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A proibição de excesso no direito ambiental:

em prol do desenvolvimento sustentável

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04/07/2014 às 14:33
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4.      Princípio da proibição de excesso

Como visto, o discurso de que o direito ambiental teria esvaziado o direito de propriedade é uma percepção equivocada sobre o sistema jurídico. O direito de propriedade revela uma árdua conquista da humanidade e, aquilo que se conquista com suor e sangue tende-se a preservar. Assim é que o direito de propriedade constitui direito individual constitucional insusceptível de revogação por emenda constitucional (Art. 60, § 4º, IV, Constituição Federal).

O princípio da proibição de excesso ressalta o valor do justo. Visa assegurar a coexistência de direitos fundamentais proibindo o excesso nas restrições ou limitações destes.

O “[...] princípio da proibição do excesso constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um ‘limite do limite’ ou uma ‘proibição de excesso’ na restrição de tais direitos”.[32]

Deve-se lembrar de que “o Direito não é o valor mais alto, mas o que condiciona os demais; não é a vida, mas a garantia precípua da vida em sociedade”[33], logo, o Direito deve refletir o justo. Após firmada esta premissa, necessário se faz a “[...] objetivação do justo no tempo [...]”[34], ou seja, trazer justiça ao caso concreto, revelando a concepção do Direito como fato social. Deve-se conferir valor à idéia de justiça, de acordo com uma análise sociológica e histórica do caso a ser tutelado.

A concepção de princípio revela um ponto de partida para a elaboração e aplicação da norma, logo, só através da compreensão do fato e do seu valor é que se torna legítimo limitar um direito fundamental através da normatização, revelando a terceira faceta do Direito, sua concepção como norma jurídica.

O Direito não constitui um sistema positivo autossuficiente como pensado no liberalismo, e até mesmo por isso o direito pós-modernista é dotado de princípios dinâmicos que lhe permite acompanhar as mudanças sociais. A Constituição Federal é muito clara ao regular o ordenamento jurídico de modo sistemático, basta verificar a existência de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos. Assim, dentro desta coerência constitucional os direitos fundamentais devem coexistir, enaltecendo “o Direito como ciência de normas, ou seja, como compreensão racional, unitária e lógica, do fato social que denominamos também Direito”[35].

A lei, portanto, como instrumento que regula a vida humana, há que ser o mais compatível possível com os direitos fundamentais do ser humano e, consequentemente, uma lei que limite direito fundamental desmotivadamente deve ter sua inconstitucionalidade reconhecida.

Assim é que a célebre Teoria Tridimensional do Direito dispõe que as três faces do direito – fato, valor e norma – não são coisas distintas, mas ao contrário, pressupostos lógicos de se normatizar uma realidade através da realização da função precípua da normatização, que é o alcance da justiça e estabelecimento da paz social.

Não é o que verificamos, no entanto, na normatização da tutela ambiental. Nos últimos anos, em especial os anos de 2011 e 2012, quando da discussão e votação do autal Código Florestal, o que se viu foi uma batalha travada entre aqueles que se rotulavam ambientalistas e os chamados ruralistas. Ao invés de aperfeiçoar o conhecimento do fato – meio ambiente – e atribuir-lhe a valoração necessária à sua proteção sem que isto significasse agressão a direito fundamental alheio – o direito de propriedade –, cada uma dos “lados” tentava privilegiar sua ideologia a qualquer custo.

O direito é instrumento condicionador de condutas, logo, não pode ser isolado dos fatores sociais, econômicos e culturais. “[...] Não pode o estudioso do direito quedar-se alheio aos movimentos econômicos, sob pena de uma insuficiente compreensão do conteúdo e das condições oferecidas pelas prescrições que compõem a ordem econômica [...]”[36], ou seja, é constitucionalmente imposta a necessidade de se estudar a tutela ambiental em conjunto com a livre iniciativa e a propriedade privada (Art. 170).

Para se estudar a primeira faceta do Direito – sua concepção como o justo –, portanto, é necessária a ponderação da norma diante do sistema jurídico, orientado por um equilíbrio, que se convencionou chamar de princípio da proporcionalidade, razoabilidade ou proibição do excesso. Segundo Eros Grau, o princípio da proibição do excesso importa em adequação e proporcionalidade dos atos dos poderes públicos e, reflete, na classificação de Canotilho, um princípio jurídico fundamental, ou seja, um princípio historicamente conquistado e inserido progressivamente na cultura jurídica, que fica recepcionado, implicitamente ou expressamente no texto constitucional[37].

