RESUMO: Com as transformações advindas de novas tecnologias, como a internet, houve inovação atinente à teoria geral dos contratos. Não houve em stricto sensu o surgimento de outra modalidade contratual, haja vista que aos contratos eletrônicos são aplicáveis diversas regras dos contratos tradicionais, mas há outro ambiente mediante o qual a negociação é realizada, qual seja o virtual. Este ainda não é provido de uma segurança estável e por isso foram desenvolvidas algumas técnicas para dar efetivação à segurança relativa à concretização de contratos pelo meio digital, dentre as quais se destaca a criptografia. Essa insegurança jurídica é mais evidente quando se trata de relações consumeristas, haja vista que estas não são norteadas por normas específicas. O presente estudo teve como escopo fazer a abordagem atinente aos contratos eletrônicos sob a égide da legislação brasileira e enfatizar a necessidade premente da promulgação de leis que forneçam um regulamento específico sobre o assunto. Nesse sentido, foi promovida uma breve reflexão acerca do Projeto de Lei 281/2012 que visa à inclusão dos contratos eletrônicos na seara do Código de Defesa do Consumidor. Para obter os resultados foi utilizado o método da pesquisa qualitativa embasada em um estudo bibliográfico.
Palavras-chave: Teoria geral dos contratos. Contratos eletrônicos. Criptografia. Insegurança jurídica. Projeto de Lei 281/2012.
INTRODUÇÃO
O mundo atual passou e vem passando por inúmeras transformações, dentre as quais estão aquelas relacionadas às relações consumeristas. Isso se deve ao fato de as pessoas estarem em uma escala cada vez maior realizando transações comerciais em ambiente virtual. O comércio eletrônico tem sido provido de relevância quanto ao desenvolvimento econômico do país. Dessa forma surge então, o contrato em meio eletrônico ou virtual.
Atualmente, o meio virtual é onde ocorre com grande frequência a realização de negócios, a interação e a comunicação entre as pessoas. Diante dessa situação, é evidente a necessidade da elaboração de leis ou mesmo de uma legislação específica que possa promover a segurança jurídica daqueles que utilizam a internet.
No entanto, há diversos empecilhos quanto aos contratos eletrônicos, uma vez que os consumidores não recebem amparo legal suficiente em virtude de não haver leis específicas voltadas para a solução das questões que envolvam problemas cibernéticos. Sendo assim, em relação ao caso concreto há a aplicação subsidiária do Código Civil, Código de Processo Civil e Código de Defesa do Consumidor.
O presente artigo tem como finalidade discorrer a respeito dos aspectos históricos e epistemológicos, da validade e segurança jurídica dos contratos eletrônicos bem como dos desafios impostos ao ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito ao regulamento das relações comerciais virtuais. Além disso, são expostas algumas considerações acerca da proposta de alteração do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, sobre o projeto de lei 281/2012. Nesse sentido, para que os escopos mencionados sejam concretizados, o respectivo estudo se divide em três capítulos.
No primeiro capítulo, são retratados os aspectos históricos e conceituais dos contratos de maneira geral. Posteriormente, é feita uma abordagem acerca dos princípios, formas e requisitos contratuais.
O capítulo seguinte se dedica exclusivamente aos contratos eletrônicos, destacando como ocorre sua validade, as declarações de vontade, formação e outras particularidades.
O terceiro capítulo é voltado à segurança jurídica do consumidor, evidenciando assim os mecanismos existentes para a diminuição de fraudes, como a criptografia, a assinatura e o certificado digitais. Além disso, é feita uma análise sobre o projeto de lei 281/2012.
Por fim, expõem-se as considerações finais com base na pesquisa realizada. Trata-se do momento em que haverá a presença de pensamentos conclusivos a respeito do percurso realizado para a finalização do presente estudo.
1.DOS CONTRATOS EM GERAL
1.1 Etimologia
A relação jurídica na sociedade ocorre por intermédio de alguns institutos, dentre os quais o que merece maior destaque é o contrato. Desde a antiguidade se fala em pacto. Em todas as fases evolutivas da sociedade, houve acompanhamento pelo contrato. Uma das características desse instrumento é a flexibilidade, pois ele se realiza de acordo com os moldes estabelecido em um meio social.
