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Locação em shopping center e fiscalização sobre o faturamento do lojista:

um poder ou um direito do empreendedor

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27/10/2014 às 15:41
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4. A FISCALIZAÇÃO DO FATURAMENTO DO LOJISTA

Dentro da dinâmica dos contratos em Shopping Center, um dos aspectos mais interessantes e polêmicos é a fiscalização do faturamento do lojista.

A fiscalização tem o escopo de servir como base para a cobrança do aluguel percentual, que é cobrado sobre a receita bruta do lojista, sendo assim, essencial para que se evitem fraudes, pois, pode o lojista, por exemplo, sonegar parcelas de sua receita bruta para pagar um valor menor de aluguel da loja.

A fidelidade dessa participação[8] é garantida por uma obrigação acessória: a submissão do lojista à auditoria de sua contabilidade e de suas atividades, permitindo exame de caixas registradoras, recibos, talões, notas fiscais, livro de registro de estoque ou venda de mercadorias, ou, também, a qualquer outra forma de controle, diretamente, ou através de terceiros contratados. (MAMEDE, 2013, p. 265)

Diante dessa situação nasce o questionamento acerca a legalidade da fiscalização, sendo necessário entender se é um poder ou um direito do empreendedor.

4.1. Distinções entre direito e poder

Em uma analise superficial direito e poder podem parecer ser a mesma coisa, no entanto trata-se de institutos distintos. 

A palavra direito, etimologicamente, pode ter diversos significados, conforme se depreende do dicionário Michaellis

direito1

di.rei.to1

adj (lat directu) 1 Que segue ou se estende em linha reta; reto; direito: Caminho direito. 2 Que não é curvo: Pau direito. 3 Plano, liso, desempenado: Tábua direita. 4 Vertical, aprumado: A Torre de Pisa não é direita. 5 Diz-se do lado do corpo humano no qual, normalmente, os músculos são mais ágeis e os membros mais destros; da parte simétrica de um órgão duplo, que se acha nesse lado; da parte do coração, que compreende a aurícula e o ventrículo direitos: O fígado está no lado direito do corpo humano. Rim direito. Coração direito. 6 Correto, justo, honrado, íntegro: Homem direito. 7 Justo, razoável, legítimo.

direito2

di.rei.to2

sm 1 O que é justo e conforme com a lei e a justiça. 2 Faculdade legal de praticar ou não praticar um ato. 3 Dir Ciência das normas obrigatórias que disciplinam as relações dos homens numa sociedade; jurisprudência. Possui inúmeras ramificações. 4 Prerrogativa, privilégio. 5 Taxa, imposto, tributo: Direitos alfandegários. 6 O lado principal, ou mais perfeito de um tecido, por oposição ao avesso. 7 Murro ou golpe do braço direito no boxe. adv 1 Em linha reta, sem desvio: Este caminho vai direito à fonte. 2 Acertadamente: Não pensou direito. D. adjetivo: a) conjunto das leis que estabelecem a forma pela qual se deve fazer valer os direitos;b) conjunto das leis reguladoras dos atos judiciários, também chamado direito judiciário, direito processual. (...) D. substantivo: o que define as relações das pessoas em sociedade, e as submete à sua ação. De direito: com justiça, em virtude da lei, legitimamente. Em direito, em bom direito: conforme as regras do direito, da equidade ou da justiça. (DICIONÁRIO MICHAELIS ONLINE, 2014)

Porém, o que nos interessa é o significado que se depreende das lições de Reale (2001, p.1 e 2) onde destaca que o direito é "um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros". Continua o doutrinador explicando que "o Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela."

O direito é decorrente da ordem social, visa o bem comum.

Da mesma maneira, a palavra poder também pode ter inúmeros significados

poder1

po.der1

(lat vulg *potere) vtd 1 Ter a faculdade ou possibilidade de: "...conseguiram dar uma violenta purga ao Baio. O animal estava que não podia parar em pé" (Francisco Marins). vtd 2 Ter autoridade, domínio ou influência para: Aqui ninguém pode usar armas. vint 3 Ter força, influência ou alimento: Mais pode a fé que a força humana. vtd 4 Ter permissão ou autorização para: Não pôde entrar por ser menor de 18 anos. vtd 5 Achar-se em estado de: "Só o dever e a justiça podem fundar o governo do povo pelo povo" (Rui Barbosa, ap Laud. Freire). vtd 6 Ter calma, energia, paciência para: Não pude sofrer tais afrontas. vtd e vti 7 Ter força para: Quem poderá erguer este caixote? O pobre velho mal podia com o peso da sua idade. vtd 8 Ter ocasião ou oportunidade de: Ainda não pude visitá-la. vtd 9 Estar arriscado ou exposto a: Até um sábio pode ser iludido. vtd 10 Ter motivo ou razão para; ter o direito de: Podemos anunciar que tudo vai bem. vint 11 Haver possibilidade; ser possível: Tudo pode acontecer. vtd 12 Usa-se interrogativamente para pedir a alguém que faça alguma coisa: Pode-me dizer onde é o mercado? Até mais não poder: até o último recurso. Não poder com alguém: não conseguir acalmá-lo, aturá-lo etc. Não poder consigo: estar muito fraco e abatido, não ter força para se mexer. Poder com: aguentar; conseguir carregar; suportar, tolerar. Poder com alguém: ter grande influência ou poder sobre ele.

