O assédio moral e a revista de empregados

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06/08/2014 às 15:57
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4. O PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR E O DIREITO AINTIMIDADE DO EMPREGADO.

O Ordenamento Jurídico Brasileiro confere aos empregadores certas prerrogativas em face dos empregados, necessárias à consecução do fim social do negócio explorado, a fim de que a ordem e certos limites sejam determinados, tornando possível a relação empregado-empregador, tal prerrogativa é reflexo do princípio da livre iniciativa, preceito estabelecido na Constituição Federal que garante aos empreendedores a garantia de que, com as devidas ressalvas, as regras e os caminhos do negócio, o que inclui os recursos humanos, serão determinados pelo empregador, sem interferência estatal.

Conforme a CLT em seu artigo 2º, o empregador é uma empresa individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige prestação de serviço. Alice Monteiro de Barros explica que alguns autores, com base no conceito do artigo 2º da CLT, sustentam que o empregador detém o poder hierárquico manifestado pelo poder diretivo, do qual o poder disciplinar é um corolário.53

No Brasil, tem-se o péssimo hábito de vislumbrar, quase sempre, o empregador como o grande vilão da sociedade, quem apenas e tão somente busca subjugar o empregado, cercear seus direitos, os legítimos sucessores dos “senhores feudais”, todavia, nem sem pre é assim, por vezes, quem abandona os primados da ética e da legalidade é o empregado.

Sabemos que nenhuma garantia constitucional é absoluta, todas podem ser relativizadas quando se deparam com outra garantia ou princípio constitucional, tomemos por exemplo o Direito à Vida, tem a sua supremacia relativizada na hipótese de condenação por crime de guerra, conforme estabelece o art. 5o., inciso XLVII, alínea “a”, poderíamos citar outros exemplos, direito à propriedade, liberdade, enfim, o que nos interesse é demonstrar que o direito à Intimidade não é uma garantia constitucional intocável.

Vê-se que o empregador possuí prerrogativas legais que possibilitam a gestão do negócio, bem como, que a garantia constitucional do direito à intimidade não absoluta, sendo assim, se mostra legítimo ao empregador, no ambiente de trabalho, limitar parcela da intimidade empregado, seja com a utilização de câmeras, controle de acesso à internet, fiscalização de correio eletrônico corporativo, enfim, objetivando a manutenção da ordem, todavia, tal prerrogativa, da mesma forma, não é absoluta, encontra limites nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.


5. DA REVISTA DE EMPREGADOS.

As empresas tem adotado com freqüência procedimentos de revista deempregados, seja em seus pertences, bolsas, armários, seja no próprio corpo, ao que parece visando a proteção do aparelho empresarial. 

Quando falamos em Revista de Empregados devemos considerar que está é espécie e que a Revista Pessoal e a Revista Íntima são seus gêneros.

Em linhas gerais, Revista Pessoal é a fiscalização direta realizada nos pertences que estão sendo transportados junto ao corpo pelo empregado, bem como, aqueles que estão dispostos em local íntimo e reservado, ou seja, bolsa, bolsos, armários, carteiras, etc.48

Por outro lado, Revista Íntima é a fiscalização direta no próprio corpo do empregado, todavia, de forma mais contundente que a revista pessoal, ao passo que transcende à mera verificação dos bolsos, ocorre o desnudamento total  ou parcial, procedimento que foi vedado pela lei n.º 9.799/99.

Diante de tal vedação legal, delimita-se nosso trabalho para tratar especificamente da Revista Pessoal, aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais, favoráveis ou não.

5.1 A REVISTA DE EMPREGADOS À LUZ DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA

Para Miguel Reale, a edição de uma norma precede, necessariamente, um fato social valorado, ou seja, a semente de uma lei nasce de uma problemática social, que obriga a atuação estatal com o fim de garantir   a paz social, proteger os direitos fundamentais e equilibrar as relações.

