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O direito de acesso ao processo administrativo e o interessado indireto

15/07/2014 às 11:11
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O artigo analisa as hipóteses em que o interessado indireto, aquele que não participa do processo, pode ter acesso a informações contidas em autos de processos administrativos, bem como as hipóteses em que a lei determina que seja resguardado sigilo.

De acordo com o artigo 3º, inciso II, da Lei nº 9.784/1999, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, o administrado tem o direito de ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas.

Acerca desse dispositivo legal, leciona José dos Santos Carvalho Filho[1]:

“O direito à ciência da tramitação dos processos administrativos é atribuído, no texto legal, aos interessados. Aqui, porém, uma observação a fazer. Dependendo do nível e da extensão do interesse do indivíduo, podem existir interessados diretos ou indiretos. Os primeiros são aqueles cuja órbita jurídica pode ser atingida de forma imediata pelo processo, sendo normalmente participantes do procedimento, ao passo que interessados indiretos são aqueles que, embora não figurando diretamente no processo, são suscetíveis de ser atingidos, de modo favorável ou desfavorável, pelo desenvolvimento ou pelo desfecho do processo. A norma se dirige aos interessados diretos, mas, mesmo aqueles que não o sejam, podem tomar ciência da tramitação do processo, através das publicações na imprensa oficial ou por meio de informações, requeridas com base no art. 5º, XXXIII, da CF, desde que demonstrado o interesse particular do indivíduo ou até mesmo o interesse coletivo ou geral, ressalvando-se, contudo, os casos de sigilo, como já examinamos. O que se deve reprimir é o abuso do direito, ou seja, aqueles casos em que o indivíduo detém mera curiosidade sobre fatos que não lhe dizem respeito e age com espírito de emulação ou de má-fé.

Os interessados diretos podem ter vista dos autos, obter cópias de documentos e conhecer as decisões proferidas no processo. (...)”

Em sentido semelhante, posiciona-se Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2]:

“Esse direito de acesso ao processo administrativo é mais amplo do que o de acesso ao processo judicial; neste, em regra, apenas as partes e seus defensores podem exercer o direito; naquele, qualquer pessoa é titular desse direito, desde que tenha algum interesse atingido por ato constante do processo ou que atue na defesa do interesse coletivo ou geral, no exercício do direito à informação assegurado pelo artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição.

É evidente que o direito de acesso não pode ser exercido abusivamente, sob pena de tumultuar o andamento dos serviços públicos administrativos; para exercer este direito, deve a pessoa demonstrar qual o seu interesse individual, se for o caso, ou qual o interesse coletivo que pretende defender.

O direito de acesso ao processo não se confunde com o direito de ‘vista’, que somente é assegurado às pessoas diretamente atingidas por ato da Administração, para possibilitar o exercício de seu direito de defesa.

O direito de acesso só pode ser restringido por razões de segurança da sociedade e do Estado, hipótese em que o sigilo deve ser resguardado (art. 5º, XXXIII, da Constituição); ainda é possível restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5º, LX).”

Das lições de José dos Santos Carvalho Filho e de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, depreende-se que o acesso aos autos de processos administrativos é, em regra, assegurado tanto aos interessados diretos (aqueles que participam do processo) quanto aos indiretos (aqueles que não participam), contanto que esses últimos demonstrem seu interesse particular ou, ainda, o interesse coletivo ou geral que pretendem defender.

Os dois autores ressalvam, todavia, que é possível negar aos interessados indiretos o acesso aos autos dos processos administrativos, sempre que eles contiverem informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado ou à defesa da intimidade de determinada pessoa (artigo 5º, incisos XXXIII e LX, da Constituição Federal de 1988).

Nesse mesmo sentido foi editada a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso a informações previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, artigo 37, § 3º, inciso II, e artigo 216, § 2º, da Constituição Federal. Confira-se:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. 

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei:

I - os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;

II - as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”

“Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:

I - orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada; 

II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;

III - informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado; 

IV - informação primária, íntegra, autêntica e atualizada; 

V - informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços; 

(...)

§ 2º Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.”

Assim, a Lei nº 12.527/2011 garante aos interessados em geral o direito de obter informações contidas em registros e documentos produzidos ou acumulados por órgãos ou entidades públicas, bem como o direito de acesso às informações relativas às atividades exercidas por esses órgãos e entidades, ao mesmo tempo em que ressalva, desse direito de acesso, as informações consideradas como sigilosas ou de acesso restrito, nos termos da citada Lei.

E a referida Lei, em seu artigo 31, confere acesso restrito, pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da data de sua produção, às informações pessoais - que dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas – detidas pelo Poder Público. A esse tipo de informação, consoante o parágrafo primeiro do artigo 31, só podem ter acesso os agentes públicos legalmente autorizados e as próprias pessoas a que as informações se referem. Confira-se:

"Art. 31.  O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais. 

§ 1º  As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem: 

I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e 

II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem."

O fundamento de um prazo tão dilatado para disponibilização de informações pessoais – cem anos - é que dificilmente a divulgação de informações constantes de arquivos, cadastros, bancos de dados ou registros administrativos provocará danos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem de determinada pessoa, depois de passado um século.

