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A revisão criminal e a soberania dos veredictos no tribunal do júri

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05/07/2014 às 15:45
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4 REVISÃO CRIMINAL: ASPECTOS GERAIS

Revisão é uma palavra proveniente do latim revisio e significa ato ou efeito de rever; novo exame, nova leitura (REVISÃO, 2013).

Para o processo penal o termo revisão criminal vai denotar “novo exame da causa já decidida”, por meio da qual “a justiça tem outra visão da sentença (ou acórdão) condenatória irrecorrível, com a oportunidade de eliminar erros registrados no julgamento.” (MÉDICI, 2000, p. 26).

Nas palavras de Heráclito Mossin (1997, p. 49, grifo do autor), “a revisio em sentido jurídico lato constitui-se no exame ou no estudo de alguma coisa para expurgar dela o que não estiver de acordo ou em harmonia com o direito ou a verdade”.

Para Lúcio Constantino (2004, p. 249), “[...] a ideia da revisão fica atrelada à materialização da preocupação em se demonstrar, a todo tempo, a injustiça da decisão havida”.

A busca por justiça e pela liberdade sempre inquietou o homem e esteve presente na história judiciária, isto é, a possibilidade de ser condenado injustamente já atemorizava o indivíduo desde os tempos mais remotos (ARANHA, 1988, p. 168).

Por isso, em tempos mais antigos, como no direito romano e no direito canônico, já podiam ser encontrados instrumentos semelhantes à revisão criminal, que objetivavam reparar os erros judiciários identificados.

Em Roma, por exemplo, havia, a princípio, a “indulgência do príncipe”, que significava “um favor do soberano, preocupado em reparar injustiças”. Essa indulgência, portanto, não era um direito do condenado (CASTELO BRANCO, 2003, p. 133).

A revisão só deixou “de ser um favor à mercê da vontade do soberano” por meio do “Code d’Instruction Criminelle”, quando, então, surgiu como um direito (ARANHA, 1988, p. 168).

O direito romano trouxe os instrumentos jurídicos mais antigos propiciadores da revisão de um julgamento: a “infitiatio e a revocatio in duplum, no campo civil, e a provocatio ad populum, no âmbito penal.” (MÉDICI, 2000, p. 48, grifo do autor).

De dizer-se que, “a instituição da provocatio ad populum” representava uma “verdadeira diminuição do poder coercitivo e punitivo do magistrado, ao propiciar novo julgamento, por uma assembleia popular.” (MÉDICI, 2000, p. 49).

Entretanto, como assegurou Sérgio Médici (2000, p. 49-50), o instrumento do direito romano que mais se aproximou “da moderna revisão criminal [...]” foi o instrumento da “[...] restitutio in integrum, por pressupor inexistência de recurso ou esgotamento da via recursal (coisa julgada)”.

Esse instrumento, afirmava o autor, “determinava nova manifestação do próprio tribunal (quaestio), com a substituição dos julgadores que tivessem concorrido, de qualquer modo, para a injustiça da decisão.” (MÉDICI, 2000, p. 57, grifo do autor).

No direito canônico a revisão criminal aparecia na “retractatio ou revisio [...]”, somente podendo ser proposta “de sentença [...] formalmente transitada em julgado, desde que esse julgado fosse extremamente injusto, oposto às leis e aos cânones.” (MOSSIN, 1997, p. 32).

Nesse direito havia uma espécie de “hierarquia do poder de julgar”, pois “a sentença nessas condições somente poderia ser revista por uma autoridade superior à que as tivesse proferido.” (MOSSIN, 1997, p. 32).

Vê-se, destarte, que, embora a revisão criminal tenha assumido contornos totalmente diferenciados na modernidade, a sua idealização é assaz longínqua. Nesse âmbito, importa ressaltar o advento da revisão criminal na história brasileira.

No Brasil, a revisão criminal surgiu através do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, sendo a competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CASTELO BRANCO, 2003, p. 134).

Nas lições de Heráclito Mossin (1997, p. 36), a revisão criminal “[...] teve seu surgimento histórico no período colonial, mantendo-se após sua independência, ainda com inspiração nas Ordenações, na Constituição do Império Brasileiro, cuja predominância se encontra inserta em nossa legislação atual”.

O autor observa, ainda, que, na época do Império, a revisão criminal possuía outra denominação. Ela estava incluída no chamado recurso de revista, o que só foi modificado na época da República, quando, então, passou a ter “a designação modernamente consagrada.” (MOSSIN, 1997, p. 36).

Foi nos primeiros anos do Império que as leis portuguesas, “em especial as Ordenações”, permaneceram em vigor no Brasil com a finalidade de “evitar a ocorrência de um vácuo legislativo até a completa organização do Estado brasileiro.” (MÉDICI, 2000, p. 111, grifo do autor).

Assim é que, nas Ordenações Afonsinas, “publicadas em 1446, em nome de D. Afonso V”, se verificava a existência de dois tipos de revistas: “revista de justiça e revista de graça especial”. A revista de justiça estava “fundamentada em prova falsa ou subornação do juiz”. Já a revista de graça especial era concedida “por mercê do rei”. Nessa legislação, “a revisão das sentenças que contivessem erros dependia do puro arbítrio do soberano [...]” (MÉDICI, 2000, 80-82).

Nas Ordenações Manuelinas, “organizadas no reinado de D. Manuel I”, a questão da revisão foi tratada de modo muito semelhante às Ordenações Afonsinas, inclusive pela adoção das revistas de justiça e de graça. A diferença estava, basicamente, no título 78 do Livro III, intitulado “‘Dos que pedem que lhe revejam os feitos.’” (MOSSIN, 1997, p. 39).

Algumas características acentuaram essa diferenciação, como, por exemplo, o fato de que as revistas de graça especial somente poderiam ser requeridas até dois meses, contados do dia da publicação da sentença e, também, o fato de que não se podia alegar matérias de prova fora dos autos (MÉDICI, 2000, 85).

As Ordenações Filipinas, por seu turno, seguiram os mesmos preceitos das Ordenações anteriores, fazendo apenas alguns acréscimos e modificações formais. Contudo, destaca-se o aparecimento de um terceiro tipo de revista: a revista de graça especialíssima. Essa revista era concedida quando a lei expressamente negava a revisão e os reis, por uma espécie de benevolência, permitia a sua utilização (MÉDICI, 2000, p. 85-89).

Com isso, o que se percebe é que as Ordenações, que representavam a principal fonte do direito português, influenciaram sobremaneira o legislador do Império.

Essa influência, contudo, cessou com o surgimento da República, “[...] quando novas bases foram dadas à estrutura judiciária do país, e a revista [...] se extinguiu no penal para dar surgimento à revisão criminal.” (MOSSIN, 1997, p. 46).

Isto posto, a Constituição de 1891 admitiu a revisão criminal em seu texto, “concedendo-lhe força de preceito constitucional”. De igual modo, a Constituição de 1934 preservou o instituto, diferentemente da Carta de 1937, que não fez nenhuma referência à revisão. A Constituição de 1946, por sua vez, “voltou a consagrá-la”, sendo, porém, a de 1969 omissa quanto à questão. Finalmente, “a Constituição de 1988 contemplou-a, embora sem inseri-la no capítulo dos direitos e garantias fundamentais.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 134).

A esse respeito, Frederico Marques (2003, p. 387-388) emite a seguinte opinião:

[...] Se o art. 144, da Constituição, declara que a especificação dos direitos e garantias nela expressos, ‘não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota’, evidente está que o direito do condenado à revisão criminal é um desses direitos e garantias decorrentes dos postulados democráticos da Constituição.

No mesmo sentido, Paulo Rangel (2008, p. 840, grifo do autor) sustenta que não se pode negar que a revisão criminal tenha sede constitucional, “pois, o art. 5º, LXXV, garante, expressamente, que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Não obstante, na visão de Mirabete (2006, p. 700), a revisão criminal não pode mais ser compreendida “entre os direitos e garantias individuais da Carta Magna vigente”, estando prevista apenas na lei processual, podendo ser, inclusive, abolida.

Data venia, o presente trabalho, com base em um processo penal garantista, discorda do posicionamento do referido autor, por considerar a revisão criminal como um direito subjetivo do condenado, um instrumento utilizado em seu benefício, para expurgar qualquer tipo de injustiça havida na sentença condenatória.

Assim, a revisão criminal é um instrumento utilizado para desconstituir a coisa julgada formada sobre uma decisão, com o fito de reparar injustiças ou erros judiciários e melhorar a situação do réu, isto é, seu fundamento “tem como base a possibilidade do erro judiciário e os efeitos da coisa julgada.” (ARANHA, 1988, p. 169).

O homem, de forma inquestionável, é um ser imperfeito e por isso, está fadado ao erro em suas tarefas. Não à toa, os indivíduos muito se utilizam de um provérbio latino para justificar as falhas cometidas: “errare humanum est”, ou seja, “errar é humano” (ERRARE..., 2013).

Essa “falibilidade humana, por mais bem aparelhado que seja o instrumental judiciário, pode contaminar a administração da justiça, fazendo-a falhar” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 134). Dessa forma, pode-se dizer que o erro judiciário é o erro cometido pelo magistrado em sua atividade processual e no julgamento (MOSSIN, 1997, 25).

Os tipos mais comuns de erros cometidos pelos juízes são os “errores in procedendo” e os “errores in iudicando.” (MOSSIN, 1997, p. 15, grifo do autor). O primeiro “revela um defeito da decisão, apto a invalidá-la.” (DIDIER JUNIOR, CUNHA, 2009, p. 73). Já o segundo, “[...] é uma má-apreciação da questão de direito ou da questão de fato, ou de ambas, pedindo-se, em consequência, a reforma da decisão.” (MOREIRA, 1998, p. 264-265, grifo do autor).

Esses erros podem produzir graves danos ao condenado e, por esse motivo, não podem passar despercebidos, “sendo inaceitável mesmo nas decisões transitadas em julgado.” (MÉDICI, 2000, p. 154). Dessa forma, se faz tão necessária a existência de um instrumento como a revisão criminal.

Além do erro judiciário, a coisa julgada, que foi alvo do primeiro capítulo deste trabalho, também é pressuposto da revisão criminal. Esse instituto revela-se como a imutabilidade da sentença, ou seja, quando uma decisão já não é mais passível de ser discutida, quando não cabe mais recurso.

Essa imutabilidade tem proteção constitucional (art. 5º, XXXVI da CF/88) e tem como fundamento a segurança jurídica e a justiça, pois “[...] não só serve para estabilizar a normatividade jurídica [...]”, como também “[...] para evitar a incerteza do julgado”. Se assim não fosse, “seria altamente inconveniente não só à sociedade bem como ao próprio Estado, eis que sua soberania seria totalmente ineficaz para gerar a paz social.” (MOSSIN, 1997, p. 51).

