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Cavidades: conservação ou preservação?

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04/08/2014 às 12:22
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6. Áreas de Influência de Cavidades

Além da proteção das cavidades e seus atributos que compõem o patrimônio espeleológico, o Decreto Federal nº 99.556/90, em seu artigo 3º, também dotou de proteção as área de influência das cavidades de máxima relevância[32].

Não há que se falar em áreas de influência em cavidades sem relevância máxima, uma vez que o próprio Decreto fez questão de destacar a preservação dessa área em artigo distinto ao licenciamento de atividades sobre as cavidades de outras relevâncias[33].

Logo, se a cavidade é passível de impactos ambientais irreversíveis, quiçá sua área de entorno, denominada área de influência.

A área de influência sobre o patrimônio espeleológico, nos termos da Resolução CONAMA 347/04 é a “área que compreende os elementos bióticos e abióticos, superficiais e subterrâneos, necessários à manutenção do equilíbrio ecológico e da integridade física do ambiente cavernícola.”

Essa área não se confunde com a cavidade, mas compõe o conceito de enfoque local da cavidade, conforme o §1º do artigo 14 da Instrução Normativa, que determina:

§ 1º As análises referentes ao enfoque local são delimitadas pela unidade geomorfológica que apresente continuidade espacial, podendo abranger feições como serras, morrotes ou sistema cárstico, o que for mais restritivo em termos de área, desde que contemplada a área de influência da cavidade.

A área de influência possui a finalidade de amortecimento dos impactos sobre os atributos que integram a cavidade, devendo essa função ser avaliada de acordo com cada cavidade, por meio de estudos técnicos específicos, a critério do órgão ambiental licenciador[34], a fim de definir a dimensão espacial dessa área, conforme determina o §2º do artigo 4º da Resolução CONAMA 347/04[35].

Sobre a possibilidade de proteção da área de influência de cavidades sem a classificação de relevância definida, esclarecemos que a regra prevista no § 3º da Resolução CONAMA nº 347/04[36], que define a aplicação do raio de 250 metros no entorno da cavidade é uma medida preventiva e temporária, conforme nela mesma se determina ao condicionar à execução dos estudos técnicos específicos definidos pelo órgão ambiental licenciador.

A metragem de 250 metros, como medida preventiva temporária, deve ser ponderada em seu uso até as devidas avaliações técnicas pertinentes, uma vez que a definição a priori dessa dimensão é uma presunção legal relativa, condicionada à preservação das funções ecológicas dessa área.

Assim, o redimensionamento dessas áreas de influência não fica condicionado à classificação de relevância das cavidades, pois mesmo nas cavidades de máxima relevância poderá haver áreas de influência menores que 250 metros, desse que comprovados cientificamente a manutenção do equilíbrio ecológico e da integridade física do ambiente cavernícola.

Ademais, as restrições nas áreas de influência não hão de se confundir com as próprias restrições da cavidade, visto que os espaços possuem funções distintas e os impactos irreversíveis sobre cada espaço há de ser preservado.

Os impactos ambientais irreversíveis sobre o ambiente cavernícola se dão sobre a própria estrutura cavernícola e seus atributos, enquanto, os impactos irreversíveis sobre a área de influência devem ser considerados sobre a manutenção do equilíbrio ecológico e da integridade física do ambiente cavernícola, e deverão ser avaliados de acordo com as sinergias ecológicas sobre a área de entorno.

Por isso, não será qualquer forma de intervenção sobre a área de influência, mesmo que passível de licenciamento, que ficará proibida, mas somente as atividades que possam causar impactos negativos irreversíveis sobre a integridade física da cavidade e a prejuízo ao seu equilíbrio ecológico.

Caso o empreendedor demonstre através de estudos técnicos específicos, definidos pelo órgão ambiental licenciador, a possibilidade de manutenção da integridade física da cavidade, sem prejuízos significativos ao seu equilíbrio ecológico, não se justifica que a atividade ser proibida ou restringida em sua operação.

Assim, há que se compreender que a proteção do ambiente cavernícola e seu entorno se faz de acordo com o sistema de controles ambientais que rege as atividades potencialmente poluidoras, que tem seu instrumento mais conhecido: o licenciamento ambiental.

