A admissibilidade jurídica da indenização por danos morais decorrentes da ruptura do vínculo conjugal

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Em uma relação entre cônjuges podem existir hipóteses que além de gerar a dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio, podem também dar ensejo a ação de indenização por danos morais.

1 INTRODUÇÃO  

   

O instituto da responsabilidade civil, com o consequente dever de indenizar, tem sido alvo de inúmeras discussões pelos operadores de Direito, não apenas sobre o ponto de pesquisas, mas também sobre suas aplicações nos ramos mais variados do Direito. É perceptível a sua importância no ordenamento jurídico, pois todo ato que seja ilícito, ou seja, praticado em desacordo com ordem jurídica, onde o mesmo viole direito individual e ainda cause dano a outrem, irá gerar o dever de reparar o prejuízo, seja ele moral ou patrimonial. E neste momento já entrará na seara jurídica.

A responsabilidade civil esteve presente desde as mais antigas expressões do Direito dentre a humanidade, a indenização, ou reparação, por dano causado por ação ou omissão de alguém, também está presente nas relações familiares, mais precisamente, nas relações conjugais, de que trata o presente trabalho.

Com o avanço da responsabilidade civil e sua aplicação sobre todas as relações humanas do mundo contemporâneo, não poderiam aquelas referentes à família ficar de fora. Pois, a previsão do princípio fundamental da proteção à dignidade da pessoa humana, enquadrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, fornece a proteção ao indivíduo em qualquer relação.

Há que se lembrar, no entanto, que à luz dos princípios trazidos pela Constituição de 1988, o dever de indenizar deve ser visto, nas relações de família, com muito critério, posto que pela própria preservação do vínculo familiar, somente em última hipótese deverá o Poder Judiciário interferir com medidas deste cunho, pois existe em nossa sociedade a idéia de que a instituição familiar deve ser contemplada pela unidade e pelo interesse público da preservação dessa instituição social.

Entretanto, não poderá se ausentar de análises jurídicas os casos em que envolvam o dano moral e a observância dos pressupostos para caracterização da responsabilidade civil em consonância com a dissolução da sociedade conjugal, em que o dever de indenizar do cônjuge ofensor surgirá por motivo de traição, vexame, sofrimento, humilhação, fugindo aos aspectos da normalidade o estado em que se encontre o cônjuge lesado. E é nesse sentido que a Teoria da responsabilidade civil terá aplicação nas relações entre os cônjuges, pois o cônjuge que causar um dano moral ao seu consorte deverá ser responsabilizado pela sua conduta.

A discussão em torno do tema "dano moral" dia a dia vem crescendo no âmbito jurídico nacional, são sentenças e acórdãos garantindo aos lesados o amparo e a tutela jurisdicional do Estado. Neste ponto existe a utilidade e a importância de se tratar deste tema, pois o causador do dano deverá ao menos amenizá-lo, tentando trazer o inocente ao "status quo ante", ou seja, ao estado em que se encontrava antes de ser gerado o dano. Para tanto demonstrar-se-á neste trabalho a formação do dano moral na relação conjugal e algumas hipóteses de sua configuração. É relevante a apreciação deste tema, pois a Constituição brasileira resguarda o direito de ação contra o causador do dano moral.

Vale ressaltar que só existe responsabilidade civil se existir um dano a reparar, pois quem comete um ato ilícito que cause um dano à outra pessoa fica obrigado a repará-lo. E que dano moral é todo mal causado a outrem capaz de abalar seu ânimo psicológico e intelectual.

Por não existir no Brasil um artigo de lei que determine que o cônjuge lesado deva ser ressarcido por danos morais quando o outro consorte ocasionar abalo moral, dano físico causador do padecimento íntimo e ainda agressor da honra subjetiva do consorte inocente, faz-se mister trazer este conteúdo polêmico para ser discutido detalhadamente em trabalho científico afim de que se chegue a uma posição mais consolidada e fundamentada com base nas jurisprudências aliadas ao que já estão positivados em nossos códigos, leis e na Carta Magna.

Pois, existem jurisprudências e doutrinas que vêm acolhendo essa questão da possibilidade de ação por danos morais causados por um dos cônjuges. E estes se baseiam no artigo 5º da Constituição Federal que garante o direito a indenização quando existir violação a imagem, dignidade e honra da pessoa, e também nos artigos do Código Civil Brasileiro que determinam a responsabilidade civil.

Este trabalho tem como público alvo os estudiosos do direito e outros de diversas áreas que se interessam por informações sobre Responsabilidade Civil, no que tange à indenização por danos morais. Especificadamente procura-se descrever, explicar e estudar a situação, quando o dano moral é constituído em meio à relação conjugal.

A metodologia utilizada baseia-se em fontes bibliográficas as quais se enquadram: pesquisas em livros, revistas científicas, relatórios, documentos, monografias, dissertações, teses, internet entre outras fontes. Em seu caráter a pesquisa se dará sob o método qualitativo com técnicas de estudos, pesquisas, análises e comparações ao que já está disposto pelos estudiosos sobre o assunto tratado.

Apontam-se no Primeiro Capítulo as disposições conceituais e legais sobre a Teoria e os fundamentos da Responsabilidade Civil, especificando as espécies de responsabilidade, os pressupostos da Responsabilidade Civil, com maior ênfase ao dano na modalidade moral. A exposição deste Capítulo se faz muito necessária, pois como já visto para que o cônjuge seja responsável pela sua conduta deverão ser constatados os pressupostos da Responsabilidade Civil Subjetiva (culpa; dano; ato ilícito; nexo causal), pois sem eles não há o que se falar em reparação civil.

No Segundo Capítulo discorre-se uma visão ampla sobre a Relação Conjugal, passando-se pelo conceito de casamento e sua finalidade; os deveres recíprocos conjugais; e a importância da Emenda Constitucional nº 66/2010 quanto à dissolução conjugal. Este Capítulo também é de fundamental importância, uma vez que nele citam-se os deveres conjugais a fim de que se possam identificar quais deveres conjugais serão pertinentes ao tema deste trabalho, de maneira que, se possa entender que a violação grave de um desses deveres poderá dar ensejo tanto a ação de divórcio quanto a ação de indenização por danos morais.

E por fim, o Terceiro e último Capítulo tratará especificamente do objetivo deste trabalho que é elencar as causas que ocasionam a dissolução conjugal e que podem gerar a obrigação do ressarcimento por danos morais ao cônjuge prejudicado, pois existem causas que levam a dissolução do casamento, mas não são capazes de gerar o dever de indenização. A posição adotada foi a de que a responsabilização poderá surgir tanto da violação grave de um dever conjugal quanto da violação de qualquer direito pessoal, notadamente aos direitos de personalidade. Para tanto foram estudadas outras hipóteses que além de dar suporte à ação de divórcio, entre elas a injúria grave, a transmissão dolosa de moléstia grave, entre outras, também podem ensejar uma ação de indenização por danos morais. Neste Capítulo se analisou algumas decisões jurisprudenciais com a finalidade de demonstrar a relevância e atuação do tema na realidade hoje vivida.

Diante do exposto pode-se destacar a imensa relevância social e científica da problemática desenvolvida neste trabalho científico, que terá o intuito de contribuir com a reflexão e discussão em torno do mencionado assunto afim de que se chegue a um entendimento sobre as causas que possam realmente causar o dever de reparar um dano moral nas relações conjugais.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O instituto “responsabilidade civil”, por ser atinente a todos os ramos do direito, e não apenas ao direito civil, e pela complexidade que ele possui não se encontra bem estruturado nem na legislação nem no ramo doutrinário e jurisprudencial, surgindo assim um grande desafio para aqueles que pretendem escrever sobre ele.

E é sobre o aspecto de interligar a importância que recebe a responsabilidade civil com as diversas matérias que envolvem o cotidiano do cidadão e os mais variados problemas que podem decorrer da vida em sociedade, que se pretenderá relacionar este mencionado instituto com o possível dever de indenizar baseado na ruptura do casamento.

Para isto traçam-se considerações gerais relativas sobre o seu conceito, pressupostos, suas espécies, sendo que sobre o tema que será desenvolvido neste trabalho será dado maior amplitude a responsabilidade civil subjetiva, fixando seus aspectos mais interessantes, afim de que aja uma maior compreensão do enquadramento deste instituto ao tema deste trabalho.

O instituto da responsabilização civil é algo contemporâneo, pois ele surge pela primeira vez no final do século XVIII, em meio ao direito revolucionário francês. Ela nasce com a idéia de que toda atividade que gera um prejuízo para alguém conseqüentemente acarretará uma responsabilidade ou dever de indenizar, ou seja, em um sentido amplo, será atribuído a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação. Haverá, portanto às vezes, excludentes, que poderão impedir a indenização.

A designação do termo responsabilidade é utilizada em qualquer situação na qual uma pessoa, natural ou jurídica, desenvolva um ato, fato, ou negócio danoso, e que por conta disso, deva ela arcar com as suas conseqüências. E é com base nisso que toda atividade humana poderá acarretar o dever de indenizar.

O estudo da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, tendo a reparação dos danos como algo sucessivo a transgressões de uma obrigação, deveres jurídicos ou direitos. Conceituando o mencionado instituto Silvio de Salvo Venosa conceitua:

A responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam coletivos strictu sensu.[1]

  Com base nessas considerações poder-se-á definir a responsabilidade civil conforme dispõe Maria Helena Diniz como sendo a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar um dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal[2].

De acordo com Sílvio Venosa, a matéria a ser avaliada no campo da responsabilidade é a conduta do agente, qual seja um encadeamento ou série de atos ou fatos, o que não impede que um único ato possa gerar por si o dever de indenizar. A responsabilidade visa identificar se aquela conduta reflete uma obrigação de indenizar[3].

No âmbito da identificação da conduta do agente, uma pessoa é responsável quando suscetível de ser sancionada, sem depender de ter cometido pessoalmente um ato antijurídico. Nesse sentido, a responsabilidade poderá ser direta, quando relacionada com o próprio causador do dano, ou mesmo indireta, quando se referir a terceiro, o qual de uma forma ou de outra, está ligado ao ofensor[4].

Quanto à identificação de terceiros, estes somente poderão ser chamados a indenizar quando a lei expressamente o permitir. Na falta da identificação do ofensor a vítima suportará o prejuízo, porém, o ordenamento jurídico busca em seu ideal que todos os danos sejam reparados.

O Código Civil de 2002, embora mantendo a mesma estrutura do diploma de 1916, dispõe sobre a responsabilidade com maior propriedade nos artigos 927 e seguintes. E para analisar o instituto da responsabilidade precisa-se entender a definição de ato ilícito trazida pelo artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Com isso, percebe-se o acréscimo da possibilidade de indenização pelo dano exclusivamente moral, situação que já se havia há muito tempo sendo tratada pela doutrina e jurisprudência.

Há também outra alteração quanto ao artigo 159 do Código de 1916, este que foi revogado e em seu conteúdo existia a alternativa “ou”: “... violar direito ou causar prejuízo a outrem...”. O texto atual em que se revela no artigo 186 usa a partícula aditiva “e”. Porém, vale ressaltar que pode ser que um ato ilícito seja praticado sem que aja repercussão indenizatória, caso em que não esteja configurada a ocorrência de um dano como conseqüência do ato ilícito. E ainda, em uma análise mais rigorosa não se pode deixar de evidenciar, conforme Venosa ensina, que um ato ilícito pode existir com ou sem o dano e que, portanto, não é necessária a configuração do dano para que se configure a prática de um ato ilícito[5].

O artigo 186 do novo diploma civil é fundamental em sede de indenização por ato ilícito, o qual estabelece a base para a responsabilidade extracontratual ou extranegocial no direito brasileiro, uma vez que traduz a obrigação de reparar o dano aquele que causar prejuízo a outrem. A redação do artigo 927, caput, também se relaciona com a do artigo 186, pois expõe que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Não se pode olvidar, portanto, da presença dos requisitos para a configuração do dever de indenizar: a ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e a culpa, assunto este que será exposto ao se tratar da responsabilidade civil subjetiva. E somente a título de conhecimento, passe-se agora a discorrer sobre as espécies de responsabilidade civil, dentre as quais será discorrida com maior ênfase a responsabilidade civil subjetiva e seus pressupostos.

2.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE

2.2.1 Responsabilidade civil e penal

Há uma divisão entre a ilicitude que poderá ser civil ou penal. A descrição da conduta penal é sempre uma tipificação restrita e em princípio a responsabilidade penal ocasiona o dever de indenizar. Por isso, a sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente da conduta criminal, na forma dos artigos 91, I, do Código Penal; 63 do Código Processual Penal; e 584, II, do Código Processual Civil.