Dentro de sua ótica, Paulo Rangel (2012a, p. 266, grifo do autor) assim define:

O caso julgado é, em si, a garantia que a sociedade tem de que os litígios não se eternizam e, uma vez instaurado o processo, se alcançará a possível segurança do direito com a paz e a tranquilidade social que todos almejam e, principalmente, a justiça da decisão.

Ocorre que, essa imutabilidade não pode ser absoluta, porquanto “no campo penal, [...] sempre está em jogo um direito insopitável: a liberdade individual”. E, nos casos em que houver erro judiciário, “[...] a autoridade do julgado necessita dobrar-se à tutela da inocência do réu.” (MOSSIN, 1997, p. 57).

Isto quer dizer que, havendo “um erro grave na sentença a ponto de se colocar em choque o valor justiça sobre o valor certeza a sociedade precisará de um instrumento à mão para atacar o caso julgado: é a revisão criminal.” (RANGEL, 2012a, p. 267, grifo do autor).

A revisão criminal possui duas espécies: a revisão pro reo e a revisão pro societate.

A revisão pro reo é aquela que ocorre apenas nas sentenças condenatórias, não podendo, de forma alguma, “ser utilizada para rever absolvição decorrente de sentença irrecorrível”, pois “o erro na condenação de uma pessoa provoca repercussão negativa, na coletividade, muito superior à causada pela absolvição fundada em equívoco do julgador.” (MÉDICI, 2000, p. 229-230).

Já a revisão pro societate se justifica no fato de que tanto a sentença condenatória quanto a absolutória deveriam admitir a revisão da decisão passada em julgado. O principal argumento é que “a verdade real deve prevalecer sobre os interesses da pessoa que foi absolvida por erro judiciário.” (MÉDICI, 2000, p. 233).

Defensores dessa espécie de revisão, como João Barbalho Uchôa Cavalcanti (1924 apud MOSSIN, 1997, p. 77), alegam que:

[...] Justiça é, sim, mandar em paz o inocente perseguido, mas também é castigar o culpado reconhecido como tal. E se este em dados casos, previstos em lei, poderá ser isento de pena, não o deve, entretanto, ficar, se iludiu a justiça ou se ela enganou-se ao absolvê-lo. A punição dos criminosos é condição de segurança geral e a autoridade pública trai a sua missão e compromete os mais altos interesses e deveres da sociedade, quando em contemplações com o crime. Num caso, proclamando inocente o injustamente condenado, a sociedade o reabilita e paga-lhe uma dívida; no outro, fazendo recair a pena legal sobre o criminoso considerado falsamente inocente, a sociedade desafronta a justiça, defende outros inocentes, os demais membros da comunhão, que nela descansam, na confiança de serem protegidos contra os criminosos.

Alguns países como Noruega, Portugal e Suíça admitem a revisão criminal pro societate em sua legislação processual penal por considerarem que o fundamento da revisão se encontra na necessidade de corrigir o erro judiciário da sentença que transitou em julgado, seja ela condenatória ou absolutória (MOSSIN, 1997, p. 75).

No Brasil, entretanto, a opção legal foi pela revisão criminal pro reo, em detrimento da revisão criminal pro societate, ou seja, admite-se a revisão apenas das sentenças condenatórias transitadas em julgado (RANGEL, 2012a, p. 267).

Uma sentença é condenatória quando concretiza a sanção abstrata da lei, “impondo ao réu a pena legalmente cominada para o crime que praticou.” (MIRABETE, 2006, p. 471).

Sucede que, embora o legislador brasileiro tenha optado pela revisão criminal pro reo, havendo sentença absolutória imprópria a revisão criminal pode ser admitida.

Note-se, porém, que, de acordo com o modelo adotado pela legislação processual penal brasileira, não se admite a revisão criminal de sentença absolutória própria e, por isso, faz-se mister esclarecer a diferença entre elas.

A sentença absolutória possui um caráter declaratório-negativo, pois julga improcedente a acusação. Dessa forma, inexistindo o jus puniendi do Estado, impõe-se a absolvição do réu (MIRABETE, 2006, p. 468, 470).

A absolvição vai ocorrer nas hipóteses do art. 386, caput, do CPP[29] e o juiz poderá mandar pôr o réu em liberdade, ordenar a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas ou aplicar medida de segurança, quando cabível.

A sentença absolutória imprópria, por sua vez, vai ocorrer por ausência de imputabilidade[30]. Ela estabelece para o réu uma medida de segurança, ou seja, “não há imposição de pena no sentido estrito do termo, mas há o cerceamento da liberdade de locomoção do indivíduo que é internado em hospital penitenciário até que se restabeleça [...] da doença mental.” (RANGEL, 2012a, p. 280).

Para Sérgio Médici (2000, p. 234, grifo do autor):

A revisão da sentença absolutória firme propicia [...] um verdadeiro abuso da acusação, violando-se, ainda que indiretamente, a garantia do non bis in idem, ou do perigo de dupla acusação [...] consagrada nas principais declarações internacionais relativas aos direitos humanos[31].

Sendo assim, em relação às sentenças absolutórias, admite-se a revisão criminal apenas das sentenças absolutórias impróprias, visto que, negar a revisão em tais casos seria negar a existência de um Estado Democrático de Direito (RANGEL, 2012a, p. 281).

No Código de Processo Penal atual, Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, as hipóteses de cabimento da revisão criminal estão elencadas no art. 621 em um rol taxativo, que possui “maior rigor científico” que a “antiga legislação processual.” (MARQUES, 2003, p. 407).

A primeira hipótese diz respeito à sentença condenatória contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.

Em linhas gerais, Mossin (1997, p. 83-86) vai afirmar que a contradição da sentença condenatória ocorrerá quando houver afronta ao valor da lei, não sendo admitida a revisão para simples unificação da jurisprudência. Além do que, essa contradição deve abranger a evidência dos autos.

O autor vai dizer, ainda, que “[...] para que a sentença condenatória seja contrária à evidência dos autos, inconcusso se torna que esteja ela amplamente divorciada das quaestiones facti emergentes do processo [...]” (MOSSIN, 1997, p. 87, grifo do autor).

A segunda hipótese se refere à sentença condenatória fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos. Aqui não basta que se alegue a falsidade, devendo ocorrer prova da alegação. Essa prova precisa ser apresentada com a inicial, “não se permitindo a reabertura do processo para a produção de novas provas.” (MIRABETE, 2006, p. 706).

Além disso, a falsidade deve ter influenciado na conclusão da sentença, ou melhor, “[...] é necessário que a prova falsa tenha sido a razão de decidir [...], inexistindo nos autos outros elementos de convicção lastreadores do decreto condenatório.” (MIRABETE, 2006, p. 706).

Afinal, a terceira hipótese consiste em admitir a revisão após a sentença, ao se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Nesse caso, a expressão “novas provas” trazida pela proposição legal abarca tanto as provas supervenientes quanto aquelas que já existiam, mas que não haviam sido elucubradas.

Em relação às provas preexistentes, mas não cogitadas, não há uma obrigação de se produzir prova nova, bastando “ao revisionando apontar essa prova”, para que haja possibilidade de revisão criminal (MOSSIN, 1997, p. 92). Quanto às provas ulteriores, “o condenado poderá apresentar elementos instrutórios supervenientes para fazer prova de fatos que convençam de sua inocência.” (MARQUES, 2003, p. 413).

A produção da nova prova será feita mediante justificação criminal, dada a impossibilidade de se produzir provas durante a ação revisional, ou seja, não se afigura possível a dilação probatória (MIRABETE, 2006, p. 707). Além disso, há “necessidade da obediência ao princípio do contraditório”. Portanto, “uma vez ajuizada a justificação, cumpre ao magistrado dar ao Ministério Público conhecimento do pedido, bem como intimá-lo para a audiência [...]” (MOSSIN, 1997, p. 93-94).

O Tribunal de Justiça do Pará, no julgamento de uma Revisão Criminal, optou pela impossibilidade da dilação probatória e, consequentemente, pela necessidade da justificação criminal:

REVISÃO CRIMINAL. ERRO JUDICIÁRIO. INOCÊNCIA DO REQUERENTE. AUSÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA EM SEDE DE REVISIONAL. NÃO CONHECIMENTO. Há entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que em sede de revisão criminal, por ser incabível dilação probatória, impõe-se a necessidade de prévia justificação judicial, diante da necessidade de produção de provas do alegado. In casu, não foi realizada a justificação prévia, por conseguinte, o pedido não pode ser conhecido, já que esta Corte não tem competência para realizar a instrução criminal necessária. Pedido revisional não conhecido, à unanimidade. (PARÁ, 2007, grifo nosso).

Saliente-se que, se o pedido revisional estiver fundado em novas provas poderá ser reiterado, conforme disposição do § único do artigo 622 do CPP, isto é, não havendo novas provas, é impossível repetir o pedido.

Esse impedimento “[...] decorre do respeito devido à coisa julgada, formal e material, que envolve a sentença proferida na revisão criminal.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 142, grifo do autor).

Como afirma Heráclito Mossin (1997, p. 135), “[...] somente será admissível a reprodução do pedido consubstanciado em idêntico suporte legal, quando estiver ele instruído com novas provas”.

“É que o requerimento de revisão que contenha as mesmas partes, pedido e causa de pedir de decisão anterior, resta prejudicado, pois não traz novidade capaz de persuadir o juízo a uma diversa decisão.” (CONSTANTINO, 2004, p. 259).

A revisão criminal também pode ser admitida, após a sentença, pela descoberta de circunstâncias que importem em diminuição da pena do condenado. Entretanto,

[...] só podem ser consideradas para efeito do pedido revidendo, as circunstâncias legais comuns ou genéricas atenuantes e as causas de diminuição da pena previstas na Parte Geral do Código Penal e as circunstâncias legais especiais ou específicas compostas pelas causas de diminuição da pena elencadas na Parte Especial do Estatuto Processual substantivo. (MOSSIN, 1997, p. 95).

Sobre a taxatividade do art. 621 do CPP, Lúcio Constantino (2004, p. 262) considera que “não é possível limitar a possibilidade jurídica da causa de pedir”, já que, ocorrendo nulidade absoluta do feito, por exemplo, o caso só poderia ser julgado por meio da revisão criminal, mesmo não havendo previsão legal para tanto. Dessa maneira, a taxatividade do cabimento da revisão criminal restaria mitigada.

Nesse ponto, fazem-se necessárias algumas ponderações.