Importante esclarecer que publicação da Portaria MMA nº 55, de 17 de fevereiro de 2014, “a definição da área de influência das cavidades naturais, incluída sua eventual alteração, será realizada pelo IBAMA, ouvido, quando couber, o Instituto Chico Mendes, podendo ser solicitados estudos específicos, em conformidade com o §2º do art. 4º da Resolução nº 347, de 2004, do CONAMA.”, nos termos do §2º do artigo 11 da mesma.

Apesar de louvável a tentativa de esclarecimentos dos poderes de polícia entre os órgãos, a expressão de “quando couber” ao ICMBio deixa margens para interferências entre os órgãos, deixando o processo de licenciamento em situação insegura.

A fim de esclarecer eventuais dúvidas que possam surgir dessa nova regulamentação, entendemos que as situações previstas na expressão “quando couber” são somente  nos casos de licenciamentos ambientais inseridos em unidades de conservação sob gestão do ICMBio, nos termos do artigo 1º, inciso IV da Lei Federal nº 11.516, de 28 de agosto de 2007[37].


 7. Licenciamento Ambiental

O licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras é instrumento da política nacional do meio ambiente, parte integrante do sistema de avaliação dos impactos ambientais conforme definido pelo inciso IV do §1º do artigo 225 da Constituição Federal.

Como ferramenta de controle de atividades econômicas com base nos impactos ambientais avaliados, o licenciamento ambiental par atividades que causem impactos sobre o patrimônio espeleológico possui regramento especial por força da Resolução CONAMA nº 347, de 13 de setembro de 2004.

Essa Resolução trata do regime de licenciamento da localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades, considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou degradadores do patrimônio espeleológico ou de sua área de influência, além de outros temas como o Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE) e a cooperação entre Programa Nacional de Proteção ao Patrimônio Espeleológico.

Para os licenciamentos que envolvam o patrimônio espeleológico, há necessidade prévia de cadastramento no CANIE dos dados do patrimônio espeleológico mencionados no processo de licenciamento independentemente do cadastro ou registro existentes em outros órgãos.

Além disso, os impactos sobre o patrimônio espeleológico deverão ser considerados os critérios de intensidade, temporalidade, reversibilidade e a sinergia dos referidos impactos, devendo ainda constar na avaliação seguintes elementos socioambientais:

I - dimensões, morfologia e valores paisagísticos;

II - peculiaridades geológicas, geomorfológicas e mineralógicas;

III - a ocorrência de vestígios arqueológicos e paleontológicos;

IV - recursos hídricos;

V - ecossistemas frágeis ou espécies endêmicas, raras ou ameaçadas de extinção;

VI - a diversidade biológica; e

VII - a relevância histórico-cultural ou sócioeconômica na região.

A Resolução também traz a regra para que os empreendimentos ou atividades turísticos, religiosos ou culturais que utilizem o ambiente constituído pelo patrimônio espeleológico deverão respeitar o Plano de Manejo Espeleológico, elaborado pelo órgão gestor ou o proprietário da terra onde se encontra a caverna, aprovado pelo IBAMA.

Essa norma reforça a consideração dos recursos cavernícolas como bens de uso comum do povo, uma vez que o proprietário do imóvel onde a caverna se encontra inserida fica responsável pela elaboração do Plano de Manejo Espeleológico.

Sem prejuízo das regras de licenciamento apontadas, destacamos que a Resolução CONAMA nº 347/04 foi publicada ao tempo da vigência da redação original do Decreto nº 99.556/90, ou seja, anterior à vigência da nova dinâmica de preservação de cavidades iniciada com o Decreto Federal nº 6.640/08 e, que, necessariamente determina uma releitura de alguns artigos dessa Resolução.

Dentro dessa necessidade de releitura da Resolução CONAMA nº 347/04, destacamos que o regime de proteção conforme a relevância das cavidades traz como consequência a restrição das aplicações de medidas de proteção sobre ambientes cavernícolas sobre aquelas cavidades que gozam de proteção legal, ou seja, as cavidades de máxima relevância.

Já a norma definida no artigo 8º[38] sobre compensação ambiental, apenas regulamentava a regra do artigo 36 da Lei do SNUC nos licenciamentos que envolvessem impactos sobre o patrimônio espeleológico, contudo, com a nova dinâmica de compensações estabelecida pelo Decreto nº 6.640/08, a aplicação dessa regra compensatória foi especializada para compensações em cavidades de relevância semelhantes às serem suprimidas, conforme veremos adiante. Com isso, a aplicação do artigo em questão perdeu sua eficácia em virtude da especialidade das novas regras do novo Decreto.