O ilícito civil nem sempre configurará uma conduta punível, descrita pela lei penal, mas a idéia de transgressão de um dever jurídico está presente em ambas as responsabilidades, onde caberá ao legislador quando oportuno e conveniente tornar a conduta criminalmente punível. Os ilícitos que abrangem uma maior gravidade social são aqueles estabelecidos pelo Direito Penal. Já o ilícito civil é aquele que revela uma menor gravidade e o interesse de reparação do dano é privado, embora tenha um interesse social, não afetando a segurança pública.

Sobre a responsabilidade civil, pode-se destacar assim como já foi dito, que o conceito de ato ilícito na seara civil é um tanto amplo e se expõe ao exame do caso concreto e ainda, as noções referidas de dano, imputabilidade, culpa e nexo causal, as quais também fazem parte do ilícito penal. Tanto no campo civil quanto no penal existe infração à lei e por certo uma violação ao dever de conduta. Quando a conduta é de grande relevância e exigir uma punição pessoal do transgressor, o ordenamento a descreverá como uma conduta criminalmente punível. Maria Helena Diniz afirma que, o mesmo ato ou a mesma conduta pode caracterizar concomitantemente um crime e um ilícito civil[6].

Outra diferença diz respeito à natureza das normas, pois as normas de direito penal são de direito público, isso quer dizer que elas irão interessar mais a sociedade do que ao indivíduo lesado, ao ofendido. Enquanto que as normas de direito civil são de direito privado, e se apóiam numa reparação de dano em prol da vítima[7]. No Direito Penal, como regra, busca-se a punição e a melhor adequação social em favor da sociedade e quando coincidem as duas ações, haverá duas persecuções, uma em favor da sociedade e outra em favor dos direitos da vítima.

No que diz respeito ao crime, o ordenamento estrutura as modalidades de punição exclusivamente pessoais do delinqüente, como a pena privativa de liberdade. Enquanto que para o ilícito civil existe a indenização em dinheiro a fim de reparar ou minorar um mal causado[8], seja ele de índole patrimonial ou exclusivamente moral, como atualmente permite expressamente a Constituição, ou seja, a responsabilidade civil leva em consideração o dano, o prejuízo, o desequilíbrio patrimonial, embora em se tratando de dano exclusivamente moral, o que se tem em questão é a dor psíquica ou o desconforto comportamental da vítima. Assim, se não houver dano ou prejuízo a ser ressarcido, não se fala em responsabilidade civil.

2.2.2 Responsabilidade contratual e extracontratual

Existe uma básica diferença entre o ambiente em que é tratada a responsabilidade contratual e a extracontratual, pois quando a doutrina faz referência singela à responsabilidade civil deve-se entender que se trata da responsabilidade extracontratual, porém o próprio Código Civil traz muitos temas que se referem à forma de indenização relacionando-os então, com a responsabilidade contratual ou negocial.

Tanto a responsabilidade contratual quanto a responsabilidade extracontratual se fundamentam na culpa[9]. A culpa contratual refere-se ao inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites da obrigação. Já a culpa aquiliana ou extranegocial, leva-se em conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato, pois surge um dever em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que o ofensor e a vítima preexistam qualquer relação jurídica que o possibilite. O vigente Código Civil trata da responsabilidade contratual nos referentes artigos 389 e seguintes, e da responsabilidade extracontratual nos artigos 186, 188, 927 e seguintes.

A diferença que existe entre uma responsabilidade contratual e extracontratual é meramente didática e elas podem ser identificadas na maioria dos casos concretos, em que de um lado haverá a responsabilidade derivada de um contrato, de um inadimplemento ou mora, e do outro aquela derivada de um dever de conduta, de uma transgressão de comportamento[10].

2.2.3 Responsabilidade Civil Objetiva

Fundamentado pelo dispositivo do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, o magistrado poderá definir como objetiva, ou seja, independentemente de culpa, a responsabilidade do causador do dano no caso concreto. E devido à expansão que foi conquistando a responsabilidade objetiva, a teoria da responsabilidade civil deixa de ser apoiada unicamente no ato ilícito, levando-se em conta mais o ato causador do dano. 

Segundo o doutrinador Gonçalves, uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco, esta a qual afirma que toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros, ficando assim, obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa[11].

De acordo com Sílvio de Salvo Venosa existe também a teoria do risco criado que é analisada de acordo com a potencialidade de ocasionar danos, a conduta do agente que resulta por si só na exposição de perigo, levando-se em conta o perigo da atividade do causador do dano por sua natureza e pela natureza dos meios adotados[12].

Não se deve esquecer que a responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente poderá ser aplicada quando existir lei expressa que a autorize ou no julgamento do caso concreto, na forma facultada pelo parágrafo único do artigo 927 do novo diploma civil,      caso em que na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva. E ainda, somente poderá ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de atividade normalmente desenvolvida por ele, ocasião em que o juiz deverá avaliar, no caso concreto, a atividade costumeira do ofensor e não uma atividade eventual, qual seja, aquela que por um momento ou por uma circunstância, possa ser um ato de risco.

 No final do século XIX, surgem as primeiras manifestações ordenadas da teoria objetiva ou teoria do risco. Sob este aspecto, quem, com sua atividade utilizada, cria um risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda porque essa atividade de risco lhe proporciona um benefício. Nesse âmbito, cuida-se do denominado risco-proveito. A dificuldade está em evidenciar o proveito decorrente da atividade, que nem sempre fica muito claro. Pode-se pensar nessa denominação para justificar a responsabilidade sem culpa, desde que não se onere a vítima a provar nada mais além do fato danoso e do nexo causal.

A teoria do risco aparece na história do Direito com base no exercício de uma atividade, dentro da idéia de que quem exerce determinada atividade e tira proveito direito ou indiretamente dela, responde pelos danos que ela causar, independentemente de culpa sua ou de prepostos. A teoria da responsabilidade objetiva é justificada tanto sob o prisma do risco como sob o do dano, não se indenizando somente porque houve um risco, mas porque houve um dano e, no caso do dano, em muitas hipóteses dispensa-se o exame do risco.

A responsabilidade objetiva decorre de norma legal expressa ou da análise da atividade pelo julgador. A explicação dessa teoria objetiva justifica-se também sob o título risco profissional em que o dever de indenizar advém de uma atividade de trabalho, onde temos como exemplo a responsabilidade objetiva nos acidentes de trabalho. Outros doutrinadores lembram do risco excepcional, como sendo o dever de indenizar que surge de uma atividade que gera excepcional risco, como é o caso da transmissão de energia elétrica. Sob a denominação do risco criado, o agente deve indenizar quando, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo.

A doutrina ainda se refere à teoria do risco integral, esta que é uma modalidade extremada que justifica o dever de indenizar até mesmo quando não existe nexo causal. Aqui o dever de indenizar estará presente somente perante o dano, ainda que com culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior[13].

Para Sílvio Venosa qualquer que seja a qualificação do risco o que importa é a sua essência, pois em todas as situações relevantes, quando a prova da culpa é um fardo pesado ou intransponível para a vítima, a lei opta por dispensá-la[14]. O princípio do risco repousa na necessidade de segurança jurídica, pois deve existir uma imputação ao agente, quer responda ele por culpa, na responsabilidade subjetiva, quer responda pelo risco de sua atividade, na responsabilidade objetiva.

Rogério Marrone também se manifesta sobre o tema, revelando que, na responsabilidade objetiva, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa[15]. Desse modo, para o dever de indenizar, basta o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa. Em que pese à permanência da responsabilidade subjetiva como regra geral entre nós, por força do artigo 186 do Código Civil de 2002, é crescente o número de fenômenos que são regulados sob a responsabilidade objetiva.

Os pressupostos que se aplicam para caracterizar a responsabilidade civil, se destinam em todos os tipos de responsabilidade: contratual, aquiliana e subjetiva, excetuando-se apenas a objetiva que dispensa como já mencionado, somente a exigência da culpa.

O tema o qual será abordado no presente trabalho não se propõe à análise pormenorizada desses elementos, cuja tarefa é própria da teoria geral da responsabilidade.

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E SEUS PRESSUPOSTOS

Buscando estabelecer um vínculo entre os pressupostos para a caracterização da responsabilidade civil, especialmente quanto à indenização por dano moral e sua aplicação quanto os rompimentos conjugais, mostra-se necessário uma breve incursão no campo da responsabilidade aquiliana, objetivando apontar os seus pressupostos, de modo que possam estabelecer os limites de sua aplicação no âmbito específico deste mencionado trabalho.

Na responsabilidade subjetiva serão necessários a verificação da conduta ilícita, a culpa, o dano e o nexo causal, e é nesse sentido que o artigo 186, do Código Civil de 2002 se expressa, caracterizando a culpa como sendo o fundamento básico da responsabilidade subjetiva, elemento este que é o centro do ato ilícito que lhe dá causa.

Entende-se que existe um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; existe também outro elemento, o subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Cita-se por oportuno uma análise do artigo 186 do Código Civil feita por Cavalieri Filho:

 a)conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão: ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia’;

 b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e

 c) dano, revelado nas expressões: ‘violar direito ou causar dano a      outrem’.[16]

 

Então, a partir do momento em que uma pessoa age culposamente, viola direito de outrem e causando ainda um dano a mesma, caracteriza-se assim, um ato ilícito, e deste ato ilícito irá surgir um dever de indenizar, consoante o artigo 927 do Código Civil. E sobre o que vem a ser essa “violação de direito”, Cavalieri diz que ela está relacionada com todo e qualquer direito subjetivo, desde os presentes na responsabilidade contratual, quanto os personalíssimos, incluídos o direito à vida, à saúde, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem[17]. Pode-se afirmar como fator importante para o estudo deste instituto que, a cláusula geral da responsabilidade civil é a conjugação entre os artigos 186, 187e 927, caput, Código Civil de 2002.

Passe-se agora a analisar e descrever detalhadamente os pressupostos que fundamentam a responsabilidade civil subjetiva, lembrando novamente que estes pressupostos também devem estar inclusos nas demais espécies de responsabilidade, com exceção da culpa na responsabilidade objetiva. Estes são aspectos intrínsecos definidores de um dever de indenizar, pois na ausência deles ficará impossível a configuração da responsabilidade civil em um caso concreto, pois estes pressupostos são aplicados cumulativamente.

2.3.1 Ato Ilícito

O ato voluntário é o primeiro pressuposto a ser analisado dentro da responsabilidade civil. Segundo Sílvio Venosa: “Os atos ilícitos são os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento” [18].

Para o campo da responsabilidade irá importar saber se o ato voluntário é contemplado pela ilicitude, com a demonstração assim, de uma conduta culposa. Esta ilicitude se perfaz através de atos ilícitos e estes traduzem um comportamento voluntário que transgride um dever. Simplificando ainda mais, para a responsabilidade subjetiva o ato ilícito será justificado pela transgressão ao dever de conduta.

Vale à pena ressaltar que o ato ilícito em sentido estrito acaba figurando como o conjunto de pressupostos da responsabilidade e, o ato ilícito em sentido amplo, indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana antijurídica, contrária ao Direito.

E assim, percebe-se que não basta somente um ato prejudicial aos interesses do outro, para que acabe gerando um dever de indenizar, é preciso também que esteja presente a ilicitude, ou seja, a violação de um dever jurídico preexistente.

2.3.1.1 Exclusão de ilicitude

Nem todo dano causado é em virtude de um ato ilícito e nem todo ato ilícito necessariamente será danoso. Baseando-se nisso é que toda obrigação de indenizar só ocorrerá quando alguém praticar um ato ilícito e que este cause dano a alguém. Como prova, o artigo 927 do Código Civil revela: “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. E o artigo 186, fala em violar direito e causar dano.

O artigo 188 do Código Civil estabelece hipóteses em que a conduta do agente, embora cause dano à outra pessoa, não violará dever jurídico. Fala-se aqui, sobre as causas de exclusão da ilicitude, quais sejam: exercício regular de um direito, legítima defesa ou estado de necessidade[19].

              

2.3.2 Culpa

Em um sentido bem amplo, culpa é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar. Sílvio Venosa transcreve o conceito de culpa dado por Rui Stoco, que diz basicamente que a culpa é o fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável[20]. E que nessa figura estão dois elementos: o objetivo, expressado na iliciedade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. Já Sergio Cavalieri Filho conceitua a culpa como sendo uma conduta voluntária que é contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, tendo como conseqüência a produção de um evento danoso involuntário, mas previsto ou previsível[21].

Na esfera civil, a expressão culpabilidade abrange o dolo e a culpa, embora aja uma distância conceitual entre estes dois, pois quando o agente procura intencionalmente o resultado se trata de dolo, e quando o fato se dá por negligência, imprudência ou imperícia trata-se de culpa.

