Nas últimas décadas, as reformas implementadas pelo legislador infraconstitucional no Código de Processo Civil foram pautadas na efetividade do processo e na celeridade do procedimento. A aplicabilidade desses institutos tem sido uma grande preocupação dos processualistas brasileiros desde o início da chamada “reforma do CPC”, com a edição da Lei 8.592/94, e das demais leis que, consecutivamente, trouxeram importantes alterações ao Código de Ritos (Leis 10.252/01, 10.355/01 e 10.444/02, que constituíram, segundo Cândido Rangel Dinamarco, “A Reforma da Reforma”[1], e as Leis 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06 e 11.441/2007).
E foi justamente com a finalidade de garantir a efetividade do processo que a Lei 8.592/94, inaugurando a reforma processual brasileira, introduziu explicitamente no CPC o instituto da tutela antecipada.
A figura da tutela antecipada está prevista, de forma genérica, no art. 273 do Código de Processo Civil, conferindo ao juiz a possibilidade de antecipar, total ou parcialmente, a requerimento da parte, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial. Para tanto, são exigidos além da existência de prova inequívoca, que o magistrado se convença da verossimilhança da alegação e que haja fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação, ou que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Da análise desse dispositivo legal (art. 273 do CPC), observa-se que a tutela antecipada pressupõe cognição sumária, rege-se pela instrumentalidade, funda-se em juízo de probabilidade, mas, ao mesmo tempo, tem caráter satisfativo, pois realiza a pretensão deduzida em juízo antecipadamente.
Sobre o tema, os mestres Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que:
“Tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito é providência que tem natureza jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução latu sensu, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento.”[2]
Ocorre que a tutela antecipada, embora tenha indubitável caráter satisfativo, uma vez que antecipa o direito postulado em juízo, tem conteúdo precário, ou seja, é uma tutela provisória, em virtude de seu juízo preliminar, contemplando apenas a verossimilhança das alegações. Por tal razão, pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, conforme prevê o §4º do art. 273 do CPC.
Aliás, todos os provimentos fundados em juízo de cognição sumária possuem essa característica, uma vez que, representando pronunciamento meramente provisório, as medidas antecipatórias, assim como as cautelares, devem necessariamente ser confirmadas (ou, se for o caso, revogadas) pela sentença que julgar o mérito da demanda.
Desse modo, prolatada a sentença de improcedência da ação, não subsistem os efeitos da antecipação, importando no retorno imediato ao status quo anterior à sua concessão, uma vez que rechaçados os requisitos do art. 273, do Código de Processo Civil.
O professor Athos Gusmão Carneiro explica, com excelência, os efeitos da sentença de procedência e da sentença de improcedência, sobre a tutela inicialmente concedida:
"No caso de sentença de procedência, a ‘satisfação’ já efetivada pela AT incorpora-se à eficácia de declaração (com capacidade de gerar coisa julgada material) contida na sentença; assim, a ‘provisoriedade’ é sucedida pela ‘definitividade’.(...) No caso de sentença de improcedência, terá desaparecido o juízo de ‘verossimilhança’, e, destarte, a AT considerar-se-á automaticamente revogada, devendo as coisas retornarem ao estado anterior (...). Aplicar-se-á, por extensão, a súmula nº 405 do Supremo Tribunal Federal.”[3]
Não há dúvida, portanto, quanto aos efeitos da sentença sobre a antecipação de tutela concedida.
Por outro lado, merece destaque a hipótese em que a apelação, interposta contra a sentença de improcedência, é recebida no duplo efeito (art. 520 do CPC). Nesse caso, quais seriam as consequências do efeito suspensivo concedido à apelação sobre o provimento antecipatório que foi revogado na sentença?
Ora, conforme já mencionado, a tutela antecipada deixa de produzir efeitos no momento em que é revogada. De fato, se o magistrado, em cognição exauriente, chega a conclusão diferente daquela estabelecida na decisão que havia antecipado a pretensão autoral, rechaçando os requisitos do art. 273 do CPC, não se revela possível que uma decisão com caráter provisório e precário (cognição sumária) prevaleça sobre a sentença (cognição plena), ainda que apelação interposta pela parte vencida tenha sido recebida no efeito suspensivo.
Adotando essa mesma linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “eventual apelação recebida no duplo efeito contra a sentença que revogou a antecipação de tutela não tem o condão de restabelecê-la, tendo em vista a completa descaracterização da verossimilhança da alegação”[4](REsp 541.544/SP).
No mesmo sentido, posicionou-se aquela Corte Superior, quando do julgamento do AgRg no REsp 1146537/RS:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DA APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. PROSSEGUIMENTO.
1. Não se restabelece a tutela antecipatória, expressamente revogada na sentença de improcedência da ação, pela circunstância de a Apelação interposta ter sido recebida no duplo efeito.
2. A ausência do depósito do valor reclamado pelo Fisco impede a suspensão da execução.
3. Agravo Regimental não provido.[5]
Na realidade, o efeito suspensivo concedido à apelação interposta contra sentença de improcedência não gera nenhum efeito prático, pois, negado provimento à pretensão autoral, não há o que ser suspenso.
Notas
[1]DINAMARCO. Candido Rangel. A Reforma da Reforma. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[2]NERY JUNIOR E NERY. Nelson e Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 646
[3]CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 106-107
[4]STJ. REsp 541.544/SP. Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 16/05/2006, DJ 18/09/2006, p. 322
[5]AgRg no REsp 1146537/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 11/12/2009