O Código Civil de 2002 não proporcionou uma definição exata de contrato, mas a doutrina tomou para si essa incumbência. Sendo assim, foram distinguidos três conceitos de contratos. O primeiro é provido de amplitude e diz respeito ao acordo de vontade que visa à produção de diversos efeitos jurídicos. A segunda definição compreende o contrato como acordo de vontades cujo escopo é a obtenção de resultados jurídicos de caráter econômico. Há ainda o último conceito, o qual é mais restrito ao definir contrato somente como a reunião de vontades que visa fazer com que os efeitos jurídicos só sejam produzidos no âmbito do Direito das Obrigações (PEREIRA, 2004, p. 8).
O termo contrato possui vários significados, mas buscando uma sintetização relacionada à terminologia, Paulo Nader (2008, p. 6) traz a seguinte definição:
[...] é vocábulo de significação estritamente jurídica e rico de conteúdo, pois se refere ao instrumento de vontades, ao instrumento assinado pelas partes, ao campo normativo disciplinador das diferentes espécies, e ainda, ao departamento da ciência jurídica que estuda os princípios básicos atinentes à matéria.
1.2 Aspectos históricos
Desde o surgimento do homem, houve a realização de contratos. As relações comerciais ocorriam por meio do sistema de troca ou permuta. Nesse caso, já havia a celebração de um contrato primitivo, mesmo que não se equipare ao contrato de compra e venda atual.
No Direito Romano não era utilizado apenas o termo contrato, mas também pacto e convenção. No entanto apenas o primeiro é provido de uma noção técnica. Nesse sentido, Venosa (2005, p. 394) fornece uma sintetizada distinção entre os referidos termos:
[...] Convenção é termo mais genérico, aplicável a toda espécie de ato ou negócio bilateral. O termo pacto fica reservado para cláusulas acessórias que aderem a uma convenção ou contrato, modificando seus efeitos naturais, como o pacto de melhor comprador na compra e venda e o pacto antenupcial no casamento. Pacto, usado singelamente, não tem a mesma noção de contrato. Utiliza-se para denominar um acordo de vontades sem força cogente.
Da mesma forma que os demais atos jurídicos, no Direito Romano primitivo, os contratos eram providos de caracteres rigorosos e sacramentais. Havia a obrigatoriedade de obediência das formas, mesmo que não houvesse a expressão exata da vontade dos contraentes (CORREIA e SCIASCIA apud VENOSA, 2005, p. 394).
O pacto ou convenção que designavam determinado acordo não eram suficientes para a existência de uma obrigação jurídica provida de exigibilidade, pois era necessário que houvesse a exteriorização de determinadas formas na frente dos interessados. Ao longo do tempo foram surgindo outras figuras contratuais, como os contratos reais e consensuais (VENOSA, 2005, p. 395).
Além disso, “os costumes mercantis dinamizam as relações e tendem a simplificar as formas contratuais. Com a escola do direito natural, assimilam-se os pactos e convenções aos contratos” (VENOSA, 2005, p. 396). Sendo assim, o apogeu do contratualismo foi alcançado com os jusnaturalistas, os quais não tinham a visão de que o contrato era apenas um mero instrumento para criação de obrigações, mas que possuía outras finalidades.
Com a massificação das relações contratuais, o individualismo se tornou inviável e assim, tornou se obsoleto o contrato paritário. Para atender a grande demanda existente, tornou-se necessária a elaboração de contratos padronizados, nos quais há a simples aderência ou não da outra parte.
1.3 Princípios gerais do Direito contratual
As fases contratuais são norteadas por determinados princípios, os quais possuem previsão legal. Dentre eles, se destacam a autonomia de vontade, a boa-fé objetiva, o consensualismo, a força obrigatória e a relatividade.
De acordo com o princípio da autonomia da vontade ou voluntariedade, o contrato decorre de uma vontade livre. Haveria, assim, uma liberdade de contratar, desde que esteja em conformidade com o art. 421 do Código Civil, ou seja, haja cumprimento da função social do contrato. Diniz (2005, p. 44) proporciona a seguinte definição para esse princípio:
Consiste no poder das partes de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica, envolvendo, além da liberdade de criação do contrato, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contraente e de fixar o conteúdo do contrato, limitadas pelo princípio da função social do contrato, pelas normas de ordem pública, pelos bons costumes e pela revisão judicial dos contratos.
