Segurado especial: a dificuldade de comprovação da atividade rural

18/07/2014 às 18:29
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Hoje, vivemos em uma sociedade totalmente “documentada”, nossas ações, nossos projetos, tudo e qualquer coisa que venhamos a fazer: resume-se em papel. Neste sentido, tudo que é, se tem como provar através de documentos.   

Em vista disto, a informalidade vai perdendo espaço no nosso cotidiano, e aqueles que permanecem nela tendem a não ter seus atos reconhecidos, e por consequência, os seus direitos negados. Tal informalidade é predominante nas áreas mais carentes, nas áreas rurais, áreas em que a informação é pouca e o auxílio estatal é quase ­nenhum. Em vista disto, as pessoas encontram  sérias dificuldades quando precisam que seus direitos sejam reconhecidos, pois faz-se mister a comprovação através dos meios materiais. Aí é que está o problema: muitos passam a formalizar sua condição a partir do momento em que se fez necessário.

A situação supra narrada é a dificuldade a qual o Judiciário encontra todos os dias, conflito entre partes que precisam reconhecer seus direitos em face daquelas que negam a existência de tal. Direcionemo-nos aos benefícios previdenciários destinados aos segurados especiais.

Partindo de uma análise histórica, de forma sucinta, a nossa Carta Magna traça em seu Art. 1°. III, a dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos e objetivos sociais. Neste sentido, atendendo à supremacia constitucional, deve o Estado regular meios para garantir dentre os demais direitos, os direitos fundamentais de todo e qualquer indivíduo. A isto chamamos de normas programáticas, ou seja, diretrizes para a atuação dos órgãos estatais. Em vista disto, toda e qualquer lei ordinária deverá ser regulada a fim de atender aos preceitos constitucionais. Nesta senda, a Constituição Federal de 1988, conhecida com a Constituição da solidariedade e do Bem Estar Social exprime em seus Arts. 194 – 204 um capítulo específico à seguridade social, instruindo ao aplicador da lei a sua forma de atuação.          Neste sentido, a Previdência Social encontra seu respaldo legal na Lei 8.213/91, estipulando parâmetros, e a forma de faz jus aos auxílios previdenciários.

Neste sentido, para a concessão de todo e qualquer benefício existem requisitos legais estipulados na lei especial, e para a comprovação dos referidos requisito, faz-se mister dos documentos necessários ou meios legais para o reconhecimento das contribuições junto ao INSS. Em vista disto, a informalidade encontra seu maior embate: como comprovar? É aqui que muitos daqueles que fazem jus a um benefício previdenciário encontram o seu pleito julgados improcedentes.

De acordo com o sítio da Previdência Social, enquadra-se como Segurado Especial:

“São os trabalhadores rurais que produzem em regime de economia familiar, sem utilização de mão de obra assalariada permanente [...] também são considerados segurados especiais o pescador artesanal e o índio que exerce atividade rural e seus familiares”.

Neste sentido, o que comumente se vê são trabalhadores que laboram no campo para a subsistência própria e do seu núcleo familiar, razão pela a qual dificilmente juntam meios formais que comprovem o efetivo exercício da atividade, em conflito com a lei:

“Art. 48 - § 2º Para os efeitos do disposto no parágrafo anterior, o trabalhador rural, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido”. [grifo nosso]

Em vista disto, há um conflito direto com o requerimento de concessão do benefício, já que dificilmente os documentos apresentados constituem- se como documentos que confiram validade e força probante na análise do Judiciário. Por exemplo, comprovante de pagamento de sindicatos. Estes documentos, entende o judiciário, como documentos declaratórios, sem qualquer força vinculante do efetivo exercício já que não encontram respaldo na Lei ou entes da administração pública.

Na aplicação da norma, assim como preceitua o Art. 5° da LINDB, in verbis: “Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, o  Juízo deverá atender aos fins sociais a qual esta se destina, de forma a garantir o direito do indivíduo. Neste sentido, deve-se entender que o rol do Art. 106 da Lei 8.213/91 não é taxativo, mas sim, meramente exemplificativo, de forma que, durante a análise do caso, o julgador pode conferir força probante aos documentos colacionados.

Decisões pautadas nesse entendimento são mais justas, por considerarem as particularidades da vida no campo, marcada pelo árduo trabalho braçal e pelo pequeno grau de instrução das pessoas que lá residem, que se veem obrigadas a comprovar seu exercício na velhice, por meio de documentos pouco acessíveis e de importância até então ignorada, apenas com o escopo de atender às rígidas regras previdenciárias.

