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O contrato do atleta profissional de futebol

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CAPÍTULO 3: DIREITO DE ARENA, DIREITO DE IMAGEM, LUVAS E BICHOS

3.1 DIREITO DE ARENA

A palavra “arena” emana do latim e significa areia. O termo arena é oriundo dos locais onde gladiadores travavam batalhas épicas. O espetáculo consistia em lutas brutais entre guerreiros e até mesmo contra animais. Até nos dias atuais, esse termo ainda é bastante utilizado pelos narradores para mencionar o espaço em que será realizado o espetáculo.[118]

Acredita-se que o primeiro conflito a respeito do direito de arena tenha acontecido na Itália, por volta dos anos 60, na volta ciclística de Roma. O evento era considerado grandioso e os responsáveis dedicavam tempo e disposição para que fosse um sucesso. Depois que todos os preparativos estivessem prontos, a televisão só tinha o trabalho de transmitir o evento e vender patrocínios, dessa forma, ganhava dinheiro dos patrocinadores e não repassava nada para os organizadores do evento. O caso foi encaminhado aos tribunais, pois os organizadores do evento e a empresa que transmitiu o evento não entraram em um consenso, e foi decidido que a televisão deveria indenizar os organizadores pela fundamentação do locupletamento ilícito. Depois desse caso, o direito de arena é respeitado até hoje.[119]

O contrato de trabalho do jogador profissional é composto por várias especificidades, que o distingue do contrato de trabalhadores em geral. O direito de arena é uma dessas características, mas é um assunto que gera desentendimento na doutrina, por ser muito parecido e confundido com o direito de imagem.[120]

Conforme nos ensina o autor, o direito de arena tem previsão legal na Constituição Federal, especificamente em seu art. 5º, XXVIII, “a”, assim como no art. 42 da Lei Pelé:

“Art. 5º, XXVIII, CF. são assegurados, nos termos da lei:

 a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução de imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

Art. 42, Lei 9.615/98 (Redação original). Às entidades de prática desportiva perante o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.”

Segundo a redação anterior do art. 42 da Lei Pelé, “o clube devia repassar, em partes iguais, 20%, no mínimo, do montante que recebia a título de autorização para transmissão dos jogos aos atletas que participaram do espetáculo”.[121]A Lei permitia que a porcentagem repassada ao atleta pudesse ser superior aos 20%, mas nunca inferior.[122]

A Lei 12.395/11 alterou esse dispositivo, e o art. 42 passou a ter essa nova redação:

“Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consiste na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.

§1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.”

A partir do momento em que a Lei 12.395/11 entrou em vigor, algumas mudanças ocorreram no que diz respeito ao direito de arena. Todas as prerrogativas trazidas no art. 42 são exclusivas de entidades de prática desportiva. O termo “direito de arena” apareceu na redação para que não haja uma interpretação semelhante com o “direito de imagem”, e o clube deverá repassar 5% do que receber do direito de arena aos sindicatos dos atletas profissionais, e estes devem distribui-los, em partes iguais, aos atletas que participarem do evento. [123]

Existem duas correntes com pensamentos distintos no que diz respeito à natureza jurídica do direito de arena. Uma corrente entende que o direito de arena é uma verba indenizatória, e a outra afirma que é de caráter remuneratório.[124]

O autor João Henrique Cren Chiminazzo, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, menciona em seu texto o entendimento de Felipe Legrazie Ezabella e Luiz Felipe Guimarães Santoro sobre a natureza indenizatória. Eles afirmam que o valor do Direito de Imagem não advém da relação de emprego, mas é atribuído pela exposição com fins econômicos do evento desportivo. João Henrique Cren Chiminazzo não concorda com esse entendimento, e justifica sua posição com o exemplo do jogador do banco de reservas, que tem sua imagem explorada durante o evento, mas, caso não venha participar do jogo, não fará jus a essa indenização.[125]

Segundo o entendimento da segunda corrente, o Direito de Arena tinha caráter de remuneração. Vale ressaltar o parágrafo primeiro do artigo 42 da Lei Pelé, segundo o qual o pagamento só será efetivado aos atletas que vieram a participar de evento. Dessa forma, o Ilustre Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo traz em seu material o entendimento do professor Domingos Sávio Zainaghi. O Ilustre professor afirma que “a natureza jurídica do direito de arena no campo do direito do trabalho é o de remuneração”.[126]Essa corrente era comparada com um instituto jurídico muito famoso na esfera trabalhista, as gorjetas. As gorjetas possui dispositivo legal no artigo 457 da Consolidação das Leis do trabalho, como se observa a seguir:[127]

“Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contra prestação do serviço, as gorjetas que receber.