O princípio é simples, mas cabe-se ater ao que foi denominado crise dos contratos. Atualmente, não se encontram com muita freqüência os contratos paritários, cujas cláusulas são discutidas pelas partes de forma minuciosa. Devido à massificação das relações de consumo, houve a padronização contratual, ou seja, contratos de adesão. Embora haja limitações quanto à elaboração desses contratos, não há prevalência da vontade, pois a parte aderente não exterioriza sua vontade e as cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo proponente.
Outro elemento imprescindível para o contrato é a boa-fé objetiva, a qual está prevista no art. 422 do Código Civil. Segundo Ramos (2010, p. 438):
O princípio da boa-fé, no âmbito do direito contratual, está relacionado, em um primeiro aspecto, a uma questão de interpretação do contrato. Nesse sentido, entende-se que não se deve fazer prevalecer, sobre a real intenção das partes, apenas o que está eventualmente escrito no acordo firmado. Assim, em todos os contratos há certas regras implícitas, decorrentes da própria natureza da relação contratual firmada.
Portanto, as partes contraentes devem agir com probidade e lealdade, para que assim não haja motivos para existência de desconfiança na formação e execução do contrato. Essa boa-fé é analisada pelo juiz segundo um padrão normal de conduta e não segundo a convicção pessoal da pessoa.
O princípio do consensualismo também pode ser entendido como o do consentimento e defende que para a realização do contrato somente é necessário o acordo de vontade entre as partes. Com mais detalhes, Diniz (2005, 38) assim o descreve:
[...] o simples acordo de duas ou mais vontades basta para gerar o contrato válido, pois, [...] não se exige, em regra, qualquer forma especial para a formação do vínculo contratual. Embora alguns contratos, por serem solenes, tenham sua validez condicionada à observância de certas formalidades estabelecidas em lei, a maioria deles é consensual, já que o mero consentimento tem o condão de criá-los, sendo suficiente para sua perfeição e validade.
O princípio da relatividade defende que o contrato é vinculado e produz efeitos apenas entre as partes contraentes, não abrangendo outro objeto. Levando em consideração esses caracteres, Ramos (2010, p. 436) traz a seguinte elucidação:
[...] Pode-se dizer que esse princípio possui um aspecto subjetivo e outro objetivo. Quanto ao seu aspecto subjetivo, entende-se que o contrato vale apenas entre as pessoas que contraíram vínculo contratual, não produzindo efeitos perante terceiros estranhos à relação pactuada. De acordo com o seu aspecto objetivo, por outro lado, entende-se que o contrato está restrito ao seu objeto, não atingindo bens estranhos a este.
Deve ser ressaltado que há algumas exceções relativas ao mencionado princípio, deixando assim de ser absoluto. Isso se deve ao fato de que há contratos cujos efeitos produzidos atingem a esfera jurídica de um terceiro que não fizera parte da elaboração do contrato. Como exemplos, podem ser citados o caso dos herdeiros universais de um contraente que sofrem os efeitos do contrato, mesmo não tendo participado de sua formação (DINIZ, 2005, p. 41) e o contrato de seguro cuja concretização é favorável a terceiro.
Sendo assim, o Código Civil prevê três tipos de contratos que produzem efeitos em relação a terceiros: estipulação em favor de terceiro (art. 436 s/s), promessa de fato de terceiro (art. 439, s/s) e contrato com pessoa a declarar (art. 467).
O último princípio trazido pela doutrina é o da força obrigatória ou da obrigatoriedade da convenção, o qual está intimamente relacionado com a cláusula pacta sunt servanda (os pactos são para serem cumpridos). Diniz (2005, p. 45) traz um conceito sintetizado ao mencionar que:
Por esse princípio, as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. O ato negocial, por ser uma norma jurídica, constituindo lei entre as partes, é intangível, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa por caso fortuito ou força maior, [...] de tal sorte que não se poderá alterar seu conteúdo, nem mesmo judicialmente. Entretanto, tem-se admitido, ante o princípio do equilíbrio contratual ou da equivalência material das prestações, que a força vinculante dos contratos seja contida pelo magistrado em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação [...].