4.1.Proibição de excesso e isonomia

O princípio da isonomia pode ser dividido em dois subprincípios: Igualdade na Lei, destinada ao Poder Público elaborador de uma norma, e, igualdade perante a Lei, destinada ao interprete na análise do caso concreto.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao lecionar sobre a igualdade na lei conclui que o objetivo fundamental da norma é justamente discriminar situações, atribuindo-lhes efeitos jurídicos e, passo seguinte, indaga sobre os limites da lei ao estabelecer tais discriminações, ou seja, pesa análise sobre a constitucionalidade das discriminações legais[38], concluindo que

[...] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição[39].

O que se extrai do estudo apontado é que são vedadas as discriminações legais gratuitas e ofensivas a direitos constitucionalmente assegurados, sob pena de inconstitucionalidade. Por discriminações gratuitas entende-se aquelas desnecessárias ao fim almejado pelo direito tutelado, ou seja, aquela que não for fator determinante, ou que não guarde pertinência lógica à tutela do direito almejado pela norma.

Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, deve-se fazer três análises conjuntas para se constatar a constitucionalidade do discriminem legal: I. Verificar o fator discriminatório da lei – aquilo que ela impõe fazer ou deixar de fazer; II. Verificar se o objetivo da lei é constitucional; III. Estabelecer um nexo de causalidade entre o fator discriminatório e o objetivo da lei[40]. A ofensa a qualquer destas verificações incorrerá inevitavelmente em inconstitucionalidade da norma, ou seja, seu fator discriminatório deve ser essencial à finalidade da Lei e, esta estar em sintonia coerente e coordenada com direitos e interesses protegidos pela Constituição Federal.

Conclui-se, portanto, no caso sob análise, pela constitucionalidade das limitações ambientais ao direito de propriedade, mas, desde que feitas no limite do necessário. Assim, a normatização de um direito fundamental que colide com outro de igual status, como é o caso do direito ambiental e o direito de propriedade,

[...] deve ser feita de forma equilibrada e, na justa medida do necessário, sobretudo quando implicam no desequilíbrio entre os ônus que devem ser suportados pela coletividade e pelo indivíduo, fazendo com que eles recaiam majoritariamente sobre o indivíduo, em ‘benefício’ da sociedade[41].

A discricionariedade legislativa encontra limites impostos, expressa ou implicitamente, pelo próprio texto constitucional.

4.2.Proibição de excesso e proporcionalidade

O fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade é a dignidade da pessoa humana (Art. 1º), que traz não só a necessidade de reconhecimento de direitos fundamentais, mas também sua garantia. “O princípio da proporcionalidade, como uma das várias idéias jurídicas fundantes da Constituição, tem assento justamente aí, nesse contexto normativo no qual estão introduzidos os direitos fundamentais e os mecanismos da respectiva proteção”[42]. Isto porque a própria Constituição Federal assegura a coexistência entre direitos e garantias constitucionais expressos e implícitos, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (Art. 5º, § 2º), logo, além da necessidade de observância da igualdade na lei,

A doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitspronzip; Übermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins[43].

Percebe-se, portanto, que no ato de legislar deve-se levar em conta o objetivo da norma e os meios necessários para atingi-lo. Por meios necessários deve-se ponderar a necessidade e adequação da medida buscando a interferência mínima noutros direitos constitucionais, quiçá quando se tratam de direitos fundamentais. É aqui que o princípio da proporcionalidade, ou proibição de excesso, autoriza o Poder Judiciário fazer um controle de constitucionalidade da lei que não atenda a adequação de seus meios à necessidade de seus fins.

Conclui-se que inexoravelmente o princípio da proporcionalidade deve ser lido em consonância com o subprincípio da necessidade, dele decorrente, de modo que o princípio da proibição de excesso ou da proporcionalidade “[...] assumiria, assim, o papel de ‘um controle de sintonia fina’ (Stimmigkeitskontrolle), indicando a justeza da solução encontrada ou a necessidade de sua revisão”[44] através do controle de constitucionalidade.

