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Contratação de pessoas com deficiência:

descumprimento gera dano moral coletivo

10/10/2014 às 15:15
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O descumprimento da Lei n. 8.213/91, que exige das empresas com mais de 100 empregados a contratação de pessoas com deficiência, enseja danos morais coletivos.

Pode não parecer, mas a sociedade brasileira tem por fundamento o princípio da solidariedade, tida como objetivo da República Federativa do Brasil.

À medida que a prosperidade econômica é alcançada, recrudesce o dever dos indivíduos para com outros membros da coletividade menos favorecidos. Daí decorre, por exemplo, a previsão de impostos sobre grandes fortunas (CRFB, art. 153, inc. VII).

A ideia do self-made-man, de inspiração norte-americana, não passa de um mito. Não há progresso exclusivamente individual, que ocorra num contexto absolutamente independente da colaboração dos demais membros da comunidade. A riqueza produzida tem sempre origem social e coletiva, sendo tal argumento o alicerce do princípio da solidariedade social.

Este raciocínio é válido, especialmente, para o dever de contratação de pessoas com deficiência[1](PCDs). O senso comum de que as pessoas com deficiência enfrentam situações difíceis, estão sujeitas a formas múltiplas de discriminação e demandam, por isso, maior proteção social, converte-se em bom senso e vem reconhecido no preâmbulo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

O legislador estipulou que empresas com um maior quantitativo de empregados devem promover a contratação de trabalhadores com deficiência. Assim, somente empresas que possuam um quadro com mais de 100 empregados têm o dever legal de contratar PCDs.

O artigo 93 da Lei n. 8.213/91 estipula que:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados...................2%;

II - de 201 a 500...............................3%;

III - de 501 a 1.000............................4%;

IV - de 1.001 em diante......................5%.

A legislação previdenciária, por sua vez, está em perfeita consonância com o Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que assim dispõe:

Artigo 27. 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:

(...)

h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas;

Entende-se por política pública toda atuação do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do Poder Público na vida social, sendo que o próprio direito, neste quadro, passa a se manifestar como política pública (v. Grau, 2001/28). Trata-se, portanto, de uma política pública de ação afirmativa, com vistas a inserir no mercado de trabalho – e por via reflexa na própria sociedade – a pessoa com deficiência.

A inclusão de beneficiários reabilitados da Previdência Social e pessoas com deficiência no mercado de trabalho é uma responsabilidade não apenas do Estado, mas também das empresas, em respeito ao princípio constitucional do valor social do trabalho. Isto não impede (ao contrário tudo exige) que o descumprimento da referida quota previdenciária por parte das empresas seja objeto de imposição coercitiva por este mesmo Estado, a fim de satisfazer as exigências do ordenamento jurídico.

Não se pode perder de vista que o cumprimento das quotas de PCDs corresponde à efetivação do direito fundamental ao trabalho para a coletividade representada por pessoas com deficiências. Afinal, todos os integrantes do corpo social têm direito ao trabalho, aqui devendo ser satisfeitas prioritariamente as pessoas com deficiência.

Dessa forma, tal contratação não deve ser vista apenas como uma obrigação legal, mas sim como uma responsabilidade social típica das obrigações jurídicas com lastro no princípio de fraternidade.

Por isto, cabe às empresas se adequarem ao comando legal, de modo a cumprir a cota de PCDs, seja oferecendo-lhes melhores condições de trabalho, maiores salários, divulgando as vagas existentes em meios de comunicação abrangentes (e em municípios vizinhos), aplicando testes de seleção sem excessivo rigor, entre outras medidas.

Não se trata, como alguns querem crer, de uma obrigação de meio a ser efetivada pelo empregador, bastando a mera tentativa do seu cumprimento. Trata-se de verdadeira obrigação de resultado, apurável objetivamente. Aqui, adota-se o conceito de obrigação como sendo a relação jurídica de caráter transitório estabelecida entre devedor (empregador) e credor (pessoa com deficiência) e cujo objeto consiste numa prestação pessoal e econômica (admissão na relação de emprego), positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio (Monteiro, 1988/08).

A lei n. 8.213/91 não contempla um protocolo de intenções: o que está ali deve ser cumprido e não apenas perseguido. Não se trata, portanto, de uma obrigação que exige tão somente a aplicação de todos os meios necessários ou possíveis por parte do empregador, sem que seja atingido o resultado final da contratação.