Portanto, há a liberdade de realizar contrato, mas depois de sua concretização é obrigatório que haja seu cumprimento. O contrato faz lei entre as partes contratantes. No entanto, o novo Código Civil não adotou o princípio do pacta sunt servanda de forma absoluta, devido à inclusão implícita nos contratos da cláusula rebus sic stantibus, “[...] segundo a qual os direitos e deveres assumidos em um determinado contrato podem ser revisados se houver uma alteração significativa e imprevisível nas condições econômicas que originaram a constituição do vínculo contratual” (RAMOS, 2010, p. 437).
Isso é decorrente da denominada teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva. Essa teoria defende que se um contrato foi realizado de forma equilibrada, mas ocorre um fato superveniente, que se torna responsável pelo vício relativo ao desequilíbrio e onerosidade excessiva, a parte prejudicada pode pedir a finalização desse contrato. Isso está previsto no art. 478 do Código Civil.
1.4 Formação dos contratos
Antes da formação dos contratos, há duas fases. A primeira é a negociação, durante a qual são realizadas conversas prévias, projeções e orçamentos. Esses atos preparatórios não promovem a vinculação das partes.
A segunda fase é decisória, pois vincula as partes contraentes em virtude de ambas manifestarem a sua vontade. Nesse sentido, há a proposta, a qual pode ser também denominada de oblação, policitação ou oferta. Segundo Gomes e Diniz apud Gonçalves (2009, p. 52) ela “é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa a outra (com quem pretende celebrar um contrato), por força da qual a primeira manifesta sua intenção de se considerar vinculada, se a outra parte aceitar”.
A aceitação é outra declaração de vontade, que na visão de Rizzardo (2008, p.54) “é o ato pelo qual o destinatário manifesta o desejo de concluir o contrato nos termos da proposta.” Em regra deve ocorrer de forma expressa, mas o art. 432 do Código Civil também prevê a aceitação tácita em duas ocasiões, ou seja, quando a realização de determinado negócio não tenha por costume a aceitação expressa ou quando a aceitação expressa for dispensada pelo proponente.
A conclusão do contrato entre presentes ocorre a partir do momento em que a parte solicitada aceita. No entanto, quando se trata da contratação entre ausentes, surgem algumas controvérsias cuja solução se baseia em determinadas teorias. Há, assim, a teoria da informação ou da cognição e a teoria da declaração ou da agnição.
De acordo com Gonçalves (2009, p. 60) a primeira corrente defende que o momento conclusivo do contrato é:
[...] o da chegada da resposta ao conhecimento do policitante, que se inteira de seu teor. Tem o inconveniente de deixar ao arbítrio do proponente abrir a correspondência e tomar conhecimento da resposta positiva. Não basta a correspondência ser entregue ao destinatário. O aperfeiçoamento do contrato se dará somente no instante em que o policitante abri-la e tomar conhecimento do teor da resposta.
Já a segunda teoria possui três subdivisões, quais sejam a declaração propriamente dita, da expedição e da recepção. O renomado doutrinador (2009,p. 60) traz a seguinte disposição:
Para a teoria da declaração propriamente dita, o instante da conclusão coincide com o da redação da correspondência epistolar. Obviamente, tal entendimento não pode ser aceito, porque além da dificuldade de se comprovar esse momento, o consentimento ainda permanece restrito ao âmbito do aceitante, que pode destruir a mensagem em vez de remetê-la.
Para a teoria da expedição, não basta a redação da resposta, sendo necessária que tenha sido expedida, isto é, saído do alcance e controle do oblato. [...]
Por último, a teoria da recepção exige mais: que, além de escrita e expedida, a resposta tenha sido entregue ao destinatário.