Nessa esteira, apenas a título de exemplo, temos a decisão a seguir:

“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE APONTAM PARA O EFETIVO EXERCICIO DA ATIVIDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. TAXA DE JUROS MORATÓRIOS DE 1% AO MÊS (ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL). SÚMULA Nº 01 DESTA TURMA RECURSAL. SENTENÇA MANTIDA. MEDIDA ANTECIPATÓRIA DA TUTELA CONFIRMADA. 1. A condição de lavrador do recorrido pode ser, também, demonstrada por outros elementos probatórios que não aqueles elencados no art. 106 da Lei nº 8.213/91, preservando-se com isso o princípio do livre convencimento do Juiz e levando-se em conta as particularidades fenomenológicas da vida no campo. 2. Do exame das provas carreadas, quais sejam: a) Certidão negativa de títulos protestados em nome do recorrido, qualificado como lavrador, em 03.08.1988; b) Declarações de ITR de pequeno imóvel rural (fls.12/13), em nome do autor; corroborados pelo depoimento pessoal e pela prova testemunhal de fl. 19, apresentam-se como indicativos de efetivo exercício da atividade rural pelo postulante em regime de economia familiar, durante o período de carência exigido - 126 (cento e vinte e seis) meses - motivo pelo qual faz jus à concessão do benefício. 3. Aplicação subsidiária do art. 5ºda Lei 9.099/95, que permite ao Julgador valorar as provas dentro do seu próprio critério de justiça, como sói ocorrer no caso em questão, por ocasião da audiência de instrução e julgamento.(...)”. (Recurso Inominado nº 2005.33.00.769122-5/BA ( nº de origem: 2004.33.00.751793-9). RECURSO INOMINADO CONTRA SENTENÇA CÍVEL Nº 2005.33.00.769122-5/BA (Nº DE ORIGEM 2004.33.00.751793-9). (Grifo Nosso)

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Neste sentido, assim se posicionou o TNU ­– Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, ao declarar, na Súmula de n° 14, ipsi literalis:

“Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”.

Em vista disto, busca-se garantir à sociedade, a aos indivíduos hipossuficientes a tutela dos seus direitos, através do sopesamento diante da análise do caso concreto. Outrossim, diante das condições especiais a que está submetido o trabalhador rurícola, o juízo interpretativo do julgador deve ser pautado pelo princípio da razoabilidade, não sendo justo a exigência de guarda de documentos antigos, os quais essas pessoas não creditam qualquer valor. Esta se discussão se faz para que o período de carência previsto em lei seja saciado através de documentações ­ - ainda que recentes ­– para que se constate o início de prova material, que, analisado conjuntamente com a prova testemunhal e o depoimento pessoal do segurado, possibilite um juízo de valor considerado seguro pelo magistrado acerca dos fatos que o segurado demandante busca comprovar.[1]

Neste sentido, faz-se mister elencar acórdãos proferidos que corroboram com tal entendimento:

         PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. TRABALHADORA RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea. Precedentes da Terceira Seção desta Corte e do egrégio STJ. 2. Restando comprovado nos autos o exercício da atividade laborativa rural no período de carência, há de ser concedida a aposentadoria por idade rural. 3. A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF-4 - AC: 9999 RS 0005680-41.2010.404.9999, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 01/09/2010, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 13/09/2010)

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. LEI 8.213/91. ART. 143. ART. 11, VII. PROVA DOCUMENTAL CORROBORADA POR TESTEMUNHAS. REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO DEVIDA. (…) III. Se os depoimentos testemunhais colhidos no Juízo de origem corroboram a prova documental no sentido de que efetivamente houve o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, na condição de segurada especial, a manutenção da sentença que concedeu a pleiteada aposentadoria é medida que se impõe. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. IV. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento), apenas sobre as parcelas vencidas até a prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do eg. STJ e do art. 20, § 4º, do CPC. V. Remessa oficial de que não se conhece; apelação a que se dá parcial provimento. (TRF-1 - AC: 40356 AC 0040356-71.2010.4.01.9199, Relator: JUIZ MARCOS AUGUSTO DE SOUSA (CONV.), Data de Julgamento: 08/09/2010, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.399 de 28/09/2010)


[1]     http://jus.com.br/revista/texto/23261/aposentadoria-rural-por-idade-na-jurisprudencia-do-tribunal-regional-da-4a-regiao

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