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Desaposentação: jurisprudência e aspectos constitucionais

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7) Conclusão: a desaposentação carece de amparo legal e implica afronta ao ato jurídico perfeito, mesmo que o segurado se disponha a devolver todos os valores já recebidos a título de aposentadoria.

Não obstante a forte inclinação jurisprudencial, entendemos que a desaposentação, com o objetivo de obter em seguida nova aposentadoria (com mais contribuições, idade mais elevada e, portanto, expectativa de sobrevida menor), a fim de obter benefício com RMI maior, não é juridicamente viável sequer com a restituição dos valores recebidos pelo segurado a título de aposentadoria (neste sentido, apresentamos voto-ementa vencedor na Primeira Turma Recursal no Recurso Inominado 0011131-89.2012.4.02.5001/01, em sessão de 13 de novembro de 2013).[3]

Em primeiro lugar, a AUSÊNCIA DE NORMA EXPRESSA autorizando a desaposentação seguida de reaposentação é suficiente para inviabilizar a pretensão.  A Administração Pública está vinculada à observância da legalidade estrita (art. 37, caput, da CRFB/1988); em regra, a falta de previsão legal implica, nos atos vinculados, vedação, e não permissão.  A cada novo mês trabalhado por um segurado aposentado corresponde o pagamento de uma nova contribuição, e eventualmente ele teria interesse em obter “nova aposentadoria melhorada” mensalmente, razão pela qual a falta de disciplina legal resultaria em situação caótica.

O simples fato de haver contribuição incidindo sobre o salário de um segurado obrigatório que já é aposentado não permite concluir que, com base nos arts. 195, § 5º, e 201, § 11º, da CRFB/1988, alguma vantagem individual correspondente seja devida ao contribuinte (STF, RE 210.211, AI 724.582 AgR e ADI 3.105).  Quando muito, se considerada desvirtuamento abusivo do sinalagma contributivo, o STF poderá declarar a inconstitucionalidade das Leis 9.032/1995 e 9.528/1997 na parte em que, alterando o § 2º do art. 18 da Lei 8.213/1991, reduziram as contraprestações devidas aos aposentados que voltaram a trabalhar (pecúlio e auxílio-acidente, respectivamente), ou mesmo poderá reputar excessiva, por falta de causa válida, a expressiva alíquota de 11% do tributo;[4] nada há, no entanto, que autorize a Corte a majorar as aposentadorias sem expressa previsão em lei.

Em segundo lugar, o deferimento de aposentadoria decorrente da reunião dos requisitos legais e de uma manifestação de vontade do segurado dirigida à Administração, constitui ATO JURÍDICO PERFEITO.  O tempo de contribuição ingressa no patrimônio do trabalhador mês a mês; satisfeitos os requisitos para a obtenção de benefício, há direito adquirido, a ser utilizado quando o segurado considerar mais conveniente.  A ele cabe escolher qual caminho trilhar, sabendo que não há autorização legal para retornar: (i) requerer imediatamente a aposentadoria, gozando-a desde logo, por um período de vida mais longo, com valor “achatado” pelo fator previdenciário, ou (ii) permanecer mais tempo contribuindo, para ficar mais velho e obter um benefício maior.  Uma vez exercido o direito de instar a Administração a agir, e tão-logo o benefício seja deferido, tem-se ato administrativo aperfeiçoado, protegido pelo art. 5º, XXXVI, da CRFB/1988.  O tempo trabalhado e contribuído não deixou de integrar o patrimônio do segurado, mas já foi aproveitado integralmente para uma finalidade, e não pode, portanto, ser aproveitado para outra.

É certo que o direito do aposentado às prestações mensais do benefício, apesar da natureza alimentar deste, ostenta natureza patrimonial e disponível.  O segurado pode, a qualquer momento, renunciar ao recebimento de uma, várias ou todas as prestações, com efeitos ex nunc, isto é, sem ter de devolver aquelas já recebidas, uma vez que não as recebeu indevidamente.  Ocorre que o direito à aposentadoria em si, após adquirido, foi exercido por ato de vontade, e, após o deferimento pela Administração, tornou-se ato jurídico perfeito.  A qualquer momento, cessando as razões que levaram o segurado a suspender por tempo indeterminado os efeitos do ato administrativo que o aposentou, poderá solicitar a reativação imediata do benefício: em se tratando de direito social fundamental, visando à garantia da subsistência digna, a aposentadoria é irrenunciável.  O interruptor pode ser desligado (e também religado), não arrancado da parede.  Pode-se renunciar às prestações da aposentadoria, sendo vedado – diante da falta de norma autorizadora – valer-se dessa renúncia para contornar uma (má) escolha feita no passado, mesmo com a disposição de ressarcir a Administração de todos os valores recebidos.[5]

Em terceiro lugar e último lugar, A DESAPOSENTAÇÃO ENCONTRA VEDAÇÃO NAS NORMAS QUE INSTITUEM O FATOR PREVIDENCIÁRIO, pois se trata de burla ao objetivo de desincentivar aposentadorias precoces.  O art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991 diz, por via transversa, que as contribuições vertidas pelo segurado aposentado não produzem efeito algum para a obtenção de outra aposentadoria, cabendo a ele escolher prudentemente quando e como as usará.  O art. 29, I, e § 7º, também da Lei 8.213/1991, como a aposentadoria demanda, para a fixação da renda mensal inicial do benefício, o cômputo da idade e da expectativa de sobrevida do segurado no momento do requerimento, conclui-se que, uma vez deferido, tem-se ato administrativo cujos efeitos atrelam, de forma incindível, a quantidade de contribuições vertidas e o período futuro de vida do segurado.


NOTAS

[1] Na mesma linha, em 1997, ao apreciar lei que majorava a alíquota do ICMS do Estado de São Paulo, destinando o acréscimo a uma finalidade específica, o STF reputou inconstitucional não apenas a vinculação da receita decorrente do aumento do imposto (por violação ao art. 167, IV, da CRFB/1988) como também a própria majoração, por faltar-lhe causa juridicamente válida (RE 183.906).

[2] Restaram vencidos os Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que consideravam o requerimento de aposentadoria ato jurídico perfeito.

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[3] http://www.jusbrasil.com.br/diarios/62024309/trf-2-jud-jfes-22-11-2013-pg-417

[4] O fato de o STF haver afirmado reiteradamente, com fundamento no princípio da solidariedade, a constitucionalidade da incidência de contribuição social sobre a remuneração do trabalho dos aposentados – por exemplo, RREE 437.640, 357.892, 437.652 e 367.416 – não necessariamente implica a conclusão de que é constitucional a norma que fixa para estes a mesma alíquota que incide sobre os não aposentados.

[5] No sentido da imutabilidade radical deste ato, votaram os Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes no julgamento do RE 630.501, enquanto os demais consideraram o ato passível de revisão apenas quando tivesse por fundamento a aquisição de direito a RMI melhor antes da data do requerimento.

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Sobre o autor
Iorio Siqueira D'Alessandri Forti

Mestre em Direito Processual (UERJ). Especialista em Direito do Estado (UERJ). Juiz Federal.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FORTI, Iorio Siqueira D&#39;Alessandri. Desaposentação: jurisprudência e aspectos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4223, 23 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30925. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado para o Curso de Aperfeiçoamento e Especialização (CAE) da Escola da. Magistratura Regional Federal da 2ª Região (EMARF) em novembro/2013.

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