Assim, é inaceitável que uma empresa visando única e exclusivamente proteger seu patrimônio submeta seus funcionários à revistas sem qualquer respeito à dignidade humana e critério.

Convém lembrar que o empregado vende aquilo que é mais precioso para qualquer ser humano, o seu tempo, por uma única razão, sobreviver e garantir a sobrevivência dos seus dependentes, ao passo que o empregador tem motivações mais amplas, majorar seus lucros, sedimentação de mercado, massificação de uma marca, enfim, não se pode admitir que sob o argumento de uma mera proteção patrimonial o empregador extrapole os limites da dignidade da pessoa humana.

Como dito, com o advento da Lei n.º 9.799/99, vedou a  Revista Íntima, acrescentando na CLT a seguinte regra:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (...) VI  -  proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.49

Parte da doutrina defende que a norma consignada pela lei 9.799/99 tem um alcance mais amplo, ou seja, deve ser analisado extensivamente, ampliando o seu campo de atuação para além da proteção do mercado de trabalho da mulher e da revista íntima.

O legislador ao vedar a Revista Íntima apenas à empregada mulher, não usou de critério lógico-objetivo para estabelecer tal tratamento diferenciado, vez  que, em menor ou maior intensidade, tal revista realizada em homens também fere o princípio da dignidade humana, razão pela qual também deveria ter sido coibida pelo legislador.

Nesta linha. Rodrigo Cambará e Xerxes Gusmão citam a lição de Brito Filho: 

Infelizmente ainda comum nos estabelecimento, no Brasil, a revista de empregados é prática que não guarda nenhum amparo legal. Primeiro porque ofensiva a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88) e deve ser garantida, em qualquer circunstâncias, a todos. Segundo porque a Constituição protege, também, a inviolabilidade da intimidade e da honra (art. 5º, X), além de consagrar a presunção de inocência (art.5º, LVII).50

Também, convém observar o que foi convencionado na Segunda Jornada de Direito e Processo do Trabalho no TST:

ENUNCIADO 15  –  2ª PARTE: II  -  "REVISTA ÍNTIMA  -  VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da República.51

Cresce na doutrina a posição de que a dinâmica constitucional proíbe toda e qualquer revista a empregados, seja em seus objetos pessoais ou  em seu próprio corpo, posição que denominamos de extremada a qual tem sido defendida pelo Ministério Público do Trabalho.