Apenas a título de esclarecimento, os empreendimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente causadores de significativa alteração e degradação do patrimônio espeleológico, para os quais se exija Estudo Prévio de Impacto Ambiental-EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental ao Meio Ambiente-RIMA continuam sujeitos à obrigação de apoio, implantação e a manutenção de unidade de conservação, de acordo com o previsto no art. 36 da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, mas não mais pelos impactos no patrimônio espeleológico e por isso, consequentemente, não há que se falar em vinculação da unidade de conservação com potencial espeleológico.

Atualmente, o Ministério do Meio Ambiente regulamentou, através da Portaria nº 55, de 17 de fevereiro de 2014, os procedimentos entre o ICMBio e o IBAMA relacionados aos procedimentos de licenciamento ambiental em unidades de conservação federal ou que envolvam o patrimônio espeleológico no âmbito do licenciamento ambiental federal.

Essa Portaria esclareceu no §1º do seu artigo 11[39] que competirá ao IBAMA, no âmbito do licenciamento ambiental, a definição do grau de relevância das cavidades envolvidas no licenciamento ambiental, “observadas as condicionantes específicas indicadas pelo Instituto Chico Mendes no âmbito da autorização para o licenciamento ambiental”.  

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Destacamos que essas condicionantes específicas devem se limitar às “condições técnicas que deverão ser consideradas, obrigatoriamente, nas licenças, relacionadas à avaliação dos impactos da atividade ou empreendimento às unidades de conservação ou suas zonas de amortecimento, considerados os objetivos de sua criação e principais atributos.”, conforme definido no artigo 7º dessa mesma Portaria e pela Resolução CONAMA 428/10.

O critério de relevância será definido com base nos “estudos ambientais espeleológicos específicos, concomitantes aos demais estudos ambientais, que contenham a classificação do grau de relevância de cavidades naturais e as medidas e ações para preservação de cavidades testemunho e de conservação do patrimônio espeleológico, conforme §§ 1o e 4°, do art. 4o do Decreto no 99.556, de 1990”.

De modo que, por analogia e simetria federativa, os estudos a cargo dos empreendedores que serão a base técnica para a definição do grau de relevância das cavidades por parte do órgão ambiental licenciador, devendo essa dinâmica ser seguida pelos demais órgãos ambientais licenciadores.


8. Compensação Espeleológica

Evoluindo na discussão sobre as regras de conservação do patrimônio espeleológico e das cavidades, cabe aqui uma avaliação sobre as medidas compensatórias definidas no Decreto 6.640/08.

Pelas regras vigentes, as cavidades de máxima relevância não são passíveis de compensação uma vez que não são sujeitas a impactos irreversíveis. Também não haverá medidas compensatórias para as cavidades de baixa relevância. Assim, as medidas compensatórias ficam restritas às cavidades de relevâncias alta e média.

 Para as cavidades de alta relevância podemos classificar que existem dois tipos: as compensações ordinárias e as extraordinárias.

Chamaremos de compensação ordinária a determinação da preservação de duas cavidades com o mesmo grau de relevância, desde que de mesma litologia e com atributos similares e, sempre que possível, em área contínua e no mesmo grupo geológico da cavidade que sofreu o impacto à impactada[40].

A compensação extraordinária é aquela excepcional, que, não havendo, na área do empreendimento, outras cavidades representativas que possam ser preservadas sob a forma de cavidades testemunho, o Instituto Chico Mendes poderá definir, de comum acordo com o empreendedor, outras formas de compensação[41].

Sobre a compensação ordinária, destacamos que a dinâmica da adoção de duas cavidades para cada cavidade impactada é uma medida de caráter meramente preservacionista, não se relacionando ao caráter mitigador do impacto ambiental devido ao licenciamento ambiental.

Não bastasse o critério matemático de dois por um ser indevido para recursos ambientais geológicos, as restrições de litologia e atributos similares visam buscar uma reparação in natura ao recurso impactado, o que desvirtua a figura da compensação.