4.3.Proibição de excesso e controle de constitucionalidade

Como visto, o princípio da proibição de excesso decorre diretamente dos princípios da isonomia e da proporcionalidade, e com eles é confundido, logo, a previsão constitucional da isonomia e,

[...] o reconhecimento da normatividade constitucional do princípio da proporcionalidade legitima-o a figurar como fundamento do recurso extraordinário, nos termos do inciso III do art. 102 da CF. Em relação à declaração de inconstitucionalidade, além de viabilizar o controle difuso das leis, sua inobservância pelo legislador pode ensejar o controle abstrato dos atos legislativos, por meio da ação direta (art. 102, I, a)[45].

Jellinek apontava que os direitos fundamentais conferem posições aos indivíduos perante o Estado, às quais denominou de status. Dividiu estes entre status negativo, status passivo e status positivo. O status negativo trata das liberdades individuais, enquanto que o status negativo constitui o inverso, pois, trata-se da sujeição individual às obrigações impostas pelo Estado, e, o status positivo, por sua vez, confere aos indivíduos o poder de exigir comportamentos do Estado, que podem ser positivos, quando o Estado é omisso naquilo que lhe compete fazer, ou, negativos, visando a abstenção do ente para impedi-lo de ofender seu status negativo[46]. É exatamente o status positivo dos direitos fundamentais que legitima o titular deste direito a pleitear, com base na proibição de excesso, o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis ou atos normativos que o restringe além do necessário.

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O controle de constitucionalidade de leis e atos normativos restritivos de direito fundamental através da proibição de excesso não é novidade brasileira. Gilmar Mendes destaca neste sentido o pioneirismo da decisão do Bundesverfassungsgericht, a Corte Constitucional Alemã, de 1971, cujo entendimento é no sentido que

Os meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e necessários à consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com a sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é necessário se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais[47].

O Tribunal Constitucional Alemão reconhece o controle de constitucionalidade de uma lei a partir do princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit), ou proibição de excesso (Übermassverbot), pois, ainda que não expressos na constituição, são desdobramentos do Estado de Direito e, portanto, norma constitucional não-escrita. Ressalva, todavia, que “uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz o Bundesverfassungsgericht, ‘se puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas’”[48].

A Constituição de Portugal vai além e reconhece expressamente o limite constitucional ao poder de legislar diante da proibição de excesso, dispondo que:

A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos[49].

Nota-se, no direito comparado, que seja a proibição de excesso prevista textualmente na Constituição Federal, seja ela reconhecida como princípio constitucional implícito, o reconhecimento do direito como sistemático e a coexistência de direitos concorrentes ou cumulativos faz com que o Poder Legislativo, ao normatizar de modo a limitar ou restringir um direito constitucional, deve fazê-lo na justa medida no necessário, de modo que não interfira, ou interfira o mínimo possível na esfera de outros direitos.

Além do direito comparado, o Brasil admite o controle de constitucionalidade de uma lei, seja pela via difusa, seja pela concentrada, através da proibição de excesso.

Antes mesmo da promulgação da atual constituição, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial da Lei 383/80, do Estado do Rio de Janeiro, entendendo que a desproporção entre o fim almejado pela norma e os meios por ela elencados eram passíveis de controle de constitucionalidade. O caso tratava da cobrança de taxa judiciária única e, naquela oportunidade o Ministro Moreira Alves entendeu pela inconstitucionalidade do artigo 18 da citada lei enfatizando que

Embora não se exija que o quantum da taxa corresponda exatamente ao valor dos serviços prestados, poderá ela disfarçar um verdadeiro imposto quando sua alíquota estabeleça evidente desproporção. Deve haver, pois, uma equivalência aproximada entre o valor da taxa e o custo da atividade estatal desenvolvida[50].

O caso acima é tido como a primeira invocação do princípio da proibição de excesso ou proporcionalidade para declarar a inconstitucionalidade de uma lei no Brasil.