As revistas pessoais não encontram fundamento no poder de direção do empregador, por privilegiarem um único direito, o de propriedade, em detrimento de diversos valores constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana do trabalhador, seus direitos da personalidade, o princípio da presunção de inocência, as garantias dos acusados, o monopólio estatal da segurança.” (...) Promulgada em 1988, a “Constituição Cidadã” projetou uma sociedade mais justa e igualitária. Deu destaque à pessoa humana e à solidariedade, norteando todos os conceitos e institutos pelo princípio da dignidade humana. Desta forma, o direito da propriedade (que  também é um direito fundamental), deve ser sempre condicionado à função social, priorizando os valores existenciais. O artigo 170 da Constituição garante que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por  fi m  assegurar a todos existência digna”. Entre os princípios que devem ser respeitados está o do direito à propriedade privada (inciso II). O empregador tem pleno direito de garantir seu patrimônio, desde que não fira outros direitos igualmente constitucionaisdo trabalhador. No caso, o direito à intimidade e vida privada (artigo 5º, inciso X). Nasce daí o entendimento da maioria dos juristas diante da polêmica pessoal (trabalhador) X patrimonial (empregador), de que a revista de empregados NÃO é indispensável  à proteção do patrimônio. Decisões recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST), inclusive, reconhecem o direito de indenização por danos morais para funcionários submetidos a constrangimento que desrespeite a dignidade e intimidade. Uma prática aplicada geralmente em empresas de vestuário, medicamentos, jóias, transporte de valores e vigilância bancária, a revista íntima de empregados é ilegal. O procedimento patronal compromete a dignidade e viola a intimidade do trabalhador, ferindo os direitos fundamentais garantidos pela Constituição. CONFLITO entre Proteção à INTIMIDADE do trabalhador e a Defesa da PROPRIEDADE pelo empregador. (...) A prática de revista íntima é condenada expressamente, no caso de mulheres, pela Lei 9.799/99, que introduziu o artigo 373-A, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O inciso VI proíbe que o empregador proceda à revista íntima nas empregadas e funcionárias; Mas com o princípio da isonomia, este dispositivo deve ser aplicado indistintamente a homens e mulheres. A lei faz referência ao sexo feminino apenas para assegurar direitos específicos da mulher no mercado de trabalho; O ato de revistar diariamente a bolsa de um(a) empregado(a) viola sua intimidade e vida privada e causa constrangimento podendo gerar processos e penalidades para os infratores da regra estabelecida; Revista íntima não se refere apenas ao corpo do trabalhador, mas inclui seus pertences. Um(a) empregado(a) pode considerar constrangedor exibir ao empregador seus contraceptivos ou preservativos, por exemplo; Não se admitem casos em que a inspeção exija que o trabalhador  fique nu, mesmo diante de pessoas do mesmo sexo. Muito menos que ele seja submetido a exame prolongado e detalhado diante de colegas ou estranhos; O trabalhador tem direito de se recusar a ser revistado quando isso signifi car sofrer constrangimentos; Penalidades para o empregador Os empregadores que insistem na prática de realizar revistas íntimas em seus empregados mostram postura imoral e conduta ilegal. A Lei 9.799/99 veta esse tipo de procedimento, e as recentes decisões da Justiça do Trabalho vêm reconhecendo inclusive o direito à indenização de trabalhadores por danos morais.(...) 52

Por outro lado, parte da doutrina adota uma posição moderada, reconhecendo que nem todas as revistas de empregado ofendem o princípio da dignidade humana, tendo em vista que nem sempre o único objetivo do empregador é proteger seu patrimônio, em determinados casos visa garantir a segurança dos funcionários, portanto, não podemos fazer uma análise meramente lógico-objetiva, sempre será necessário analisar o caso concreto.

Nesta linha moderada, leciona a Professora Alice Monteiro de Barros:

Constrangedoras são, ainda, as revistas nos bolsos, carteiras, papéis, fichários do empregado ou espaços a ele  reservados, como armários, mesas, escrivaninhas, escaninhos e outros, que se tornam privados por destinação. A partir do momento em que o empregador concede aos obreiros espaços exclusivos, obriga-se, implicitamente, a respeitar sua intimidade. Encontra-se, aqui, um clima de confiança que os empregadores, em outras situações, exigem espontaneamente de seus empregados. Em conseqüência, a revista realizada nessas circunstâncias implica violação da intimidade do empregado, a qual é vedada pela Constituição da  República (artigo 5º, X), logo, só deve ser permitida quando necessária à salvaguarda do patrimônio do empregador e como medida de segurança dos demais empregados. Inclui-se no conceito de objetos do empregado, nos quais se permite a revista nas condições  relatadas, o veículo do trabalhador que, por suas características, poderá resultar adequado para a ocultação de bens da empresa. A revista, a rigor, vem sendo considerada, com acerto, como verdadeira atividade de polícia privada. Logo, só poderá ocorrer de forma geral, não discricionária e apenas em circunstâncias excepcionais, respeitando-se ao máximo a esfera de privacidade do empregado, que se projeta sobre bolsos, carteiras, papéis, fichários e espaços a ele reservados. Entendimento contrário afronta o preceito constitucional contido no artigo 5º, X, que considera inviolável a intimidade do cidadão brasileiro. Em face das peculiaridades que envolvem o assunto e para limitar esse poder de fiscalização do empregador, recomenda-se que tais revistas ocorram, preferencialmente, na saída do trabalho, por meio de critério objetivo, não seletivo (sorteio, numeração etc), mediante certas garantias, como a presença de um representante dos empregados, ou, na ausência deste, de um colega de trabalho, para impedir abusos. Em determinadas circunstâncias, sugere-se, até mesmo, que a revista se faça na presença de colegas do mesmo sexo, para se evitarem situações constrangedoras.”53