A palavra "compensação" deriva do verbo compensar (pensare cum), e traz a ideia da balança com um peso em cada um dos lados. Se os dois pesos forem iguais, haverá um perfeito equilíbrio, anulando-se a obrigação. Se os pesos forem desiguais, o equilíbrio não ocorrerá até a concorrência do peso mais fraco.

 Assim, as restrições de quantidade de cavidades e similaridade de litologia e atributos prejudicam a aplicação do próprio instituto da medida compensatória, tornando a regra em exceção e a exceção em regra.

Apesar das boas intenções ecológicas que aparentam, os critérios de continuidade espacial e do mesmo grupo ecológico impedem ainda mais a aplicação da medida compensatória, visto que não haverá aplicabilidade dessa regra se as cavidades nessas áreas não forem de propriedade o próprio empreendedor licenciado.

Assim, cabe aos órgãos licenciadores avaliarem as cavidades passíveis de compensação dentro do contexto ambiental que apresentarem, de acordo com a função ecológica revelada pelas mesmas, indo além dessas restrições ineficazes do ponto de vista ambiental.

A título de exemplo, um empreendimento que impactasse duas cavidades de alta relevância de litologia ferrífera e que o mesmo empreendedor possuísse na área outras cavidades de relevância alta, mas de litologia distinta, mas que compusessem um corredor ecológico entre duas unidades de conservação deveria ter a possibilidade de uso dessas cavidades como uma compensação ordinária, contudo o sistema trata esse tipo e situação como extraordinária, delegando essa avaliação ao ICMBio.

Sobre a compensação extraordinária, que é medida excepcional no caso de não haver cavidades na área do empreendimento.

Primeiramente é importante destacar que o critério espacial para aplicação desse tipo de medida é no contexto superficiário do empreendimento. Assim, há que se tratar essa dimensão da superfície definida como área de influência direta do empreendimento, de posse ou propriedade do empreendedor.

Nos licenciamentos federais, a definição sobre a inexistência de cavidades na área do empreendimento é atribuição do IBAMA e será baseada em estudo elaborado pelo empreendedor, que deverá conter a comprovação da inexistência de outras cavidades representativas a serem preservadas na área da atividade ou empreendimento e a proposta de compensação[42].

Entendemos que essa dinâmica de definição sobre a inexistência de cavidades na área do empreendimento deverá ser feita pelos órgãos ambientais licenciadores nos âmbitos estadual e municipal, sob risco de haver um regime de licenciamento assimétrico no âmbito federativo.

As propostas de compensação por impactos negativos irreversíveis em cavidade natural subterrânea no licenciamento de atividade ou empreendimento localizado fora de unidade de conservação federal somente serão avaliadas pelo Instituto Chico Mendes, quando o IBAMA manifestar entendimento pela inexistência de outras cavidades representativas que possam ser preservadas, nos termos do § 1º do art. 4º do Decreto no 99.556/90[43].

Superada a etapa da declaração de inexistência de cavidades na área do empreendimento, o Decreto 99.556/90 dotou a atribuição da definição dessa compensação ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), de comum acordo com o empreendedor.

Além disso, entendemos que a delegação de definição de outras formas de compensação ao ICMBio perdeu sua eficácia com a publicação da Lei Complementar nº 140/2011 e, principalmente, com a falta de previsão legal na Lei Federal nº 11.516, de 28 de agosto de 2007 e no Decreto Federal nº 7.515, de 8 de julho de 2011, que  regem as atribuições desse Instituto. Assim, as definições de outras formas de compensação das cavidades impactadas devem ser indicadas pela mesma autoridade que autorizar a supressão das mesmas, ou seja, o órgão ambiental licenciador.

A Portaria MMA nº 55/2014 corrigiu essa distorção, ao especificar no artigo 13[44] que será do IBAMA a determinação de condicionantes derivadas das compensações espeleológicas extraordinárias negociadas entre ICMBio e empreendedor. 

Todavia, apesar da recente regulamentação, ainda perdura a ilegalidade apontada, pois o ICMBio mantém esse dispositivo por meio da Instrução Normativa nº 30, de 19 de setembro de 2012, que criou diversas exigências sem fundamentação legal, na qual destacamos duas:

A primeira é a exigência é “o ganho ambiental da proposta para a proteção do patrimônio espeleológico e biodiversidade associada”[45].