A culpa, sobre os aspectos da negligência, imprudência e imperícia, contém uma conduta, mas com resultado involuntário, a previsão ou a previsibilidade e a falta de cuidado devido. A negligência estaria configurada no caso em que o agente não age com a atenção devida em determinada conduta. Na imprudência, o agente é precipitado e age sem prever as conseqüências prejudiciais. E na imperícia, o agente demonstra que não tem habilidade para seu ofício.

 A culpa somente adquire sentido para a responsabilidade civil, segundo dispõe Sergio Cavalieri, quando integrada à razão da conduta humana, pois é a conduta humana culposa que causa dano a outrem, ocasionando o dever de reparação[22]. E é sobre esta conduta humana que o artigo 186 trata, quando ele se refere a “ação ou omissão”. O termo conduta humana veio só para abranger essas duas formas de exteriorização da atividade humana.

Silvio Venosa afirma que as decisões jurisprudenciais têm cada vez mais decidido em sede do dano moral, no sentido de que a indenização pecuniária tem o cunho de reparar o prejuízo, caráter punitivo ou sancionatório, pedagógico, preventivo e repressor, pois a indenização não apenas repara o dano, repondo o patrimônio abalado, mas também atua como forma educativa ou pedagógica para o ofensor e a sociedade, para que se possa evitar perdas e danos futuros[23]. Pode-se ainda destacar que uma expressiva parte da doutrina diz que a indenização por dano moral gira em torno exclusivamente dos direitos da personalidade.

Tradicionalmente a doutrina divide a culpa em três níveis: grave, leve e levíssima. A culpa grave é a que se manifesta de forma grosseira e se aproxima do dolo, nela também está incluída a culpa consciente que é quando o agente assume o risco de que o evento danoso e previsível não ocorrerá. Já a culpa leve é a que se caracteriza com a infração de um dever de conduta relativa ao homem médio. Porém, a culpa levíssima, é verificada pela falta de atenção extraordinária, que somente uma pessoa muito atenta ou muito perita poderia ter[24].

Ao discorrer sobre o tema, Venosa declara ainda que, em regra, não é a intensidade da culpa que gradua o dano, mas o efetivo valor do prejuízo[25], pois diferentemente do Direito Penal, o Código Civil equipara a culpa ao dolo para fins de reparação do dano, não fazendo distinção entre os graus de culpa, ou seja, mesmo que a pena seja levíssima, ainda persistirá a obrigação de indenizar, medindo assim, a indenização não pela gravidade da culpa, mas pela extensão do dano.

Não se pode deixar de mencionar a denominada culpa concorrente, que ocorre quando paralelamente à conduta do agente causador do dano, há também uma conduta culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorra do comportamento culposo de ambos[26].

2.3.3 Nexo Causal

O nexo causal é a conexão entre a conduta do agente e o dano. O nexo causal serve para que através de um exame se possa realmente saber quem foi o causador do dano, constituindo-se assim, um elemento indispensável[27]. Ele deverá ser avaliado em uma situação concreta, pois não há uma regra absoluta para a sua identificação.

Para fins de análise da importância do nexo causal destaca-se que a responsabilidade objetiva poderá dispensar a culpa, mas não dispensará o exame da relação causal, pois mesmo que uma vítima tenha experimentado um dano, ela não poderá ser ressarcida se não for identificado o nexo causal que levará o ato danoso ao responsável.

Sergio Cavalieri endossa esse entendimento, ao declarar expressamente:

Não bastará, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito.[28]

 

Alguns pontos são levantados por Venosa, como sendo questões principais no momento da identificação do nexo causal, são: a existência da dificuldade de prová-lo e a problemática da identificação do fato que constitui a real causa do dano[29].

Tratando sobre o nexo causal existe a teoria da equivalência das condições e a teoria da causalidade adequada. A primeira é amparada pelo Código Penal brasileiro em seu artigo 13: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão em a qual o resultado não teria ocorrido.” E sobre este aspecto, para saber se uma determinada causa concorreu para o evento, deve-se suprimir esse fato mentalmente e imaginar se teria ele ocorrido da mesma maneira, em caso positivo, não será causa.

A segunda teoria, por sua vez, revela que a causa só será o antecedente necessário que ocasionou o dano, ou seja, nem todos os antecedentes poderão ser levados à conta do nexo causal, esta é a Teoria aceita para o Código Civil. Sobre este aspecto revela Venosa citando Rui Stoco:

Enfim, independentemente da teoria que se adote como a questão só se apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as provas interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado. [30]

 

2.3.3.1 Excludentes da responsabilidade. Rompimento do nexo causal. Culpa da vítima

Não irá existir o dever de indenização se o dano ocorrer por culpa exclusiva da vítima, situação esta em que o nexo causal se encontrará rompido. A doutrina costuma denominar como rompimento do nexo causal as relações que envolvam: a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior[31] e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar[32]. Resumindo, se realmente ocorrer à culpa exclusiva da vítima estará configurado o desaparecimento da relação de causa e efeito entre o dano e o seu causador.

2.3.4 Dano e Indenização

Na conceituação de dano está sempre presente a noção de prejuízo, que poderá ser individual ou coletivo, moral ou material. Nem sempre a transgressão de uma norma ocasionará um dano, somente haverá a possibilidade de indenização, em regra, se o ato ilícito ocasionar o dano[33]. Portanto, a materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima.

Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano, pois a indenização sem dano importaria enriquecimento sem causa para quem a recebesse e ainda constituiria uma pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito[34]. E, se a vítima não sofreu nenhum dano, não haverá o que ressarcir.

Outro aspecto importante é que o prejudicado é que deve provar que sofreu um dano, sem necessariamente indicar o valor, pois este poderá depender de aspectos a serem provados em liquidação.

Existe ainda a problemática da questão da perda da chance, momento em que se analisará uma probabilidade de perda de uma oportunidade que poderá gerar um dano[35].

Na ação de indenização decorrente de ato ilícito, o autor busca a reparação de um prejuízo e não a obtenção de uma vantagem. A quantificação do dano é uma dificuldade à parte no âmbito da responsabilidade civil, tanto no campo contratual quanto no extracontratual. Quando o dano é decorrente de um inadimplemento contratual, o próprio contrato é que balizará o ressarcimento. Porém, em relação à responsabilidade aquiliana, a perda ou o prejuízo deverão ser avaliados no caso concreto. Nesse sentido descreve o artigo 946 do Código Civil: “Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.

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E para que a ação não se converta em instrumento de enriquecimento injusto para a vítima, os limites da indenização estão estabelecidos no artigo 402: “Salvo as exceções previstas em lei as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar.

Em sede de dano moral a jurisprudência fica encarregada de estabelecer parâmetros para indenização, uma vez que a tarefa do legislador regular todas as hipóteses é humanamente impossível. Quanto ao dano patrimonial, também denominado de dano material é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro. Este tipo de dano atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, sendo avaliado como o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro. Ele pode ainda, atingir não somente o patrimônio presente da vítima, mas também o do futuro, assim como provocar a diminuição e impedir o crescimento do patrimônio. Por isso, o dano material se subdivide em dano emergente e lucro cessante.

O dano emergente é o dano positivo, traduz uma diminuição ao patrimônio, uma perda do patrimônio por parte da vítima em razão de um ato ilícito. Já o lucro cessante é um bem ou um interesse futuro, ainda não pertencente ao lesado, ou seja, é o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Nesse caso, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano[36].

Ao decidir um juiz em matéria de responsabilidade civil, acredita-se que a tarefa mais difícil não é o seu convencimento sobre a culpa, mas sim conferir à vítima a indenização mais adequada.

2.3.4.1 Dano Moral

O conceito de dano moral se perfaz na análise de um prejuízo que afeta o ânimo de uma pessoa, seja ele psíquico, moral e intelectual, em que sua atuação se concretizará dentro dos direitos da personalidade[37]. Nesse aspecto, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano.

Após o preceito constitucional positivado no artigo 5°, inciso III, da Constituição Federal de 1988, a reparação de danos morais ganhou uma enorme dimensão, esta que já havia se alastrado anteriormente na doutrina majoritária, pois a dignidade da pessoa humana ficou consagrada e configurou como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Assim, a Constituição deu ao dano moral uma nova dimensão, porque a dignidade nada mais é do que à base para todos os valores morais, é a essência de todos os direitos personalíssimos.

É com base na Constituição de 1988 que o dano moral ganha uma nova roupagem, como sendo uma violação do direito à dignidade. E foi por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem como sendo a base central do direito à dignidade que a Constituição Federal de 1988 inseriu em seus incisos V e X, do artigo 5º, a plena reparação do dano moral.  

O dano moral não estará caracterizado por qualquer dissabor que a vítima traz em sua vida, pois para resolver esse dilema existem parâmetros a serem analisados, tais como: a análise do critério objetivo do homem médio, pois não se leva em conta o psiquismo do homem extremamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino, devendo haver um equilíbrio e ponderação destas condutas para que se aplique ao que realmente possa a ocasionar o dano moral.

Por outro lado, poderão ocorrer situações em que o dano moral não necessariamente estará vinculado a alguma reação psíquica da vítima, podendo haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como poderá haver tudo isso sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação poderão ser conseqüências e não causas, estando apenas configurado o dano moral quando a reação psíquica da vítima tiver por causa uma agressão à sua dignidade[38].

Quanto ao dano moral, pode-se mencionar ainda a importância dos direitos da personalidade que englobam outros aspectos da pessoa humana, como o direito a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais, estes são os chamados, por Sergio Cavalieri, de novos direitos da personalidade[39]. Menciona ainda o grande autor, que o dano moral, em sentido amplo, envolve diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrangendo todas as ofensas à pessoa, considerada esta em sua dimensão individual e social.

Contudo, não existe uma fórmula pronta para que se meça o grau de ofensa como modulador do dano moral causa a vítima, e diante disso, caberá ao magistrado em cada caso concreto aplicar todo o seu conhecimento jurídico e social, além de ter que julgar com uma maior sensibilidade o caso. Isso importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, etc.[40]

Sílvio Venosa descrever alguns parâmetros para a conceituação do que vem a ser o dano moral, relatando o seguinte:

O dano moral abrange também e principalmente os direitos da personalidade em geral, direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo etc. Por essas premissas, não há que se identificar o dano moral exclusivamente com a dor física ou psíquica. Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do individuo; uma inconveniência de comportamento ou um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. [41]

 

O juiz ao analisar o caso concreto no aspecto do dano moral deverá levar em conta o sofrimento ao qual a vítima esta passando devido ao fato danoso, momento em que em sua sentença poderá fixar um valor a título de ressarcimento ao lesado. Porém, nem sempre este valor fixado na sentença será justo e condizente com a dor ou com a perda psíquica do ofendido, deve haver diante desta dicotomia a aplicação do princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade.

A jurisprudência é rica em exemplos os quais, ora o valor do dano moral guarda uma relatividade com o interesse em jogo, ora não guarda qualquer relação. Para Silvio Venosa a reparação do dano moral se reveste da seguinte maneira: “Na verdade, a reparação do dano moral deve guiar-se especialmente pela índole dos sofrimentos ou mal-estar de que os padece, não estando sujeita a padrões predeterminados ou matemáticos”.[42]

O dano moral do ponto de vista estrito é insusceptível de avaliação pecuniária, sendo a condenação em dinheiro uma mera satisfação para dor ao invés de uma reparação propriamente[43]. Além desse aspecto da satisfação, a indenização também recai sobre outro aspecto que é o da punição, esta que servirá como um desestímulo ao lesante para que ele não incorra no mesmo erro.

Para efeitos de indenização, Sílvio Venosa acredita ser o dano psíquico uma modalidade inserida na categoria de danos morais, como ele assim assevera em:

O dano psicológico pressupõe modificação de personalidade, com sintomas palpáveis, inibições, depressões, bloqueios etc. Evidente que esses danos podem decorrer de conduta praticada por terceiro, por dolo ou culpa. O dano moral, em sentido lato, abrange não somente os danos psicológicos; não se traduz unicamente por uma variação psíquica, mas também pela dor ou padecimento moral, que não aflora perceptivamente em outro sintoma. A dor moral insere-se no amplo campo da teoria dos valores. Desse modo o dano moral é indenizável, ainda que não resulte em alterações psíquicas. [44]

 

Uma preocupação que assola o dano moral é a sua comprovação, pois não há como regra geral, uma avaliação feita através de testemunhas ou mensuração por perícia para se quantificar a dor pela morte, pela agressão moral, pelo desconforto anormal ou pelo desprestígio social. No entanto, poderá haver situações em que serão necessários exames probatórios das circunstâncias em torno da conduta do ofensor e da personalidade da vítima.