Código Civil adotou a teoria da expedição e tal previsão se encontra em seu art. 434. No entanto, esse dispositivo traz de forma expressa três exceções quanto ao aperfeiçoamento do contrato. A primeira delas se refere à existência de retratação do aceitante; a segunda ocorre quando há convenção entre as partes de que o proponente irá esperar a resposta e por fim, não haverá conclusão do contrato se não houver a chegada da aceitação no prazo estabelecido pelos contraentes.
Levando em consideração o lugar da celebração do contrato, o art. 435 do Código Civil propôs que o lugar será aquele em que houve a realização da proposta. Cabe ainda, ressaltar que quando as partes residirem em países diferentes, a Lei de Introdução às normas de Direito brasileiro dispôs em seu art. 9º, §2º que “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.
2. DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
2.1 Conceito
Como os contratos fazem parte da realidade diária das pessoas, eles não poderiam deixar de ser estudados pelo ramo do Direito eletrônico. As formas com que se dá a comunicação digital são advindas de contrato, pois para acessar um e-mail, por exemplo, há a necessidade de realização de um contrato, por meio do qual há concordância com a política do serviço oferecido. Fala-se então em virtualização do contrato.
O emprego do termo contrato eletrônico é mais comum, mas esse tipo contratual também recebe outras denominações, como por exemplo, contratos digitais ou cibernéticos.
Na visão de Barbagalo (2001, p. 37), o contrato eletrônico é visto como “o acordo entre duas ou mais partes para, entre si, constituírem, modificarem ou extinguirem um vínculo jurídico de natureza patrimonial, expressando suas respectivas declarações de vontades por computadores interligados entre si.
A definição do tipo contratual, em evidência, é semelhante a dos contratos tradicionais. O posicionamento de Brasil (2002, p. 297) é justamente nesse sentido, ao dispor que os contratos eletrônicos “[...] nada mais são do que manifestações de vontade, voltadas para os interesses bilaterais que produzirão os mesmos efeitos jurídicos que os contratos até então por nós conhecidos.”
As diferenças mais nítidas, então, entre essa nova modalidade contratual e dos demais contratos são o meio pelo qual há a exteriorização (internet) e como se dá a manifestação de vontade.
2.2 Validade jurídica
Para que o contrato eletrônico tenha validade é preciso que haja os requisitos do art. 104 do Código Civil: capacidade do agente emissor da vontade; licitude e possibilidade do objeto, o qual deverá ser ao menos determinável e forma prevista pela lei ou não passível de proibição pela mesma. Tratam-se, então, respectivamente de elementos subjetivos, objetivos e formais.
Os contratos tradicionais, geralmente, são solenes, pois devem seguir forma prescrita ou não vedada por lei. Já os contratos eletrônicos utilizam como meio de concretização a internet, para a qual ainda não se estabeleceu a mesma solenidade.
Há ainda a distinção quanto à manifestação de vontade. Nos contratos comuns, o interesse pode ser exteriorizado de diversas maneiras, como por exemplo, a assinatura ou pela própria verbalização, em caso de contratos verbais. Já no meio eletrônico há mensagens e acessos que quando providos de confirmação gera uma presunção de vontade. Essa confirmação é realizada por meio dos denominados “cliques”. A contratação é feita com um ente artificial, cuja vontade já foi programada anteriormente.
A comunicação ocorre em tempo real por meio de alguns programas como, MSN, Facebook ou por meio de e-mail, pelo qual a comunicação não se dá de forma instantânea, mas mesmo assim é muito utilizado em praticamente todas as transações comerciais.
O Direito eletrônico é contrário a ideia adotada pelos contratos clássicos de que somente os seres humanos podem realizar contratos. Há uma vontade indireta, pois um determinado indivíduo realizou a programação da contratação. Isso ocorre, por exemplo, no caso de solicitação de novas mercadorias ao fornecedor pelo próprio site em caso de ausência do produto no estoque. A realização da proposta implica em um contrato que será válido mesmo que a compra do produto não seja solicitada pelo empresário. Isso diz respeito à vontade da inteligência artificial.
Conclui-se que no meio virtual, há outra visão sobre a vontade, a qual é indireta. Não há interação do ser humano com outra pessoa, mas sim com a máquina. O contrato eletrônico já é programado. Assim, este não pode ser visto apenas como um ato de vontade, já que esta é intermediada por um sistema de programação.
