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Natureza jurídica do interrogatório

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01/08/2002 às 00:00
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5. Natureza jurídica do interrogatório

Questão bastante controvertida e discutida na doutrina brasileira diz respeito à natureza jurídica do interrogatório. Discute-se se esse ato processual é um meio de prova, meio de defesa ou concomitantemente meio de prova e de defesa.

Antes de entrarmos nessa discussão faremos uma breve conceituação do que vem a ser meio de prova e meio de defesa.

5.1 Meio de Prova

Prova é toda atividade praticada pelas partes, terceiros e até pelo magistrado, com a finalidade de comprovar a veracidade de uma afirmação.

O objeto da prova será sempre aquilo que será demonstrado como verdade, ou seja, todo fato, alegação, circunstância, causa, que, por serem incertos, precisam ser evidenciados para solucionar a lide.

Tal demonstração deverá ser feita através dos meios de prova.

Meio deve ser entendido como o caminho percorrido para atingir o fim desejado, que é a prova.

Portanto, meio de prova pode ser conceituado como tudo quanto possa ser utilizado para demonstração da verdade buscada no processo. São os instrumentos utilizados para comprovação ou não da veracidade do que foi afirmado.

É de se ressaltar aqui que no Processo Penal brasileiro vigora o princípio da verdade real, ou seja, o juiz deve sempre investigar ao máximo a realidade do fato para então fundamentar a sentença.

Assim, a investigação, através dos meios de prova, deve ser a mais ampla possível, porém respeitando a lei, que não admite provas obtidas por meios ilícitos.

5.2 Meio de defesa

O direito de defesa é um direito fundamental de todo cidadão brasileiro e está previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LV, que prescreve:

" aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Podemos entender ampla defesa como a faculdade que tem o réu de trazer para o processo todos os elementos que possam esclarecer a verdade.

O direito de defesa tem como finalidade afastar a desigualdade processual, dá ao réu a oportunidade de se igualar ao autor.

Dentro do direito de defesa temos a autodefesa e a defesa técnica.

A autodefesa consiste na possibilidade do réu ser interrogado e de tomar ciência de todos os atos instrutórios do processo. Já a defesa técnica consiste no direito de ser defendido por um profissional habilitado que produzirá provas que influenciem no convencimento do juiz.

Meios de defesa, então, podem ser conceituados como todos os modos utilizados pelo réu para produzir fatos ou deduzir argumentos que visam destruir a pretensão do autor.

5.3 O Interrogatório como meio de prova

Os doutrinadores que consideram o interrogatório como meio de prova, elencam as razões de tal entendimento em primeiro lugar porque está este ato colocado no Código entre as provas; depois porque as perguntas podem ser feitas livremente, em terceiro porque pode atuar tanto contra o acusado, no caso de confissão, como em seu favor, e por fim, porque acreditam que o silêncio pode atuar como um ônus processual.

Hélio Tornaghi discorre sobre isso dessa maneira:

"o interrogatório, pois, na lei em vigor, é meio de prova. Fato de ser assim não significa que o réu não possa valer-se dele para se defender. Pode, ele é excelente oportunidade para fazer alegações defensivas... o objetivo do interrogatório é provar, a favor ou contra, embora dele possa aproveitar-se o acusado para defender-se". [27]

O mestre Mirabete complementa esse raciocínio:

"mesmo quando o acusado se defende no interrogatório, não deixa de apresentar ao julgador elementos que podem ser utilizados na apuração da verdade, seja pelo confronto com as provas existentes, seja por circunstâncias e particularidades das próprias informações restadas". [28]

Outro adepto desta teoria, José Frederico Marques diz que desde que não se atente à dignidade da pessoa, princípio constitucional, qualquer prova produzida, que possa obter resultados úteis para a repressão do crime deve ser acolhida e admitida.