Sob vigência da atual constituição, o Supremo Tribunal Federal também se pronunciou sobre a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade com igual fundamento e, referendando a tese aqui exposta, o julgado cuja ementa está a seguir transcrita conclui que seja por ofensa ao princípio da isonomia, seja por ofensa ao princípio da proporcionalidade, uma restrição legal ao direito de propriedade, ainda que supostamente por proteção ambiental, pode ser declarada inconstitucional:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL. PROIBIÇÃO DE PLANTIO DE EUCALIPTO PARA FINS DE PRODUÇÃO DE CELULOSE. DISCRIMINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AOS POSTULADOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. DIREITO DE PROPRIEDADE. TEMA DE DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. 1. Vedação de plantio de eucalipto no Estado do Espírito Santo, exclusivamente quando destinado à produção de celulose. Ausência de intenção de controle ambiental. Discriminação entre os produtores rurais apenas em face da destinação final do produto da cultura, sem qualquer razão de ordem lógica para tanto. Afronta ao princípio da isonomia. 2. Direito de propriedade. Garantia constitucional. Restrição sem justo motivo. Desvirtuamento dos reais objetivos da função legislativa. Caracterizada a violação ao postulado da proporcionalidade[51].

No caso acima, a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil ajuizaram Ação Declaratória de Inconstitucionalidade em face da Lei 6.780/2001, do Estado do Espirito Santo, que proibia o plantio de eucalipto para fins de celulose. O objetivo da restrição, segundo a lei, seria proteção ambiental. Ambas autoras da ação elencaram, dentre as causas de pedir, as teses de inconstitucionalidade por afronta ao princípio da isonomia e, desrespeito ao princípio da proporcionalidade. Em defesa, a Assembleia Legislativa daquele estado arguiu pela constitucionalidade da citada lei, porquanto elaborada para controle de impactos ambientais e, portanto, a discriminação legal estaria assentada na função social da propriedade. O entendimento unânime do pleno do Supremo Tribunal Federal, entretanto, assentou que a propriedade particular é direito fundamental e, como tal fica vedada qualquer limitação alheia aos princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade e, que a limitação legal imposta não se mostrava adequada, tampouco necessária ao fim ao qual se destinava, reconhecendo sua inconstitucionalidade[52].

Ressalta-se que, apesar de importantíssima e intimamente relacionada à saúde e à vida humana, a proteção ambiental nas atividades rurais cotidianas não se revela um projeto totalmente metafísico, mas em grande parte é passível de conhecimento empírico através de investigação e pesquisa científica. O Brasil é um país de dimensão continental, logo, ideal seria um estudo aprofundado de cada ecossistema aqui existente, através de um mapeamento agroecológico, de modo que a limitação ambiental numa propriedade se restringisse ao quantum necessário à sua preservação.

O Código Florestal em vigor aponta um avanço neste sentido, ao prever o Cadastro Ambiental Rural – CAR, que nada mais é senão um mapeamento agroecológico das propriedades rurais. O Estado de Rondônia é pioneiro, tendo elaborado um acervo técnico de zoneamento ambiental, georreferenciando todas as propriedades rurais ali situadas e, identificando a hidrologia, a climatologia, os solos, a geologia, a fauna e a cobertura vegetal de todo o Estado[53].

Não se vê igual avanço, entretanto, nas metragens de limitações para Área de Preservação Permanente, por exemplo. Não existe nenhum estudo científico que aponte a necessidade de quinhentos metros de mata intocada para preservar os recursos hídricos e a estabilidade geológica da borda de um curso d’água com largura de seiscentos e um metros. A exposição de motivos do Código Florestal nada dispõe sobre a necessidade dos limites ali previstos, como também não o fez a exposição de motivos do Código Florestal de 1965, tampouco as Leis 7.51/861 e 7.803/1989. Trata-se de mera liberalidade do legislador. O Projeto de Lei 1.876/99, da Câmara dos Deputados, que deu origem ao atual Código Florestal, estabelecia áreas consideradas de preservação permanente, mas, dispunha que os limites de tais áreas seriam estabelecidos pelo CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente e, respeitados estes limites, os Estados e Municípios poderiam estabelecer limitações diferentes para atender suas peculiaridades locais (Art. 2º, §§ 2º e 3º).