A discriminação positiva instaurada pela Lei n. 8.213/91 é sim norma vigente e válida, tratando-se de obrigação de resultado e não obrigação de meio, já que a legislação não previu a obrigatoriedade de procedimentos intermediários a serem cumpridos pelas empresas.

Para Bittar, "a obrigação de resultado, como sua denominação está a indicar, é aquela em que se exige do sujeito a consecução de determinado fim à qual está subordinado o respectivo adimplemento”. A contratação de PCDs, portanto, constitui-se em obrigação de resultado do empregador, não devendo ser levada em conta a sua conduta pretérita ou mesmo a sua diligência, zelo e técnica. Trata-se ainda de obrigação legal exclusiva do empregador, que não comporta a ação incidental de chamamento ao processo em face do ente público[2].

Para o atingimento desta obrigação legal, é usual que o MPT firme Termos de Ajuste de Conduta com as empresas investigadas, para o cumprimento da quota previdenciária. Entretanto, estes instrumentos devem ser fielmente cumpridos pela empresa compromissária e o Judiciário deve corroborar a necessidade de cumprimento deste compromisso, tanto no que tange à obrigação de fazer nele prevista, quanto no que diz respeito às multas eventualmente cobradas pelo seu descumprimento, mesmo porque a assinatura do TAC decorre da livre e espontânea vontade das partes contratantes.

Existe uma abundância de cidadãos com deficiência no Brasil dispostos a laborar.

Dados do IBGE apontam que existiam cerca de 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil no ano de 2010:

45.606.048 de brasileiros, 23,9% da população total, têm algum tipo de deficiência – visual, auditiva, motora e mental ou intelectual.

Em 2010, 8,3% da população brasileira apresentava pelo menos um tipo de deficiência severa, sendo: 3,46% com deficiência visual severa, 1,12% com deficiência auditiva severa, 2,33% com deficiência motora severa, 1,4% com  deficiência mental ou intelectual (disponível em http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf> acesso em 30.06.2014)

Paralelo a esse quadro facilitador da contratação de PCDs, a legislação é bastante flexível, pois não exige que a empresa contrate apenas pessoas com severas deficiências visuais, auditivas motoras ou mentais. As deficiências parciais (não-severas) também ensejam e permitem a contratação, e o consequente atingimento da quota.

Por sua vez, a diferença entre deficiência total e parcial também é muito importante para se entender o problema em sua inteireza e realidade. Enquanto os critérios para contratação de PCDs e atingimento da quota legal são maleáveis (deficiências parciais – não severas - permitem o cumprimento da Lei), os critérios para obtenção de benefícios previdenciários (Benefício de Prestação Continuada da LOAS) são por demais rígidos, exigindo incapacitações graves, comprovadas mediante perícia, além de renda familiar máxima (toda a família do PCD deve ter renda máxima mensal de até ¼ de salário mínimo).

Ou seja, há um enorme contingente de PCDs que não recebem o benefício da LOAS nem tampouco são contratados por empresas.

O Decreto 6.214/2007 regulamentou a Lei 8.742/1993 da seguinte forma:

Art. 16.  A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001. 

§ 1o  A avaliação da deficiência e do grau de impedimento será realizada por meio de avaliação social e avaliação médica.

§ 2o  A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades.

§ 3o  As avaliações de que trata o § 1o serão realizadas, respectivamente, pelo serviço social e pela perícia médica do INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos especificamente para este fim, instituídos por ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS.  

§ 4o  O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o INSS garantirão as condições necessárias para a realização da avaliação social e da avaliação médica para fins de acesso ao Benefício de Prestação Continuada.

§ 5o  A avaliação da deficiência e do grau de impedimento tem por objetivo: 

I - comprovar a existência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial; e

II - aferir o grau de restrição para a participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade, decorrente da interação dos impedimentos a que se refere o inciso I com barreiras diversas.

Por sua vez, a Portaria Conjunta MDS/INSS nº 1 de 24/05/2011 assim estabeleceu:

Art. 4º O Perito Médico do INSS responderá o quesito sobre a duração dos impedimentos incapacitantes do requerente do BPC, com vistas a avaliar a conformidade com o conceito de "impedimentos de longo prazo" constante na definição de "pessoas com deficiência" da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, aprovados pelo Decreto Legislativo nº 186, de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 2009, assinalando campo correspondente nos instrumentos de avaliação da deficiência e do grau de incapacidade.

§ 1º Para efeito de concessão do BPC, considera-se impedimento de longo prazo aquele que incapacita a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de dois anos.