O legislador, certamente, agiu de modo correto ao delimitar a esfera de incidência da revisão criminal, fixando as suas hipóteses de cabimento, pois, se assim não o fosse, a “liberalidade processual culminaria em ensejar a incerteza absoluta dos julgados, o que, efetivamente, não seria aconselhável em vista dos próprios fins da jurisdição penal.” (MOSSIN, 1997, p. 81).

Porém, no caso específico da nulidade, considerando que a revisão criminal foi criada em favor do réu, o presente trabalho considera que mesmo não estando presente entre as hipóteses do art. 621 do CPP, a nulidade absoluta[32] poderia ser admitida como um fundamento do pedido da revisão criminal, até porque, o art. 626 do CPP possibilita ao Tribunal anular o processo nos casos em que o pedido revisional for julgado procedente.

Cumpre ressaltar, ainda, que a revisão criminal não está subordinada a prazo, podendo ser requerida a qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após, conforme dispõe o art. 622 do CPP.

Dessa maneira, “só será intempestivo ou extemporâneo o pedido de revisão, quando não estiver findo o processo-crime” (CONSTANTINO, 2004, p. 250), pois “a expressão ‘qualquer tempo’ usada pelo legislador processual penal pressupõe, como é evidente, a existência de processo findo [...]” (MOSSIN, 1997, p. 126).

Atente-se para o fato de que o legislador fala no art. 622 do CPP da extinção da pena e não da extinção da punibilidade. A punibilidade ocorre quando há possibilidade de se aplicar uma sanção, quando há pretensão punitiva do Estado. Desse modo, para os casos de extinção da punibilidade é importante saber quando ela foi decretada, pois só será admitida a revisão se a punibilidade tiver sido extinta após a prolação da sentença condenatória (CONSTANTINO, 2004, p. 264).

Ou seja, se houver extinção da punibilidade “no curso do feito cognitivo, não caberá revisão face à ausência de condenação”. Se o Estado perde o seu poder de punir, o prosseguimento do processo fica prejudicado, sendo impossível se insurgir via revisão criminal (CONSTANTINO, 2004, p. 264). O mesmo, porém, não ocorre quanto à extinção da pena, já que a revisão pode ser requerida antes ou depois da sua extinção.

Para Heráclito Mossin (1997, p. 129), entretanto, quando o legislador tratou de “‘extinção da pena'”, quis dar à expressão uma interpretação ampla, objetivando abranger tanto “as causas extintivas da pena, como também da punibilidade [...]”.

A revisão criminal suscita, ainda, divergências em relação à sua natureza jurídica, o que torna a questão muito discutida.

No dizer de Mirabete (2006, p. 701, grifo do autor):

Uns a entendem como uma função sui generis, mais de ação rescisória do que recurso [...] Outros a consideram como remédio jurídico processual e não recurso ou revista. Há os que a entendem como recurso excepcional, por só caber de sentenças transitadas em julgado pois pretendem que todo recurso é ação, ou recurso misto.

Para alguns doutrinadores, então, a revisão criminal tem natureza de recurso, primeiro porque no Código de Processo Penal ela está posta no Livro III, Capítulo VII, do Título II, nominado “dos recursos em geral”. Depois, por causa do procedimento, onde não se estabeleceria uma nova relação jurídico-processual (ARANHA, 1988, p. 170).

Assim entende Borges da Rosa (2000, p. 1112) ao afirmar que, “a revisão é recurso por meio do qual se pede novo exame do caso julgado ou processo findo, no intuito de se conseguir a sua reforma total ou parcial”.

No entanto, diversos doutrinadores discordam desta natureza jurídica e afirmam tratar-se de verdadeira ação penal, pois consideram que somente é possível interpor recurso quando não tenha havido coisa julgada; além do que, por meio da revisão criminal se instaura nova relação jurídica e, consequentemente, um novo procedimento. Também, o fato da revisão criminal não estar sujeita à tempestividade, como o recurso está (MOSSIN, 1997, p. 62-65).

Como assentado por Frederico Marques (2003, p. 391), “a revisão criminal é ação penal constitutiva[33], de natureza complementar, destinada a rescindir sentença condenatória em processo findo”.

No mesmo pensar, Lúcio Constantino (2004, p. 262) assegura que:

[...] A revisão criminal é uma ação criminal autônoma e que tem como único objetivo atacar uma decisão condenatória transitada em julgado. Assim, é de se considerar a revisão como uma ação de eficácia desconstitutiva ou constitutiva negativa, destinada a rescindir sentença condenatória. Se houver pedido e deferimento de indenização, a revisão portará, ainda, a eficácia condenatória.

Já no entendimento de Sérgio Médici (2000, p. 151, grifo do autor), a revisão não seria recurso, nem ação. Seria, na verdade, um “meio de impugnação do julgado”, pois a coisa julgada impediria a interposição de recurso e, “ao requerer a revista da sentença, o condenado não está propriamente agindo, mas reagindo contra o julgamento, com o argumento da configuração de erro judiciário”.

Ao depois aduz:

Mas um exame profundo permite concluir que não se trata de recurso, de ação ou de uma combinação entre ambos, conquanto apresente algumas características de ação e de recurso. Se não existe possibilidade de interpor recurso após o trânsito em julgado da sentença, é evidente que a revisão dele se afasta, eis que por meio dela o condenado objetiva exatamente a revista do julgado irrecorrível. Por outro lado, não pode ser considerada ação em razão da inexistência de partes [...] Preferimos, então, afastar a revisão das características específicas dos recursos e das ações. Trata-se de meio de impugnação das sentenças condenatórias definitivas irrecorríveis, que propicia o reexame de uma causa penal já julgada, como garantia do condenado em face de demonstração de erro ou ilegalidade no julgado. (MÉDICI, 2000, p. 274-275).

Todavia, a despeito das diversas posições, a tendência maior no direito pátrio, acolhida também no presente trabalho, é considerar a revisão criminal como ação penal, por estabelecer uma nova relação jurídica.

Logo, admitindo-se a revisão criminal como ação penal, “há de se aplicar relativamente a ela toda a doutrina, princípios e conceitos atinentes à teoria geral da ação” (MOSSIN, 1997, p. 68).

Ação, do latim actio, significa, comumente, ato ou efeito de agir (AÇÃO, 2013). Juridicamente, no entanto, pode possuir sentidos variados, como o “direito material em movimento”, “direito autônomo em relação ao direito material” ou “exercício daquele direito abstrato de agir.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 193-194).

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Mas, apesar das diversas teorias, para a análise do instituto da revisão criminal, a acepção adotada será a de ação como direito autônomo em relação ao direito material, entendendo que a revisão criminal “seria o direito de provocar a jurisdição”, ou melhor, seria a “‘pretensão à tutela jurídica’, que se exerce contra o Estado para que ele preste justiça.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 193-194).

Em tal caso, “como todas as demais ações, a revisão criminal tem as seguintes condições de exercício: legitimação à causa, interesse de agir, possibilidade jurídica.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 135, grifo do autor).

Essa possibilidade deve ser “observada com relação ao pedido ou à causa de pedir.” (CONSTANTINO, 2004, p. 250). A possibilidade jurídica do pedido consiste em ser “o pedido do autor da ação penal rescisória [...] admitido pelo Direito Processual Penal.” (MOSSIN, 1997, p. 71). Já a possibilidade jurídica da causa de pedir está atrelada “aos incisos dispostos no artigo 621 do CPP e que estabelecem as hipóteses cabíveis.” (CONSTANTINO, 2004, p. 250).

Para Frederico Marques (2003, p. 395), “a possibilidade jurídica do pedido confunde-se com as condições fundamentais da revisão: a) existência de sentença penal condenatória; b) estar findo o processo em que foi proferida a condenação”.

No entanto, Paulo Rangel (2008, p. 843) adverte: “em verdade, a sentença condenatória não é a possibilidade jurídica do pedido, mas sim pressuposto para que se possa admitir a revisão criminal, bem como que esta sentença tenha passado em julgado [...]”.

Outra condição de procedibilidade da revisão criminal é o interesse de agir. “Somente haverá interesse de agir quando a pretensão rescindenda formulada pelo autor justifique a tutela estatal.” (MOSSIN, 1997, p. 73).

Essa condição, por vezes, é confundida com os fundamentos do pedido previstos no art. 621 do CPP. Segundo Marques (2003, p. 396), “[...] desde que a razão do pedido revisional seja outra, esse pedido será manifestamente inepto”.

Sucede que, o interesse processual se traduz, “em última análise, em um pedido idôneo a provocar a tutela jurisdicional do Estado” (MOSSIN, 1997, p. 73), ou seja, esse interesse “é a necessidade que o legitimado tem de procurar o Estado para reparar o erro judiciário” (RANGEL, 2008, p. 845), portanto, não deve ser confundido com as hipóteses do art. 621 do CPP.

A última condição de procedibilidade da ação de revisão criminal é a legitimidade ad causam, isto é, “a pertinência subjetiva da lide formada entre o erro judiciário e o direito de liberdade individual ou status dignitatis do acusado.” (MOSSIN, 1997, p. 72, grifo do autor).

Os legitimados a pedirem a revisão criminal estão previstos no art. 623 do CPP: “a revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão” (BRASIL, 1941). Vê-se, portanto, que o artigo apresenta um rol taxativo de legitimados ativos.

Nesse contexto, surgem algumas questões que merecem ser analisadas:

O art. 133 da Constituição Federal dispõe que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (BRASIL, 1988).

O art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), por sua vez, considera a postulação a órgão do Poder Judiciário e juizados especiais atividade privativa da advocacia.

Dessa forma, como o pedido revisional poderia ser requerido pelo próprio réu, se este não goza de capacidade postulatória?

Para Tales Castelo Branco (2003, p. 137, grifo do autor), deve-se considerar revogado o art. 623 do CPP e “exigir a intervenção do advogado para ajuizar a revisão criminal [...]”, pois assim se estaria preservando, “de forma efetiva e não apenas quimérica, os princípios constitucionais da defesa da liberdade (artigo 5º, caput) e do amplo acesso à justiça (artigo 5º, XXXV)”.

No dizer de Lúcio Constantino (2004, p. 263), “[...] a revisão criminal deverá conter pedido com lavra de quem tenha capacidade de postulação”. Por isso, o condenado, “[...] observando a ausência de capacidade postulatória, deverá abrir vista do petitório a um defensor dativo ou público para a ratificação dos termos da vestibular. Somente após, uma vez confirmado o pedido, haverá de ser processado”.

Julio Mirabete (2006, p. 701), porém, afirma que “a permissão do réu para pedir revisão não foi afetada pelo artigo 133 da Constituição Federal”, nem tampouco foi revogada pelo art. 1º, I, da Lei nº 8.906/94.