Para Sergio Cavalieri o dano moral está ínsito na própria ofensa, pois se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado[45]. Ou seja, estando provado que a vítima teve a sua imagem vilipendiada, nada mais restará a ser exigido como prova, porque isso decorrerá da gravidade do fato ofensivo, de sorte que provado o fato, provado estará o dano moral.

A razão da indenização do dano moral está no próprio ato ilícito, indenização esta que deverá ter como base a condição social e econômica dos envolvidos. O montante dessa indenização não pode ser caracterizado como esmola, nem tão pouco como premiação, mesmo sendo complexa essa mensuração do dano moral, ele não poderá ser visto como uma barreira para a decretação e quantificação do dano a ser reparado, uma vez que do outro lado existe um direito que foi violado e que visa a ser compensado.

A pessoa jurídica também pode ser vítima do dano moral, pois toda ofensa ao nome ou renome de uma pessoa jurídica lhe representa um abalo econômico. Outra modalidade faz referência ao dano estético que afeta diretamente a personalidade, podendo ser considerado como uma modalidade de dano moral.

Assim, como menciona o próprio Código Civil de 2002, são cumuláveis o dano material e o dano moral que emanem do mesmo ato ilícito, somando-se então, as indenizações. Isto já é matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, nº 37, que diz: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato.

Diante do exposto, fica agora compreensível a correlação pretendida pelo mencionado trabalho, uma vez que comprovados todos os pressupostos que compõe a responsabilidade civil subjetiva, o agente causador do dano moral a outrem, ficará responsável por repará-lo. Primeiramente, basta fazer-se menção a isto, porque futuramente partirar-se-á deste princípio para justificar que a responsabilidade civil serve como fundamento para reparação do dano moral que um cônjuge venha a causar ao outro, por conseqüência de alguns dos motivos que também são considerados como causas de rompimento da sociedade conjugal.

E para que se possa realmente fazer esta conexão entre responsabilidade civil no rompimento conjugal é mais do que necessário que se exponha um capítulo sobre o instituto do casamento afim de que sejam analisados conteúdos que possam vir a fundamentar uma indenização pela dissolução da sociedade conjugal.

3 A RELAÇÃO CONJUGAL

3.1 CONCEITO DE CASAMENTO

O Direito de família reúne um complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas na sociedade conjugal, inclusive a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e institutos complementares da tutela e da curatela[46]. Mas devido ao objetivo deste trabalho, não serão abordadas as relações entre pais e filhos, nem o vínculo de parentesco, muito menos sobre tutela e curatela.

A definição sobre o que vem a ser o casamento não é pacificada, pois este instituto já sofreu inúmeras transformações históricas, políticas e sociológicas. Não há, pois, uniformidade nas legislações e na doutrina.

Desde a época clássica do direito romano, com Modestino, várias foram as reflexões sobre as concepções filosóficas e religiosas sobre este instituto.  Inclusive uma definição que foi muito importante no século III que reflete as idéias predominantes do período clássico: Nuptiae sunt conjunctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani júris communicatio, ou seja, casamento é a conjunção do homem e da mulher, que se unem para toda a vida, a comunhão do direito divino e do direito humano. Esta concepção religiosa elevando o casamento a uma unidade sacramental foi perdendo forças ao longo das evoluções dos costumes[47].

No entanto, um instituto tão importante para o direito de família não poderia deixar de ter ao menos um conceito mais abrangente e generalizado de acordo com o que está positivado nas leis. E é baseado nisso que alguns autores se arriscam a determinar um conceito sobre o instituto do casamento, como o faz Sílvio Rodrigues, declarando já sua preferência pela natureza jurídica do fenômeno:

Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência.[48]

 

Ao associar a natureza jurídica do casamento a uma relação contratual, Clóvis Beviláqua, prefere definir o casamento como sendo um contrato bilateral e solene, realizado entre pessoas do sexo diferente, pelo qual é constituída, legalmente, a união destas[49]. Diante disto, o casamento seria um contrato especialíssimo que muito se distingue dos contratos de cunho patrimonial, pois estes norteiam atividade de interesse econômico, enquanto aquele se prende a elevados interesses morais e pessoais.[50]

Segundo Sílvio de Salvo Venosa: “o casamento-ato é um negócio jurídico; e o casamento-estado é uma instituição.” [51] Isto é associado por ele porque no casamento ocorre um acordo de vontades que buscam efeitos jurídicos, porém ele possui uma estrutura jurídica cogente predisposta, possuindo forma, normas e efeitos que são impostos pela lei.

3.2 AS FINALIDADES DO CASAMENTO

A importância do casamento como negócio jurídico formal, vai desde as formalidades que antecedem sua celebração que se inicia com os editais, a própria cerimônia e a inscrição no registro público, passando pelo ato da sua conclusão até os efeitos do negócio que se complementam nas relações entre os cônjuges, os deveres recíprocos, a criação e assistência material e espiritual recíproca e da prole etc.

O casamento que é reconhecido pela lei brasileira é o civil e está previsto no artigo 226, parágrafo 1º, da Constituição Federal como sendo um mecanismo jurídico de proteção da família, embora possa ser dissolvido pelo divórcio. Não há dúvida de que o resguardo da família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[52]

No que diz respeito às finalidades do casamento, a título de exemplo, a concepção canônica revela que o fim principal do matrimônio consiste na procriação e educação da prole, e o secundário na mútua assistência e satisfação sexual[53]. Porém, a procriação não é a finalidade última do casamento, porque existem os casos de casamentos entre pessoas de idade avançada que porventura estariam impossibilitadas de alcançar este fim[54].

Não há dúvidas então de que a principal finalidade do casamento é estabelecer uma comunhão plena de vida, como assim assinala o art. 1.511 do Código Civil de 2002, impulsionada pelo amor e afeição existente entre o casal e baseada na igualdade de direitos dos cônjuges e na mútua assistência. Já Lafayette proclama citado por Gonçalves:

... O fim capital, a razão de ser desta instituição, está nessa admirável identificação de duas existências, que, confundindo-se uma na outra, correm os mesmos destinos, sofrem das mesmas dores e compartem, com igualdade, do quinhão de felicidade que a cada um cabe nas vicissitudes da vida.[55]

Sob o ponto de vista jurídico, o casamento estabelece um vínculo jurídico entre o homem e a mulher, objetivando uma convivência de auxílio e de integração físico-psíquica, além da criação e amparo dos filhos. Quanto aos objetivos, como a procriação, a educação dos filhos e a satisfação sexual, serão secundários quando comparados ao objetivo primeiro do casamento que é a comunhão plena de vida.

3.3 A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO: PANORAMA À LUZ DAS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010

Como o tema abordado nesse trabalho versa sobre responsabilidade civil nas relações conjugais, passa-se agora a tratar brevemente dos aspectos relevantes que dizem respeito à dissolução do vínculo conjugal, levando em consideração as disposições e alterações previstas na legislação brasileira.

O intuito primeiro ao se começar traçar as primeiras linhas deste trabalho foi tratar da separação judicial e do divórcio como sendo formas de dissolução da sociedade conjugal, de maneira que se pudessem verificar hipóteses em que quaisquer dessas dissoluções refletiriam no âmbito da responsabilidade civil entre os cônjuges. Porém, ocorre que, no decurso do desenvolvimento deste trabalho houve o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, no qual a separação judicial; as causas subjetivas (culpa); e até mesmo as causas objetivas (tempo) foram extintas.

Antes da aprovação dessa mencionada Emenda as modalidades de dissolução da sociedade conjugal, eram: separação judicial consensual e a litigiosa; e o divórcio consensual e o litigioso, mas após a sua entrada em vigor (13/07/2010), a separação judicial deixou de ser contemplada pela constituição, inclusive como requisito voluntário para conversão ao divórcio; desaparecendo também o requisito temporal para o divórcio, que passou a ser exclusivamente direto, tanto por mútuo consentimento dos cônjuges, quanto litigioso.

Relevante foi a alteração introduzida pela Emenda 66/10, pois a redação originária da Constituição Federal de 1988, em seu parágrafo 6º, do artigo 226, previa: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.” E atualmente, após a vigência da mencionada Emenda, a redação fica da seguinte forma para o parágrafo 6º: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Esta alteração provocada na Constituição Federal de 1988 contribuiu para a revogação dos seguintes artigos no Código Civil que versam sobre separação judicial: 1.572 e 1.573 que regulam as causas da separação judicial; 1.574 a 1.576 que dispõe sobre os tipos e efeitos da separação; 1.578, que versa sobre a perda do direito do cônjuge considerado culpado ao sobrenome do outro; 1.580, que fala do divórcio por conversão da separação; 1.702 e 1.704, que dispõe sobre os alimentos devidos por um cônjuge ao outro, em razão de culpa pela separação judicial, matéria esta que no divórcio deverá ser regulada pelo artigo 1.694.

O caput artigo 1.571 e a segunda parte do parágrafo 2º também estão revogados, pois este alude ao divórcio por conversão fato, que não ocorre mais; e aquele fala ainda em dissolução da sociedade conjugal, e hoje prepondera a expressão dissolução do vínculo conjugal. Vale ressaltar que algumas normas do Código Civil que eram remetidas a separação judicial permaneceram, esta é a hipótese do artigo 1.566, que dispõe sobre os deveres conjugais.

 No que tange a extinção das causas subjetivas e objetivas que fundamentavam o pedido de separação judicial, a Emenda Constitucional 66/2010 assegurou que não haverá mais a necessidade de se alegar ou comprovar a culpa de quaisquer dos cônjuges para embasar o pedido de divórcio, ou seja, não mais há qualquer causa justificativa ou prazo para ter direito ao pedido de divórcio[56].

Para se entender o âmbito significativo das modificações que essa referida Emenda trouxe, faz-se mister uma breve comparação entre a modalidade anteriormente existente da separação judicial e a modalidade hoje em vigor que é o divórcio.

A separação judicial dissolvia a sociedade conjugal sem desfazer o vínculo matrimonial, pois os separados judicialmente prosseguiam com o vínculo, embora a sociedade conjugal tivesse sido dissolvida.

A separação judicial também importava na separação de corpos e a partilha de bens, conforme dispõe o artigo 1.575, do Código Civil, artigo atualmente revogado. Como já visto a separação judicial não rompia completamente o vínculo matrimonial, ela funcionava como um passo antecedente para que o vínculo matrimonial desapareça posteriormente, com sua conversão em divórcio.

O artigo 1.571 do atual Código Civil assevera que, a sociedade conjugal terminará pela morte de um dos cônjuges; pela nulidade ou anulação do casamento; pela separação judicial; ou pelo divórcio. E com fulcro no parágrafo 1º do mencionado artigo citado acima, fica perceptível que a separação judicial fazia terminar a sociedade conjugal, porém o vínculo do casamento somente dissolvia-se pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. Este artigo conforme já exposto, foi revogado no que tange sobre a separação judicial.

Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade se preocupavam em distinguir sociedade conjugal de casamento, pois para eles a separação consensual não colocava fim ao casamento, mas apenas à sociedade conjugal. Enquanto perdurava o vínculo matrimonial, permanecia para o separado o impedimento de convolar novas núpcias. Já o divórcio põe termo ao casamento civil e aos efeitos civis do matrimônio religioso[57], porém de forma mais ampla, permite que os divorciados contraiam novas núpcias, desaparecendo o impedimento legal.

O artigo 1.572 do Código Civil de 2002 descreve as possibilidades de separação judicial litigiosa (revogado):

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

Parágrafo 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

Parágrafo 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

Conforme Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade na separação litigiosa as partes discutiam a culpa, imputada por um dos cônjuges a outro, em virtude de descumprimento de dever conjugal. Juntamente com a prova do descumprimento do dever conjugal deveria o cônjuge demonstrar também que a vida em comum tinha se tornado insuportável[58].

O artigo 1.573 do Código Civil estatui (revogado):

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I – adultério;

II – tentativa de morte;

III – sevícia ou injúria grave;

IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V – condenação por crime infamante;

VI – conduta desonrosa.

Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

Desse modo qualquer ato que implicasse violação do dever de fidelidade, mútua assistência e convivência poderiam fundamentar o pedido de separação, devendo ainda o cônjuge requerente da separação, comprovar que tal ato tornou a vida em comum insuportável. Esta insuportabilidade da vida em comum deveria ser comprovada em cada caso.

Para o legislador a separação era concedida de acordo com a teoria do divórcio-remédio[59], pois é admitida a possibilidade de separação sem alegação de culpa de qualquer dos cônjuges, em que a separação é dada como remédio para uma situação e não como punição. Embora sejam descritas no artigo 1.572 do Código Civil, hipóteses de separação-sanção no caput; separação-falência e separação-sanção, nos seus respectivos parágrafos[60].