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Assim, o requerente do BPC deve preencher os requisitos estabelecidos pelo art. § 2º, da Lei nº 8.742/1993 de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Verifica-se que o Benefício de Prestação Continuada, para ser concedido, exige a incapacidade para o trabalho e para a vida independente, além da renda mensal máxima de aproximadamente R$ 180,00 para sustento de toda a família.

No entanto, ao contrário do quanto exigido para a concessão do BPC, a legislação permite que deficiências não-incapacitantes ou não-impeditivas sirvam de parâmetro para cumprimento da quota solidária.

O caráter flexível da Lei n. 8.213/91 autoriza, também, que trabalhadores afastados por motivo de doença ocupacional ou acidente de trabalho (reabilitados) sejam readmitidos para o preenchimento da quota. O número total de ex-funcionários lesionados (por doença ocupacional ou por acidente de trabalho), oriundos de qualquer empresa, poderá ser ainda maior do que o contingente de PCDs, o que permite a seguinte constatação: só não cumpre a quota quem não quer.

A par disso, os infratores se defendem sob a alegação de que não foram localizados candidatos com deficiência aptos a concorrerem às vagas supostamente oferecidas. A explicação para esta evasiva empresarial é simples: busca-se, exclusivamente, o grau máximo de incapacidade para o atingimento da quota, seja ela auditiva, visual, motora ou intelectual. Esta visão de alguns empregadores decorre, mais uma vez, do entendimento equivocado que se mantém: imagina-se que apenas a incapacitação total permite o cumprimento da quota previdenciária, o que não corresponde à realidade.

A Lei n. 8.213/91, em momento algum, faz referência à total incapacitação ou absoluto impedimento. A deficiência de grau médio ou mínimo de incapacitação também enseja o cumprimento da quota legal, bastando para tanto que seja reconhecida através de laudo médico.

A legislação, diga-se de passagem, também não previu, em momento algum, exceções para o atingimento da quota a depender da atividade empresarial exercida, ou da localização geográfica dos empregadores (como zonas rurais, atividades perigosas etc).

Via de regra, os perigos existentes nos estabelecimentos empresariais não são impeditivos para a contratação de pessoas com deficiência. As exceções serão observadas apenas nos casos concretos, podendo-se elencar, exemplificativamente, como circunstâncias proibitivas, pessoas deficiência visual completa laborando nas atividades finalísticas da mineração, a restrição a trabalhos desenvolvidos em subestações de energia elétrica ou em espaços confinados, pois estes trabalhadores, nesta atividade, necessitariam de todas as funções setoriais e motoras para o desempenho adequado de suas atribuições.

Nas áreas administrativas, por exemplo, não há restrições quanto à contratação de pessoas com deficiência, pois esta atividade laboral pode ser realizada independentemente de a pessoa possuir algum tipo de deficiência, desde que o local de trabalho seja adequado aos critérios de acessibilidade. De mais a mais, há inúmeros graus de deficiência (e. g. a surdez parcial e moderada não impede, a priori, o labor em qualquer atividade profissional).

PCDs podem ser contratados em tese para quaisquer funções. Interpretações limitadoras decorrem de preconceitos arraigados na nossa sociedade, mas o fato é que os PCDs, assim como qualquer ser humano, possuem um potencial de realizações praticamente ilimitado. No entanto, é preciso que lhes seja dada essa oportunidade (rectius, demanda empresarial por mão de obra) para que o potencial apareça e seja explorado.

Se há efetiva impossibilidade de labor em alguma função específica (constatação que somente pode ser feita após a contratação e não antes), a empresa pode realocar o obreiro para outros cargos. Ou seja, todos os PCDs podem perfeitamente trabalhar em praticamente quaisquer atividades.

Frisamos ainda que o empregador que quer cumprir a Lei deverá adaptar os postos de trabalho e alocar os PCDs em atividades compatíveis com sua deficiência. Mas a eventual inadequação do meio ambiente de trabalho é circunstância que deve ser corrigida a fim de permitir acessibilidade futura e não condição prévia para justificar, por si só, a não contratação de pessoas com deficiências.

Em que pese haver forte resistência empresarial na contratação de PCDs, o fato é que há sim empregadores que logram êxito no cumprimento da legislação previdenciária neste particular, não se tratando de dever legal inatingível (num resgate privatista da teoria da reserva do possível).