Parágrafo terceiro: Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela cobrada pela empresa do cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.”

Sendo assim, fica evidente que o Direito de Arena possuía caráter de remuneração e era comparado com o instituto jurídico das gorjetas. Fazendo uma análise por analogia, os trabalhadores que recebem gorjetas, segundo dispositivo legal, e possuam vínculo contratual, vão receber, de forma direta ou indireta, pelo empregador ou por terceiros, por forma de remuneração. Vale ressaltar, que as gorjetas integram nos benefícios trabalhistas, dessa forma, entende-se que o mesmo seria refletido sobre o Direito de Arena.[128]

No entanto, a Lei 12.395/2011 trouxe alteração em seu texto e o entendimento de que o direito de arena não deve incidir na remuneração, pois o art. 42, §1º da Lei Pelé afirma expressamente que o direito de arena é uma parcela de natureza civil.[129]

O site www.extra.globo.com trouxe uma matéria em que ex-jogadores do Clube de Regatas Flamengo entraram na justiça contra o clube pleiteando ação em torno de 10 milhões de reais. Os jogadores estão cobrando Direito de Arena que não teria sido repassado nos anos de 2007 a 2011. Alguns jogadores, como Ronaldo Angelim e o lateral Juan, calculam a dívida em torno de 2 milhões de reais para cada um. Vale lembrar que, até 2011, o percentual que deveria ser repassado ao jogador era de 20% e, a partir da Lei 12.395/2011, o percentual caiu para 5%.[130]

O cálculo do Direito de Arena será realizado da seguinte forma:

O clube irá receber um valor “X” de uma determinada empresa que irá transmitir os seus jogos. Desse valor “X” serão descontados 5%, e o valor obtido será dividido pelo número de partidas que o jogador realizou e, por fim, o último resultado será dividido pelo número de jogadores que existem no elenco.[131]

Sendo assim, para um melhor entendimento, suponhamos que ficou estabelecida uma quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a ser recebido pelo clube. Serão descontados 5% desse valor, chegando-se ao montante de R$ 50.000,00; imaginemos que o clube tenha realizado 10 partidas, chega-se, então, ao valor de R$ 5.000 (cinco mil reais) e, supondo que o clube tenha 20 jogadores em seu elenco e que todos tenham participado do espetáculo, (lembrando que em um jogo oficial só se pode utilizar no máximo 14 jogadores, mas, para facilitar o cálculo, será dividido pelo número total de atletas no elenco), deve-se dividir o montante encontrado pelo número de atletas, chegando-se à quantia de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais). Portanto, todos os jogadores que realizaram todas as partidas do campeonato farão jus a R$ 250,00 reais a título de Direito de Arena.[132] 

3.2 DIREITO DE IMAGEM

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, menciona inúmeros direitos de personalidade. Entre esses direitos, o direito à imagem está previsto nos Incisos V, X, XXVIII, como pode ser observado em sua redação original:[133]

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XXVIII- são assegurados, nos termos da lei:

a)      a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução de imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;”

Portanto, quando se fala em direito de personalidade, entende-se que esse direito é indisponível, intransmissível, irrenunciável, imprescritível, ou seja, é impossível alguém poder transferir para outrem um direito de personalidade, ou até mesmo renunciar a esse direito.[134]