A separação pela ruptura da vida em comum há mais de um ano (art. 1.572, Código Civil) tratava-se da separação-remédio que busca a solução para situação de fato, em que não se declinava as causas, bastava-se que seja comprovada a ruptura há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

A lei exigia que o prazo fosse consecutivo, sem interrupções, pois os lapsos pequenos de abandono do lar, por exemplo, não podem ser considerados. O sentido da ruptura mencionada na lei caracterizava-se pelo distanciamento físico dos cônjuges, quando cada cônjuge fixasse residência em local diverso. Por outro lado, poderiam existir situações em que os cônjuges permanecessem sob o mesmo teto, mas em situação de ruptura.

Já no caso de separação por grave doença mental exigia-se que nessa hipótese concorressem os seguintes requisitos: a doença mental; a sua cura improvável, que tenha sido manifestada após o casamento; que a moléstia perdurasse por mais de dois anos; que tornasse impossível a vida em comum. Nestes casos, seria essencial o laudo médico para atestar a moléstia mental: psicose, esquizofrenia, oligofrenia e várias outras manifestações[61]. De qualquer forma, a manifestação da doença deveria ter ocorrido após o casamento, pois a moléstia preexistente não poderia fundamentar o pedido de separação.

3.4 OS DIREITOS E DEVERES DOS CÔNJUGES

Os direitos e deveres relacionados ao casamento deverão ser exercidos igualmente tanto pelo homem quanto pela mulher, conforme dispõe a Constituição da República de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 5°.

Atualmente não há mais a diferença que havia no Código Civil de 1916 entre os direitos e deveres do marido (artigos 233 a 239) e direitos e deveres da mulher (artigos 240 a 255). Hoje ocorre uma avaliação dos direitos e deveres de ambos os cônjuges sob o aspecto igualitário.

Antigamente, o marido era o chefe da sociedade conjugal, competindo-lhe a administração dos bens comuns e particulares da mulher, o direito de fixar o domicílio da família e o dever de prover à manutenção da família, porém estes direitos são agora exercidos pelo casal em conteúdo igualitário.

O dispositivo que destaca a não distinção de direitos entre os cônjuges está exposto pelo legislador na abertura do capítulo sob a epígrafe “da eficácia do casamento”. E como reforço dessa igualdade preconizada pela Constituição Federal de 1988, existe o dispositivo do Código Civil de 2002, que em seu parágrafo 1° do artigo 1.565 estatui que “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”.

Outro direito dos cônjuges garantidos constitucionalmente no artigo 226, parágrafo 7° versa sobre o planejamento familiar, e nesse mesmo sentido dispõe o artigo 1.565, parágrafo 2°, do Código Civil de 2002.

O ponto crucial sobre os deveres dos cônjuges é revelado no artigo 1.566, do Código Civil de 2002, o qual esclarece que:

São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum no domicilio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

 

O casamento estabelece vários deveres recíprocos aos cônjuges, mas a lei se preocupou em positivar os principais deveres necessários para a estabilidade conjugal. A infração a cada um deles constitui causa para a dissolução do vínculo conjugal, através do instrumento “divórcio”, porém estas causas não precisaram mais ser investigadas numa audiência de instrução pelo Poder Judiciário, pois o divórcio agora é direto, apenas em casos de divórcio litigioso o cônjuge apontará um motivo como sendo o estopim da relação conjugal, não merecendo este ser provado.

 Por guardarem uma relevante conexão com o tema serão abordados agora introdutoriamente os seguintes deveres conjugais: a fidelidade recíproca, a mútua assistência e o respeito e consideração mútuos. Porém, um estudo mais aprofundado sobre esses deveres ficará por conta do próximo Capítulo, em que se buscará um raciocínio jurídico para justificar a possibilidade de compensação moral pelo grave descumprimento desses deveres recíprocos entre os cônjuges.

A fidelidade recíproca é a base da família monogâmica admitida na sociedade brasileira. Além disso, essa monogamia é intitulada como norma jurídica a ser seguida pelo direito penal brasileiro, em que acarreta a punição nas esferas civil e criminal se houver a sua transgressão. No campo penal a prática do adultério deixou de ser crime, porém na esfera civil, a transgressão desse dever poderá implicar na dissolução do vínculo conjugal. A quebra do dever de fidelidade é o adultério que se consuma com a conjunção carnal com outra pessoa. Segundo Sílvio Venosa, os atos diversos do ato sexual podem caracterizar injúria grave.

A mútua assistência é declarada pela comunidade de vidas nas alegrias e nas adversidades. Esse dever revela-se na obrigação de um cônjuge ajudar reciprocamente o outro, em todos os aspectos, como exemplo a recíproca prestação de alimentos, a assistência moral e espiritual, envolve ainda, o próprio companheirismo e o auxílio mútuo em qualquer circunstância. Para Gonçalves Dias: “trata-se de dever que se cumpre, na maior parte das vezes, de modo imperceptível, uma vez que se trata de um conjunto de gestos, atenções, cuidados na saúde e na doença, serviços, suscitados pelos acontecimentos cotidianos.” [62]

O respeito e considerações mútuos mantêm uma relação espiritual com o casamento e com o companheirismo, de modo que configuram violação a esse dever atos como “tentativa de morte, a sevícia, a injúria grave, a conduta desonrosa, a ofensa à liberdade profissional, religiosa e social do cônjuge, enfim quaisquer atos que agridam os direitos da personalidade do cônjuge [63].

O dever de respeito e consideração mútuos compreende não só a consideração social compatível com o ambiente e com a educação dos cônjuges, mas também o dever de não expor um ao outro a vexames e descréditos, ou seja, ao ridículo, trata-se do aspecto negativo deste dever. Neste sentido é que se enquadra a infidelidade moral, que não chega a ser o adultério, porque não há a conjunção carnal, no entanto, nem por isso deixa de ser injuriosa.[64]

Este dever inspira-se no princípio da dignidade humana, tutelado no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal, em que o respeito à honra e a dignidade da pessoa humana impede que se atribuam fatos e qualificações ofensivas e humilhantes aos cônjuges, um ao outro, visto posto que como companheiros devem estabelecer a comunhão plena de vida.

Dentro da isonomia de direitos e deveres da sociedade conjugal, não há que se admitir poderes discricionários de qualquer um dos cônjuges que impliquem violação dos direitos de personalidade ou de direitos individuais, pois a transgressão dos deveres conjugais pode acabar gerando danos indenizáveis ao cônjuge inocente. Sílvio Venosa foi bem incisivo ao tecer declarações sobre o assunto, declarando da seguinte forma:

Nossa posição é no sentido de que essa seara deve decorrer da regra geral do artigo 186, o que implica o exame do caso concreto. Não é toda situação de infidelidade ou de abandono do lar conjugal, por exemplo, que ocasiona o dever de indenizar por danos morais... A falta de respeito e de consideração por parte de um dos consortes também pode gerar situações de transtorno ou constrangimento que desembocam nos danos morais. [65]

Diante das considerações feitas até o presente momento, pode-se introduzir a idéia de que existe uma relação entre o direito de indenização por dano moral em detrimento de um grande mal causado por um cônjuge ao outro, uma vez que a grave violação destes deveres poderá gerar um prejuízo gigantesco ao próprio cônjuge, cabendo esta situação ser analisada pelo Poder Judiciário. Pois, não é porque a infração do princípio da dignidade da pessoa humana, e de outros princípios conjugados com o descumprimento dos deveres conjugais, ocorreu num ambiente familiar, que não serão protegidos os direitos do cônjuge ofendido.

4 A ADMISSIBILIDADE JURÍDICA DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DA RUPTURA DO VÍNCULO CONJUGAL

4.1 CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA ACERCA DA ADMISSIBILIDADE JURÍDICA DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DA RUPTURA DO VÍNCULO CONJUGAL

Não é mansa e pacífica a questão da indenização civil por danos morais nas relações conjugais, pois parte da doutrina é favorável ao ressarcimento dos danos morais entre os consortes por decorrência da violação dos deveres conjugais, enquanto a outra parte se mostra contrária.

Esta controvérsia se verifica acentuada, porque não existe nenhum dispositivo que declare expressamente as causas ensejadoras do dano moral nas relações entre os cônjuges, dando margem para que cada doutrinador ou magistrado aplique seus conhecimentos jurídicos de acordo com o caso concreto, sem entrar em confronto com as previsões legais.

Diferentes são as formas e as bases jurídicas para se chegar a um posicionamento contrário ou à favor da admissibilidade jurídica da indenização por danos morais nas relações de conjugalidade, pois existem doutrinadores que decidem pelo não cabimento de dano moral nas relações conjugais, ao passo que a jurisprudência vem decidindo cada vez mais à favor do cônjuge prejudicado em decorrência da conduta do seu consorte. Faz-se oportuno diante desta controvérsia discutir-se agora os argumentos contrários e à favor da admissibilidade do dano moral nas relações conjugais.

4.1.1 Dos argumentos contrários ao dano moral nas relações conjugais

Nesse entendimento, acreditam que se houver o ressarcimento dos danos derivados do divórcio poderá pairar certo temor, pois se estaria monetarizando as relações erótico-afetivas, temendo então, que a abertura discriminada da reparação pelo dano moral enseje a busca do ressarcimento pela dor moral sofrida decorrente da dissolução do vínculo conjugal, pois não é desconhecido que, em regra, toda e qualquer dissolução conjugal causa naturalmente um abalo emocional e psicológico aos seus consortes. Uma vez cessado o amor, só terá como conseqüência o divórcio, sem gerar qualquer dever de indenizar[66].

Defende-se também que a indenização neste âmbito só contribuiria para uma maior deterioração das relações familiares, ou seja, seria inviável a indenização por danos morais nas relações conjugais.

Advogam ainda, sobre o prisma de que, o dano moral independe do vínculo conjugal, pois os fatos que sustentam a ação de danos e que dão origem aos processos de indenização independem da existência de casamento, considerando que a responsabilidade civil decorre de uma atitude ilícita e não da relação conjugal em si.[67]

Esses argumentos contrários têm como exemplo, o fato de que o delito de lesão cometido pelo marido contra a esposa será apto a gerar danos morais e que este ato não guardará nenhuma relação de causa e efeito com o casamento, que será desfeito pela grave violação do dever conjugal de respeito mútuo.

Moacir César Pena Júnior também elenca uma diversidade de argumentos que impossibilitam à responsabilização nestas situações, como exemplo: não deve haver indenização pecuniária pelo fim de uma relação de afeto; o amor não tem preço; falta de previsão legal no nosso ordenamento jurídico para este tipo de conduta; ausência de certeza quanto ao direito violado; tanto o adultério quanto o fim do casamento são previsíveis numa relação a dois; e diz ele ainda que, ao se aceitar esse tipo de responsabilização seria comprometer as relações no âmbito familiar, servindo para incentivar o litígio, em que haveria sempre a possibilidade de ressarcimento em espécie pelo fim da relação conjugal.[68]

4.1.2 Da doutrina restritiva ao dano moral nas relações de conjugalidade

Nessa concepção doutrinária, a incidência do dano moral no âmbito das relações conjugais não deve ser indistinta e indiscriminada, mas sim restritiva, onde deverá ser limitada às causas excepcionais de elevada gravidade.

Segundo Rolf Madaleno, essa corrente, faz uma clara distinção na avaliação de procedência da compensação civil pelo dano moral, ao afirmar que nem sempre a violação dos deveres matrimoniais refletirá num dever indenizatório do cônjuge culpado, pois poderá ser que algumas de suas atitudes somente gerem a perda do vínculo afetivo.[69]

Pois, por exemplo, o marido que abandona o lar porque viu que não existe mais amor entre os cônjuges e demonstra a perda do vínculo afetivo, não será responsável a reparar o cônjuge abandonado, porque isso não representa nenhum agravo moral para o seu consorte. Porém, se o marido chegar a manter um concubinato adulterino, aí sim poderá ser constatado uma situação de ofensa moral ao cônjuge inocente e enganado, passível de indenização.

Essa concepção defende ainda, que a indenização pelo dano moral só poderia existir nos casos excepcionais, em que se pudesse constatar uma profunda agressão aos direitos personalíssimos do cônjuge ofendido[70]. Pode-se citar a questão da infidelidade, o insulto em público que resultam num verdadeiro escândalo, as agressões físicas ou ofensas morais que tenham a intenção de atingir a honra do outro consorte. Situações estas em que a reparação civil servirá para amparar os direitos personalíssimos feridos pelo cônjuge ofensor.

Carlos Roberto Gonçalves com seu entendimento moderado sobre reparação dos danos ocorridos nas relações conjugais diz:

Parece-nos que, se o marido agride a esposa e lhe causa ferimentos graves, acarretando, inclusive, diminuição de sua capacidade laborativa, tal conduta, (...), pode fundamentar ação de indenização de perdas e danos, com suporte nos artigos 186 e 950 do código civil. Da mesma forma deve caber indenização, se o dano causado, e provado, for de natureza moral. O que nos parece, conduto, carecer de fundamento legal, no atual estágio de nossa legislação[71].

