No mês de junho de 2014, o Plenário do STF realizou julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4947, 4963, 4965, 5020, 5028 e 5130. Em todas essas ADIs, basicamente, os autores impugnavam a constitucionalidade da Resolução nº 23.389/2013 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que “dispõe sobre o número de membros da Câmara dos Deputados e das Assembleias e Câmara Legislativa para as Eleições de 2014”.
Pois bem. Ao final do julgamento, a maioria dos ministros da Corte considerou inconstitucional o parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar 78/1993, que autoriza o TSE a definir o tamanho das bancadas dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados. Consequentemente, a Resolução 23.389/2013, editada com base naquele dispositivo, também foi considerada inconstitucional.
Nesse importante precedente, quero analisar alguns aspectos interessantes do julgado, especialmente no que se refere à técnica da modulação de efeitos no controle abstrato de constitucionalidade.
Inicialmente, é preciso frisar que não houve quorum para que o Plenário realizasse a modulação de efeitos da decisão tomada na análise conjunta do mérito das ADIs. Aqui vale relembrar o teor do art. 27 da Lei 9.868/99, que regula o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Note o leitor que a maioria de dois terços referida na redação acima equivale, na prática, ao voto de 8 (oito) ministros da Suprema Corte. No julgamento em apreço, tal patamar não foi atingido. Assim, como o quorum do art. 27 da Lei das ADIs não foi alcançado (o Min. Joaquim Barbosa não aderiu à corrente que propunha a modulação), o Plenário do STF, por maioria, decidiu acompanhar o entendimento da ministra Rosa Weber, a qual propugnou, com fundamento no princípio da segurança jurídica e da anualidade, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Diante disso, o Tribunal adotou os critérios estabelecidos na Resolução 23.389/2013, enquanto não for editada nova lei complementar.
A adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade remete às múltiplas possibilidades de modulação de efeitos da decisão no controle de constitucionalidade concentrado-abstrato. Essa modulação é relevante no contexto brasileiro, cujo sistema normativo de fiscalização abstrata da validade dos atos do Poder Público tradicionalmente adota teoria estadunidense da nulidade da lei inconstitucional. Segundo essa teorização, a decisão declaratória de inconstitucionalidade tem eficácia retroativa (ex tunc), haja vista apenas reconhecer uma situação preexistente, qual seja, a de que a norma é nula de pleno direito. Logo, o ato considerado inválido à luz da Constituição não produz efeitos nem pode ser convalidado.
Ocorre que a aplicação pura e simples da teoria estadunidense da nulidade do ato inconstitucional acarreta problemas. Com efeito, nem sempre a eficácia ex tuncpode desfazer as consequências de ordem prática que a aplicação da norma inválida acarretou durante o período de sua vigência. Disso surgiu a necessidade de se proceder a uma relativização da teoria da nulidade. Eis então o advento das técnicas da modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro.
Nesse contexto é que o legislador inseriu o já citado art. 27 na Lei 9.868/99. Seu propósito é assegurar a modulação da declaração de inconstitucionalidade, facultando ao STF as possibilidades seguintes:
(1) Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc: a Corte Suprema define que a declaração de inconstitucionalidade vale a partir do trânsito em julgado da decisão;
(2) Declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro: a sentença que declara a inconstitucionalidade fixa um período de tempo no qual a decisão tem seus efeitos suspensos;
(3) Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade: a Corte Suprema reconhece que a norma é inconstitucional, mas a mantém no ordenamento jurídico até que nova lei seja editada em sua substituição. Isto é, a eficácia da lei fica suspensa até que o legislador manifeste-se sobre a situação inconstitucional.
Foi justamente essa última técnica de interpretação que o STF empregou no julgamento conjunto das ADIs 4947, 4963, 4965, 5020, 5028 e 5130. Como visto, a maioria dos ministros acompanhou o voto da Min. Rosa Weber, a qual defendeu que fosse declarada a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade do parágrafo único do art. 1º da LC 78/93.
Esse pensamento veio a predominar na Corte, em face de o Plenário ter entendido que o afastamento ex tunc do dispositivo impugnado nas ações diretas criaria um vácuo normativo altamente prejudicial à Constituição. Por sinal, este é o cerne da adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade: evitar que a supressão pura e simples do ato normativo do Poder Público possa gerar um vácuo jurídico (ausência de regra apta a regular a situação normatizada) que se mostra, no caso concreto, bem mais danoso ao texto constitucional que a própria manutenção da norma invalidada. Logo, mediante a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, o STF acaba optando pelo raciocínio “dos males, o menor”. A bem dizer, faz menos mal à Constituição a mantença do ato inconstitucional que a sua total exclusão do sistema normativo, dado o risco causado pelo vácuo normativo para a regulação da vida em sociedade.