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Imposto de Renda e educação.

Os limites à dedução do Imposto de Renda relativos a gastos com instrução do contribuinte e o direito à educação

25/01/2015 às 13:30
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Este texto discute diversos aspectos da dedutibilidade de gastos com educação no Imposto de Renda, conforme regulamentado pela Lei 9.250/1995.

Este pequeno artigo pretende analisar as faces da limitação às deduções sobre o Imposto de Renda com gastos desprovidos com educação. A importância desta exposição reside no fato de que a instrução do cidadão alcança papel central na concretização da dignidade humana e pretendo mostrar a posição que o Direito Tributário adota em relação a este direito fundamental. Em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo a busca por uma educação de qualidade, em muitos dos casos, deixa de ser mero capricho e passa a se tornar imperativo para aqueles que desejam conquistar seu “espaço” e realizar os sonhos da independência financeira e do sucesso profissional

No nosso ordenamento atual a Lei nº 9.250/95 (com redação atualizada pela a Lei nº 12.469/2011) regula os famosos “limites anuais individuais” de dedução do imposto sobre a renda de pessoas físicas. Tais limites são, com determinada frequência, discutidos em sede de controle de constitucionalidade perante o Supremo, de forma que esta matéria de limitação nas reduções é bastante conhecida em nossos tribunais. Como exemplo disto podemos citar a ADI 4927, protocolada no dia 25 de março de 2013 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que ataca dispositivos da Lei nº 9.250/95 e Recuso Extraordinário nº 603.060-AgR/SP, ambos se insurgindo contra as limitações das deduções do Imposto de Renda.

A limitação imposta pelos itens 8 e 9 do inciso II do art. 8º da Lei nº 9.250/95 será o objeto principal de discussão. Em resumo, os itens citados trazem uma limitação bruta de dedução com gastos educacionais anuais da ordem de R$ 3.230,46 e de R$ 3.375,83 para os anos de 2013 e 2014, respectivamente.

A Constituição Federal hodierna confere máxima proteção à educação definindo-a como direito social (art. 6), direito de todos e dever conjunto do Estado, da família e da sociedade (art. 205 e 227). A Carta inclusive lista a possibilidade de responsabilização do gestor público pelo “não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular”[1]. Diante deste cenário temos então a educação erguida ao patamar de direito fundamental do cidadão e promotora da dignidade da pessoa humana.

Porém, é sabido que o Estado não consegue promover uma educação pública de qualidade. Isto é reconhecido até pela Constituição ao franquear à iniciativa privada a prerrogativa de fornecer instrução ao cidadão e garantir ao mesmo o poder de escolha entre a educação privada e a pública, conforme ditame do seu artigo 209. Para embasar tal afirmação podemos citar o trabalho de Naércio Menezes Filho:

“Sabemos que em muitos países, incluindo o Brasil, o sistema público de ensino tende a ter uma qualidade média baixa, insuficiente para formar os indivíduos para o mercado de trabalho, para o sucesso profissional e também pessoal. Por isso, surge o mercado privado de educação.”[2]

Em reportagem ao caderno de educação do site “Uol”, de acordo com o desempenho dos alunos no ENEM de 2011, dentre as dez melhores escolas apenas uma era pública. De acordo com a média aritmética das mensalidades cobradas durante o 3º ano de ensino médio nestas 10 escolas chegamos ao valor R$ 1.366,30[3]. Este quadro fático nos mostra que os melhores desempenhos vem de escolas cujos gastos com mensalidades são muito superiores aos valores dedutíveis do IR (levando-se em conta os limites firmados pela Lei 9.250/95).

Antepondo-se a estes dados existe a posição de que a própria Constituição confere o direito ao cidadão de optar pelo ensino público quando não tiver condições de arcar com o ensino privado e de migrar para o ensino privado quando assim o quiser. É garantida a coexistência do ensino público e do privado mas não há obrigatoriedade em frequentar um ou outro.

Outro argumento importante contra a redução, ou até eliminação dos limites estabelecidos pela Lei nº 9.250 seria a redução da arrecadação tributária. Em resposta à ADIN 4927, a Advocacia Geral da União estimou, de acordo com informações prestadas pela Receita Federal, uma perda arrecadatória no importe de R$ 50 bilhões por exercício financeiro caso houvesse a eliminação desse teto de dedução. Verbas estas destinadas, pelo menos em parte, aos próprios gastos com fornecimento de educação pública.

O estabelecimento de limites para dedução no IR é uma forma de incentivo à busca ao ensino privado, sabidamente de melhor qualidade, porém poderá servir como desestímulo caso os limites dedutíveis não condizerem com a realidade das mensalidades. Suponhamos que em determinado local encontramos escolas públicas com certo grau de excelência e que também verifiquemos escolas privadas com um ensino um pouco melhor do que o oferecido pela rede pública. Imaginemos também que não houvesse limitação para o abatimento do IR com gastos com educação ou que esse teto de dedução fosse maior que a anualidade da rede privada de ensino desta localidade em questão, é fácil notar que o cidadão irá preferir (caso consiga bancar) matricular seus filhos em uma escola melhor devido ao incentivo fiscal promovido pelo Estado. Conclui-se que tal incentivo fiscal beneficiaria as famílias que conseguem bancar os custo das mensalidades na rede de ensino particular.