Como não há legislação própria para o modelo contratual, aplicam-se por analogia as regras dos contratos gerais. No entanto, é um tema complexo, que pode gerar a remodelação das normas já existentes (LORENZETTI apud PEREIRA, [200_], p. 12).
Além da manifestação de vontade retratada anteriormente, é preciso que haja capacidade das partes contraentes. O agente adquire capacidade civil, geralmente, ao completar 18 anos. No entanto, pode ocorrer a emancipação, que é o instituto que supre a incapacidade relativa em decorrência da idade. Há três espécies, quais sejam a voluntária, a judicial e a legal.
O incapaz somente poderá efetuar a realização de contratos caso seja representado (absolutamente incapazes) ou assistido (relativamente incapazes). Mas muitas crianças e jovens realizam contratos eletrônicos e a respeito disso surgem várias controvérsias a respeito de sua validade. Há vários entendimentos relativos a essa questão, pois há aqueles que consideram a validade somente se houver consentimento e responsabilidade dos pais e caso não se proceda dessa forma, o negócio jurídico será provido de nulidade. Há ainda a sustentação de que se o menor realizar determinado contrato, os pais terão a obrigação de efetuar seu adimplemento. Isso se fundamenta na responsabilidade objetiva prevista no art. 932, I do Código Civil.
A identificação é, assim, um dos entraves do contrato eletrônico e que gera desconfiança das pessoas ao comercializar pelo meio virtual. O computador e e-mail utilizados não são técnicas suficientes para conhecimento do real usuário, pois qualquer pessoa pode criar um e-mail falso e utilizar um computador que não seja o seu.
Alguns sites deixam clara a evidência que não contratam com menores e pedem o cadastro de informações pessoais, como CPF e RG para tentar coibir a prática de fraudes. No entanto, tais ferramentas não são suficientes. Nesse sentido, Ramos ([200_], p. 22) dispõe:
Assim, foram desenvolvidos sistemas de biométricos, de criptografia, de assinatura digital e certificações eletrônicas para revestir de maior segurança os contratos celebrados pela internet, [...], pois é necessário que os documentos provenientes de meio eletrônico tenham validade semelhantes aos documentos físicos.
É importante esclarecer que nas relações consumeristas, o fornecedor deve fornecer informações precisas sobre o produto oferecido, pois na contratação virtual também se aplica o art. 6º, III do CDC, além de outros dispositivos do mesmo diploma legal.
Em relação ao objeto do contrato eletrônico deve ser dito que pode ser qualquer bem jurídico, desde que seja provido de licitude e possibilidade. Também deve ser determinado ou determinável. A respeito dessas características, Ramos ([200_], p. 23) preceitua:
[...] por lícito entende-se que o objeto esteja em conformidade com a lei, a moral e os bons costumes; e por possível, entende-se por um objeto realizável, praticável, seja do ponto de vista físico, seja jurídico.
O objeto necessita ser ainda determinado ou determinável, ou seja, tem que ser conhecido e individualizado, em momento anterior da formação do contrato ou em momento posterior.
O objeto desse negócio jurídico pode ser qualquer produto ou serviço. Entende-se por produto “[...] qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (art. 3º, §1º do CDC) e por serviço “[...] qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (art. 3º, §2º do CDC).
Os contratos tradicionais possuem a necessidade de uma forma para que ocorra a externalização da vontade das partes, podendo ocorrer de forma verbal ou escrita. No meio virtual também é preciso que assim se proceda. No entanto, o formalismo foi deixado um pouco de lado, devido principalmente a existência dos contratos de adesão, gerados pela grande demanda e massificação das atividades voltadas ao comércio.
O ato de realizar contratos via internet não sofreu muitas contestações, haja vista que o próprio Código Civil, em seu art. 107 não exigiu forma especial para que a declaração de vontade fosse considerada válida, com exceção dos casos previstos em lei, cujo exemplo típico é a compra e venda de bens imóveis, para a qual se exige o registro público.