Para o autor, no pedido revisional feito pelo condenado, o que existe é um “[...] mero pedido de reexame da decisão [...]”. Além do que, o pedido está “[...] inserido na garantia do direito de petição (art. 5º, XXXIV, a, da Constituição Federal).” (MIRABETE, 2006, p. 702).

Heráclito Mossin (1997, p. 120), no mesmo sentido, anota que:

Inobstante, em regra, o pressuposto processual da capacidade postulatória seja atributo do advogado, é inconcusso que esta excepcionalidade abrangida pela norma processual penal não se vê anulada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, porquanto esse Diploma não fez referência expressa à revisão criminal no sentido de vê-la exercida exclusivamente pelo advogado.

O Superior Tribunal Federal, no julgamento da Revisão Criminal de nº 5377-SP, entendeu que assiste capacidade postulatória ao próprio condenado para propor a ação revisional:

Cuida-se de ação de revisão criminal em que se veicula pedido de reexame de decisão que não emanou, nem foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (fls. 11). Reconheço, preliminarmente, que assiste capacidade postulatória, ao próprio condenado, para ajuizar, pessoalmente, sem necessidade da intervenção de Advogado, a ação de revisão criminal. É que o art. 623 do CPP, como já decidido por esta Suprema Corte, foi recebido pela vigente Constituição republicana, inexistindo, entre esse preceito legal e a regra inscrita no art. 133 da Lei Fundamental, qualquer situação de conflito hierárquico-normativo (RTJ 146/49-50, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO - RTJ 155/202, Rel. Min. MARÇO AURÉLIO - RTJ 159/937, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI - HC 73.827/SP, Rel. Min. MARÇO AURÉLIO, v.g.): "[...] O art. 623 do CPP foi recepcionado na ordem constitucional resultante da Carta Política de 05.10.1988, tal como sucede com o art. 654 do mesmo diploma legal, de referência ao habeas corpus, não obstante a norma do art. 133 da referida Lei Maior." (RT 742/520, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei) De outro lado, a jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal também reconhece que, não obstante a superveniência do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), tal diploma legislativo não alterou o art. 623 do CPP, que, em consequência, subsiste íntegro, de tal modo que continua a inexistir, em nosso sistema de direito positivo, qualquer obstáculo de ordem jurídico-formal que impeça o condenado de promover, ele próprio, independentemente de assistência técnica prestada por Advogado, a pertinente ação de revisão criminal (HC 72.981/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RHC 80.763/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES): "O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já proclamou que a Lei nº 8.906/94 não alterou o art. 623 do Código de Processo Penal, que permite que o próprio sentenciado requeira a revisão criminal." (Lex/JSTF 224/367, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei). "Continua em vigor o art. 623 do CPP, que possibilita ao próprio réu o ajuizamento de pedido de revisão criminal, regra que não foi alterada pelo art. 1º, I, da Lei 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Advocacia)." (RT 755/559, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei) Cumpre insistir, de outro lado, por necessário, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar as ações de revisão criminal restringe-se, unicamente, por efeito do que dispõe a Constituição da República (art. 102, I, j), aos pedidos que visem a desconstituir os julgados emanados desta própria Corte Suprema (RT 564/399 - RvC 5.352/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).O exame da presente causa, no entanto, evidencia que a decisão ora questionada não emanou, nem foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (fls. 11), quer no julgamento de ação penal originária ou de recurso criminal ordinário (RISTF, art. 263, caput), quer, ainda, no julgamento de recurso extraordinário (RISTF, art. 263, parágrafo único), razão pela qual falece, a esta Corte, competência originária para processar e julgar a presente ação de revisão criminal. Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, não conheço da presente ação de revisão criminal. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 19 de novembro de 2003. Ministro CELSO DE MELLO Relator. (BRASIL, 2003, grifo nosso).

Portanto, nota-se que nem a Constituição Federal nem a Lei nº 8.906/94 afetaram a possibilidade de o próprio réu ajuizar o pedido revisional, ainda que ele, em regra, não detenha capacidade postulatória.

Em relação ao procurador legalmente habilitado, Heráclito Mossin (1997, p. 121) vai dizer que a habilitação a que se refere o art. 623 do CPP “se circunscreve à outorga de procuração pelo revisionando a qualquer pessoa capaz, [...] independentemente de esta conter poderes especiais, posto serem estes indispensáveis”.

Entretanto, Mirabete (2006, p. 702), na sua ótica, sustenta que o procurador legalmente habilitado se refere ao advogado que “está devidamente inscrito no quadro da OAB” e que, nesse caso, o condenado não precisaria conceder poderes especiais ao advogado. Mas, defende, também, que haveria possibilidade do pedido revisional ser feito por procurador não habilitado a quem fosse outorgado poderes especiais, já que o próprio réu é legitimado ao ajuizamento da ação de revisão criminal.

O procurador, então, só poderia ser alguém “nomeado ou constituído pelo condenado”, o que impediria o defensor[34] dativo a propor a ação de revisão criminal. Porém, tal não seria um obstáculo, nos casos em que o réu fosse pobre, à nomeação de um causídico[35] para ajuizar o pedido revisional. Nessa situação, a procuração do defensor seria dispensável (MIRABETE, 2006, p. 702).

Ainda, “se o réu for doente mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os do condenado, caberá o pedido de revisão a curador nomeado por autoridade judiciária [...]” (MARQUES, 2003, p. 398), por analogia com o art. 53 do Código de Processo Penal[36].

E quanto ao Ministério Público? Estaria ele legitimado a propor ação de revisão criminal em favor do condenado?

As posições doutrinárias são divergentes.

Alguns doutrinadores afirmam, em virtude da previsão legal, não ser o Ministério Público legitimado a propor a revisão criminal. Como caracteriza Mirabete (2006, p. 703), “o Ministério Público, por falta de previsão legal, não pode pedir a revisão em favor do condenado. O novo Regimento Interno do STF não prevê mais a possibilidade de o Procurador-Geral da República pedir revisão [...]”.

De igual modo, na visão de Tales Castelo Branco (2003, p. 135-136), “o Ministério Público não está legitimado à ação de revisão em benefício do condenado, por inexistência de previsão legal [...]”.

Alega-se, ademais, que o Ministério Público, na condição de representante do Estado-Administração, é o sujeito passivo do pedido de revisão, o que acaba colocando-o no pólo oposto ao do condenado (MARQUES, 2003, p. 396).

Adalberto Aranha (1988, p. 176) vai dizer, ainda, que a lei anterior que permitia que o Ministério Público pedisse a revisão criminal era “marcada por excessiva e indevida liberalidade”.

Com o devido respeito, o presente trabalho diverge de tais posicionamentos e entende ser possível a legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação de revisão criminal, pois, o fato da lei processual penal não ter colocado o Ministério Público no rol dos legitimados, bem como as demais alegações, não constitui óbice à sua legitimidade ad causam.

Como acertadamente afirmou Paulo Rangel (2008, p. 844, grifo do autor):

[...] Há que se interpretar a lei ordinária de acordo com a Constituição e não a Constituição de acordo com a lei ordinária, o que significa dizer: a lei (art. 623 CPP) realmente não legitima o Ministério Público a propor a revisão criminal, porém, a Constituição, em seu art. 127, caput, incumbe o Ministério Público de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, e, óbvio que, se incumbe, deve dar a ele todos os meios legais para, via jurisdicional, cumprir sua incumbência.

Ou seja, “[...] a legitimidade não é em favor do condenado, mas, sim, a favor da reintegração do ordenamento jurídico agredido com o erro judiciário.” (RANGEL, 2008, p. 844).

Além do que, se o Ministério Público pode interpor recurso em favor do acusado, como o habeas corpus, por exemplo, porque estaria impedido de propor revisão criminal em sua defesa? Não há lógica.

Alguns autores, contudo, no anseio de justificar essa incoerência, afirmam que “embora tenha ampla legitimidade para recorrer, a revisão criminal não é um recurso, e, sendo uma ação exclusiva da defesa, o Ministério Público não pode utilizá-la.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 135-136, grifo do autor).

Acontece que, essa proibição não é razoável, pois o que se pretende, afinal, é restabelecer a ordem jurídica que foi violada. Sendo assim, proibir o Ministério Público de propor revisão criminal em defesa do acusado é ir de encontro ao verdadeiro Estado Democrático de Direito, cujos alicerces são formados pelos princípios constitucionais (RANGEL, 2008, p. 844).

Nessa esteira, Lúcio Constantino (2004, p. 258, grifo do autor) contribui com seus ensinamentos asseverando que, “[...] o Ministério Público pode ingressar com revisão, nos moldes da principiologia que o permite interpor habeas corpus, pedir absolvição do acusado etc.”.

Todavia, enquanto as legislações processuais penais mais evoluídas, como o Direito Processual Penal francês, o Código De Processo Penal italiano e o Código de Procedimento penal Russo legitimam o Ministério Público a promover a revisão criminal, o Brasil segue retroagindo (MOSSIN, 1997, p. 125).

Isso, pois, no caso da legislação brasileira, o Ministério Público nem sempre foi considerado parte ilegítima a propor a revisão criminal. Nas Constituições de 1891 e 1934, por exemplo, o Parquet estava arrolado como sujeito de direito para propor a revisão criminal. Entretanto, essa titularidade foi retirada com a justificativa “de se evitar prejuízo à liberdade do cidadão, máxime quando economicamente pobre e de reduzida instrução.” (CERONI, 2005, 114).

Na verdade, o Ministério Público só não agregou o rol dos legitimados, porque o Código de Processo Penal que está em vigor ainda é o de 1941, “quando a posição do Ministério Público era totalmente diversa, não tendo assumido, ainda, o status de defensor da sociedade bem delineado pela Constituição de 1988”. Dessa forma, “não é de se estranhar [...] que o legislador do processo penal não apontasse o parquet como um dos legitimados para propor a revisão criminal.” (PINTO, 2006).

Ademais, hodiernamente, tem-se entendido que o termo “cônjuge”, por conta da nova concepção de família trazida pela Constituição de 1988, deve ser interpretado de forma ampla, a fim de reconhecer o companheiro ou companheira como legitimados ativos, ainda que não estejam previstos (CASTELO BRANCO, 2003, p. 135).

Assim, não faz sentido utilizar a Constituição como suporte para ampliar a interpretação de um termo e abarcar o companheiro(a) que, expressamente, não foram elencados, e deixar de fazer o mesmo em relação ao Ministério Público, já que a mesma Constituição o coloca como instituição essencial à função jurisdicional, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Portanto, a interpretação deve ser ampla tanto para abarcar o companheiro (a), como para abranger o Ministério Público.