poder2

po.der2

sm (de poder1) 1 Faculdade, possibilidade. 2 Faculdade de impor obediência; autoridade, mando. 3 Império, soberania. 4 Posse, jurisdição, domínio, atribuição. 5 Governo de um Estado. 6 Forças militares. 7 Força ou influência. 8 Força física ou moral. 9 Eficácia, efeito, virtude. 10 Meios, recursos. 11 Capacidade de agir ou de produzir um efeito: Poder aquisitivo; poder absorvente; poder adesivo. 12 Dir Capacidade de fazer uma coisa. 13 Mandato, procuração. Grande número, grande quantidade; multidão, abundância. sm pl 1 Mandato, procuração. 2 Faculdade ou direito de exercer certas funções. (DICIONÁRIO MICHAELIS ONLINE, 2014)

A nós interessa definir poder como a faculdade de imposição da vontade de um indivíduo sobre os demais.

Poder também pode ser conceituado como

[...] o valor determinante da Política, que é a ciência da organização do poder e a arte de realizar o bem social com o mínimo de sujeição. Há uma Ética da política ou Ética do poder, assim como homens há para os quais a "razão de Estado" deve prevalecer sobre todos os valores. A Política acima de tudo, da religião, da arte, da ciência etc., todas postas a seu serviço, como nos Estados totalitários. (REALE, 2001, p. 36)

Cabe a seguinte reflexão, embora dos direitos sejam decorrentes alguns poderes ao seu portador, nem todo poder gera um direito.

Assim, nota-se a distinção entre direito e poder, onde o primeiro é decorrente de um ordenamento social e o segundo caracteriza-se pela imposição da vontade.

4.2. A legalidade da cláusula fiscalizatória

Os contratos avençados no âmbito dos Shopping Centers tem como maior referencial o princípio do pacta sunt servanda (os acordos devem ser cumpridos), resultado da autonomia da vontade das partes, assim, uma vez que neles esteja inclusa a cláusula de fiscalização, esta deve ser cumprida.

Conforme o Enunciado 30 da Jornada de Direito Comercial “nos contratos de Shopping Center, a cláusula de fiscalização das contas do lojista é justificada desde que as medidas fiscalizatórias não causem embaraços à atividade do lojista.” (JORNADA DE DIREITO COMERCIAL, 2012)

Assim exposto, é evidente que tal cláusula não possui ilegalidade, nem é considerada abusiva, visto que o contrato é limitado conforme o acordo de vontade das partes.

4.3. O poder de fiscalização

Diniz discorre sobre a fiscalização e aponta que cabe à administradora do empreendimento o poder de fiscalizar

A administradora nomeada pelo dono do shopping e pelos lojistas, além dos deveres relativos ao funcionamento do centro empresarial e dos poderes de representação, na qualidade de mandatária do empreendedor, terá o poder de: (...) examinar, por meio de seus representantes, procuradores e auditores, a escrituração contábil, balanço, inventários de mercadorias, estoque que possibilitem a constatação do faturamento bruto do lojista, pois, sem a fiscalização exercida pela administradora na apuração da receita bruta da loja, seria impossível estabelecer a percentagem para calcular o preço móvel da remuneração pelo uso da unidade. (Grifo nosso)

(DINIZ, 2013, p. 87 e 88)

Além do exame dos documentos supracitados, a fiscalização também pode ser feita in loco, ou seja, pode o administrador, por meio de seus funcionários, acompanhar o movimento da loja, averiguando se para todas as vendas efetuadas é emitida nota fiscal e se o registro é feito de maneira correta no caixa.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os contratos firmados nos Shopping Centers têm natureza jurídica de locação comercial, porém são diferenciados, tendo especificidades que exorbitam os contratos de locação comuns. Nesse universo, onde o contrato é limitado pelo acordo de vontades das partes, há a cláusula de fiscalização sobre o faturamento do lojista.