Sobre o interrogatório tem a seguinte opinião:

"Fonte de convicção das mais relevantes, pelo indícios que dele surgem e emergem, esse meio de prova nada tem de condenável ou iníquo.... ao interrogar o réu, busca-se obter a confissão do crime de que ele é acusado. O inocente negará a imputação e poderá fazê-lo com absoluto êxito porque nenhum crime praticou.

Ao culpado a situação se apresentará mais difícil, porque a sua negativa mentirosa o obriga a rodeios e ginásticas de dialética que acabarão por deixar vestígios e contradições que se constituirão em indícios e provas circunstanciais de real valor para o veredicto final dos órgãos jurisdicionais". [29]

5.4 O Interrogatório como meio de defesa

Em contraste com o entendimento transcorrido anteriormente, boa parte da doutrina considera o interrogatório como meio de defesa.

Os que têm reconhecido o interrogatório como meio de defesa, o faz por considerar esse ato a concretização de um dos momentos do direito da ampla defesa, constitucionalmente assegurado, qual seja, o direito de autodefesa, na forma de direito de audiência.

No interrogatório o réu tem a oportunidade de fazer alegações e citar fatos que possam exculpá-lo.

Sobre essa característica nos fala Borges da Rosa:

"o interrogatório tem, pois, o caráter de meio de defesa; mediante ele pode o acusado expor antecedentes que justifiquem ou atenuem o crime, opor exceções contra as testemunhas e indicar fatos ou provas que estabeleçam sua inocência. Então ele é o próprio advogado de si mesmo, é a natureza que pugna pela conservação de sua liberdade e vida, que fala perante juízes que observam seus gestos e emoções". [30]

A idéia de interrogatório como meio de defesa foi reforçada quando a Carta Magna de 1988 tutelou o direito ao silêncio na categoria dos direitos e garantias fundamentais.

Desta forma, o réu pode calar-se sem que isso o prejudique ou seja motivo de sanção.

Fernando da Costa Tourinho Filho, entende que em virtude do direito ao silêncio que a Constituição protege deixou o interrogatório de ser meio de prova:

"Sempre pensamos, em face da sua posição topográfica, fosse o interrogatório, também, meio de prova. E, como tal, era e é considerado. Meditando sobre o assunto principalmente agora que a Constituição, no artigo 5º, LXIII, reconheceu o direito do silêncio, chegamos à conclusão de ser ele, apenas, um meio de defesa.

Embora o juiz possa formular perguntas que lhe parecerem oportunas e úteis, transformando o ato numa oportunidade para a obtenção de provas, o certo é que a Constituição de 1988 consagrou o direito ao silêncio". [31]

Quanto ao direito ao silêncio uma observação que merece ser feita diz respeito ao seu fundamento, que é a cláusula de que ninguém será obrigado a testemunhar contra si próprio em um processo criminal.

Outra observação importante é a dos mestres Grinover, Scarance e Magalhães, que dizem que o direito ao silêncio "é o selo que garante o enfoque do interrogatório como meio de defesa e que assegura a liberdade de consciência do acusado". [32]

Sobre isso têm os tribunais o seguinte entendimento:

"E M E N T A - PROVA - SILÊNCIO - garantia de liberdade e de justiça ao indivíduo hipótese em que o réu, sujeito da defesa, não tem a obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem - ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder, conforme o art 5, inciso LXIII da CF." [33]

O ilustre doutrinador Fernando Capez, outro defensor da tese de ser o interrogatório meio de defesa, discorre sobre o assunto da seguinte maneira:

"ao contar a sua versão do ocorrido o réu poderá fornecer no juízo elementos de instrução probatória, funcionando o ato, assim, como meio de instrução da causa. Todavia, essa não é a finalidade a qual se predispõe, constitucionalmente, o interrogatório, sendo a sua qualificação como meio de prova meramente eventual, insuficiente, portanto, para conferir-lhe a natureza vislumbrada pelo Código Processual Penal" [34]

5.5 O Interrogatório como meio de prova e de defesa

Para alguns doutrinadores, a maioria atualmente, o interrogatório tem natureza mista, ou seja, é um meio de prova e de defesa.