Todavia, a jurisprudência, a respeito da legitimidade do Ministério Público, ainda não está pacificada, como é possível observar dos julgados abaixo:

REVISÃO CRIMINAL - LEGITIMIDADE. O Estado-acusador, ou seja, o Ministério Público, não tem legitimidade para formalizar a revisão criminal, pouco importando haver emprestado ao pedido o rótulo de habeas corpus, presente o fato de a sentença já ter transitado em julgado há mais de quatro anos da impetração e a circunstância de haver-se arguido a competência da Justiça Federal, e não da Justiça Estadual, sendo requerente o Procurador da República. (BRASIL, 2001, grifo nosso).

REVISÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O PLEITO REVISIONAL. POSSIBILIDADE. ART. 127 CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE FISCAL DA LEI E DEFENSOR DOS INTERESSES DA COLETIVIDADE. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. INSANIDADE MENTAL. ACOLHIMENTO. LAUDO PERICIAL ATESTA INIMPUTABILIDADE DO RÉU NA ÉPOCA DOS FATOS. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA. REVISÃO CRIMINAL CONHECIDA E PROVIDA. Mesmo não existindo expressa previsão no Código do Processo Penal, é possível o pedido de Revisão Criminal pelo representante do Ministério Público no exercício de sua função constitucional de fiscal da lei e defensor dos interesses. (PARANÁ, 2009b, grifo nosso).

O presente trabalho, no entanto, entende ser possível ampliar o rol dos legitimados para alcançar o Ministério Público; o companheiro(a); o curador, bem como o procurador não habilitado, investido de poderes especiais pelo condenado.

Quanto a essa questão, de grande valia é a lição de Heráclito Mossin (1997, p. 125):

Indubitavelmente, se a instituição sob consideração tem o dever constitucional de defender interesses individuais indisponíveis, nada mais evidente que se lhe dê a legitimação ativa para postular contra o Estado, quando deparado for no decisum sobre o meritum causae, sob o manto da res iudicata formal, o error in iudicando ou in procedendo.

No que se refere ao procedimento da revisão criminal, o Código de Processo Penal vai disciplinar a matéria no art. 625 e parágrafos.

O requerimento, que será distribuído ao relator e ao revisor, deve ser instruído com a certidão de trânsito em julgado da sentença condenatória e com os documentos que se façam necessários à comprovação dos fatos alegados, podendo, o relator, mediante solicitação do requerente, determinar que os autos originais sejam apensados. Isso, porém, só será feito se não dificultar a execução normal da sentença.

Nessa esteira, saliente-se o fato de que o relator ou revisor será um desembargador que, em qualquer fase do processo, não tenha proferido decisão.

Além disso, no caso do pedido ter sido instruído de forma insuficiente ou se não for conveniente à justiça que se apensem os autos originais, o relator poderá indeferir o pedido liminarmente, sendo essa decisão passível de recurso. Esse recurso será de ofício "para as câmaras reunidas ou para o tribunal (plenário) [...]" (CERONI, 2005, p. 151).

Uma vez interposto o recurso, por petição e independentemente de termo, o relator irá apresentar o processo em mesa para ser julgado, relatando-o sem tomar parte sobre a questão.

Sobre a denominação desse recurso, alguns doutrinadores o chamam de agravo, outros de agravinho ou agravo regimental[37] e há aqueles que o denominam de recurso inominado.

Tales Castelo Branco (2003, p. 141), por exemplo, integra a doutrina que denomina tal recurso de inominado. Julio Mirabete (2006, p. 711), por sua vez, ensina que, “da decisão que indeferir o pedido cabe recurso, normalmente o agravo, ou outro recurso inominado, para as câmaras reunidas ou para o Plenário, conforme disponha o regimento interno do tribunal [...]”.

Já na visão de Heráclito Mossin (1997, p. 159), “o recurso em questão será o agravo regimental, previsto nos Regimentos Internos dos Tribunais [...]”. Esse entendimento é ratificado por Lúcio Constantino (2004, p. 251) ao afirmar que “caberá agravo regimental contra indeferimento liminar da revisão”.

Carlos Roberto Ceroni (2005, p. 152), se posicionando da mesma maneira, conclui ser cabível “o agravo regimental, no prazo de cinco dias, da decisão do relator que indefere liminarmente o processamento da revisão criminal”.

No entanto, se o requerimento não for indeferido liminarmente, o processo será encaminhado para o Ministério Público, que se manifestará através de parecer opinativo, em dez dias. Posteriormente, também no prazo de dez dias, o relator e o revisor examinarão os autos e julgarão o pedido na sessão designada pelo presidente.

Esse julgamento é realizado da mesma forma que os outros recursos, pois a revisão é “doutrinariamente uma ação” e “procedimentalmente um recurso”, e, havendo empate no julgamento, a decisão que prevalecerá será a que for favorável ao condenado (ARANHA, 1988, p. 178-179).

Ressalte-se, porém, que, mesmo nos casos em que o pedido não for rejeitado liminarmente, o relator e o revisor, ao examinarem os autos, podem proferir decisão julgando o pedido improcedente. Essa decisão, por sua vez, também será passível de recurso.

De acordo com Ceroni (2005, p. 150, grifo do autor), cabe recurso extraordinário e recurso especial quando a improcedência do pedido “estiver relacionada com as hipóteses do inciso III, letras a, b e c, respectivamente, dos arts. 102[38] e 105[39] da Carta Magna”. Por isso, aduz o autor, “[...] esses dois recursos [...] devem cingir-se à eventual violação do art. 621, I, do estatuto processual penal, [...] sob pena de transformar a via revisional em reiteração da ordinária”.

Para Lúcio Constantino (2004, p. 253), o recurso extraordinário é cabível, mas com determinadas restrições, pois o art. 325, inciso IV, do Regimento Interno do Supremo, alterado pela Emenda Regimental n. 2, de 04 de dezembro de 1985, estabelece o cabimento do recurso extraordinário “nas revisões criminais de processos por crime a que seja cominada pena de reclusão” (BRASIL, 2013b), ou seja, o recurso extraordinário não seria cabível nos casos de “contravenção penal ou delito apenado com detenção”.

Quanto ao recurso especial, o autor sustenta que seria cabível nas hipóteses do art. 105, III da Constituição Federal e jamais para “reexaminar a matéria fática da revisão criminal.” (CONSTANTINO, 2004, p. 253).

Outros recursos, como os embargos de declaração, embargos de divergência, embargos infringentes e de nulidade, também são cabíveis. A doutrina, no entanto, se posiciona de maneira divergente em relação aos embargos infringentes e de nulidade.

Os embargos de declaração objetivam reparar os ônus decorrentes de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão da decisão embargada (MOSSIN, 1997, p. 168). Os embargos de divergência, por sua vez, são cabíveis, em nível de STF e STJ, em matéria de recurso extraordinário ou especial, respectivamente.

Assim, cabem embargos divergentes ao STF quando a decisão de uma turma divergir da decisão de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direito federal e são cabíveis ao STJ quando “a decisão da turma divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial [...]” (MOSSIN, 1997, p. 174).

Quanto aos embargos infringentes e de nulidade, alguns autores, como Tales Castelo Branco (2003, p. 141), entendem ser descabíveis em sede de revisão criminal, “pois o Código de Processo Penal só os permite das decisões proferidas em apelação e em recurso em sentido estrito”.

Compartilhando do mesmo pensar, Lúcio Constantino (2004, p. 252) afirma que, por não ser um recurso, a revisão criminal não estaria direcionada à segunda instância e, por isso, os embargos infringentes e de nulidade não seriam cabíveis.

Os embargos infringentes e de nulidade, esclareça-se, são cabíveis, no prazo de dez dias, “quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu”, conforme disposto no art. 609, parágrafo único, do CPP.

Outros autores, porém, entendem admissíveis os embargos infringentes e de nulidade na revisão criminal, afirmando, como é o caso de Carlos Roberto Ceroni (2005, p. 154), que:

[...] O rigorismo exagerado na interpretação de uma lei pode levar a sérios equívocos e incontornáveis injustiças. Indubitavelmente, em homenagem às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, é de ser admitido os embargos das decisões de improcedência, não unânimes, proferidas em revisões criminais. Não podemos olvidar, outrossim, que os embargos infringentes e de nulidades podem ser interpostos em revisão criminal em face da similitude desta com a ação rescisória, em relação à qual se admite os embargos [...]

Essa questão, no Supremo Tribunal Federal, já não é mais discutida, pois, no art. 333, inciso II, do seu Regimento Interno, está estabelecido que “cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar improcedente a revisão criminal” (BRASIL, 2013b).

O presente trabalho, a despeito dos argumentos contrários, se alinha ao entendimento favorável à admissão dos embargos infringentes e de nulidade em sede de revisão criminal, sobretudo porque esses recursos são admitidos na ação rescisória e a analogia, nesse caso, se mostra favorável ao condenado.

Acontece que, o pedido revisional também pode ser aceito e, sendo assim, a decisão que deferir a revisão irá determinar uma nova relação jurídica (CONSTANTINO, 2004, p. 261). Por esse motivo, é de salutar importância o estudo dos efeitos da decisão.

Os efeitos da revisão criminal, elencados no art. 626 do CPP, são a absolvição do réu, a modificação da pena, a alteração da classificação da infração ou a nulidade do processo. Em todo caso, porém, não será admitida a reformatio in pejus.

A absolvição do réu, determinada pelo reconhecimento de alguma das hipóteses do art. 621 do CPP, é o efeito mais amplo da revisão criminal e implica no “restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação” (BRASIL, 1941)[40]. Isso significa que “não mais existirão a pena, a medida de segurança, os efeitos extrapenais da condenação [...] etc.” (MIRABETE, 2006, p. 714).

Contudo, se a absolvição tiver sido conferida “em virtude de inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, deve o Tribunal impor medida de segurança”, obrigatoriamente (MIRABETE, 2006, p. 714). Essa imposição está expressamente autorizada pela parte final do art. 627 do CPP.

Pode ocorrer, também, a alteração da classificação da infração – contravenção ou crime – ou modificação da pena. Nesse caso, a modificação será para melhor, já que não há possibilidade de se agravar a pena imposta pela decisão revista.

Assim, o tribunal pode “desclassificar um crime mais grave para um menos grave [...] ou [...] transformar o crime qualificado em simples, ou este em delictum privilegiatum”. A modificação da pena, por sua vez, ocorrerá “quando houver a inexistência de agravante erroneamente considerada na sentença ou acórdão, ou quando a fixação da reprimenda for excessiva.” (MOSSIN, 1997, p. 110, grifo do autor).