Note-se que tanto o CONAMA, como o SINIMA – Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente, onde fica registrado o Cadastro Ambiental Rural, são órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, logo, a previsão do referido projeto de lei estabelecendo a imposição de limites às áreas de preservação ao Ministério do Meio Ambiente – MMA seria mais coerente, haja vista que este terá informações detalhadas de todos os imóveis rurais do Brasil, podendo adequar a preservação ambiental a cada região do país, de modo a promover a melhor harmonia da preservação ambiental ao desenvolvimento econômico, que é o objetivo fundamental do Código Florestal (Art. 1-A).

Não se está aqui pregando que a riqueza produzida pela apropriação econômica da natureza seja individualizada, ao passo que as externalidades negativas desta produção sejam dissolvidas pela sociedade. É óbvio que aquele que se apropria economicamente da natureza e com isso gera externalidades negativas deve ser responsabilizado, entretanto, este ônus deve ser identificado, de modo que o proprietário rural tenha seu direito de propriedade resguardado.

Não é justo que todo o ônus da preservação ambiental recaia apenas sobre uma pequena parcela da população, pelo simples fato de serem proprietários rurais, e nem é este o papel da Lei. Se o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um interesse difuso e a todos aproveita, por que sua proteção e prevenção devem recair exclusivamente à custa do proprietário rural? Isto é uma imposição desarrazoada e, o princípio da proibição de excesso adimite o reconhecimento de inconstitucionalidade da norma que limite em excesso injustificado o direito de propriedade. O artigo 225, caput, da Constituição Federal expressamente impõe a todos o dever de preservar e proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, e não somente aos proprietários rurais.

O preceito consubstanciado no ART.225, PAR. 4, da Carta da República, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias a preservação ambiental. – A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5., XXII).[54]

As limitações ambientais, portanto, deveriam ser pautadas de conhecimento científico e, se restringirem ao necessário para a proteção do local considerado de relevante interesse ecológico. O restante – o plus – é perfeitamente possível de ser alcançado através da função promocional do direito, ou seja, incentivos fiscais, desapropriação mediante indenização e, compensação por serviços ambientais. Isto equilibraria o ônus da proteção ambiental entre o público e o privado, estabelecendo a paz social.

Não é demais lembrar que, além do problema da inconstitucionalidade, uma norma que não atenda à proibição de excesso, proporcionalidade ou isonomia será também ilegítima. Não ilegitimamente formal quanto a elaboração, mas quanto a sua justificação.  Norberto Bobbio lembra que o problema de uma norma não deve se restringir a sua efetividade, mas, analisar também sua legitimidade, e prega superação da distinção analítica sobre poder legítimo e ilegítimo através da análise axiológica, lembrando que Sócrates e Rousseau rejeitam a tese do direito imposto por ato de força[55]. Vale lembrar a célebre frase de Edmund Burke: As más leis são a pior espécie de tirania.

Sobre a legitimidade da norma imposta, basta lembrar que o rigorosíssimo Código Florestal passado, Lei 4.771/65, jamais teve aplicação satisfeita e, quando pressionada a aplicação pelo Ministério Público surgiu um clima de guerra entre o movimento ambientalista e proprietários rurais, o que obviamente não coaduna com a finalidade de justiça imposta pela Constituição Federal à República Federativa do Brasil. Referida Lei já nasceu morta e, foi promulgada como “perfumaria”, haja vista que ao mesmo tempo de sua promulgação o governo militar brasileiro instituía o programa integrar para não entregar¸ doando terras na Amazônia sob condição de desmatamento e produção.

O princípio da proibição de excesso, também conhecido como princípio da isonomia substancial, ou princípio da proporcionalidade, assinala reconhecidamente um princípio constitucional e, consequentemente, representa um meio de defesa de direitos fundamentais e essência de um Estado Democrático de Direito que se pauta numa Constituição sistemática.

Do mesmo modo que o direito é sistemático, e o direito ambiental em especial é tema transversal, seus princípios norteadores também o devem ser, de modo que a proibição do excesso fica estritamente vinculada à precaução e ao desenvolvimento sustentável.

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Sobre o autor
Marcelo Farina de Medeiros

Advogado e professor universitário. Especialista em direito público pela UNP e mestre em direito empresarial pela UNIMAR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Marcelo Farina. A proibição de excesso no direito ambiental:: em prol do desenvolvimento sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4020, 4 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30007. Acesso em: 26 abr. 2024.

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