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Da efetiva impossibilidade de ocorrência de coisa julgada e litispendência entre AIRC, RCED, AIME, AIJE e representação por captação ilícita de sufrágio

23/08/2014 às 12:22
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O TSE tem sedimentado em sua jurisprudência no sentido de que as ações eleitorais, em sua generalidade, possuem causa de pedir e requisitos próprios, bem como consequências jurídicas que não se confundem, de sorte que jamais possuirão as mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir.

Resumo: À seara Eleitoral aplica-se subsidiariamente a sistemática do Direito Processual Civil comum, o que leva a esse Direito especializado a aplicação dos institutos da litispendência e da coisa julgada. O presente ensaio tem por escopo a análise, à luz da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, da incidência desses institutos em relação às ações eleitorais de maior relevo: AIRC, RCED, AIME, AIJE e Representação por Captação Ilícita de Sufrágio. Conclui-se, ao final, ser escorreito o entendimento da mais alta Corte Eleitoral no sentido de que tais demandas possuem causa de pedir própria, de modo que não é possível que possuam a tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir.

Palavras-chave: ações eleitorais; identidade; coisa julgada; litispendência.  


A prática eleitoral, notadamente após o advento da Lei Complementar nº. 135/2010, que, ao aumentar o rol de situações que geram a inelegibilidade, ampliou as hipóteses de manejo das ações eleitorais, leva o operador do Direito a se deparar com demandas que, aparentemente, possuem a tríplice identidade prevista no art. 301, §2º, do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente à seara Eleitoral. Segundo o dispositivo, são idênticas as ações quando possuem as mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir.

Não são raros, v. g., os casos em que a perpetração da captação ilícita de sufrágio ganha contornos tais que também configura o abuso do poder econômico. Nessa hipótese, nada impede que o candidato, partido, coligação ou Ministério Público Eleitoral se utilize, concomitantemente, da representação hospedada no art. 41-A da Lei das Eleições, da Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE (art. 22 da Lei das Inelegibilidades) e da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME (art. 14, §10, da Constituição Federal), com base nos mesmos fatos. A propósito, em situações desse jaez, é bastante comum que se produzam as provas em apenas um dos processos, emprestando-as aos demais.

Têm-se, pois, nessa conjuntura, três processos distintos, baseados nos mesmos fatos e com o mesmo suporte probatório. Há, assim, em princípio, dispêndio desnecessário de esforços, visto que, por vezes, atos processuais idênticos serão produzidos cada qual em um processo, bem assim abre-se a possibilidade de, em um mesmo quadro fático, terem-se decisões díspares.

Nesse cenário, poder-se-ia pensar que se está fazendo letra morta do art. 267, inciso V, e dos parágrafos do precitado art. 301, ambos do Estatuto Processual Civil, afrontando-se, destarte, os institutos da coisa julgada e da litispendência, cuja finalidade mesma, tal qual é consabido, é justamente evitar o retrabalho judicial e obstar a instabilidade social causada pela solução desigual de casos idênticos.

A Corte Superior Eleitoral, contudo, tem sedimentado em sua jurisprudência que as ações eleitorais, em sua generalidade, possuem causa de pedir e requisitos próprios, bem como consequências jurídicas que não se confundem, de sorte que jamais possuirão as mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir, nunca se caracterizando, por consequência, a litispendência e a coisa julgada entre elas. Bem se nota essa linha de intelecção no  REsp nº 28015[1], no AAG nº 7191[2], no RO n° 1.367[3] e no AgRgREsp 26.040[4], entre outros acórdãos da Corte, mais e menos recentes.  

Nesse pórtico, indaga-se se o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral resiste a um cotejo acurado das ações eleitorais de maior destaque.

Com efeito, é inequívoco que a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC, prevista no art. 3° da Lei Complementar n° 64/90, é de fato peculiar, quando comparada com as demais ações eleitorais. A AIRC se individualiza, sobretudo, por sua finalidade – obstar o aperfeiçoamento da candidatura –, o que limita a possibilidade de seu manejo ao início do processo de registro de candidatura. A ação, ademais, não visa à declaração de inelegibilidade do cidadão, mas, tendo por base a ausência de condição de elegibilidade ou a incidência de uma das causas de inelegibilidade, busca impedir o acesso do candidato ao cargo eletivo, antes mesmo de seu registro como tal.

O pedido veiculado em sede de AIRC, portanto, nunca será o mesmo das outras demandas eleitorais.

O Recurso Contra a Expedição de Diploma – RCED, hospedado no art. 262 do Código Eleitoral, tem por escopo a desconstituição de diploma, e, à semelhança da AIRC, não tem o condão de gerar a inelegibilidade do candidato – seja aquela sanção (art. 22, XIV, da LC nº 64/90), seja a efeito do provimento condenatório (art. 1º, I, “d”, da mesma lei) –, apenas pode se basear nela; é dizer, a ação pode ter na inelegibilidade um pressuposto, sendo, destarte, posterior a ela, não a ocasionando. É esse o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral[5], não obstante a existência de (coerente) entendimento doutrinário em sentido oposto[6].

O RCED, em linhas gerais, distancia-se da AIME por possuir hipóteses de cabimentos específicas. Essas hipóteses consubstanciam a causa de pedir próxima da ação[7], de sorte que, embora AIME e RCED possam veicular pedidos idênticos, serão sempre embasadas em fundamentos jurídicos distintos. Quanto ao pedido, consoante acima exposto, o RCED afasta-se da AIRC por visar à desconstituição de diploma, e não de registro de candidatura, e afasta-se da AIJE e da Representação do art. 41-A da Lei das Eleições, em especial, por não veicular rogativa de declaração de inelegibilidade.