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Agora voltando ao que foi dito nos parágrafos anteriores temos um outro lado dessa realidade. Com o aumento do incentivo fiscal (aumentando os limites de dedução, ou removendo-o) estaríamos reduzindo a arrecadação tributária. Isto nos levaria a um quadro onde menos recursos poderão ser destinados pelo Estado às melhorias no oferecimento de ensino público. Ou seja, aquelas famílias que encontram na rede pública a única forma de educação dos seus dependentes (por não ter condições de pagar os custos da educação privada) ficarão prejudicadas com um incentivo fiscal exacerbado. Fácil concluir que o aumento dos limites estabelecidos pela Lei 9.250/95 traria benefícios apenas para as famílias com condições econômicas vantajosas.

Embora as condições econômicas da família brasileira não tenham melhorado a ponto de que todos pudéssemos ter realmente o poder de escolha entre o ensino público ou o ensino privado, temos outro aspecto relevante a tratar. De acordo com o Censo Escolar do Inep, uma pesquisa realizada nos anos de 2011 a 2013 nos traz a informação de que o número de alunos matriculados em escolas particulares tem aumentado (um aumento de cerca de 14% no número de matrículas em instituições privadas segundo reportagem publica no site O Globo[4]). Fácil perceber que nossos estudantes estão frequentando cada vez mais as salas de aulas de escolas privadas e isto nos daria um maior contingente de alunos beneficiados pelo estímulo fiscal da dedutibilidade em apresso. Entretanto, o próprio Censo Escolar de 2013 mostra que 82,8% dos alunos matriculados no ensino básico no país são alunos de escolas públicas, enquanto que as escolas particulares são responsáveis apenas por 17,2% do total de matrículas[5]

Enquanto que o fenômeno migratório de alunos para as redes privadas de ensino é uma tendência, a base educacional nacional ainda é pública. Sacrificar a arrecadação tributária em vista de incentivos fiscais com deduções no IR é uma atitude elitista, embora honrada por dar uma importância maior à educação de qualidade. O aumento do montante dedutível beneficiaria apenas uma pequena parcela do contingente discente em detrimento daqueles que utilizam do sistema público de instrução.


Referências Bibliográficas

VIEIRA, Leonardo. Rede pública perde alunos para escolas privadas, segundo Censo. Disponível em <http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/rede-publica-perde-alunos-para-escolas-privadas-segundo-censo-11730917> Acesso em 17 de julho de 2014.

CAMPANETUT, Camila. Mensalidades das dez melhores escolas do Enem 2011 vai de R$ 0 até R$ 3.253. Disponível em <http://educacao.uol.com.br/noti-cias/2012/11/23/mensalidade-das-10-melhores-escolas-do-enem-2011-chega-a-r-3253.htm> Acesso em 27 de julho de 2014.

FERREIRA COELHO, L. Z. G. A construção da dignidade humana por meio da educação e do trabalho. DIREITOS FUNDAMENTAIS & JUSTIÇA – Ano 6, Nº 21 pág. 163-175, OUT./DEZ. 2012.

MENEZES FILHO, Naercio; FEKETE NUÑEZ, Diana. Estimando os gastos privados com educação no Brasil. Disponível em < http://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2012/05/Gastos_privados_com_educacao_no_Brasil_0.pdf > Acesso em 26 de junho de 2014.


Notas

[1] Art. 208, inciso VII § 2º, in verbis, “O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.”

[2] Estimando os gastos privados com educação no Brasil. In http://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2012/05/Gastos_privados_com_educacao_no_Brasil_0.pdf, acesso em 26.07.2014.

[3] Mensalidade das dez melhores escolas do Enem 2011 vai de R$ 0,00 a R$ 3.253,00. In http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/11/23/mensalidade-das-10-melhores-escolas-do-enem-2011-chega-a-r-3253.htm, acesso em 27/07/2014.

[4] Rede pública perde alunos para escolas privadas, segundo Censo. In http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/rede-publica-perde-alunos-para-escolas-privadas-segundo-censo-11730917, acesso em 17/07/2014.

[5] Os números do Censo da Educação Básica 2013. In http://infograficos.oglobo.globo.com/educacao/os-numeros-do-censo-da-educacao-basica-2013.html, acesso em 22/07/2014.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Pedro Diniz. Imposto de Renda e educação.: Os limites à dedução do Imposto de Renda relativos a gastos com instrução do contribuinte e o direito à educação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4225, 25 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30523. Acesso em: 29 mar. 2024.

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