Dentre as cláusulas exorbitantes ao contrato comum de locação comercial, a fiscalizatória se destaca em virtude da maneira como esta fiscalização é feita. Não basta o exame dos documentos contábeis, o empreendedor, representado na maior parte das vezes pelo administrador do shopping, faz constantes auditorias nas lojas, tendo um funcionário que acompanha cada venda e faz apontamentos que serão confrontados com as informações fornecidas pelo lojista.

O assunto foi abordado tendo como base pesquisa exploratória com delineamento bibliográfico, onde pudemos definir que a natureza jurídica desta modalidade contratual é a de locação comercial, bem como a legalidade da cláusula fiscalizatória.

Por se tratar de um contrato diferenciado, que na maioria das vezes é sigiloso, tendo conhecimento da íntegra de seu conteúdo apenas o empreendedor, o lojista e o administrador do shopping, a pesquisa não foi pautada em um contrato real, existente, apenas nas doutrinas e jurisprudências disponíveis.

Embora ainda não seja pacífico, entendemos que a natureza jurídica dos contratos firmados em Shopping Centers é de locação comercial, isso em decorrência do próprio texto de lei, que no bojo do diploma legal que trata da lei do inquilinato coloca-os nesse patamar.

Sendo um contrato de locação comercial, este tem características próprias, como forma de determinar a cobrança do aluguel, que pode ser um valor mínimo, fixado no contrato, ou um valor percentual sobre o faturamento bruto do lojista, isto quando o segundo extrapolar o valor mínimo, não sendo cumulativas as cobranças e sim alternativas. Além disso, nos meses com maior movimentação comercial há a cobrança do aluguel dobrado, também prevista em contrato, justificando-se pelo aumento de despesa com a circulação dos consumidores no shopping, bem como maior investimento em decoração dos corredores e campanhas promocionais.

Por ter uma maneira diferenciada para cobrança do aluguel faz-se necessário que ferramentas estejam disponíveis para que o percentual tenha por base o valor real do faturamento bruto do lojista, vez que essa sistemática de cobrança é vantajosa tanto para o empreendedor, que visa alcançar maiores lucros para seu investimento, tanto para o lojista, que é incentivado a efetivar maior número de vendas, evitando o pagamento do aluguel mínimo.

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Entendemos ser a fiscalização do faturamento do lojista um direito do empreendedor decorrente do contrato avençado entre as partes e limitado por este. É fundamental para a aferição dos resultados do lojista e determinação da base de cálculo do aluguel percentual, devendo sempre ser observado o limite imposto no acordo firmado, evitando situações onde seja caracterizado um abuso de poder. 

Ainda que não se tenha uma legislação específica, diante de todo o exposto fica evidente que, quando pactuado, o contrato deve observar e respeitar os princípios fundamentais de direito, tais como os da boa-fé e a pacta sunt servanda.

Principalmente em virtude da expansão de mercado e polêmica acerca do tema, acreditamos que os estudos sobre o contrato de locação em Shopping Center devem continuar, afim de que se pacifique sua natureza jurídica e tornem-se cada vez mais evidentes os limites contratuais.


REFERÊNCIAS

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VIDIGAL, Paula Mascarenhas Mourão. Alguns aspectos jurídicos do contrato de locação em shopping center. Nova Lima (MG) : Faculdade de Direito Milton Campos, 2006


Notas

[1] Informações atualizadas em Maio de 2014.

[2] Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE). Disponível em: <http://www.portaldoshopping.com.br/>. Acesso em 20 de maio de 2014.

[3] Há, no entanto, o Projeto de lei 7137/2002 que estabelece normas para relação contratual locatícia em Shopping Center. Ele sugere diversas alterações à lei 8.245/1991, de modo a equilibrar a relação entre lojista e empreendedor.

[4] SANTOS, Gildo dos. Semana Jurídica – Tema “Locação de imóveis : aspectos polêmicos”, OAB/Santos, 06 de agosto de 2013, Santos, SP.

[5] Tema abordado no item 3.3.2.

[6] Corroborando com o exposto, destaca-se o Enunciado nº 29 da I Jornada de Direito Comercial: “aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil), em conformidade com as especificidades dos contratos empresariais”.

[7] Tenant Mix é o planejamento do Shopping Center, que leva em conta os fatores comerciais e define o perfil do empreendimento.  

[8] A participação referida ocorre no aluguel percentual

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LACERDA, Alice. Locação em shopping center e fiscalização sobre o faturamento do lojista:: um poder ou um direito do empreendedor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4135, 27 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30217. Acesso em: 22 dez. 2024.

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