Finalmente, a nulidade do processo.

Esse efeito, trazido pelo art. 626 do CPP, gera algumas dissensões doutrinárias: a nulidade, de forma isolada, pode ser a causa de pedir da ação de revisão criminal ou só pode ser reconhecida quando o Tribunal der provimento ao pedido revisional, cujos fundamentos se encontram no art. 621 do CPP?

Para alguns autores não há possibilidade da nulidade ser causa de pedir do pedido revisional, porque o Código de Processo Penal atual não a elencou entre as hipóteses do art. 621, que são taxativas.

Defendendo essa posição, Heráclito Mossin (1997, p. 108, grifo do autor) alega:

Com efeito, o legislador processual penal, de forma expressa, enumera no art. 621 as hipóteses de cabimento da revisão criminal. Tal indicação é taxativa e não meramente exemplificativa. O numerus clausus ali considerado não pode ser alterado, em face da própria natureza do instituto revisional diante da coisa julgada formal, como já acentuado precedentemente.

Outros autores, contudo, não compartilham do mesmo entendimento.

Frederico Marques (2003, p. 417, grifo do autor), por exemplo, vai afirmar que se “afigura incontroverso que a nulidade pode ser a causa petendi da rescisão pleiteada pelo condenado” e que, “se ao juiz da revisão é dado anular o processo, nada há que impeça o pedido de revisão com esse único objetivo”.

Paulo Rangel (2008, p. 857) se posiciona no mesmo sentido. Para ele, o art. 621 do CPP, no seu inciso I, prevê a nulidade ao afirmar que a revisão será admitida quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal, pois a expressão “lei penal” integraria “tanto a lei material penal quanto a lei formal penal, ou seja, o direito penal e o direito processual penal.”

Carlos Roberto Ceroni (2005, p. 76, grifo do autor), vai ainda mais longe ao declarar que “[...] é possível ao tribunal revisor proferir decisão ultra petita, ou seja, ainda que não requerido pelo peticionário, poderá reconhecer a nulidade absoluta”.

A esse respeito, o presente trabalho entende que a nulidade pode, sim, ser causa de pedir da ação de revisão criminal, ainda que o legislador não a tenha colocado expressamente no rol do art. 621 do CPP.

É que, como já explanado em momento anterior, mesmo que a taxatividade seja necessária para evitar a incerteza absoluta dos jugados, nesse caso específico, haveria de se levar em conta o art. 626 do CPP, harmonizando-o com o art. 621 do referido diploma legal, e, também, o fato de ser a revisão criminal um instituto criado em favor do condenado.

Em vista de tais considerações, de quem seria a competência para conhecer e julgar o pedido revisional?

Segundo Frederico Marques (2003, p. 399), “a regra, que hoje impera, é a seguinte: compete a revisão criminal ao Tribunal que proferiu a decisão rescindenda, ou que a deveria proferir em caso de apelação”.

No dizer de Mirabete (2006, p. 709-710):

[...] A competência para o processo de revisão é do Tribunal que proferiu o acórdão revidendo em ação penal originária ou em razão de recurso, ou, se não houve recurso do processo originário do primeiro grau, do Tribunal que seja competente para conhecer do recurso interposto contra a sentença rescindida.

Conforme o art. 624 do CPP, as revisões criminais seriam processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, quanto às decisões criminais que tivesse proferido e pelo Tribunal Federal de Recursos[41], Tribunais de Justiça ou de Alçada[42] nos demais casos.

De lembrar-se, ainda, que não apenas a legislação processual estabelece a competência dos Tribunais para processar e julgar os pedidos revisionais, como também seus regimentos internos[43]. O Regimento Interno do STF, por exemplo, estabelece no art. 263 a competência do Supremo para “julgar as revisões criminais referentes às condenações por ele mantidas.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 138).

Os Tribunais podem ter competência originária ou recursal. A competência originária é aquela em que o Tribunal irá conhecer diretamente “do pedido condenatório contido no processo de conhecimento”. A competência recursal, por seu turno, ocorre quando a sentença condenatória, proferida por um juízo de primeiro grau, é recorrida em segunda instância (MOSSIN, 1997, p. 161).

Nos casos de competência originária, cada Tribunal será competente para “rever a decisão rescindenda por ele proferida”. Já nos casos de competência recursal, tendo sido julgado o recurso pelo segundo grau e formada a coisa julgada sobre o acórdão, a revisão criminal deverá ser proposta “diante do Tribunal que proferiu sua decisão no processo findo [...]” (MOSSIN, 1997, p. 161).

Pode ocorrer, lado outro, do juízo de primeiro grau proferir uma sentença condenatória que transite em julgado. Nessa situação, caso haja a pretensão de rescindir a sentença proferida na primeira instância, o condenado deve encaminhar o pedido revidendo ao Tribunal “que deveria conhecer e julgar a apelação.” (MOSSIN, 1997, p. 162).

No sistema brasileiro, diferentemente do que acontece no sistema francês ou português, o juízo rescindente e o juízo rescisório se encontram no mesmo órgão, ou seja, o Tribunal é competente para realizar o juízo de admissibilidade da revisão, aceitando-a ou não, e também é competente para realizar novo julgamento, a fim de substituir a decisão atacada (ARANHA, 1988, p. 180).

Como descrito por Frederico Marques (2003, p. 420, grifo do autor):

Na revisão, tal qual como na ação rescisória civil, ao judicium recindens sucede-se, de imediato, o judicium rescisorium. Ocorrendo algum dos erros judiciários capitulados e descritos nos itens do art. 621, o Tribunal rescinde a sentença condenatória. Todavia, logo a seguir, profere a decisão adequada ao caso, ou absolvendo o condenado, ou lhe impondo pena menos grave. Quando o pedido se fundar [...] em nulidade do processo, só funcionará, como é óbvio, o judicium recindens, – o que igualmente ocorrerá se a nulidade for decretada, apesar de não a ter pedido o condenado.

Por essa razão, inclusive, que não se pode falar em efeito suspensivo na revisão criminal, já que, em regra, sendo admitida a revisão, a execução da sentença condenatória não fica suspensa (ARANHA, 1988, p. 180).

Nessa via, o Tribunal de Justiça de Pernambuco decidiu pela impossibilidade de se suspender a execução de sentença condenatória transitada em julgado, pela inexistência de efeito suspensivo:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. PEDIDO PARA AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DA REVISÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO IMEDIATA DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. DECISÃO UNÂNIME. 1. Sentença condenatória transitada em julgado deve ser cumprida de imediato, não podendo ser suspensa até o julgamento final da revisão criminal, que não detém efeito suspensivo capaz de impedir a sua execução; 2. Ordem Denegada. Decisão Unânime. (PERNAMBUCO, 2009).

No entanto, havendo urgência e gravidade em algumas circunstâncias e sendo manifesta a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, poder-se-ia aplicar, excepcionalmente, por analogia, “os dispositivos do Código de Processo Civil que normatizam o poder de cautela do juiz, principalmente concedendo-lhe a possibilidade de antecipar os efeitos da tutela[44] pretendida [...]” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 140-141, grifo do autor).

Nesse caso, a analogia pode ser aplicada, primeiro, porque a hipótese não está prevista. Não há na Constituição, no Código de Processo Penal ou em qualquer outro diploma legal, “previsão expressa no sentido de utilização da antecipação de tutela em sede de revisão criminal”. Segundo, porque a ação rescisória e a revisão criminal, em que pese algumas diferenças[45], são muito semelhantes e, finalmente, porque essas semelhanças não são superficiais (PIMENTEL, 2011, p. 123-125).

Além do que, o CPP, no seu art. 3º, dispõe expressamente que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito” (BRASIL, 1941).

Assim, sendo possível antecipar a tutela, o juiz deverá pôr o condenado em liberdade, ainda que a parte não tenha requerido, ou seja, pode agir de ofício (PIMENTEL, 2011, p. 145).

Essa possibilidade, de agir de ofício, se justifica no fato de que, “na revisão, visa-se a reparação de uma injustiça e o interesse da solução não é exclusivo do condenado, mas em primeiro lugar da própria sociedade.” (ARANHA, 1988, p. 180).

Também, por analogia, poderá ser aplicado, em sede de revisão criminal, o disposto no art. 580 do Código de Processo Penal (MIRABETE, 2006, p. 713): “no caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”, ou seja, há um efeito extensivo.

É nessa direção que alguns Tribunais de Justiça, como o do Paraná, tem caminhado:

REVISÃO CRIMINAL - ART. 157, § 2º, INCISOS I E II (TRÊS VEZES), C/C O ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - ARGÜIÇÃO DE EXCESSIVIDADE NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE - FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA SANÇÃO - PENA-BASE FUNDAMENTADA EM APENAS 04 CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - MÉRITO RECURSAL PREJUDICADO E, DE OFÍCIO, ANULAÇÃO DA SENTENÇA COM EXTENSÃO AOS CO-RÉUS. "A finalidade da revisão criminal é corrigir erros de fato ou de direito ocorridos em processos findos, quando se encontrem provas da inocência ou de circunstância que devesse ter influído no andamento da reprimenda" (ex-TACRSP - RT 638/376). O mérito recursal resta prejudicado, pois, de ofício, anula-se a dosimetria da pena, ante a ausência de análise de todas as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, o que viola o princípio da individualização da pena. Os efeitos desta decisão estendem-se aos co-réus. (PARANÁ, 2009a, grifo nosso).

Faz-se necessário esclarecer, nesse ponto, que os casos de analogia tratados foram in bonam partem, isto é, em benefício do condenado.

Importa essa advertência, pois, antes do art. 594 do CPP[46] ter sido revogado pela Lei 11.719/08, alguns autores o invocavam, fazendo analogia com a apelação, na defesa da necessidade do condenado ser recolhido à prisão para propor ação de revisão criminal (MOSSIN, 1997, p. 136). Essa analogia, entretanto, era prejudicial ao condenado, ou seja, in malam partem.

Tal artigo, todavia, foi revogado e, além disso, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula de nº 393 afirmando que, “para requerer revisão criminal, o condenado não é obrigado a recolher-se à prisão” (BRASIL, 1964).

Cumpre destacar, ainda, que “a fuga do condenado após a propositura do pedido revisional não causa a deserção” (MIRABETE, 2006, p. 703), pois, o artigo 595 do CPP, que tratava da deserção nos casos de apelação, e que era utilizado por analogia na revisão criminal, também foi revogado.