Outro argumento muito comum, amplamente utilizado para não se promover a contratação de PCDs, vem a ser o da falta de qualificação desta mão de obra. Como sabido, a falta de qualificação da mão de obra é problema que atinge não apenas os trabalhadores PCDs, mas toda a população economicamente ativa brasileira. Não se trata de um problema que o empresariado imputa apenas a esse grupo vulnerável de trabalhadores, como se vê do documento da CNI intitulado de “101 Propostas para a Modernização Trabalhista”:

A falta de qualificação profissional é um dos maiores problemas enfrentados por quem busca uma colocação no mercado de trabalho. Essa deficiência é potencializada quando aliada à falta de experiência prática, o que, por vezes, torna-se em obstáculo que dificulta a celebração de um contrato formal de emprego, isto porque, em geral, possuem produtividade naturalmente abaixo dos trabalhadores mais experientes, a despeito da sua formação acadêmcia (sic). (http://www.sinaees-sp.org.br/arq/cniprop.pdf)

Os empregadores afirmam que a falta de qualificação atinge toda a mão de obra brasileira, sem que isto tenha constituído, historicamente, empecilho para que fossem promovidas milhões de contratações formais na última década. Quando estas contratações são necessárias do ponto de vista econômico, elas ocorrem como nos informa o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA:

Na última década, o emprego com carteira assinada cresceu cerca de 28% , o que representa mais de seis milhões de novos empregos formais, cinco milhões gerados a partir do ano 2000, quando começou a se reverter a tendência anterior de baixo crescimento do emprego. (http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/Cap_1.pdf)

A despeito do argumento da baixa qualificação profissional do trabalhador brasileiro em geral (no entender das entidades patronais), ainda assim, milhões de empregados foram contratados na história recente do País porque houve demanda e interesse empresarial neste sentido.

Não parece razoável, assim, a tentativa de imputar a responsabilidade pelo descumprimento da quota aos próprios PCDs, aduzindo que os mesmos não dispõem da aptidão técnica necessária. Aliás, é perfeitamente lícito – e mesmo aconselhável – que o empregado seja qualificado após sua admissão, e não antes dela. Como cediço, nenhum trabalhador nasce sabendo o seu ofício: somente com a oportunidade conferida é que a atividade laboral é desenvolvida e aprimorada.

Esta qualificação pode - e deve – ser realizada pelo empregador que quer cumprir a Lei. Não é possível delegar esta responsabilidade ao Estado no caso concreto[3], como forma de escapar do dever legal de admitir PCDs. Este foi também o intuito da lei: promover a inserção e a qualificação do PCD no mercado de trabalho após a sua admissão.

Tem-se constatado, ainda, que os cargos ofertados (quando ofertados) pelos empregadores costumam ser aqueles que exigem a maior qualificação possível, o que vem a ser uma forma transversa de não cumprir a lei. Oferece-se, em tese, um cargo que exige alta qualificação, cuja necessidade inexiste no ambiente empresarial, justamente com o fito de ver frustrada a apresentação de candidatos PCDs interessados. Como exemplo de expediente comumente utilizado citamos a exigência de segundo grau completo para funções de servente, ou fluência em inglês e nível superior completo para auxiliares administrativos. Esse tipo de conduta deve ser rechaçada pela Inspeção do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho.

Os testes de admissão usualmente aplicados pelas empresas costumam ser extremamente rigorosos, mais ainda do que em comparação àqueles aplicados aos trabalhadores que não são deficientes. Os PCDs que são avaliados pelos empregadores costumam ou ser “psicologicamente inaptos”, ou desqualificados, ou não possuem interesse na admissão, ou são por demais ambiciosos em matéria salarial, o que apenas reforça o caráter discriminatório da visão das empresas em relação a esta categoria de trabalhadores.

As contratações devem acontecer de forma responsável e planejada, inclusive com a adequação do meio ambiente de trabalho e a conscientização dos demais colegas de trabalho para que a barreira do preconceito seja também vencida. Mais do que isso, devem obedecer ao princípio da razoabilidade[4].

Diante de tudo quanto foi exposto, resta inquestionável a caracterização de dano moral coletivo quando uma empresa não contrata PCDs, negando cumprimento à Lei n. 8.213/91, e recusando-se a ingressar na sociedade justa e solidária a que faz referência a Constituição Federal.

A falta de contratação de profissionais com deficiência viola a confiança depositada pela sociedade no empregador incumbido deste dever. Pior, frustra a expectativa de milhões de brasileiros que, hoje em dia, se vêm impedidos de ingressar no mercado de trabalho.