Embora a internet tenha facilitado a atividade de contratar, há alguns empecilhos, como bem aduz Ramos ([200_], p. 25):
Em contrapartida as facilidades e comodidades que os contratos celebrados pela internet podem oferecer, existem sérias dificuldades, ainda não superadas, como a comprovação judicial da existência do contrato eletrônico, bem como a comprovação da identidade das partes envolvidas e o real conteúdo do contrato. Sobretudo pela simplicidade que é adulterar qualquer documento eletrônico.
2. 3 Formação dos contratos eletrônicos
A formação dos contratos eletrônicos possui as mesmas fases que a dos demais contratos, quais sejam as negociações preliminares, a oferta e a aceitação.
Na primeira fase não há estabelecimento de obrigações. No entanto, caso uma das partes tenha expectativa acerca da concretização do negócio e se abstenha de realizar contrato com outra pessoa ou tenha efetuado gastos, terá direito de ser ressarcido pelos danos advindos.
A oferta ocorre quando há exposição do produto ou serviço em sites comerciais, instigando assim o consumidor a efetuar o negócio. Nessa fase, o fornecedor deve providenciar que todas as informações relacionadas com o objeto do contrato sejam prestadas ao consumidor.
Essa segunda fase dá início ao contrato e assim, obriga o fornecedor pelo conteúdo veiculado, não podendo se retratar. Isso se encontra previsto no art. 30 do CDC e art. 427 do Código Civil.
Levando em consideração a diversidade de riscos existentes ao realizar um contrato pela internet, o consumidor deve buscar informações precisas a respeito da identificação da parte com a qual está contratando, como por exemplo, o número de telefone para contato.
Na fase da aceitação verifica-se a aquiescência de uma das partes quanto às condições propostas. A partir desse momento há o surgimento de obrigações para ambas as partes, as quais deverão efetuar o cumprimento do pacto.
Quanto ao local de formação dos contratos, o art. 435 do Código Civil dispõe que “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”. Mas quanto aos contratos eletrônicos se aplica o disposto no art. 15 da Lei Modelo da Uncitral e para ter uma melhor elucidação do referido artigo, Leal (2007, p. 118) afirma que:
De acordo com esse dispositivo, uma declaração eletrônica será considerada expedida e recebida no local onde o remetente e o destinatário, respectivamente, tenham seu estabelecimento. Assim, não se leva em consideração nem o endereço do website, nem o endereço físico do servidor, mas o local do domicílio ou estabelecimento das partes. Caso uma das partes ou ambas possuam mais de um estabelecimento, considera-se como formado o contrato naquele que guarde relação mais estreita com seu objeto, ou o estabelecimento principal. Caso o remetente ou o destinatário não possuam estabelecimento, considera-se como tal o local de sua residência habitual.
Segundo o excerto supratranscrito foram eliminadas as dificuldades quanto à identificação do local no qual houve a concretização do contrato. Sendo assim, aplica-se tal disposição sempre que não houver local estabelecido por convenção dos contratantes.
2.4 Classificação dos contratos eletrônicos
A doutrina tem classificado os contratos eletrônicos em intersistêmicos, interpessoais e interativos.
Os contratos intersistêmicos são aqueles em que não há a presença humana no momento da contratação, pois esta é realizada entre máquinas que já foram programadas anteriormente para a prática do negócio jurídico. Assim dispõe Leal (2007, p. 83):
Usualmente, as empresas envolvidas na contratação vida EDI, precedentemente ao início das operações comerciais eletrônicas, já disciplinaram e detalharam os direitos e obrigações e as atribuições de cada parte. Contudo, após a programação dos programas aplicativos, não há mais manifestação de vontade humana. As máquinas operam, automaticamente, sem qualquer intervenção do homem.
Quanto a esse tipo de contrato, discute-se se há ou não manifestação de vontade. Analisando de forma superficial não existe, mas valendo-se de uma cognição exauriente é possível dizer que há o aspecto volitivo, uma vez que a máquina foi programada por um ser humano, caso contrário não realizaria as atividades para as quais foi destinada.
Já os contratos interpessoais podem ser definidos como:
[...] aqueles firmados em decorrência da interação de duas pessoas, simultaneamente ou não, através da internet. Pode-se exemplificar tal classificação, nos casos de contratos firmados através de troca de e-mails, de videoconferência ou em programas de mensagem instantânea, ou ainda, no caso de leilão virtual (RAMOS, ([200_], p. 9).
