimplência seja consultado previamente à “celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos”. Com o objetivo de melhor elucidar a questão, o relator transcreveu o seguinte excerto da instrução da unidade técnica acolhida pelo relator do Acórdão n.º 2.937/2003-1ª Câmara, prolatado em sede de pedido de reexame: “No que diz respeito à determinação [...] concernente ao CADIN, assiste razão ao recorrente, visto que a Ação Direta de Inconstitucionalidade, por ele referenciada, interposta pela Confederação Nacional da Indústria relativamente aos artigos 6º (consulta prévia ao Cadastro) e 7º (impeditivo para contratações) da Medida Provisória nº 1.442, de 10/05/1996, foi, em 19/06/1996, parcialmente deferida, em sede de liminar [...]. Naquela ocasião, a eficácia do artigo 7º e seus parágrafos foi suspensa, indeferindo-se o pleito quanto ao artigo 6º, por considerar aquela Corte que ali se estabelece simples consulta, ato informativo dos órgãos que colhem os dados ali contidos, sem repercussão sobre direitos ou interesses coletivos. No mérito, em 15/06/2000, foi considerada improcedente a ação quanto ao mencionado artigo 6º e suspenso o julgamento relativamente ao artigo 7º. A partir da MP 1.863-52, de 26/08/1999, a mencionada restrição não mais constou do texto legal e de suas reedições e, por conseguinte, da Lei nº 10.522/2002, que dispõe sobre o CADIN.” Diante desse entendimento, e tendo em vista a imprecisão no ofício de audiência enviado pelo TCU no presente caso, o relator absteve-se de sugerir qualquer tipo de apenação. Após ressaltar que não se encontrava devidamente comprovada nos autos a alegação de que, no âmbito do Convite n.º 005.8.001.03.0, o Cadin teria sido consultado, o relator propôs e o Plenário decidiu determinar à Transpetro que “realize consulta prévia ao Cadin, conforme disposto no art. 6º da Lei 10.522/2002, juntando aos respectivos processos os documentos comprobatórios dessa prática, inclusive no que concerne aos pronunciamentos emitidos nos casos em que a empresa consultada esteja registrada como inadimplente naquele cadastro”. Precedentes citados: Decisão n.º 621/2001-Plenário; Acórdão n.º 2.937/2003-1ª Câmara; e Acórdãos n.os 346/2007 e 2.558/2009, ambos do Plenário. Acórdão n.º 1427/2010-Plenário, TC-010.733/2005-4, rel. Min. Aroldo Cedraz, 23.06.2010.

Celebração de contrato com empresa inscrita no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin)

Ao apreciar a prestação de contas da Refinaria Alberto Pasqualini S.A. – Refap, relativa ao exercício de 2003, a Segunda Câmara, por intermédio do Acórdão n.º 5.502/2008, julgou regulares com ressalva as contas dos responsáveis e expediu determinações à entidade (item 1.7), dentre elas: “1.7.3. não contrate com qualquer empresa de um grupo em que haja ente inscrito no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal), mesmo na qualidade de consórcio, nos termos do art. 6º, inciso III, da Lei 10.522/2002;”. Contra a aludida determinação, a Refap interpôs recurso de reconsideração, alegando “não existir qualquer norma que impeça que o grupo Petrobras, no qual está incluída a REFAP, contrate empresas inscritas no CADIN”. Além disso, “não vislumbra o caráter determinante quanto ao destino da contratação no art. 6º, inciso III da Lei n.º 10.522/2002, pois o texto legal exige a consulta, mas não estabelece o impedimento de contratação com empresas inscritas naquele cadastro. Verifica que se trata de norma restritiva e que, por esta razão, não pode ser interpretada de forma ampliativa.”. Em seu voto, o relator destacou que o art. 6º, III, da Lei n.º 10.522/2002, “não veta, de modo absoluto, a celebração de contratos com empresa inscrita no Cadin, vez que o citado artigo de lei prescreve apenas quanto à consulta prévia ao Cadin”. O relator fez menção, ainda, ao seguinte trecho do voto condutor do Acórdão n.º 390/2004-Plenário: “A Medida Provisória nº 1.490, de 07/06/1996, assim estabelecia: ‘Art. 6º É obrigatória a consulta prévia ao CADIN, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para: [...] III - celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos. [...] Art. 7º A existência de registro no CADIN há mais de trinta dias constitui fator impeditivo para a celebração de qualquer dos atos previstos no artigo anterior.’ Assim, pelo disposto no seu art. 7º, seria vedada a contratação de empresas inscritas no Cadin. O STF, em julgamento de 19/06/1996, concedeu medida liminar suspendendo os efeitos desse art. 7º. Tal ação ainda não foi julgada no mérito. O próprio Poder Executivo, entretanto, quando da edição da MP nº 1863-52, de 26/08/1999, norma que tratava do Cadin, excluiu o referido art. 7º. E a própria Lei nº 10.522/02, oriunda da conversão da medida provisória, também não trouxe esse dispositivo. Dessa forma, não há vedação legal para a contratação de empresas inscritas no Cadin. Permanece em vigor a obrigatoriedade de consulta prévia ao cadastro, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para a celebração de contratos que envolvam o desembolso de recursos públicos. Trata-se de medida de pouca efetividade prática, uma vez que a inscrição ou não no Cadin não trará qualquer conseqüência em relação às contratações a serem realizadas.”. Acolhendo o voto do relator, deliberou o Colegiado no sentido de dar provimento parcial ao recurso para tornar insubsistente o subitem 1.7.3 do Acórdão n.º 5502/2008-2.ª Câmara. Acórdão n.º 6246/2010-2ª Câmara, TC-009.487/2004-8, rel. Min. Raimundo Carreiro, 26.10.2010.