Rolf Madaleno também compartilha do mesmo entendimento que essa doutrina defende, pois para ele o dano moral será concretizado nas relações de conjugalidade quando houver ofensa à dignidade da pessoa humana, e não com a simples extinção do vínculo afetivo oriundo do mero desamor[72], pois ninguém está obrigado a passar o resto da vida ao lado de outrem contra a sua vontade.

 Destacam-se à favor da reparação por dano moral nas relações conjugais os seguintes autores, com as suas devidas ressalvas: Clóvis Beviláqua; Yussef Said Cahali; José de Aguiar Dias; Michel Mascarenhas Silva; Flávio Tartuce; Inácio de Carvalho Neto; Bernardo Castelho Branco; Marcial Barreto Casabona; Sílvio de Salvo Venosa, entre outros.

4.2 A SOCIEDADE CONJUGAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MORAL

A responsabilidade civil se fundamenta no dever de respeito que um indivíduo deve ter em relação ao direito do outro. Partindo daí, pode-se dizer que qualquer lesão na seara de dano moral, deverá ser indenizada desde que comprovados os seguintes pressupostos: conduta do agente, nexo de causalidade e o dano concreto. E uma vez constatados esses pressupostos é que se afirma ser cabível a indenização por dano moral nas relações entre os cônjuges.

A natureza jurídica do dano moral segundo Rolf Madaleno abarca uma tripla função, qual seja a de servir para compensar, punir e prevenir. Compensa porque satisfaz a vítima que é ressarcida em pecúnia com o dano sofrido; punição porque não deixa de servir como sanção para o autor do dano; e também guarda relação com a função preventiva porque é uma forma de reprimir a sua ocorrência[73].

Particularmente, no âmbito do Direito de Família, mas precisamente no que diz respeito ao casamento, podem ser encontradas várias hipóteses no caráter de dano moral, desde que constatados todos os pressupostos que a teoria da responsabilidade civil exige para que se caracterize o dano moral. Assunto este que será melhor trabalhado neste capítulo.

Com a mudança dos tempos e as transformações que sofreram os costumes houve uma profunda alteração nos valores éticos e morais, pois já foi abandonado o tempo em que a mulher absorvia calada as agressões físicas e morais de seu cônjuge, tudo por causa do amor e da manutenção da unidade familiar. E por conta disso, a unidade familiar não é mais a aquela que carregava silenciosamente a sofrida resignação de que o cônjuge era condenado a viver por toda vida a sua má escolha conjugal.[74]

             Atualmente, segundo Graciela Medina, foi exterminada pelos precedentes doutrinários e jurisprudenciais a idéia de que em família não se reparam os danos causados entre seus integrantes, pois os princípios clássicos da responsabilidade civil teriam sofrido uma enorme evolução, assim como também avançou o Direito de Família contemporâneo, apoiada nos princípios constitucionais do respeito à dignidade da pessoa humana e da igualdade dos cônjuges[75].

A reparação dos danos morais no Direito de Família está fundada na doutrina da responsabilidade civil subjetiva. A grande preocupação em relação a este tema versa sobre a possibilidade de se obrigar o cônjuge culpado a compensar todo o prejuízo causado ao seu consorte, pois o cônjuge culpado seria o autor de um ato que teve reflexo tanto no pedido de dissolução do vínculo conjugal quanto no pedido de indenização por dano moral. 

             Houve uma tentativa de se acrescentar algo neste artigo 927, em que versava o Projeto de Lei 6.960, de 2002, do Deputado Ricardo Fiúza, que buscava acrescentar novos dispositivos ao Código Civil, tais como, um segundo parágrafo ao artigo 927, com a seguinte redação: “Parágrafo 2°. Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às relações de família”. Dentre as quais estariam inclusas as relações conjugais.

            O Deputado Ricardo Fiúza tentou justificar a emenda sugerida a este artigo 927 do Código Civil, com base na sugestão da professora Regina Beatriz Tavares da Silva, que diz:

 

...Em suma, não se pode negar a importância da responsabilidade civil, que invade todos os domínios da ciência jurídica, sendo o centro do Direito Civil e de todos os demais ramos do Direito (...). Dentre as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil (...). Embora as relações familiares sejam repletas de aspectos, especialmente pessoais, afetivos, sentimentais e religiosos, envolvendo as pessoas num projeto grandioso, preordenado a durar para sempre, por vezes o sonho acaba, o amor termina, o rompimento é inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as situações em que os deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos de personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos aos membros de uma família[76].

Um questionamento é bastante pertinente na obra de Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo, quando os mesmos transcrevem as palavras de José de Castro Bigi:

Se o cônjuge culpado praticou um ato antijurídico, se infringiu um dano injusto ao outro cônjuge, tudo isso se apaga com a separação e a pensão? Evidentemente não. (...) A ofensa à dignidade constitui um dano moral – um dano injusto e caberá ao culpado o dever de indenizar.[77]

Mário Luiz Delgado, também endossa o pensamento de Graciela Medina, que a evolução do Direito de Família conduziu à supremacia da personalidade e à autonomia da pessoa diante de seu grupo familiar, não existindo qualquer prerrogativa familiar que permita que um membro de uma família cause dano doloso ou culposo a outro membro da família e se exima de responder em virtude do vínculo familiar.[78]

A indenização por dano moral na relação de entre os cônjuges busca compensar o real sofrimento do cônjuge que judicialmente foi declarado prejudicado, pelas ofensas injuriosas, exposições ao ridículo, vexatórias, que ocasionaram um grande mal interno e até mesmo externo na sua vida íntima. Sobre dano moral Adriano Stanley Rocha também confirma:

 

O sofrimento que uma pessoa experimenta em decorrência de uma ofensa em público ou por agressão qualquer deixa marcas interiores e exteriores, algumas indeléveis, maculando o bem-estar do ofendido e complementa, dano moral é pré-juízo, desperta preconceitos acerca da vítima.[79]

 

Não se tem dúvidas de que o amor como sendo um sentimento deve surgir naturalmente, sem que seja possível obrigar alguém a gostar de outra pessoa, ou a permanecer gostando quando já não exista afinidade eficiente para isto. Porém, quando se assume um compromisso de tal monta como o casamento, este que envolve sentimentos, o mínimo que se exige é que se respeite aos deveres conjugais dispostos no artigo 1.566 do código civil, que deverão ser obedecidos reciprocamente entre os cônjuges.

Conforme anota Maria Berenice Dias, ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar[80], mas cabe a cada um dos cônjuges procurar fazer o que for possível para que se mantenha o relacionamento matrimonial, devendo-se obedecer aos dispositivos do artigo 1.566, Código Civil, tais como: fidelidade recíproca; mútua assistência, respeito e considerações mútuos, etc.

Descumpridos esses deveres de maneira que afrontem ao princípio da dignidade da pessoa humana e outros princípios atrelados a ele, como os direitos da personalidade: direito à integridade física, à honra, à imagem, direito a intimidade etc, tal descumprimento desses deveres não passarão despercebidos no momento da análise indenizatória em amplitude de dano moral.

Compartilha também desse pensamento Cahali, que diz que o casamento faz nascer entre os cônjuges direitos e deveres recíprocos de lealdade, respeito, fidelidade e coabitação e que também deverá ser verificado algum ato que importe em grave violação a esses deveres ou alguma conduta desonrosa que possa ser imputada ao cônjuge culpado, para que possa ser admissível o pedido concomitante de indenização[81].

O fato de um dos cônjuges alegar a falta de amor como causa do rompimento conjugal não poderá dar razão para se argumentar uma possibilidade de dano moral, porém o mesmo não acontecerá quando o rompimento tenha ocorrido através de atitudes praticadas por um dos cônjuges em que seja caracterizada uma ofensa de ordem moral ao outro. Neste sentido, ratifica Antônio Carlos Mathias Coltro:

 

...se um dos companheiros desconsiderar publicamente o outro, tratando-o mal ou de forma injuriosa, desrespeitando-o, dúvida não há sobre ser possível ao ofendido ingressar com ação buscando ver-se indenizado pela atitude do outro e que lhe causou inegável sentimento de dor, muitas vezes recheada de humilhação.[82]

Desde logo é possível afirmar que não seria razoável que qualquer motivo que dê causa a vontade mínima de dissolver o vínculo conjugal através do divórcio, poderá também fundamentar o pedido de indenização em face de dano moral. Ou seja, não se pretende aqui defender indenização por um suposto dano moral alegadamente causado por um simples descumprimento do compromisso assumido com o casamento.

Insista-se, neste ponto, que não se pretende neste trabalho discorrer sobre a dor íntima pela qual passa um dos membros do casal pelo simples fato de se sentir rejeitado pelo outro cônjuge, ou porque não aceita a vontade do outro cônjuge em não conviver mais ao seu lado. Pretende-se, sim, examinar a dor moral que atingiu o cônjuge prejudicado, em função da conduta do seu consorte, conduta esta que foi carregada de deslealdade, desconsideração e falta de respeito, muitas vezes que foi praticada publicamente e até de forma proposital, submetendo o cônjuge a sentimentos repulsivos, humilhantes e vexatórios, provocando dor, padecimento espiritual, sofrimento, angústia, perturbação da tranqüilidade espiritual.

Para que o cônjuge prejudicado requeira a condenação do outro por dano moral é necessário que seja realmente comprovado a prática de ato que tenha lesado o outro, de forma efetiva, no plano moral, porque se assim não fosse, caracterizado estaria o dano moral como uma monetarização das relações erótico-afetivas[83].

Ora como se bem sabe o próprio artigo 186, fala que a obrigação indenizatória decorre de ato ou omissão praticada pelo agente, de forma culposa e do qual resulte prejuízo a outrem, e que exista, entre a conduta e o resultado, relação de causalidade. Pois sem a presença desses requisitos, não haverá fundamento para se pleitear um pedido de indenização. E ainda, conforme Humberto Theodoro Jr., para “(...) chegar-se à configuração do dever de indenizar, não será suficiente ao ofendido demonstrar sua dor. Somente ocorrerá a responsabilidade civil se reunir todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal” [84].

Diante do exposto, pode-se chegar ao entendimento que o dano moral existente nas relações conjugais deve ser indenizado desde que ocorra um acontecimento martirizante para aquele cônjuge que se sentiu prejudicado, em face de condutas desviantes do seu consorte, e que ainda estes atos deverão provocar um profundo mal-estar espiritual e uma angústia indescritível[85]. Nestes casos então o cônjuge terá a total liberdade para se divorciar e ainda postular danos morais. Admitir o contrário seria transformar em prêmio e castigo para o cônjuge magoado emocionalmente e para aquele que deverá indenizar, respectivamente.

Analisar-se-á com maior ênfase os incisos I, III e V, do artigo 1.566 do Código Civil de 2002, o qual faz referência à fidelidade recíproca; mútua assistência; e respeito e considerações mútuos, afim de que se verifiquem as reais hipóteses de descumprimento desses deveres que poderão ocasionar o direito a compensação do dano moral sofrido pelo cônjuge prejudicado.

           4.2.1 Dano moral por descumprimento dos deveres conjugais

Como já mencionado acima, o artigo 1.566, do vigente código civil dispõe sobre os deveres recíprocos entre os cônjuges, os quais somente nos interessarão os incisos I, III e V, devido a sua relação com o tema. Assim revela o mencionado artigo:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum no domicilio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

4.2.1.1 A reparação dos danos morais por quebra da fidelidade

Na visão de Rubens França, a fidelidade é a qualidade de quem é fiel, lealdade, exatidão nos compromissos, probidade, honestidade nos deveres e obrigações contraídos. A palavra fidelidade se origina do vocábulo latino fidelitas, atis – em que se pode ter confiança (de Fidelis, e), que provém de fides, ei, significando fé, lealdade, sinceridade, firmeza, segurança, retidão, honestidade, proteção, etc[86].

No sistema brasileiro a monogamia é princípio do casamento, pois não podem se casar as pessoas já casadas o que justifica a questão do cônjuge ter que ser fiel. E é com base nisso que se analisar as conseqüências da quebra da fidelidade para a responsabilidade civil. Pode-se ainda esclarecer que, o nome que aqui referenciado é “infidelidade”, e não mais “adultério”, pois esse tipo penal desapareceu no Brasil pela revogação contida na Lei n. 11.106/2005.