Alguns ainda dizem tratar-se de meio de defesa e fonte de prova. Porém, parece-nos que esses conceitos de meio e fonte, no direito brasileiro, estão entrelaçados e não merecem ser separados. Trata-se de mero problema de conceituação.

Os que entendem mista a natureza jurídica afirmam que no momento em que o acusado oferece sua versão dos fatos, exercendo seu direito de defesa, ele é observado pelo juiz que pode colher outros elementos necessários para julgar sua responsabilidade e dosar a pena eventualmente aplicada.

O juiz de Direito e mestre e doutor em Processo Penal, Dr. Guilherme de Souza Nucci faz parte da corrente que entende ser mista a natureza jurídica do interrogatório diz:

"... o direito ao silêncio é uma garantia individual do cidadão, que realmente acentuou o caráter de meio de defesa do interrogatório, mas sem retirar-lhe a força de ser um meio de prova, pois do mesmo modo que o réu pode calar-se, sem nenhuma conseqüência, pode abrir mão dessa garantia e, com isso, produzir prova [em seu favor ou contra]. No mesmo sentido atua o fato de não haver intervenção das partes no interrogatório, dando realce ao seu caráter defensivo, embora sem excluir, repita-se, o aspecto de meio de prova". [35]

Hélio Tornaghi, apesar de considerar o interrogatório um meio de prova, em seu Curso de Processo Penal, diz que o interrogatório é instrumento de prova quando considerado pela lei fato probante e o é de defesa quando entende-se que ele por si só nada evidencia, apenas faz referência ao tema probando.

O respeitado mestre Vicente Grecco Filho explana sobre o assunto:

"o entendimento mais aceito sobre a natureza do interrogatório é o de que é ele ato de defesa, porque pode nele esboçar-se a tese de defesa e é a oportunidade para o acusado apresentar sua versão dos fatos, mas é, também, ato de instrução, porque pode servir como prova". [36]

No direito comparado encontramos que na legislação processual penal portuguesa e alemã o interrogatório é classificado como meio de prova e de defesa.

O Prof. Heráclito Mossim conclui sobre essa questão brilhantemente:

"... independentemente da colocação topográfica o instituto do interrogatório no Código de Processo Penal, a verdade imutável verte no sentido de que o juiz pode com base nele decidir a lide, principalmente contra o réu quando ocorre a confissão. Ora, a confissão não é elemento estranho ao interrogatório, mas nele integrada, elevando-se quase sempre a elemento de prova capaz de permitir ao magistrado o acolhimento do pedido condenatório; da mesma forma que o está sua negativa quanto à prática delitiva. Portanto, sem qualquer dúvida, por mais remota que seja, o interrogatório, além de meio de defesa, constitui-se em considerável meio probatório". [37]

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Considerações finais

O interrogatório judicial do acusado é tema bastante complexo e amplo no processo penal, por isso, não teve esse trabalho o objetivo de esgotar o tema.

Tratamos das características e procedimentos desse ato, bem como de inovações sobre o tema que está disposto nos artigos 185 a 196 do Código de Processo Penal.

Nosso objetivo foi estudar, conhecer e assim abordar a natureza jurídica do interrogatório. Essa questão está longe de ser matéria meramente acadêmica e envolve grande discussão.

Em nossa pesquisa, concluímos que a doutrina divide-se nessa conceituação. Para alguns trata-se de meio de prova, para outros, meio de defesa, enquanto que para uma terceira corrente, o interrogatório é um meio de prova e de defesa.

Para os que acreditam tratar-se o interrogatório de um meio de prova esses o fazem por estar esse ato processual compreendido no capítulo " Das Provas" no Código de Processo Penal atual, além disso, através das perguntas que o magistrado pode fazer ao acusado é possível chegar à verdade dos fatos. E mais, durante o interrogatório é possível obter a confissão, podendo assim, fundamentar, de forma inquestionável, a sentença condenatória.