Sendo assim, a Mestre em Direito Carla Vasconcelos Carvalho traz um questionamento muito contundente no que se refere ao direito de imagem: uma vez que, nos dias atuais, existe a possibilidade contratual da imagem, como isso é possível se o direito de imagem é inalienável e indisponível? A ilustre professora responde a esse questionamento, dizendo que existe uma importância muito grande nos contratos de imagem, mas que apenas recebem um nome vulgar de contrato de imagem ou cessão de imagem, tendo como objetivo, “a exposição do aspecto sensível do sujeito em determinadas circunstâncias”.[135]

Esses contratos são assinados por celebridades, artistas e esportistas que estejam ligados diretamente ao grande público. Esses contratos proporcionam a essas celebridades uma segunda renda, que na maioria das vezes pode chegar a superar a sua remuneração primária. Além disso, existe a possibilidade de surgirem novos patrocinadores.[136]

O advogado Sarmento utiliza os ensinamentos do Ilustre professor Álvaro Melo Filho, que faz uma brilhante explicação do direito de imagem na esfera desportiva, como pode ser analisado a seguir:

“Tem tido larga aplicação na esfera desportiva, com os clubes ajustando com os atletas (que geralmente constituem pessoas jurídicas para, licitamente, reduzir as incidências tributárias e encargos previdenciários), o direito de uso de sua imagem. É evidente que a cessão do direito de uso da imagem, no plano teórico-jurídico, é ajuste de natureza civil e não trabalhista, vale dizer, a paga que corresponde a exploração comercial do desportista não pode ser considerada integrante da remuneração do atleta empregado”.[137]

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Dessa forma, entende-se que o atleta profissional estipula um acordo com o clube para a utilização do direito de imagem. Quando o acordo é estabelecido entre as partes, o jogador terá redução nas incidências tributárias e nos encargos previdenciários. É sabido que esse acordo tem caráter civil, não adentrando na esfera trabalhista, portanto o valor estabelecido não pode ser considerado como parte da remuneração do atleta.[138]

Vale apresentar uma prática utilizada com muita frequência no futebol brasileiro. Os clubes querem evitar a aplicação da legislação trabalhista, sendo assim parte da remuneração é paga em caráter de direito de imagem, tendo em vista a constituição de pessoa jurídica pelo atleta. Em alguns casos, o clube paga ao atleta, mas não é configurado o direito de imagem. Essa atitude é considerada fraude por violar o art. 9º da CLT e a Súmula 331 do TST, o item I, como se pode observar a seguir:[139]

“Art. 9 Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Súmula 331 TST Item I - A contratação de trabalhadores por empresas interposta é ilegal, formando-se vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974).”

Dessa forma, entende-se que, de acordo com o artigo 9º da CLT e com a Súmula 331 do TST, serão nulos os atos de pleno direito que forem executados com o objetivo de fraudar a legislação trabalhista.[140]

3.3 DIREITO DE ARENA X DIREITO DE IMAGEM

No Direito Desportivo, existe uma confusão entre os operadores do direito quanto ao Direito de Arena e o Direito de Imagem, portanto cabe apresentar as diferenças desses dois direitos.[141]

Quando se fala em direito de imagem, deve ser atribuída à própria imagem da pessoa, ou seja, essa pessoa autoriza que sua imagem possa ser divulgada para determinados fins, como publicidades, comerciais, entre outras, enquanto o Direito de Arena tem relação com o direito autoral, está diretamente ligado à entidade de prática desportiva (o clube). Dessa forma, caberá ao clube aceitar ou não a proposta apresentada pelas empresas que estejam dispostas a apresentar o evento.[142]

O advogado Igor Asfor Sarmento menciona os ensinamentos de Sá Filho para explicar a diferença entre o Direito de Imagem e o Direito de arena. Para isso, utilizou a doutrina de Ezabella, como pode se analisar a seguir:

“A diferença crucial mencionada pela doutrina está na titularidade de cada direito. Enquanto que a titularidade do direito de arena pertence à coletividade, representada pela entidade de prática desportiva dos atletas profissionais participantes do espetáculo, quanto ao direito de imagem, a titularidade é dos atletas de forma individual, independentemente de ser profissional ou não, por se tratar de direito de personalidade”.[143]