Isso mostra que, em que pese o art. 3º do CPP autorize a aplicação analógica, não há possibilidade de se valer da analogia para prejudicar o réu, como queriam fazer em relação à prisão e à deserção.

4.1 INDENIZAÇÃO POR ERRO JUDICIÁRIO NA REVISÃO CRIMINAL

O Código de Processo Penal, no art. 630, caput, dispõe que “o tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos” (BRASIL, 1941). Além disso, dispõe, no §1º do referido artigo, que a União ou o Estado responderão pela indenização.

Desse dispositivo, portanto, pode-se inferir uma espécie de responsabilidade objetiva do Estado, que decorre, justamente, do erro judiciário. Essa compreensão foi adotada “pela jurisprudência e, posteriormente, pela Constituição de 1946.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 147).

Hoje, a Constituição Federal de 1988, prevê não somente a responsabilidade objetiva do Estado[47], como também a possibilidade de reparação por erro judiciário, dispondo, no seu art. 5º, inciso LXXV, que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença” (BRASIL, 1988).

Não poderia ser outra a previsão constitucional.

A procedência da revisão criminal indica que houve um “desregramento da condenação” e, por isso, “o prejuízo do condenado deve ser indenizado.” (CONSTANTINO, 2004, p. 260).

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de um Recurso Extraordinário, reconheceu o art. 5º, LXXV da CF/88 como uma garantia e, por conseguinte, devida a indenização pelo Estado:

ERRO JUDICIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE CONDENAÇÃO DESCONSTITUÍDA EM REVISÃO CRIMINAL E DE PRISÃO PREVENTIVA. CF, ART. 5º, LXXV. C.PR.PENAL, ART. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça.(BRASIL, 2007b).

O dever de indenizar do Estado se constitui em um verdadeiro direito subjetivo do condenado, que foi vítima de uma injustiça. A expressão “se o interessado o requerer”, trazida pelo art. 630, caput, do CPP, deixa claro esse fundamento jurídico, pois confere ao condenado a faculdade de agir “quanto à provocação do Estado-Juiz [...]” (MOSSIN, 1997, p. 140).

Nas lições de Frederico Marques (2003, p. 425), “reconhece-se, assim, àquele que foi vítima de condenação injusta, o direito público subjetivo a uma indenização adequada pelos prejuízos sofridos em virtude da sentença condenatória”.

Essa reparação deve ser pleiteada, preferencialmente, quando a revisão for requerida, sendo que, “no juízo da revisão, não se fixa o quantum debeatur, mas apenas a obrigação de reparar o dano advindo do erro judiciário.” (MARQUES, 2003, p. 426, grifo do autor).

Caso seja apresentada posteriormente, o Estado deverá ser ouvido, ou seja, “[...] elaborado o pedido indenizatório, isoladamente, há de incidir sobre ele o contraditório, devendo dar-se oportunidade de a Fazenda respectiva contestá-lo.” (MOSSIN, 1997, p. 144).

O Tribunal revisor, portanto, só irá reconhecer “o direito à indenização, que deverá ser liquidada no juízo cível, constituindo o acórdão um título judicial executório ilíquido.” (MIRABETE, 2006, p. 715).

Conforme o §1º do art. 630 do CPP, “por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça” (BRASIL, 1941).

Existe uma divergência doutrinária quanto à possibilidade da indenização abarcar também os danos morais. Embora alguns autores sejam contra essa possibilidade, não há dúvidas de que uma condenação injusta fere a honra do sujeito, abrindo espaço para a reparação por dano moral.

Frederico Marques (2003, p. 428), contrário à indenização por dano moral, preleciona que “[...] o art. 630 não se destina a reparar o dano moral, e sim o prejuízo material que o condenado efetivamente sofreu”. Afirma, ainda, que o condenado, “na ação executória, deve [...] provar os prejuízos realmente havidos com a sentença injusta”.

Outra não é a lição de Adalberto Aranha (1988, p. 182), para quem “as lesões morais só podem ser reparadas moralmente, já que não há estimativa pecuniária possível”.

Data vênia, não assiste razão aos autores ao negarem a possibilidade de reparação por dano moral.

É que, “a condenação criminal afeta de maneira irreversível a honra daquele que foi objeto da reprimenda legal. Seu conceito diante da coletividade se vê abalado e menoscabado”. E, mesmo que o sujeito, vítima do erro judiciário, seja absolvido via revisão criminal, “a humilhação e o ultraje que sobre ele incidiu, [...] não faz com que ele recobre sua honra e dignidade perdidas quando da condenação.” (MOSSIN, 1997, p. 142).

Mirabete (2006, p. 714), abordando a questão sob consideração, assevera que “apesar da opinião em contrário da doutrina tradicional, hoje não se deve negar a possibilidade de ser pedida pela vítima do erro judiciário a indenização por dano moral”.

O dano imaterial é muito mais devastador e incisivo do que o dano material, porque atinge a honra e a dignidade do sujeito, causando dor e vergonha e, em que pese o dinheiro não possa repor o sofrimento causado pela condenação injusta, “[...] se o dano patrimonial, quando verificado, deve ser reparado, com muito mais razão e valor, deverá também sê-lo o moral, que ofende o indivíduo em seu âmago [...]” (MOSSIN, 1997, p. 143).

Sendo assim, considera-se que a indenização pelos danos morais sofridos, combinada com a reparação material, é mais do que devida.

Destaque-se, porém, que, embora a reparação deva ser interpretada de forma ampla, a indenização só será caracterizada quando houver um erro judiciário grave, capaz de causar efetivos prejuízos ao condenado, não sendo suficiente, portanto, que a condenação tenha sido apenas injusta (ARANHA, 1988, p. 182).

Nessa via, o §2º do art. 632 do CPP declara expressamente as hipóteses em que a indenização será indevida: quando o condenado der causa ou concorrer para o erro ou injustiça da condenação, ou quando a acusação for meramente privada.

Quanto à primeira hipótese, não poderia ser diferente. Se o condenado tiver contribuído ou dado causa ao erro que resultou em sua condenação, não tem porque o Estado indenizá-lo, ressalvando-se, aqui, entretanto, a questão da confissão obtida por coação, onde, “positivada a ausência de fraude do réu, a indenização se impõe” por culpa visível do Estado (MIRABETE, 2006, p. 715).

Em relação à segunda hipótese, o legislador retirou do Estado o dever de indenizar, dada a substituição no pólo ativo da relação jurídico-processual. Essa proposição, contudo, é equivocada, pois, ainda que o particular aja em nome próprio, está defendendo o interesse punitivo do Poder Público (MOSSIN, 1997, p. 146).

Como assente deixa Lúcio Constantino (2004, p. 260):

Enquanto a acusação é de natureza privada, a condenação, por sua vez, não é. Quem decreta o juízo condenatório é o magistrado, representante do Estado/Judiciário. A decisão do juiz não possui natureza particular, capaz de ensejar somente a exclusiva responsabilidade do particular. O decreto condenatório é ato público e que consubstancia a vontade do Estado. Muito embora tenha o juiz posicionado entendimento sobre a acusação apresentada, desnecessário se questionar se a acusação é pública ou privada, pois em ambos os casos a decisão será do Estado.

Também se afina com esse entendimento Adalberto Aranha (1988, p. 183):

Na segunda hipótese a exclusão do Estado nos parece injusta, pois foi um de seus órgãos quem proferiu a condenação injusta, embora a ação fosse impulsionada pela pseudovítima. A melhor solução seria a que desse à vítima o direito de pleitear a indenização do Estado, tendo este direito regressivo contra o autor da ação penal injusta.

Para Frederico Marques (2003, p. 429-430, grifo do autor), todavia, “a obrigação de indenizar estará a cargo, exclusivamente, do querelante, uma vez que teria procedido como improbus litigator”, excetuando-se, apenas, as ações privadas subsidiárias da pública, “em que o Ministério Público permanece como litisconsorte necessário do Estado, até final”.

Dado o exposto, a conclusão a que chega o presente trabalho é de que o Estado está obrigado a indenizar o condenado, vítima do erro judiciário, mesmo nos casos de ação penal privada, já que a Constituição Federal, ao determinar que o Estado indenize o condenado por erro judiciário, não restringe essa indenização às ações de iniciativa pública.

4.2 REVISÃO CRIMINAL DE DECISÃO ORIGINÁRIA DO JÚRI E A SOBERANIA DOS VEREDICTOS

A revisão criminal, ação autônoma que desfaz a coisa julgada formada sobre uma sentença condenatória, com a finalidade de acabar com os erros registrados no julgamento, será analisada neste ponto, especificamente, em relação às decisões originárias do Júri, tendo em vista que a sua disciplina legal já foi amplamente abordada em item anterior.

Durante muito tempo a doutrina se afligiu com a questão da revisão criminal em face do princípio da soberania do júri: haveria ou não a possibilidade de uma sentença condenatória transitada em julgado, emanada do tribunal popular, ser desconstituída por ação revisional?

Hoje, com tranquilidade, pode-se afirmar que sim.

Nessa ótica, Julio Mirabete (2006, p. 704) esteia o entendimento de que:

Não se pode pôr em dúvida que é admissível a revisão de sentença condenatória irrecorrível pelo Tribunal do Júri. A alegação de que o deferimento do pedido revisional feriria a ‘soberania dos veredictos’, consagrada na Constituição Federal, não se sustenta.

É que a soberania dos jurados não é absoluta e, havendo erro no julgamento, não poderia ela prevalecer frente à liberdade do indivíduo, que também é direito e garantia constitucional.

Assim, “[...] por entender-se que o direito de defesa e a soberania do júri se igualam como preceitos de garantia do acusado” é que não se pode obstar a possibilidade de proposição da ação de revisão criminal (CASTELO BRANCO, 2003, p. 142, grifo do autor).

No dizer de Frederico Marques (2003, p. 393-394, grifo nosso):

A sentença condenatória, desde que o processo se encontre findo, é suscetível de revisão, qualquer que ela seja, pouco importando, também, o juízo de que tenha emanado. [...] A soberania dos veredictos proferidos pelo Tribunal do Júri não impede, outrossim, a revisão, desde que condenatória a sentença. Nem poderia ser de outra forma, uma vez que a revisão é direito individual provindo diretamente da Constituição, tanto como o julgamento perante o Júri.

Portanto, hoje, doutrina e jurisprudência são pacíficas no sentido de admitir a revisão criminal das decisões originárias do Tribunal do Júri e, como se viu, não poderia ser diferente.

Por isso, a questão de maior expressividade, aqui, é saber quem teria competência para, julgada procedente a revisão, realizar o juízo rescisório, posto que o juízo rescindente, indiscutivelmente, pertence à segunda instância.

As posições doutrinárias e jurisprudenciais são divergentes.