A segunda linha doutrinária considera o interrogatório como meio de defesa apenas por ser esse o momento em que o acusado exerce o direito de autodefesa, podendo expressar oralmente e pessoalmente tudo sobre o fato que lhe é imputado.

Nessa fase, o acusado pode narrar sua versão dos fatos, influenciando a formação da convicção do magistrado. E pode ainda fornecer atenuantes, ou mesmo excludentes, do crime questionado.

Com o direito ao silêncio elevado à garantia fundamental do acusado pela Constituição Federal de 1988, os defensores dessa corrente ficaram bastante fortalecidos. Esse direito ao silêncio é a garantia de enfoque do interrogatório como meio de defesa. O interrogando pode calar-se sem que isso possa ser usado em desfavor da sua defesa.

Há ainda a corrente que considera que o interrogatório tem natureza jurídica mista, pois pode ser tanto meio de prova como meio de defesa.

Ao mesmo tempo em que o acusado fornece sua versão dos fatos, podendo argüir em sua defesa o que entender de direito, também estará fornecendo elementos para que o magistrado formule sua convicção.

Em razão de nossa pesquisa, concluímos que melhor razão assiste à terceira corrente, a que diz que a natureza jurídica do interrogatório é híbrida, ou seja, é meio de prova e de defesa.

É essa, data venia, nossa opinião.

Trata-se de meio de defesa porque é a oportunidade que o acusado tem de ser ouvido, garantido sua ampla defesa na forma de autodefesa, ele poderá narrar sua versão dos fatos e indicará provas em seu favor. Poderá também calar-se sem que isso seja usado contra ele. E ainda é possível que assuma o delito, porém, alegue alguma excludente de ilicitude ou de culpabilidade.

Todavia não deixa de ser meio de prova para a lei brasileira. As respostas que o réu resolver dar ao magistrado, poderão ser usadas para formar o convencimento desse na busca da verdade real, a favor ou contra a defesa.

Ressalta-se ainda que o direito constitucional ao silêncio não afastou a característica de meio de prova, pois permanecendo calado o interrogando não poderá contribuir de jeito algum para elucidação dos fatos, nem para se defender.

De qualquer forma, o interrogando deve acatar firmemente o direito contra auto acusação, aliás, deve-se lembrar que a auto acusação é crime no Brasil, podendo o réu ser indiciado por mais esse delito.

Deve ainda o interrogante ser suficientemente equilibrado para compreender que se o acusado quiser permanecer calado, é direito seu fazê-lo. Se, entretanto, desejar falar, então poderá querer confessar ou não, o que também deverá ser respeitado. Por fim, se quiser dar sua versão sobre os fatos, poderá o inquiridor buscar a verdade real, mas deverá fazê-lo através de perguntas corretas e pertinentes.

Reservamo-nos o direito de expor nossa opinião sobre o tema:

Acreditamos que para ser melhor exercido como meio de defesa, o interrogatório convencional deveria ser procedido como na lei 9099/95, em que é o último ato da instrução. Ao ser ouvido pelo juiz o acusado já sabe todas as acusações que pesam sobre ele e tudo o que foi dito pelas testemunhas arroladas.

Além disso, consideramos que deveria ser possível a intervenção do Ministério Público e do Defensor, pois esses poderiam estar atentos a questões que o magistrado, por ventura, não tenha prestado atenção. E também, dessa forma, ficaria garantido o contraditório, possibilitando maiores chances de serem produzidas provas, tanto a favor quanto contra o imputado.

Por fim, ressaltamos que esse ato processual é o mais importante do processo penal, principalmente por sua abrangência, devido a sua natureza mista e deverá sempre ser procedido com essa consciência, devendo magistrado e acusado usarem todas suas possibilidades, produzindo provas e também se defendendo. Nunca deve ser realizado apenas para cumprir formalidade processual.

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Sobre a autora
Aline Iacovelo El Debs

advogada em Ribeirão Preto (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL DEBS, Aline Iacovelo. Natureza jurídica do interrogatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3123. Acesso em: 23 dez. 2024.

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