A segunda questão é a restrição de possibilidades de compensação extraordinária a somente medidas de criação ou regularização de unidades de conservação com estrito interesse espeleológico.

Sobre a primeira questão, a exigência de comprovação do chamado “ganho ambiental” é um conceito jurídico indeterminado, uma vez que não está claro que parâmetros de análise seriam comparados para a demonstração desse ganho.

Sobre conceitos jurídicos indeterminados, lembramos as lições de Segundo Eros Grau que dizia,

“a peculiaridade dos conceitos jurídicos é que eles não são referidos a objetos, mas a significações. Ou seja: o "objeto" do conceito jurídico não existe "em si", ou seja, dele não há representação concreta, nem mesmo gráfica. Os conceitos jurídicos são signos de significações (signos de primeiro grau) atribuíveis a coisas, estados ou situações. Portanto, são signos de segundo grau, pois têm como objeto uma significação atribuível à coisa, estado ou situação. Por essa razão, sustenta o autor ser mais adequada a expressão termos indeterminados de conceitos, uma vez que o conceito é uma abstração, uma suma de idéias e, como tal, deve ser, no mínimo, determinado”[46].

Todavia, vale ressaltar a observação de Celso Antônio Bandeira de Mello que "mesmo que vagos, fluidos ou imprecisos, os conceitos utilizados no pressuposto da norma ou na finalidade têm algum conteúdo mínimo indiscutível".[47]

Assim, a ideia de ganho ambiental que a norma apresenta há que ser entendida como a melhor medida de mitigação de impactos ao patrimônio espeleológico, conforme o previsto no Decreto nº 99.556/90.

Logo, a discricionariedade administrativa nessa análise não pode se restringir somente aos critérios espeleológicos da proposta, conforme delimitado pelo artigo 5º dessa IN, mas sim aos da avaliação holística dos atributos ambientais apresentados na proposta de compensação do empreendedor. Dissociar as interações ecológicas na proposta de compensação somente com a análise exclusiva de apenas um componente dos recursos ambientais é subverter a lógica da Política Nacional do Meio Ambiente.

Sobre a segunda questão, a restrição de possibilidades de modalidades de compensação viola o próprio dispositivo do Decreto nº 99.556/90, uma vez que há necessidade do processo de compensação ser definido “de comum acordo com o empreendedor”, não havendo essa possibilidade com as restrições impostas.

Essa restrição, advinda de um órgão de caráter preservacionista, demonstra a incongruência de finalidades dispostas nos processos de licenciamento ambiental, uma vez que as medidas apresentadas são de interesse exclusivo do ICMBio, que entende que as unidades de conservação são ferramentas de pleno ganho ambiental, dissociadas das possibilidades de medidas compensatórias mais amplas em benefício dos sistemas ecológicos existentes.

A compensação ambiental é um ato administrativo negocial que, conforme definição de Hely Lopes Meirelles,

"Esses atos, embora unilaterais, encerram um conteúdo tipicamente negocial, de interesse recíproco da Administração e do administrado, mas não adentram a esfera contratual. São e continuam sendo atos administrativos (e não contratos administrativos), mas de uma categoria diferenciada dos demais, porque geram direitos e obrigações para as partes e as sujeitam aos pressupostos conceituais do ato, a que o particular se subordina incondicionalmente."[48].

Sendo assim, não cabe a regulamentos infralegais preordenarem os interesses da Administração em face do interesse do empreendedor e da dinâmica dos casos que poderão apresentar propostas de benefícios socioambientais maiores que as restrições impostas.

Já em relação às cavidades de média relevância, optou o legislador em permitir que a medida compensatória seja a adoção de medidas e financiamento de ações que contribuam para a conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro, especialmente das cavidades naturais subterrâneas com grau de relevância máximo e alto. Essa condição será definida pelo órgão ambiental licenciador e que também merece críticas por exigir a proteção de recursos ecológicos superiores aos impactados, violando o conceito jurídico da compensação.

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Sobre o autor
Pedro Campany Ferraz

Advogado Especialista em Meio Ambiente e Regulatório. Mestre em Direito da Cidade pela UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Universitário de diversos cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRAZ, Pedro Campany. Cavidades: conservação ou preservação?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4051, 4 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30576. Acesso em: 26 abr. 2024.

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