Alguns autores consideram que o tribunal seria competente para realizar tanto o juízo rescindente – juízo de admissibilidade da revisão, quanto o juízo rescisório, proferindo nova decisão. Outros, no entanto, consideram que o tribunal realizaria apenas o juízo rescindente, determinando novo julgamento pelo Júri, que exerceria o juízo rescisório.

Aqueles que julgam ser o Tribunal do Júri o órgão competente para realizar o juízo rescisório se fundamentam nas seguintes ideias:

a)    a soberania dos jurados consiste, justamente, na impossibilidade da substituição de suas decisões pelo juiz;

b)    se o tribunal ad quem proferisse nova decisão, a soberania dos veredictos restaria frontalmente agredida, o que não poderia ocorrer, tendo em vista a sua condição de garantia constitucional;

c)    esse seria o único modo de harmonizar a ação revisional com a soberania dos veredictos.

Segundo Mauro Viveiros (2003, p. 232), “[...] se é indiscutível que todo acusado condenado tem a garantia constitucional de revisão da condenação, a qualquer tempo, os tribunais, no entanto, não dispõem de competência material para se substituírem ao tribunal popular [...]”.

Em igual sentindo, Adalberto Aranha (1988, p. 175):

No nosso modesto entender o pedido revisional das decisões oriundas do júri só admite o juízo rescindendo, isto é, anular o julgamento, o seu limite. Ao júri caberá um novo julgamento, tal como na apelação, atento sempre ao princípio da soberania que dá ao Tribunal Popular toda a competência para o julgamento quanto ao merecimento. No nosso pensar, em tal hipótese deveriam surgir dois juízos: o da admissibilidade e o do julgamento, este só é possível pelo júri.

Outro não foi o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Habeas Corpus, no ano de 2002:

PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. MÉRITO DA ACUSAÇÃO. RÉU QUE DEVE SER SUBMETIDO A NOVO JÚRI. MANUTENÇÃO DE SUA CONSTRIÇÃO CAUTELAR. - Como se sabe, as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não podem ser alteradas, relativamente ao mérito, pela instância ad quem, podendo, tão-somente, dentro das hipóteses previstas no art. 593, do Código de Processo Penal, ser cassadas para que novo julgamento seja efetuado pelo Conselho de Sentença, sob pena de usurpar a soberania do Júri. Na verdade, o veredicto não pode ser retificado ou reparado, mas sim, anulado. - O cerne da questão, no presente pedido, situa-se no fato de que a decisão do Júri foi reformada, em seu mérito, em sede revisional que, diferentemente da apelação, cuja natureza é recursal, trata-se de verdadeira ação que é ajuizada sob o manto do trânsito em julgado. - A meu sentir, seguindo a exegese da melhor doutrina, o reconhecimento pelo Tribunal a quo, de que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, ainda que em sede revisional, não tem o condão de transferir àquela Corte, a competência meritória constitucionalmente prevista como sendo do Tribunal do Júri. Portanto, entendo que cabe ao Tribunal, mesmo em sede de revisão criminal, somente a determinação de que o paciente seja submetido a novo julgamento. - No que tange à possibilidade do paciente aguardar ao novo julgamento em liberdade, não assiste razão ao impetrante. Com efeito, depreende-se dos autos que o réu foi preso em flagrante delito e nessa condição permaneceu durante toda a instrução e por ocasião da pronúncia. Desconstituída a r. sentença que o condenou e mantidas as condições que demonstravam a necessidade de sua prisão cautelar esta deve ser mantida, em decorrência do restabelecimento da sentença de pronúncia, não se exigindo nova e ampla fundamentação. - Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem, para anular o v. acórdão objurgado, determinando a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri mantendo-se a constrição do acusado. (BRASIL, 2002b, grifo nosso).

No entanto, em que pese tais considerações, o presente trabalho se alinha à corrente contrária na defesa de que o tribunal ad quem seria competente para realizar ambos os juízos: o rescindente e o rescisório.

Tal entendimento se justifica pelo seguinte:

a)    a revisão criminal, assim como a soberania dos jurados, encontra amparo Constitucional;

b)    o sistema legal pátrio estabelece no art. 626 do CPP que o tribunal, tendo julgado procedente a revisão, poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo;

c)    transitada em julgado a sentença condenatória, a atribuição do Júri se perfaz.

Como expõe Tales Castelo Branco (2003, p. 143), “[...] o artigo 626 do Código de Processo Penal não estabelece qualquer restrição distintiva [...]”. Ou, como afirmou Lúcio Constantino (2004, p. 263), “pensamos acertada tal posição, face à falta de previsão legal para remeter a novo julgamento popular”.

Na mesma direção, ainda, Paulo Rangel (2012a, p. 270):

[...] Em relação ao art. 626 há regra expressa autorizando o tribunal de justiça absolver, diante da prova nova de inocência do réu que foi apresentada em sua petição de revisão. Não sendo lícito ao intérprete diminuir o alcance do texto legal em desfavor do condenado, já que o instituto da revisão criminal foi criado em seu benefício.

Ademais, em certas situações, fica patente o despropósito de submeter o condenado a novo julgamento, como, por exemplo, quando, “após o trânsito em julgado da condenação, fique comprovado, em sede de revisional, que a suposta vítima de homicídio esteja viva”. Ou, quando o erro na condenação só tenha sido reconhecido após o cumprimento da pena (MÉDICI, 2000, p. 201). Nesses casos, qual seria a razão para o tribunal determinar novo julgamento pelo Júri? Como se vê, não há.

Sérgio Médici (2000, p. 200-201, grifo do autor) sustenta, ainda, o fato de que “a revisão criminal destina-se exclusivamente a corrigir o erro judiciário e não ao reexame de toda a prova ou à ampla discussão do mérito da causa”, portanto, “se o erro judiciário é reconhecido pelo tribunal superior, deve ser por ele corrigido”. Assim, o Tribunal ad quem, ao realizar o juízo rescisório, não estaria ofendendo a soberania dos veredictos.

Além disso, uma vez que a sentença condenatória tenha transitado em julgado, tem-se por finda a função do Júri, visto que a "soberania tem limitação de caráter processual" e, nesses casos, "o que efetivamente acontece é proporcionar a outro colegiado, constituído por juízes togados, a possibilidade de remediar um erro cometido por aquela instituição." (MOSSIN, 1997, p. 99-100).

Em todo caso, sublinhe-se, a pena imposta pela decisão revista não poderá ser agravada, pois veda-se a reformatio in pejus indireta e, em relação à anulação do processo, o entendimento é pacífico no sentido de que o tribunal poderá realizar apenas o juízo rescindente, determinando novo julgamento pelo tribunal popular, visto que, nesta situação, a competência do juiz natural é restaurada. Logo, se assim não fosse, “estaria ferindo o preceito constitucional do duplo grau de jurisdição.” (ARANHA, 1988, p. 183).

Embasando tal posicionamento, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

REVISÃO CRIMINAL. JÚRI. SOBERANIA. JUÍZO RESCINDENTE E RESCISÓRIO. ALCANCE DA EXPRESSÃO NOVAS PROVAS (CPP 621, III). LEI 9.807/99 (ART. 14). INAPLICABILIDADE. PROTEÇÃO DESNECESSÁRIA. CRIME HEDIONDO. REGULAÇÃO ESPECÍFICA. 1. Em sede de revisão criminal, compete ao tribunal de justiça exercer o juízo rescindente e também o rescisório - salvo, quanto a este, se houver anulação da sentença - em relação às decisões do júri, sem receio de ofensa à soberania dos veredictos, pois essa garantia constitucional, a par de restringir-se ao processo em que proferidos os veredictos, coexiste com outras favoráveis ao réu, como a ampla defesa e a própria liberdade. 2. O conceito de "novas provas" (CPP 621, iii) deve ser tomado em sentido amplo, de modo a alcançar também aquelas que, posto já estivessem nos autos, não foram valoradas pelo juízo, hipótese essa distinta da inadmissível reavaliação da prova. 3. A diminuição de pena disciplinada no art. 14, da lei 9.807/99, não encerra um fim em si mesma. É, ao lado de outras, medida protetiva cuja aplicação, portanto, somente se justifica quando necessária para resguardar o réu colaborador contra eventuais ameaças motivadas pela sua colaboração, o que não se verifica no caso. Essa é a ratio legis, cuja observância se impõe também para assegurar a harmonia entre esse diploma e a LC 95/98. 4. Caso se queira ver de outra maneira, no sentido de que o citado art. 14 é apenas uma causa de diminuição, sem finalidade protetiva, continuaria inaplicável à espécie. É que a condenação se deu por crime hediondo, que tem regulação própria (8.072/90) segundo a qual a delação só diminui a pena quando propiciar o desmantelamento de quadrilha voltada à prática de delitos com aquela natureza (art. 8º, § único), hipótese alheia ao que consta dos autos, que versa sobre homicídio cometido mediante concurso eventual de agentes. Incide na espécie a regra lex posterior generalis (9.807/99) non derrogat priori speciali (8.072/90). 5. De resto, são cumulativos os requisitos do mencionado art. 14. (BRASIL, 2009b, grifo nosso).

Afinal, de grande valia é a lição de Frederico Marques (1997, p. 102-103, grifo nosso) sobre o assunto:

Fixa-se a competência mínima do Júri, para que o réu considerado autor de homicídio possa ter garantido o seu direito de liberdade, de maneira mais eficaz, através do julgamento de um tribunal popular. Mas se o juiz togado absolve esse réu, desde logo, atentado algum foi cometido contra sua liberdade, nem em perigo esta se encontra para tornar obrigatório o julgamento pelo Júri. Afigura-se-nos, por isso, perfeitamente viável que a lei ordinária autorize os órgãos judiciários de segundo grau a absolverem o réu, sempre que, em recurso próprio, seja alegado que a condenação do Júri foi injusta, e tal injustiça ficar comprovada.

Destarte, pelo que foi analisado, vê-se que a soberania dos veredictos, mesmo sendo uma garantia constitucional, deve ceder face à comprovação de que o Júri condenou erroneamente, pois o direito de liberdade que está em jogo, direito fundamental do indivíduo, também é protegido pela Constituição Federal. Além do que, o fato de o Tribunal ad quem realizar os juízos rescindente e rescisório não significa desrespeito a essa soberania, posto que não há atentado contra a liberdade do réu.

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Sobre a autora
Susan Kellen dos Reis Cruz

Bacharel em Direito pela Universidade de Salvador (2014.1)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Susan Kellen Reis. A revisão criminal e a soberania dos veredictos no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4021, 5 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30022. Acesso em: 22 dez. 2024.

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