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O Ministério Público do Trabalho, com a sua esperada posição extremada, que reconhece que toda e qualquer revista de empregados, seja em seu corpo, direta ou indiretamente, ou em seus objetos pessoais, ofende o princípio da dignidade humana e configura assédio moral, posição que vem crescendo na doutrina, a partir da interpretação extensiva da vedação legal da revista íntima.

Por outro lado, o Poder Judiciário, especificamente, o Tribunal Superior do Trabalho tem buscado uma confluência entre as posições doutrinárias, suas decisões tem caminhado no sentido de que a revista íntima sempre ofende a dignidade humana, diferente não poderia ser devido a vedação legal, todavia, quando falamos em revista de bolsas e pertences de empregados, o TST tem adotado a posição intermediária, ou seja, admitindo a possibilidade de tal revista, desde que não haja extrapolação das prerrogativas e que seja observado os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS.REVISTA DE BOLSAS, SACOLAS E MOCHILAS DOS EMPREGADOS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. Ante possível divergência jurisprudencial a autorizar o processamento do recurso de revista, ainda que para melhor exame da controvérsia, o agravo de instrumento deve ser provido. RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. REVISTA DE BOLSAS, SACOLAS E MOCHILAS DOSEMPREGADOS. CONTATO APENAS VISUAL. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. DEFESA DO PATRIMÔNIO. Emerge do quadro fático delineado pelo v. acórdão recorrido que as revistas eram realizadas com moderação e razoabilidade. E que, em momento algum, houve constrangimento e humilhação em tal prática. Sendo assim, não caracterizam abuso de direito ou ato ilícito, constituindo, de fato, exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder diretivo e de fiscalização. Nessa esteira, a revista em bolsas, sacolas ou mochilas dos empregados, sem que se proceda à revista íntima e sem contato corporal, mas apenas visual e em caráter geral relativamente aos empregados de mesmo nível hierárquico, não caracteriza excesso por parte do empregador, inabilitando o autor à percepção da indenização por danos morais. Recurso de revista conhecido e provido. 54

RECURSO DE REVISTA –  REVISTA DIÁRIA EM BOLSAS E SACOLAS –  DANO MORAL  –  INEXISTÊNCIA DE DIREITO À INDENIZAÇÃO. A revista em bolsas e sacolas dos empregados da empresa, realizada de modo impessoal, geral e sem contato físico, e sem expor a sua intimidade, não submete o trabalhador a situação vexatória e não abalao princípio da presunção da boa-fé que rege as relações de trabalho. O ato de revista de empregados, em bolsas e sacolas, por meio de verificação visual, é lícita, consistindo em prerrogativa do empregador, tendo em vista o seu poder diretivo, não caracterizando prática excessiva de fiscalização capaz de atentar contra a dignidade do empregado. Recurso de revista conhecido e provido.55

Chega-se ao ponto central da nossa pesquisa, qual posição melhor se apresenta, seria a extremada, adotada pelo Ministério Público do Trabalho e parte crescente da doutrina, que entende, por força de norma constitucional, ser vedada toda e qualquer tipo de revista, seria a moderada, adotada, dentre outros, pela Professora Alice Monteiro de Barros, ou seria a posição intermediária adotada pelo TST.

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Sobre a autora
Juliana Conceição da Silva

Advogada, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Sócia de Sales e Silva Advogados, Gestora de Contencioso, com experiência firmada na áreas de Direito e Processo do Trabalho, Civil e Processo Civil, acumulando resultados positivos na condução de demanda judiciais complexas, Avaliação de Riscos e Controladoria Jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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