Para Michel Mascarenhas ser fiel inclui não apenas o lado amoroso ou monogâmico do relacionamento, mas também todos os aspectos relacionados às finanças, à condução do lar, ao modo de criação dos filhos etc. A infidelidade repousa na idéia de se abster da traição ou da quase-traição, estas que somente poderão dar causa a uma condenação se comprovado estiver o dano.[87]

Para ilustrar, cita-se a decisão do Tribunal de São Paulo que decidiu pela existência de danos morais quando se comprova a traição, bem como a existência de uma filha extraconjugal, acarretando graves repercussões sociais e desequilíbrio familiar:

Separação judicial. Pretensão à reforma parcial da sentença, para que o autor-reconvindo seja condenado no pagamento de indenização por danos morais, bem como seja garantido o direito de postular alimentos por via processual própria. Fidelidade recíproca que é um dos deveres de ambos os cônjuges, podendo o adultério caracterizar a impossibilidade de comunhão de vida. Inteligência do artigo 1.566, I, Código Civil. Adultério que configura a mais grave das faltas, por ofender a moral do cônjuge, bem como o regime monogâmico, colocando em risco a legitimidade dos filhos. Adultério demonstrado, inclusive com o nascimento de uma filha de relacionamento extraconjugal. Conduta desonrosa e insuportabilidade do convívio que restaram patentes. Caracterização de dano moral indenizável. Comportamento de autor-reconvindo que se revelou reprovável, ocasionando à ré-reconvinte sofrimento e humilhação, com repercussão na esfera moral. Indenização fixada em R$ 45.000,00. Alimentos. Possibilidade de requerê-los em ação própria, demonstrando necessidade. Recurso provido” (TJSP, Apelação com revisão n. 539.390.4/9, Acórdão n. 2.644.741, São Paulo, Primeira Câmara de Direito Privado, rel. Des. Luiz Antônio de Godoy, julgado em 10/06/2008, DJESP 23/06/2008)[88]

Tentando justificar que existe a possibilidade de um enorme desrespeito entre um cônjuge para com o outro, pondera Gustavo Ordoqui que um juízo de responsabilidade por danos provenientes do adultério, mormente quando expõe ao escárnio público, pode representar um grande demérito à atividade profissional do cônjuge vitimado pela fidelidade de seu parceiro e um verdadeiro aniquilamento da pessoa no seu ambiente de trabalho.[89]

Pois, se assim estiver violado o dever de lealdade, em cujo conceito se encontra a própria fidelidade, possível será ao ofendido pedir uma indenização devida pelo ofensor e de natureza moral, desde que demonstre o fato praticado, o resultado lesivo dele decorrente e a relação de causalidade entre ambos. Mais radical é o pensamento de Aguiar Dias quando diz que se a traição for praticada por pessoa casada incontestavelmente acarretará o dano moral.[90]

 4.2.1.1.1 A questão da infidelidade virtual

O Direito digital ainda está em constante evolução, repercutindo a via digital diretamente na órbita civil, pois existe influência sua nos contratos, no direito de propriedade, na responsabilidade civil e, nas relações familiares.[91]

A infidelidade virtual que ganha importância na pós-modernidade também é destaque nos estudos de Maria Helena Diniz:

Diante do fato de haver possibilidade do internauta casado participar, por meio de programa de computador, como o ICQ, de chats, de mirc e sala de bate-papo voltados a envolvimentos amorosos geradores de laços afetivo-eróticos virtuais, pode surgir, na Internet, infidelidade, por e-mail e contatos sexuais imaginários com outra pessoa, que não seja seu cônjuge, dando origem não ao adultério, visto falar conjugação carnal, mas à conduta desonrosa. Deveras os problemas do dia-a-dia podem deteriorar o relacionamento conjugal, passando, em certos casos, o espaço virtual a ser uma válvula de escape por possibilitar ao cônjuge insatisfeito a comunicação com outra pessoa, (...). Tal laço erótico-afetivo platônico com pessoa sem rosto e sem identidade, visto que o internauta pode fraudar dados pessoais e mostrar caracteres diferentes do seu real comportamento, pode ser mais forte do que o relacionamento real, violando a obrigação de respeito e consideração que se deve ter em relação ao seu consorte.[92]

Nestes casos de infidelidade virtual não há um contato físico, nem uma infidelidade real, mas meros contatos através da internet, configurando, portanto numa infidelidade virtual. Aqui interessa saber se tal infidelidade virtual pode gerar a responsabilidade civil do cônjuge, e de acordo com Flávio Tartuce, isso seria bem possível, principalmente nas situações em que ocasionar maiores repercussões e lesionar a personalidade do consorte.[93]

Na visão de Michel Mascarenhas o quase-adultério ou o adultério virtual são as relações insinuantes com pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo. Ele também revela que, o quase-adultério ou adultério virtual e as relações homossexuais extraconjugais não podem ser classificados como adultério propriamente dito, pois não há conjunção carnal entre duas pessoas do sexo oposto[94].

Já para Silvio de Salvo Venosa o quase-adultério não constitui uma infração ao dever de fidelidade, mas sim uma injúria grave[95]. Mas, o quase-adultério não pode deixar de ser associado a uma infringência aos deveres de fidelidade e de lealdade, pois este dever envolve a obrigação de limitar a atividade sexual e de insinuações românticas que deverão ser depositadas apenas ao cônjuge.

Atente-se, por oportuno para a seguinte jurisprudência:

Direito civil – Ação de indenização – Dano moral – descumprimento dos deveres conjugais – infidelidade – sexo virtual (internet)- Comentários difamatórios – Ofensa à honra subjetiva do cônjuge traído – Dever de indenizar – Exegese dos arts. 186 e 1.566 do Código Civil de 2002 – Pedido julgado precedente (TJDF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida, julgado em 21/05/2008).[96]

Neste caso, como o marido não negou a existência do relacionamento paralelo e das mensagens eletrônicas, e ainda ficou comprovado que o marido relatava para a amante sua vida intima com a autora e de seu filho, violando o dever da privacidade, e que a autora também encontrou uma pasta do computador repleta de emails com conteúdos obscenos, e como se não bastasse o marido a chamava de “mulher fria”, a sentença foi favorável a autora. Além disso, o magistrado concluiu que a infidelidade, por si só, neste caso específico, atinge a honra do cônjuge traído, sendo o caso de se falar em danos morais, nos termos do artigo 186 do código civil[97].

Frisa-se mais uma vez, que os casos de infidelidade virtual deverão ser analisados com cautela e que a mera infidelidade como já foi dito não terá o condão de gerar o direito a indenização. O que se quer dizer é que, poderá muitas vezes haver a traição, a infidelidade, contudo não haver o dano emocional a ser compensado.

4.2.1.2 A reparação dos danos morais pelo descumprimento do dever de mútua assistência 

A assistência se refere a todas as necessidades do consorte, desde o sentido material ao sentido imaterial. Este dever não inclui apenas, a ajuda recíproca para que a família tenha conforto físico, boa alimentação, meios de transporte próprios, lazer, vestuário, assistência médica etc. Inclui também o amor, o sentimento, a atenção, o simples ouvir, o toque, a presença entre outras manifestações de carinho.[98]

Trata-se de dever que se cumprirá através de gestos, atenções, cuidados na saúde e na doença, serviços, suscitados pelos acontecimentos cotidianos[99], envolvendo, portanto, deveres de respeito, sinceridade, recíproca ajuda e mútuos cuidados. É dever que dirige e vivifica o vínculo conjugal, assegurando-lhe altíssimo valor ético[100]. A violação deste dever de mútua assistência, segundo Roberto Gonçalves, constitui injúria grave.

   Existem decisões proferidas sobre o descumprimento do dever da mútua assistência. Cita-se o caso abaixo relatado que faz referência ao descumprimento de três diferentes tipos de deveres elencados no art. 1.566, CC, tais: fidelidade, mútua assistência e vida em comum no domicílio conjugal. Este último dever, somente de acordo com o caso concreto é que poderá ser relevante para caracterizar o pedido de indenização por dano moral, pois é permitido aos cônjuges o consenso para se dispor sobre o domicílio conjugal, e ainda, poderão existir causas que justifiquem o seu afastamento do casal.

DANOS MORAIS. ADULTÉRIO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. AFASTDA. SEPARAÇÃO DE CASAL. ABANDONO DE LAR. DOENÇA DA EX-ESPOSA. FALTA DE ASSISTÊNCIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O ato ilícito alegado, muito embora decorrente de relação familiar, embasa pedido indenizatório, matéria afeta à esfera cível, cuja competência para julgamento não se inclui naquelas atribuídas às Varas de Família, conforme Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e Territórios. 2. O dano moral indenizável é aquele que afeta os direitos da personalidade, assim considerados os relacionados com a esfera íntima da pessoa, cuja violação causa humilhação, vexame, constrangimento, frustração, dor e outros sentimentos negativos. 3. O abandono do lar em momento em que a companheira mostra-se com a saúde debilitada, sem prestar-lhe a devida a devida assistência, gera transtornos íntimos que merecem ser compensados. 4. O valor da indenização deve ser fixado considerando-se a lesão sofrida, a condição financeira do réu e o caráter pedagógico e punitivo da medida. 5. Recurso conhecido e negado provimento. (20080111392388ACJ, Relator ASIEL HENRIQUE, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 20/10/2009, DJ 14/01/2010 p. 128)[101]

O caso acima analisado confere o direito de compensação por dano moral sofrido pelo cônjuge que foi traído e abandonado, situação esta que se mostra ainda mais grave, pois além de não receber nenhum tipo de assistência, ainda estava com a sua saúde debilitada.

4.2.1.3 A reparação dos danos morais pelo descumprimento do dever de respeito e considerações mútuos 

Este dever aborda uma proteção bem mais ampla aos cônjuges, pois eles fazem referência aos cônjuges como sendo pessoas dotadas de direitos e deveres protegidas principalmente pela magnitude dos direitos personalíssimos. Podem-se citar como exemplos de direitos de personalidade, protegidos no dever em comento, a vida, a integridade física e psíquica, a honra, a liberdade e o segredo[102].

Incluem-se no dever de respeito e consideração mútuos, a consideração social compatível com o ambiente e com a educação dos cônjuges, o dever de não expor um ao outro a vexames e descrédito. Segundo Caio Mário é nessa linha que se pode inscrever a “infidelidade moral”, que não chega a ser uma infidelidade propriamente dita, por falta da concretização das relações sexuais, mas que não deixa de ser injuriosa.[103]

O dever em comento encontra seu fundamento na dignidade da pessoa humana, que não é um simples valor moral, mais sim um valor jurídico, tutelado no artigo 1º, III, da Constituição Federal. O respeito à honra e a dignidade da pessoa humana impede que se atribuam fatos e qualificações ofensivas e humilhantes feitas de um cônjuge ao outro.

A falta de respeito e considerações mútuos poderá vir atrelada também ao descumprimento do dever de fidelidade, uma vez que a traição propriamente dita, não deixa de ser uma falta de respeito e de consideração ao seu próprio cônjuge. Assim revela a seguinte decisão:

 

E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - QUEBRA DO DEVER CONJUGAL DE FIDELIDADE E DE RESPEITO MÚTUO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO - AFASTADA - APLICAÇÃO DA REGRA DA SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - AFASTADA - RECURSO IMPROVIDO. O cônjuge culpado pela separação judicial, bem como, que agrediu violentamente a esposa, responde pelo dever de indenizar, uma vez que sua conduta se insere com todas as letras na teoria do ato ilícito (artigo 186 do Código Civil) e se presente a conduta (tanto comissiva quanto omissiva), o resultado (abalo psíquico), o nexo causal e a culpa (negligência).

O valor de quarenta mil reais a título de danos morais em face de quem tem patrimônio de mais de um milhão de reais faz dar efetividade à principal razão de ser do dano moral, qual seja, evitar a reiteração de condutas, uma vez que infringiu o dever familiar em ter três filhos fora do casamento, bem como por ter duramente agredido a autora.

Se foi concedido danos morais, pouco importando se em valores a menor do que pedido pelo autor, não se fala em sucumbência recíproca, porque o pedido (danos morais) foi atendido em sua plenitude[104].

 

Diante do caso acima exposto, pode-se verificar a concretização da violação do dever de fidelidade e o do dever de respeito e considerações mútuos. E constata-se também a existência dos pressupostos que caracterizam a responsabilidade civil.

4.3 OUTRAS HIPÓTESES QUE MOTIVAM A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL NAS RELAÇÕES CONJUGAIS

Além da grave violação dos deveres conjugais, também será possível requerer uma indenização em decorrência de prejuízos gerados ao cônjuge prejudicado, quando o cônjuge culpado ocasionar lesão corporal grave ao seu consorte; violência sexual; injúria grave; transmissão de moléstia sexual contagiosa; tentativa de homicídio, ou o próprio homicídio.[105]

A fim de exemplificar, imaginam-se as seguintes situações que podem ensejar o pedido de dano moral nas relações conjugais,: como no caso em que o cônjuge comete injúria grave ao seu consorte, em uma cidade pequena na qual eles vivem, onde isso acaba sendo um tormento na vida do cônjuge prejudicado; ou no caso em que o marido espanca a mulher e nela produz deformidade. Em ambas as situações não se pode negar que, além de autorizarem o fim do vínculo conjugal através do divórcio, poderão também ser causa de obrigação do responsável pelos danos morais causados ao ofendido.

