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A perda dos direitos políticos, a prática do ato de improbidade administrativa e a Constituição Federal

03/08/2014 às 15:45
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De acordo com a Constituição Federal, o cometimento de ato de improbidade administrativa não gera a perda dos direitos políticos.

O Ministro Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática, negou pedido de liminar apresentado na Reclamação nº. 18183 contra o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que condenou a ré por ato de improbidade administrativa e aplicou a sanção de perda dos direitos políticos.

Ao analisar o pedido de liminar, o Ministro Ricardo Lewandowski destacou que “o Constituinte originário dispôs expressamente quais seriam as sanções para os agentes que sejam condenados por atos de improbidade administrativa: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. O art. 12 da Lei 8.429/1992, portanto, apenas dá cumprimento comando do legislador originário”.

Segundo o acórdão do Tribunal de Justiça e do Distrito Federal e Territórios, o recebimento de vantagem indevida pela acusada, então parlamentar, para angariar apoio político ao então candidato Governador, configura ato de improbidade administrativa passível de responsabilização com base nas disposições da Lei nº 8.429/92.

Desta forma, os Desembargadores do Tribunal de Justiça e do Distrito Federal e Territórios, ao analisarem as apelações contra a sentença, mantiveram as sanções de ressarcimento aos cofres públicos pelos danos que causaram; suspensão dos direitos políticos por oito anos; pagamento de multa equivalente a duas vezes o dano causado ao erário; proibição de contratar com o poder público e; pagamento de danos morais aos réus.

Consideramos acertadíssima tal decisão. Com efeito, em 1992 foi promulgada a Lei nº. 8.429 que passou a dispor sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.                                                      

Os arts. 9º., 10 e 11 tipificam os atos de improbidade administrativa que, aliás, não são ilícitos penais (pode até haver - e quase sempre há - uma correspondência entre a infração político-administrativa e a infração penal, mas ambas não se confundem).

A propósito, Maria Sylvia Zanella di Pietro esclarece que “a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter consequência na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário.”[1] Aliás, o art. 37, § 4º. da Constituição Federal é expresso no sentido de que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (grifo nosso). Observa-se que o próprio texto constitucional nitidamente faz a distinção.

Observa-se que o conceito de infração penal (crime e contravenção) é dado pela Lei de Introdução ao Código Penal que define crime como sendo “a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” (art. 1º. do Decreto-Lei n. 3.914/41).

Estas definições, por se encontrarem na Lei de Introdução ao Código Penal, evidentemente regem e são válidas para todo o sistema jurídico–penal brasileiro, ou seja, do ponto de vista do nosso Direito Positivo quando se quer saber o que seja crime ou contravenção, deve-se ler o disposto no art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal. O mestre Hungria já se perguntava e ele próprio respondia: “Como se pode, então, identificar o crime ou a contravenção, quando se trate de ilícito penal encontradiço em legislação esparsa, isto é, não contemplado no Código Penal (reservado aos crimes) ou na Lei das Contravenções Penais? O critério prático adotado pelo legislador brasileiro é o da distinctio delictorum ex poena (segundo o sistema dos direitos francês e italiano): a reclusão e a detenção são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a prisão simples a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa não é jamais cominada isoladamente ao crime.”[2]

Por sua vez, Tourinho Filho afirma: “Não cremos, data venia, que o art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal seja uma lex specialis. Trata-se, no nosso entendimento, de regra elucidativa sobre o critério adotado pelo sistema jurídico brasileiro e que tem  sido preferido pelas mais avançadas legislações; (...) Veja-se, no particular, Marcelo Jardim Linhares, Contravenções penais, Saraiva, 1980, v. 3, p. 781: ´Assim, quando a infração eleitoral é apenada com multa, estamos em face de uma contravenção´.”[3] Manoel Carlos da Costa Leite afirma que “no Direito brasileiro, as penas cominadas separam as duas espécies de infração. Pena de reclusão ou detenção: crime. Pena de prisão simples ou de multa ou ambas cumulativamente: contravenção.”[4]

Eis outro ensinamento doutrinário: “Como é sabido, o Brasil adotou o sistema dicotômico de distinção das infrações penais, ou seja, dividem-se elas em crimes e contravenções penais. No Direito pátrio o método diferenciador das duas categorias de infrações é o normativo e não o ontológico, valendo dizer, não se questiona a essência da infração ou a quantidade da sanção cominada, mas sim a espécie de punição.”[5] Luiz Flávio Gomes afirma: “Por força do art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal, infração punida tão somente com multa é contravenção penal (não delito).”[6]

Vê-se, às escâncaras, que aqueles tipos elencados na Lei de Improbidade Administrativa, decididamente, não são infrações penais, mas infrações político-administrativas.

Continuando...

O art. 12 da referida lei dispõe que, além das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito a outras cominações de natureza político-administrativas (levando-se em consideração, como exige a lei, a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente), a saber:

1) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

2) Ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

3) Ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Por sua vez, o art. 15 da Constituição veda a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII e improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Já o art. 37 de nossa Carta[7] estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

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De mais a mais, como se sabe, foi promulgada a Lei nº. 12.403/2011, publicada no Diário Oficial da União do dia 05 de maio de 2011, que alterou substancialmente o Título IX do Livro I do Código de Processo Penal que passou a ter a seguinte epígrafe: “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”.

Uma das medidas cautelares previstas no novo art. 319 está a suspensão do exercício de função pública[8], quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Evidentemente que esta medida acautelatória deve ser aplicada em casos de crimes praticados contra a administração pública. Observar que medida semelhante já tinha sido prevista no art. 56, parágrafo primeiro da Lei n. 11.343/06 (Lei de Drogas).

E os vencimentos? Cremos não ser possível ser o réu prejudicado, devendo ser mantido o respectivo pagamento.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 482.006-4, tendo como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu que "a redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com os princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º., LVII) e da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV), (...) validando-se verdadeira antecipação da pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação."

Aliás, para concluir, e por analogia, podemos utilizar do disposto no art. 17-D da Lei nº. 9.613/98 ("Lavagem de Dinheiro"), segundo o qual, "em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.”


Notas

[1] Ob. cit., p. 678.

[2] Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., p. 39.

[3] Processo penal, Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., p.p. 212-213.

[4] Manual das Contravenções Penais, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 03.

[5] Eduardo Reale Ferrari e Christiano Jorge Santos, “As Infrações Penais Previstas na Lei Pelé”, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 109, dezembro/2001.

[6] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 110, janeiro/2002.

[7] Há quem ache inapropriado o uso da palavra Carta para designar a Constituição, pois daria a ideia de uma Constituição imposta e extraparlamentar...?!?!?!?!?!? Assim, dentro desse enfoque, seriam Constituições os textos brasileiros de 1891,1934, 1946 e 1988 e Cartas consignariam os diplomas de 1824,1937, 1967 e 1967 com a reforma empreendida pela Emenda Constitucional n. 1/69). Quanta filigrana...

[8] Por todos, veja-se o conceito de função pública na obra de Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2002, 14ª. ed., págs. 439 e 440.  

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. A perda dos direitos políticos, a prática do ato de improbidade administrativa e a Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4050, 3 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30554. Acesso em: 19 abr. 2024.

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