Portanto, entende-se que a principal diferença entre o Direito de Arena e o Direito de Imagem é a titularidade do direito. O Direito de arena está relacionado ao coletivo, é uma remuneração a ser distribuída aos atletas que vierem a participar do evento esportivo, enquanto a titularidade do Direito de Imagem está associada ao individual, nem é necessário ser atleta profissional para fazer jus ao Direito de Imagem, pois esse direito é considerado um direito de personalidade.[144]

Sendo assim, as principais diferenças entre esses dois institutos são a fundamentação legal (uma vez que o Direito de Arena está previsto na Constituição Federal e na Lei Pelé, enquanto o Direito de Imagem está previsto apenas na Constituição Federal), a titularidade (o Direito de Imagem está diretamente ligado ao atleta, e o Direito de Arena está ligado à coletividade) e a forma de natureza (o Direito de Arena possui natureza legal, e o Direito de Imagem tem natureza de caráter contratual).[145]

3.4 LUVAS

Para adentrar no mérito das luvas, é interessante saber de onde veio essa nomenclatura. As luvas se deu origem através do Direito Civil, especificamente no Decreto 24.150, conhecido como Lei de Luvas. Esse decreto já se foi revogado do ordenamento jurídico. As luvas estão diretamente relacionadas ao contrato de locação e são basicamente um sinal que um indivíduo oferece ao locador para que tenha preferência da locação.[146]

A natureza das luvas é de gratificação, a intenção desse benefício é de recompensar, premiar o atleta que optou por mudar de um emprego por outro. Essa mudança pode estar diretamente ligada a uma mudança de um estado para outro ou até mesmo de um país para outro e pode acarretar inúmeras dificuldades à adaptação do atleta, como o clima, os costumes, a cultura de cada região. As luvas não têm apenas a finalidade de premiar o atleta que muda de clube, seu objetivo também é premiar o atleta que passa um longo período em um mesmo clube, e quanto mais importante for o atleta e mais títulos tiver, maior poderá ser a gratificação em forma de luvas.[147]

Segundo o professor Fábio Menezes de Sá Filho, “para o Direito Desportivo, as luvas é a quantia paga ao atleta pelo seu clube, na forma que do for convencionado, pela assinatura do pacto laboral”.[148]Sendo assim, entende-se que as luvas serão pagas pelo clube em que o atleta desempenha o seu trabalho, e esse pagamento se dará no momento em que for assinado o contrato de trabalho. O professor Fábio Menezes utiliza os ensinamentos de Barros, que cita Catharino, para dizer que as luvas não necessariamente devem ser pagas em dinheiro, mas podem ser pagas em títulos ou bens, até mesmo em veículos.[149]

Caso o pagamento venha ser exclusivamente em dinheiro, esse valor pode ser feito à vista ou ser dividido em inúmeras parcelas. Essa forma de pagamento deve ser acordada entres as duas partes para que não venha causar nenhum transtorno futuramente.[150]

As luvas só poderão ser consideradas como parcela salarial, caso tenha sido acordada a forma parcelada em contínuos meses.[151]O ilustre advogado Fábio Menezes comenta, em sua obra, outra prática usual que os clubes utilizam para desvirtuar o adimplemento do salário, situação semelhante ao Direito de Imagem, como se pode observar a seguir:

“Contudo, além do caso de mora contumaz do empregador, apenas o pagamento parcelado sucessivamente em meses é que poderia caracterizar essa gratificação como parcela salarial, pois há clubes que ofertam contratos de trabalho aos jogadores de futebol, atribuindo parte do pagamento da contraprestação fixa mensal no valor das luvas, no intuito de desvirtuar o adimplemento do salário. Trata-se de uma prática semelhante à do pagamento da verba a título de direito de imagem”.[152]

A partir desse esclarecimento, fica evidente que os clubes procuram soluções que acabam fraudando as normas trabalhistas, sempre com o objetivo de se beneficiar por deixar de pagar os direitos trabalhistas da forma como a CLT determina, sendo capazes até mesmo de desvirtuar o adimplemento salarial.[153]