Sem dúvida que o dano moral coletivo a ser imposto mediante condenação, para casos como tais, terá finalidade punitiva. Mas, a par da finalidade punitiva, terá ainda finalidade reparatória e pedagógica.

O valor a ser postulado deverá ser proporcional ao dano perpetrado pelo empregador, ao tempo de duração do dano, ao porte econômico do ofensor, à quantidade de PCDs que deixaram de ser contratados, à forma como a não-contratação ocorreu (v.g. rigor excessivo na seleção, omissão ampliada, fraudes) e à natureza do valor filosófico em questão (dupla proteção que deve merecer o trabalhador com deficiência e direito fundamental social ao trabalho).

Neste passo, fazemos referência à recente sentença da 3ª Vara do Trabalho de Ilhéus, Bahia:

Saliente-se, também, que não há qualquer dúvida quanto à existência de dano moral coletivo, uma vez que a Ré deixou de observar regra albergada na (Constituição) Federal, que garante o direito ao trabalho, principalmente em se tratando de coletividade que mereceu proteção dupla do ordenamento jurídico trabalhista, uma vez que além de garantir todos os direitos de natureza laboral, instituiu o sistema de cotas. (sentença proferida pelo Juiz Titular Dr. José Cairo Júnior na ACP 0000729-85.2013.5.05.0493, movida pelo MPT em face da TACOM Bilhetagem).

O dano moral coletivo a ser compensado à coletividade de trabalhadores, entretanto, não exime o empregador do cumprimento concomitante do seu dever legal, consistente em obrigação de fazer representada pela necessária contratação de PCDs. Estes valores indenizatórios, por sua vez, serão revertidos à própria coletividade atingida.

O humanismo exige também a imposição de medidas duras em face daqueles que não se adequam às regras sociais, afinal de contas, buscar a efetivação de direitos humanos não significa, em hipótese alguma, ser complacente com suas violações. A impunidade dos infratores, por certo, representa uma violação indireta a direitos fundamentais de milhões de cidadãos trabalhadores.


Referências bibliográficas

BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil Médica, Odontológica, Hospitalar. Vários autores. São Paulo: Saraiva, 1991. Citado por GUERRA, André, no artigo Natureza da Obrigação do Médico: meio ou resultado. (disponível em <http://jus.com.br/artigos/20624/natureza-da-obrigacao-do-medico-meio-ou-resultado#ixzz362RrQEyn>  acesso em 26.06.2014)

BURAWOY, Michael. O marxismo encontra Bourdier. Campinas. Editora da Unicamp. 2010.

GRAU, Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto. 8ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2011.

MANUAL DE PROCEDIMENTOS VISANDO À INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E DO BENEFICIÁRIO REABILITADO NO MERCADO DE TRABALHO. Ministério Público do Trabalho. 3ª edição. Revisada. 2007

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das obrigações. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, v.4, pág 8. Citado por GUERRA, André, no artigo Natureza da Obrigação do Médico: meio ou resultado. (disponível em <http://jus.com.br/artigos/20624/natureza-da-obrigacao-do-medico-meio-ou-resultado#ixzz362RrQEyn>  acesso em 26.06.2014)


Notas

[1]Deficiência – perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano (art. 2º do Decreto 3298/1999). Ou, ainda, segundo a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, deficiência é toda a "restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social".

[2]O que não afasta a eventual responsabilidade estatal em outros aspectos, como a inclusão em sentido amplo, ou a qualificação, a ser buscada também pelo MPT.

[3] O que não impede, entretanto, que o Estado também seja cobrado quanto a esta iniciativa, até mesmo pelo Ministério Público do Trabalho. Em que pese existir, de forma difusa, uma obrigação estatal de qualificar estes trabalhadores, como vimos acima, esta política pública governamental não pode jamais servir de escudo para que as contratações não sejam realizadas.

[4]Por exemplo, se os candidatos são do sexo feminino, jamais se pode recusar a admissão de obreiras porque a empresa não dispõe de sanitários ou vestiários para mulheres, por exemplo. E isto se dá não apenas com mulheres PCDs mas com quaisquer mulheres admitidas.

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Sobre o autor
Ilan Fonseca de Souza

Procurador do Trabalho na 5ª Região (Bahia), Especialista em Processo Civil, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Doutor em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilan Fonseca. Contratação de pessoas com deficiência:: descumprimento gera dano moral coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4118, 10 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30564. Acesso em: 22 dez. 2024.

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