Esses contratos se equiparam aos realizados à distância, pois apesar de não serem realizados pessoalmente, há comunicação entre as partes, haja vista que há a necessidade de proposta e de resposta de outra pessoa. Deve ser ressaltado que as conseqüências jurídicas dos contratos realizados com a presença dos contraentes são diferentes daqueles em que há ausência das partes.
A última modalidade de contrato eletrônico diz respeito aos contratos interativos, os quais são aqueles cuja comunicação ocorre entre um ser humano e um sistema pré-programado para atender as solicitações do cliente. Seu uso é muito comum nas relações comerciais, nas quais há oferta de produtos ou serviços.
Leal (2007, p. 87) assim descreve como ocorre a manifestação de vontade do fornecedor e do consumidor nos mencionados contratos:
No momento em que tais informações são disponibilizadas na internet considera-se feita a oferta ao público e, consequentemente, manifestada a vontade do fornecedor. Já a vontade do consumidor é manifestada no momento em que ele acessa o sistema aplicativo e com ele interage, preenchendo os campos eletrônicos à sua disposição. Ao confirmar os dados, o consumidor conclui a aceitação.
Nesse tipo contratual, a manifestação de vontade se dá por meio de “cliques” nas opções presentes no site, como “sim”, “concordo”, “aceito”, entre outras. Como o consumidor apenas aceita as cláusulas impostas pelo fornecedor e não exerce o questionamento, os contratos interativos podem ser vistos como contratos de adesão.
2.5 Princípios fundamentais
Os princípios dos contratos tradicionais são aplicáveis aos contratos eletrônicos, mas estes possuem suas peculiaridades, possuindo, assim, princípios específicos.
O princípio da neutralidade virtual e da perenidade das normas que norteiam o ramo do Direito Eletrônico está relacionado com as constantes inovações tecnológicas, as quais não podem ser providas de obstáculos advindos de normas que regulam o ambiente digital. Dessa forma “as normas devem ser neutras para que não constituam em entraves ao desenvolvimento de novas tecnologias e perenes no sentido de se manterem atualizadas, sem necessidade de serem modificadas a todo instante” (LEAL, 2007, p. 91).
Outro princípio é o da equivalência dos contratos tradicionais com os contratos realizados pela internet, por meio do qual deve ser conferido um tratamento provido de neutralização aos contratos virtuais, comparando-os assim com os contratos comuns. Assim possuem validade e produz efeitos jurídicos de forma semelhante a outras modalidades contratuais. Esse é o entendimento previsto pela Lei Modelo da UNCITRAL sobre comércio eletrônico ao dispor em seu art. 5º que “não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação apenas porque esteja na forma de mensagem eletrônica”.
Segundo o princípio da conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos, a estes se aplicam as mesmas regras relativas aos contratos tradicionais devido à semelhança existente entre ambos. Como não há uma legislação específica que trata do assunto, não é cabível oferecer tratamento diferenciado a essa nova modalidade contratual. Em aquiescência com tais assertivas, Lawand apud Leal (2007, p. 93) tem o seguinte posicionamento:
A internet não cria espaço livre, alheio ao Direito. Ao contrário, as normas legais vigentes aplicam-se aos contratos eletrônicos basicamente da mesma forma que a quaisquer outros negócios jurídicos. A celebração de contratos via internet se sujeita, portanto, a todos os preceitos pertinentes do Código Civil Brasileiro. Tratando-se de contratos de consumo, são também aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor.
O último princípio referente à modalidade contratual retratada é o da boa-fé objetiva. Devido à existência da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor prevê a boa-fé em seu art. 4º, III:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
[...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Esse princípio fornece proteção ao consumidor, já que este é a parte dotada de maior fragilidade em uma relação consumerista. Sendo assim, espera-se que o fornecedor tenha um comportamento adequado e justo, honrando assim a confiança nele depositada. Em se tratando de contratos eletrônicos, a probabilidade de induzimento ao erro é muito maior e por isso a honestidade dos contraentes tem caráter de imprescindibilidade.