Para Arnaldo Marmitt, na área jurídico-familiar a dinâmica da vida leva a constantes ataques de um cônjuge contra o outro, pois o esposo que espanca lesiona e mutila a esposa, pratica repulsivo dano moral. O mesmo que poderá acontecer da parte de uma mulher que divulga que o marido é impotente; que ele não é o pai dos filhos do casal, apesar de terem o seu sobrenome. Estas e outras semelhantes acusações, que tenham como objetivo único o de ofender e ferir extrapolam a normalidade e fundamentam uma indenização por dano moral.[106]Nesse sentido, dispõe a seguinte ementa:

CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - VIOLAÇÃO AOS DEVERES MATRIMONIAIS - OMISSÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA - VIOLAÇÃO DA HONRA SUBJETIVA - DANOS MATERIAIS - INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS CARACTERIZADORES - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não somente a inobservância do dever de fidelidade, mas também o período em que o autor permaneceu acreditando ser o pai biológico da menor, em razão da omissão sobre a verdadeira paternidade biológica, justificam o dano moral passível de reparação.
Os danos materiais exigem a demonstração efetiva dos prejuízos suportados em decorrência de uma conduta ilícita praticada com dolo ou culpa.
 (TJDF-20070110322600APC, Relator LÉCIO RESENDE, 1ª Turma Cível, julgado em 16/12/2009, DJ 25/01/2010 p. 42)[107]

Embora tenha havido a revogação do artigo 1.573, CC que estabelecia o adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; e a conduta desonrosa como sendo motivos suficientes para tornarem impossível a comunhão de vida do casal, isso não quer dizer que estas condutas uma vez praticadas numa relação conjugal deixarão de serem observadas e analisadas do ponto de vista da responsabilidade civil. Ficando de fora na análise aqui pretendida os motivos: abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo e a condenação por crime infamante.

Ao contemplar-se a tentativa de morte entende-se que não há motivos que justifiquem um cônjuge tentar retirar a vida do seu consorte, salvo, lógico, nas hipóteses das excludentes de ilicitude. Mesmo que um dos consortes forneça motivos que tirem a paz do relacionamento, queira exercer um domínio sobre a vida do outro, ou existam injúrias de sua parte, não poderá o cônjuge querer retaliar de modo violento a ponto de tentar retirar-lhe a vida.

A sevícia envolve os maus-tratos corporais, agressões físicas, desde que intencionais, e a injúria grave relaciona-se com agressões à honra do consorte, sendo ato ofensivo à integridade moral do cônjuge, seja ele real ou verbal. Na real estão envolvidos gestos práticos ultrajantes que diminuem a honra e a dignidade do consorte ou colocam em perigo o seu patrimônio como a expulsão de casa e a transmissão de moléstia grave. A verbal envolve a agressão com palavras que ofendem a respeitabilidade do consorte.[108]

Para que se configure realmente a injúria deverá estar presente a intenção de fazer ofensa ao outro consorte, pois os atos isolados desferidos sobre palavras ásperas, ditas num momento de rápida exaltação, sem a intenção de injuriar, como os palavrões usualmente proferidos até em uma trivial conversa, não serão considerados injúrias graves.[109]

Para Carlos Roberto Gonçalves, pode-se considerar como injúria grave, dentre outras, as seguintes hipóteses: a) o contágio do outro cônjuge por doença venérea adquirida com a prática de adultério; b) apresentação da amante como esposa; c) atribuir o marido a gravidez da esposa a outrem.[110]

Nas relações entre os cônjuges a injúria não precisará ser pública, pois ela representa para quem a pratica uma violação aos deveres de afeição e respeito devidos aos consortes, e para quem a sofre, representa uma dor moral insuportável.[111]

Quantos aos casos de violência física entre os cônjuges também incidem as premissas no tocante à responsabilização. Com base nisso é que Inácio de Carvalho Neto cita as situações de atentado contra a vida do outro cônjuge e de sevícias ou maus tratos, mencionando serem estas situações bastante comuns nas relações conjugais, que devem ser combatidas, já que os casais se devem respeito mútuo.[112]

Outra grave situação relativa à responsabilidade civil na conjugalidade, conforme já citada, envolve a transmissão, entre os cônjuges, de moléstia grave, capaz de gerar o comprometimento da saúde do consorte. Na maioria das vezes, a doença é adquirida pelo ato de infidelidade. Para Aguiar Dias é indiferente para aparecimento do dever de reparação, que a moléstia contagiosa transmita ao cônjuge tenha sido comunicada intencionalmente, bastando para a caracterização da responsabilidade a simples negligência ou imprudência[113].

Na prática essa transmissão de doenças envolve na maioria das hipóteses as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) de maior ou menor gravidade. No entanto, deve-se ter a consciência de que as demandas em que houver a falta de demonstração da culpa e do nexo causal serão reputadas improcedentes.

 No que diz respeito à transmissão da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) à parceira, o Des. Quaglia Barbosa, examinado tal situação no Tribunal Paulista, diz que constará evidenciado o dano moral decorrente da conduta do cônjuge que transmitiu a doença, desde que o transmissor não atue culposamente, acrescentou ainda, que a análise dependerá ainda do caso concreto, pois o vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) também poderá ser adquirido em decorrência de uma transfusão de sangue e o contaminado não saber que assim se encontra[114].

Como se vê, não está pacificado ainda sobre de que maneira irá incidir a responsabilidade do transmissor de doença contagiosa ao seu consorte, pois como já visto, alguns decidem pela comprovação da culpa e outros dizem que esta responsabilidade só se aplica aos casos de transmissões feitas dolosamente.

Quanto à conduta desonrosa estão especificadas as ações de cunho imoral ou anti-social que acarretem desonra a família, como o alcoolismo e a toxicomania, contaminação com doença venérea etc[115]. Sobre o assunto discorre Yussef Said Cahali:

 

Configura-se a conduta desonrosa no ato ou comportamento imoral, ilícito ou anti-social de um dos cônjuges que, infringindo os deveres implícitos do matrimônio, provoca no outro cônjuge um estado ou situação de constrangimento, humilhação, desrespeito moral ou social, desconsideração no ambiente da família, do grupo ou da sociedade.[116]

 

Desse modo, com a exposição de todos esses motivos (lesão corporal grave ao seu consorte; violência sexual; injúria grave; transmissão dolosa de moléstia sexual contagiosa; tentativa de homicídio, ou o próprio homicídio), pode-se dizer que somente poderão dar ensejo à responsabilização civil de acordo com a análise do caso concreto. E como já mencionado, deverá haver a comprovação do ato ilícito, que tenha feito surgir um dano efetivo, real e certo, e que haja o nexo causal entre a conduta e o dano. Sem prejuízo de esses mesmos motivos serem alegados em uma ação que vise o divórcio litigio

5 CONCLUSÃO

Constata-se de acordo com o estudo feito neste trabalho, que a responsabilidade civil só será verificada na modalidade de dano moral nas relações de conjugalidade, quando o abalo psicológico, a dor, o sofrimento, a angústia, a perturbação da tranqüilidade espiritual e da honra subjetiva do cônjuge, exposição ao vexame, humilhações, etc., forem ocasionadas pela conduta do consorte ofensor, gerando fundamento suficiente para que o cônjuge ofendido proponha tanto uma ação de indenização por danos morais quanto uma ação de divórcio.

Desse modo, algumas causas de dissoluções conjugais poderão tanto ocasionar a vontade inquestionável do cônjuge ofendido a se divorciar quanto o direito do mesmo propor uma ação por danos morais. Entende-se que uma ação que pleiteia um pedido de divórcio (litigioso) alegando causas que tenham levado ao desestímulo e ao desencanto da vida a dois, quando afetarem também o íntimo, a vida pessoal, o relacionamento social com outras pessoas, causando tremenda dor, angústia, vexames, humilhações, não haverá dúvidas de que o cônjuge prejudicado também terá o direito de ser compensado por todos os danos morais causados na sua vida.

Verificou-se que de fato existe indiscutivelmente uma controvérsia doutrinária sobre a admissibilidade do dano moral nas relações conjugais, situação em que a doutrina se divide em levantar argumentos contrários e à favor do dano moral nas relações entre os cônjuges. Tanto os argumentos contrários quanto os à favor foram abordados neste trabalho, porém adotou-se como defesa para este tema os argumentos à favor, que foram defendidos pela doutrina restritiva ao dano moral nas relações de conjugalidade.

Associados a violação dos deveres conjugais e a outras hipóteses que podem ensejar o dano moral nas relações entre os cônjuges, também se comprovou a importância da supremacia do direito da personalidade, do direito da dignidade da pessoa humana, em que terão como base a manutenção dos direitos a privacidade, a imagem, a intimidade, entre outros, de maneira que, uma vez agredidos estes direitos estará então configurado o direito de reclamar a reparação por dano moral.

Acredita-se que além da grave violação dos deveres conjugais e a prática de outras condutas como: a injúria grave, lesão corporal grave ao seu consorte; transmissão dolosa de moléstia sexual contagiosa; etc., também poderão dar ensejo à responsabilização civil no âmbito de dano moral nas relações conjugais. Devendo ainda ser comprovada tal conduta culposa como ato ilícito, que tenha feito surgir um dano efetivo, real e certo, e que exista o nexo causal entre a conduta e o dano.

E como a natureza jurídica do dano moral envolve as funções de compensar, punir e prevenir, nada mais justo senão punir o cônjuge causador de um grande mal a estrutura psicológica e até mesmo física do seu consorte, este que deverá ser ressarcido pelo dano sofrido, para que o cônjuge ofensor não fique impune e não incorra mais neste erro. Então, se um cônjuge pratica culposamente um ato ilícito, que gerou um dano ao seu consorte, especialmente um dano moral, não poderá este cônjuge ofensor ficar isento de responder pelo dano provocado.

Mostrou-se que a indenização por dano moral na relação de entre os cônjuges busca compensar o real sofrimento do cônjuge, e usando-se dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e na razão do homem médio, é que ficará a cargo do magistrado fazer a mensuração do alcance do dano moral na vida do cônjuge prejudicado, analisando a culpa do ofensor com os efeitos causados no cotidiano do cônjuge inocente.

Neste trabalho defendeu-se que o amor como sendo um sentimento deve surgir naturalmente, não sendo possível obrigar alguém a gostar de outra pessoa, ou a permanecer gostando quando já não exista afinidade eficiente para isto. Porém, tentou-se demonstrar que quando se assume um compromisso de tal monta como o casamento, este que envolve sentimentos, o mínimo que se exige é que se respeite aos deveres conjugais, os quais deveram ser obedecidos reciprocamente entre os cônjuges.

 Desta forma, entende-se que ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar, mas cabe a cada um dos cônjuges procurarem fazer o que for possível para que se mantenha o relacionamento matrimonial, devendo-se haver fidelidade entre eles, prestação mútua assistência, e o respeito e consideração para que a convivência entre eles seja harmoniosa.

Afirmou-se ainda, que não seria razoável que qualquer motivo que enseje a vontade mínima de dissolver o vínculo conjugal através do divórcio, poderá também fundamentar o pedido de indenização em face de dano moral. Ou seja, não se pretendeu ver indenizado o dano moral causado pelo simples descumprimento do compromisso assumido com o casamento.

Não foi a intenção de este trabalho discorrer sobre a dor íntima pela qual passa um dos membros do casal pelo simples fato de se sentir rejeitado pelo outro cônjuge, ou porque não aceita a vontade do outro cônjuge em não conviver mais ao seu lado; objetivou-se, sim, examinar a dor moral que atingiu o cônjuge prejudicado, em função da conduta do seu consorte, conduta esta que foi carregada de deslealdade, desconsideração e falta de respeito, muitas vezes que foi praticada publicamente e até de forma proposital, submetendo o cônjuge a sentimentos repulsivos, humilhantes e vexatórios.

Com base nisso é que se ratificou diversas vezes que, o dano moral existente nas relações conjugais deve ser indenizado desde que ocorra um acontecimento martirizante para um dos cônjuges, em face de condutas desviantes do seu consorte, e que ainda estes atos deverão provocar um profundo mal-estar espiritual e uma angústia indescritível. Nestes casos então o cônjuge terá o total direito para se divorciar e ainda postular danos morais.

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Sobre a autora
Priscila de Oliveira Ribeiro Leal

Advogada. Graduada em Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Prof. Camillo Filho - ICF. Pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT.<br><br><br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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