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Obrigatoriedade da consulta ao CADIN antes da formalização do contrato

Por intermédio do Acórdão n.º 3695/2009-1ª Câmara, o Tribunal expediu a seguinte determinação ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES: “1.5.1.1. promova, quando da formalização dos processos licitatórios e contratos, as pesquisas prévias no Cadin, em respeito ao art. 6º, inciso III, da Lei n.º 10.522/2002, devendo, ainda, serem anexadas as comprovações da pesquisa;”. Contra essa decisão o aludido banco interpôs recurso de reconsideração, sob o argumento de que “a consulta ao CADIN, em matéria de licitações e contratos administrativos, dada a inexistência de sanções ou impedimentos relacionais, não possui qualquer efeito prático”. Ao examinar o recurso, o Ministério Público junto ao TCU aduziu que, com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn n.º 1.454-4/DF, a discussão encontra-se superada, no sentido de que a obrigatoriedade da consulta não significa proibição de contratar com aqueles que constam do cadastro. Além disso, “a ausência ou não de consulta ao CADIN não necessariamente levará a contratações de empresas ou entidades que constem daquele cadastro, desde que, no mínimo, tais contratações avaliem previamente a regularidade fiscal dos interessados, nos termos do artigo 27 da Lei nº 8.666/93; do artigo 3º, § 2º, incisos III, alínea a, e V do Decreto nº 6.170/2007 e do artigo 18, inciso VI, da Portaria MP/MF/MCT 127/2008, dentre outros dispositivos. Nesse contexto, embora a consulta ao CADIN possa parecer inócua é obrigatória por Lei. E mesmo considerando que o simples fato de constar do cadastro não seja, isoladamente, um fator impeditivo para a celebração de contratos ou outros ajustes com a Administração Pública, a consulta poderá auxiliar na verificação das informações prestadas pelos administrados e pelos demais órgãos da Administração, em especial as constantes em certidões e declarações. [...] com base na literalidade do dispositivo legal que fundamentou a determinação atacada, diferentemente do entendimento manifestado pela unidade técnica, o MP/TCU entende que deve ser provido parcialmente o recurso apresentado, no sentido de reformar o Acórdão recorrido e excluir da determinação contida no subitem 1.5.1.1 a expressão ‘processos licitatórios’ [...]”. O relator anuiu às considerações do Parquet especializado, no que foi acompanhado pelos demais ministros. Acórdão n.º 7832/2010-1ª Câmara, TC-015.130/2006-0, rel. Min. Valmir Campelo, 23.11.2010.

11. Dessa forma, deve a Administração Pública analisar especificamente o caso concreto, verificando se a inadimplência registrada no CADIN, em nome do fornecedor a ser contratado, refere-se, ou não, ao cumprimento de qualquer das condições de regularidade fiscal previstas no artigo 29 da Lei de Licitações - perante a Fazenda Federal, a Seguridade Social, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), a Justiça do Trabalho e a Fazenda Estadual ou Municipal, conforme o caso.

12.Lembrando-se que a aferição do cumprimento dos requisitos de habilitação para contratação com o Poder Público, previstos nos artigos 28, 29 e 31 da Lei nº 8.666/93 (habilitação jurídica, regularidade fiscal e qualificação econômico-financeira), pode ser feita por meio de comprovação de regularidade perante o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF), conforme disciplina o art. 34 da Lei nº 8.666/93, regulamentado pelo Decreto nº 3.722/2001.

13. Já os documentos de qualificação técnica (artigo 30 da Lei nº 8.666/93) não são registrados no SICAF, só tendo pertinência sua verificação se exigíveis para celebração do contrato, no edital de licitação.

14. Diante do exposto, estando a pessoa física ou jurídica a ser contratada em situação regular perante o SICAF e possuindo a qualificação técnica porventura exigida para a celebração do ajuste, não existirão óbices jurídicos à contratação, ainda que haja em seu nome alguma restrição no CADIN.


Nota

[1] A última reedição, de 21 de agosto de 2001, recebeu o n.º 2.176-79.

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Sobre a autora
Daniela Silva Borges

Procuradora Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Daniela Silva. Consequências jurídicas do registro no CADIN para as contratações públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4005, 19 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29518. Acesso em: 22 dez. 2024.

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