Conceitos como intimidade, privacidade, honra e imagem, embora sejam intuitivamente ligados a pessoas físicas, são, fora de dúvida, plenamente aplicáveis a pessoas jurídicas, como se pode observar de várias passagens do ordenamento jurídico pátrio.

A título de exemplo, o artigo 198 do Código Tributário Nacional impõe à Fazenda Pública e a seus servidores o dever de guardar sigilo acerca da situação econômica ou financeira de determinada pessoa e acerca da natureza e do estado de seus negócios ou atividades. Conforme entendeu a Segunda Turma do Colendo Supremo Tribunal Federal, o sigilo fiscal é um “desdobramento do direito à intimidade e à vida privada”[3].

Também o artigo 1º da Lei Complementar nº 105/2001 estabeleceu que as instituições financeiras deveriam conservar sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados a terceiros. Mais uma vez, a Segunda Turma do Colendo Supremo Tribunal Federal pronunciou-se no sentido de que o sigilo bancário é uma “espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988”[4].

Também as informações de natureza industrial ou comercial eventualmente contidas em processos administrativos, referentes à exploração da atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada, são protegidas por sigilo legal, delas podendo ter conhecimento apenas aqueles aos quais as informações se referem, normalmente partes do processo administrativo (artigo 22 da Lei nº 12.527/2011).

Trata-se do chamado “segredo industrial ou empresarial”, que protege as informações do empresário cujo conhecimento possa colocá-lo em desvantagem competitiva com relação aos seus concorrentes. Também essas informações, de natureza industrial ou comercial, constituem parte da intimidade e da vida privada dos agentes econômicos e, via de regra, deverão ficar, na medida do indispensável, distantes dos olhos do grande público.

Como exemplo pode se citar o conjunto de fórmulas, técnicas, melhoramentos ou processos industriais empregados para facilitar a fabricação de um produto ou potencializar sua utilidade, conjunto este que não seja de domínio público, nem evidente a um especialista. Outros exemplos são as estratégias de marketing de uma empresa, sua lista de clientes e fornecedores, os custos de sua produção, a formação dos preços e o volume de vendas.

A lei de defesa da concorrência – Lei nº 12.529/2011 –, em seu artigo 44, protege o sigilo das informações empresariais contidas em processos administrativos em trâmite no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos.

Para tanto, referido Conselho previu, no artigo 53 do seu Regimento Interno, que, “de ofício ou mediante requerimento do interessado, poderá ser deferido, em virtude de sigilo decorrente de lei ou por constituir informação relativa à atividade empresarial de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos (arts. 22 da Lei 12.527/2011 e 6º, inciso I e 5º, § 2º do Decreto 7.724/12), o acesso restrito de autos, documentos, objetos, dados e informações, que forem relacionados a”:

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“I - escrituração mercantil;

II - situação econômico-financeira de empresa;

III - sigilo fiscal ou bancário;

IV - segredos de empresa;

V - processo produtivo e segredos de indústria, notadamente processos industriais e fórmulas relativas à fabricação de produtos;

VI - faturamento do interessado;

VII - data, valor da operação e forma de pagamento;

VIII - documentos que formalizam o ato de concentração notificado;

IX - último relatório anual elaborado para os acionistas ou quotistas, exceto quando o documento tiver caráter público;

X - valor e quantidade das vendas e demonstrações financeiras;

XI - clientes e fornecedores;

XII - capacidade instalada;

XIII - custos de produção e despesas com pesquisa e desenvolvimento de novos produtos ou serviços; ou

XIV - outras hipóteses, a critério da autoridade concedente, respeitados os arts. 22 da Lei 12.527/2011 e 6º, inciso I e 5º, § 2º do Decreto 7.724/12.”

Analisando-se as informações suscetíveis de receber tratamento de acesso restrito no âmbito do CADE, observa-se que quase a totalidade delas é abrigada, a um só tempo, pelo manto do sigilo fiscal, bancário ou empresarial, fato que indica que elas constituem parte da mencionada intimidade e vida privada dos agentes econômicos, devendo, por isso, ser mantidas fora do alcance dos denominados interessados indiretos.

Diante do arcabouço legal ora exposto, conclui-se que o interessado indireto (aquele que não participa do processo) pode ter acesso a informações constantes de autos de processos administrativos, desde que o requeira ao órgão ou entidade pública condutora do processo, expondo as razões de seu interesse particular, coletivo ou geral, ressalvadas, porém, as informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade (aqui compreendida a defesa da intimidade e da vida privada das pessoas físicas ou jurídicas) e do Estado.


Notas

[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal (Comentários à Lei nº 9.784/1999). 4ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 84.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 510.

[3] Cf. voto proferido pela Exmª Ministra Ellen Gracie, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 87.654/PR.

[4] Cf. ementa do acórdão proferido por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 655.298/SP (cujo relator foi o Exmº Sr. Ministro Eros Grau).

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Sobre a autora
Daniela Silva Borges

Procuradora Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Daniela Silva. O direito de acesso ao processo administrativo e o interessado indireto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4031, 15 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29780. Acesso em: 18 nov. 2024.

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