A EXIGÊNCIA DA ESCRITURA PÚBLICA E A POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA POR TERMO NOS AUTOS.
O direito sucessório é regrado em livro especial do nosso ordenamento jurídico. Nas disposições gerais, no artigo 1784, estabelece que “aberta a sucessão” (no sentido de morte de uma pessoa), “a herança se transmite imediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários”. É o princípio da saisine. Por ele, aberta a sucessão, os herdeiros têm a posse indireta de todos os bens que compõem o espólio do falecido como um todo unitário, assim permanecendo até a partilha. Até esta, “o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condômino” (artigo 1791 e seu parágrafo único).
A lei ainda estabelece regras para aceitação e renúncia da herança, presumindo aceitação definitiva pelo herdeiro e sua transmissão desde a abertura da sucessão, salvo se o herdeiro renunciar à herança, estabelecendo no artigo 1.806 a forma de fazê-lo: “a renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”. A lei estabelece, também, que “não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, condição ou a termo” (artigo 1.808).
Tratando do direito sucessório, o Código Civil atual prevê em seu artigo 1.793 que "o direito a sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública". Os artigos anteriormente se referem à renúncia da herança. Neste se refere à cessão do direito à sucessão aberta e do seu quinhão hereditário. Aqui o legislador inovou eis que a cessão de direitos hereditários, bem como a cessão dos direitos de meação, “contratos através dos quais se opera a transmissão de direitos provenientes de sucessão enquanto não dados a partilha que declarará a partição e deferimento dos bens da herança” (no sentido de espólio ou conjunto dos bens que integra o patrimônio deixado pelo de cujus, e que serão partilhados, no inventário), ao meeiro, aos herdeiros (legítimos ou testamentários) e aos cessionários, não encontrava dispositivo específico no Código Civil de 1916. Havia referência à cessão no artigo 1.078 do CCB/1916, segundo o qual, se aplicavam as disposições do título (cessão de crédito) sobre a cessão de outros direitos para os quais não havia modo especial de transferência. Outra menção ao instituto no diploma anterior se verificava no artigo 1.582 que preceituava a não presunção de aceitação da herança se procedida a cessão gratuita (renúncia) aos demais herdeiros.
A Lei estabelece que o direito à sucessão aberta (meação e herança) pode ser objeto de cessão. Mas determina. A cessão deve ser por escritura pública, escritura a ser lavrada por tabelião. Não tem outra forma de cessão de tais direitos.
Relativamente à renúncia da herança, o artigo 1581 do CC/1916, quando estipulava que a aceitação da herança podia ser expressa ou tácita, também determinava que a renúncia devesse constar expressamente de instrumento público ou termo judicial. Então a cessão de direitos hereditários, em suas várias formas, foi instrumento largamente utilizado no direito brasileiro sempre com base na doutrina. Ora se utilizava o termo nos autos para renúncia abdicativa e para renúncia translativa, esta como cessão dos direitos hereditários ou de meação. E ora era utilizada a escritura pública, por se tratado do direito à sucessão aberta como um direito real. Como não se regrava a cessão de direitos à herança, a doutrina e a jurisprudência definiam as regras, determinado por vez a necessidade de escritura pública e por outras admitindo a cessão de direitos por termo nos autos, denominando-a de renúncia translativa. Na sua grande maioria, os doutrinadores concordavam com a existência de duas espécies de renúncia à herança. A renúncia abdicativa, ato em que o herdeiro renuncia à herança e não indica beneficiário, quando a herança é distribuída entre os demais herdeiros. E a renúncia translativa, quando o herdeiro renuncia a favor de beneficiário. A renúncia translativa na verdade é uma cessão de direitos “criada” pelos doutrinadores e confirmada pelos tribunais por falta de previsão legal no diploma antigo.
Por outro lado, passaram os doutrinadores e os tribunais a entenderem que para “cessão” dos direitos de meação havia necessidade de escritura pública por equiparar-se a compra e venda ou doação. Alguns Tabeliães passaram a lavrar escrituras públicas de venda ou doação de meação para solenizar a cessão de direitos relativos a meação. Tudo questão de nomenclatura eis que, na verdade, a escritura pública sob aqueles títulos solenizava a cessão dos direitos de meação por escritura pública, como determinava a legislação.
Não havia uma unanimidade nem na doutrina nem na jurisprudência, o que deve ter motivado o legislador de 2002 em contemplá-la – a cessão - em novos dispositivos. Para que a renúncia de direitos à sucessão aberta tenha eficácia, estabelece com requisito no artigo 1.806 seja procedida por instrumento público ou termo judicial. Já para que a cessão de direitos à sucessão aberta se opere legalmente, o artigo 1.793 estabelece como requisito a escritura pública, que é o instrumento público lavrado por Tabelião. No entanto, mesmo com a clareza dos dispositivos legais do nosso Código vigente, Tribunais de vários Estados vêm interpretando estes dispositivos de maneira contrária, com motivações diversas.
Entendo que tanto os direitos de meação com o os direitos hereditários, em inventário judicial, são renunciáveis – renúncia abdicativa – por termo judicial com amparo no artigo 1.806, eis que ambos são direitos à sucessão aberta, podendo também ser a renúncia objeto de escritura pública. Por outro lado, a cessão onerosa ou gratuita – cessão ou renúncia translativa – deve ser solenizada, independentemente de qualquer valor, por escritura pública, por determinação do artigo 1.793 do CCB. Se os atos não estão formalizados na forma da lei, entendo que o registrador deve qualificar o documento negativamente para registro, mesmo que a partilha tenha sido homologada ou julgada por Juiz de Direito.