Vale ressaltar que a fraude não irá se caracterizar em todas as relações contratuais trabalhistas, mas é importante que o atleta tenha cuidado com essa gratificação na forma parcelada. Durante período do seu contrato, o atleta deve atentar-se às parcelas das luvas, que não poderão ser maior do que a duração do seu contrato.[154] 

3.5 BICHOS

No que diz respeito aos bichos, o autor Fábio Menezes de Sá Filho utiliza os ensinamentos de Silva, que, em seu livro, faz citação a José Martins Catharino para explicar a origem da nomenclatura “bichos”. Catharino explica que a nomenclatura se deu:

“Nos primórdios do profissionalismo esportivo, guardando a relação, que o nome sugere, com o jogo do bicho. Ocorre que os atletas ainda amadores recebiam dinheiro com a vitória e para justificar a quantia que recebiam, diziam que a mesma advinha da prática desse popular jogo de azar; como o nome tornou-se popular, passou a fazer parte do cenário desportivo”.[155]

Como se pode observar, “bichos” é uma prática antiga, utilizada até hoje no futebol para premiar os atletas pelo seu esforço, por terem conquistado resultados expressivos. Originou-se com o jogo de azar, conhecido popularmente como Jogo do Bicho.[156]

A natureza jurídica dos bichos é de gratificação, portanto os bichos têm como objetivo premiar, gratificar, recompensar os atletas pelo desempenho alcançado. O professor Fábio Mendes de Sá apresenta uma citação de Catharino, que diz: “as gratificações verdadeiras não integram o salário do empregado, como obrigação principal do empregador”.[157]

Dessa forma, fica evidente que a gratificação não tem caráter obrigacional, sendo assim os bichos configuram apenas uma premiação que o clube pode repassar para os atletas. Caso esse benefício seja pago ao atleta com frequência, de uma maneira costumeira, deve-se então ser considerada uma verba de natureza salarial.[158]Para saber se a gratificação possui ou não natureza salarial, o professor Fábio Menezes de Sá Filho apresenta uma pontual lição:

“Nesse viés, haveria de se distinguir as gratificações próprias, das impróprias, pois as primeiras não teriam natureza salarial, em virtude de serem pagas, espontaneamente, mas as últimas sim, visto que surgiram de acordo de vontade das partes, tornando o pagamento obrigatório. E para se saber se há obrigatoriedade ou não no adimplemento da gratificação imprópria, deve-se analisar se o acordo é expresso ou tácito”.[159]

Logo, deve-se analisar se a gratificação é própria ou imprópria, ou seja, se a gratificação é paga por espontaneidade ou se existiu um acordo entre as partes, tendo em vista que há um costume na prática desse ato, tornando obrigatório o pagamento da gratificação, sendo assim, tendo natureza salarial.[160]

Portanto, os bichos são um tipo de gratificação utilizada para premiar o atleta por ter tido um bom desempenho em determinada partida, ou até mesmo premiar os jogadores pela conquista de um título.[161]

O site globoespote.com traz uma reportagem mostrando que a prática de bichos ainda é utilizada para premiar os atletas. A matéria refere-se ao Fluminense/RJ, que prometeu pagar bichos aos seus atletas pela conquista do título brasileiro de 2012. O valor combinado entre clube e jogadores foi de 3 milhões de reais, mas, como o clube possui dívidas exorbitantes, o dinheiro recebido pela conquista do campeonato foi penhorado, com isso o clube ainda não conseguiu pagar o prêmio aos seus jogadores por causa dessa situação.

Apesar de o pagamento ainda não ter sido concretizado, a gratificação a título de bichos é usual no futebol brasileiro.[162]

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Sobre o autor
Paulo Henrique Chacon de Souza

Advogado no escritório Corrêa da Veiga. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF. Pós graduando em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mendes. Pós graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDP. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCeub. Pós-Graduado em Direito Público pela AVM Faculdade Integrada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Paulo Henrique Chacon. O contrato do atleta profissional de futebol. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4129, 21 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30378. Acesso em: 28 mar. 2024.

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