A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME não permite seja ocasionada a inelegibilidade do candidato em caso de procedência[8], conquanto lhe casse o diploma, veiculando, assim, o mesmo pedido que o RCED. Ela possui as seguintes hipóteses de cabimento, previstas no §10 do art. 14 da Constituição Federal, que consubstanciarão sua singular causa de pedir próxima: apuração de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

Resta, nesse ponto, o cotejo das duas ações eleitorais objeto deste estudo ainda não abordadas: a Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIME e a Representação por Captação Ilícita de Sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/97).

Ambas as ações seguem a dinâmica do art. 22 da Lei das Inelegibilidades. Têm, portanto, o mesmo prazo de ajuizamento – termo inicial anterior ao registro de candidatura e termo final com a diplomação –, jurisprudencialmente construído[9]. Ademais, possuem a finalidade de gerar a inelegibilidade sanção, nos termos do inciso XIV do dispositivo precitado. Veiculam, pois, idêntico pedido. É possível, ainda, que a mesma situação fática dê ensejo ao manejo concomitante de AIJE e Representação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97; trata-se da captação ilícita de sufrágio com dimensões bastantes a configurar o abuso do poder econômico.

Nesse diapasão, as duas ações em comento podem ter o mesmo pedido e idênticos réus, a par de possuírem os mesmos legitimados ativos.

Entretanto, embora as demandas em questão possam ser baseadas no mesmo quadro fático, é dizer, possam ter a mesma causa de pedir remota, sua causa de pedir próxima jamais se confundirá.

Isso porque, materialmente, a AIJE e a Representação por Captação Ilícita de Sufrágio possuem fundamentos jurídicos distintos. Enquanto a AIJE é manejada em caso de comprometimento da lisura do pleito, a Representação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 só é utilizada quando se vicia a manifestação de vontade do eleitor quando do exercício do sufrágio.

A propósito da diferenciação das duas ações, o que faz com que sua causa de pedir próxima não se identifique, é lapidar o magistério de Rodrigo López Zilio[10]:

“A redação da Lei nº 9.840/99 é suficientemente clara ao dispor que, na representação do art. 41-A da LE, aplica-se o procedimento previsto no art. 22 da LC nº 64/90. Assim, a relação existente entre a captação ilícita de sufrágio e a AIJE é exclusivamente processual e adjetiva, sem qualquer vínculo material. (...).

Em momento algum o legislador pretendeu criar mais uma hipótese material de AIJE. Por conseguinte, sendo proposta uma AIJE, deve-se perquirir, para a procedência da representação, a potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura do pleito. De outro lado, para a procedência da representação com base no art. 41-A da LE, não há necessidade de prova de potencialidade de ofensa à lisura do pleito, porquanto o bem jurídico tutelado é a vontade do eleitor. Com efeito, como assentado pelo Ministro Nelson Jobim, ‘no art. 41-A, o bem protegido não é o resultado da eleição. O bem protegido pelo art. 41-A é a vontade do eleitor. Então, há um bem protegido distinto, o que não autoriza, como isso, falar-se em potencialidade’. A distinção dos bens jurídicos tutelados é fundamental para a correta compreensão dos institutos enfocados: a representação ao art. 41-A da LE busca verificar se a vontade do eleito foi viciada ou corrompida, protegendo a liberdade de voto, ao passo que a AIJE objetiva proteger a legitimidade das eleições, preocupando-se, assim, com a lisura do pleito”. – grifei.

À luz do exposto, conclui-se que, de fato, AIRC, RCED, AIME, AIJE e Representação por Captação Ilícita de Sufrágio, seja qual for o quadro fático em que se fundam, não possuirão a tríplice identidade prevista no art. 301, § 2º, do Código de Processo Civil, seja à falta de similitude dos pedidos, seja à míngua de identidade da causa de pedir próxima.

Irretocável, pois, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral acerca da matéria.


Referências Bibliográficas

BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

CORREA, Vanderlei Antônio. Ações eleitorais: breves considerações sobre as principais demandas do processo eleitoral. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10543>, acessado em 13 de julho de 2013.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 13ª Ed. Salvador: JusPodvm, 2011.

ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 3ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.


Notas

[1] “(...) 2. A jurisprudência do TSE é de que a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral e o Recurso Contra Expedição de Diploma são instrumentos processuais autônomos com causa de pedir própria (...)Recurso especial eleitoral provido para, rejeitando a preliminar de litispendência, determinar o retorno dos autos ao TRE/RJ (...)”. – grifei

[2] “(...) 3. Ação de investigação judicial. Ação de impugnação de mandato eletivo. Recurso contra expedição de diploma. Autonomia. São autônomos a AIJE, a AIME e o RCED, pois possuem requisitos legais próprios e conseqüências distintas. (...)”. – grifei

[3] “(...) Inocorrência de litispendência, coisa julgada e conexão, pois, à evidência, muito embora exista convergência em relação ao pedido, as indigitadas representações possuem partes e causa de pedir diferentes (...)”. – grifei

[4] “(...) A eventual decisão em sede de recurso contra expedição de diploma não prejudica a representação fundada em captação ilícita de sufrágio, uma vez que, como já reiteradamente decidido nesta Corte, tais ações são autônomas, possuem requisitos próprios e conseqüências distintas, não havendo sequer que se falar em litispendência (...)”. – grifei

[5] A título de exemplo: "Conforme recentemente manifestado por este Tribunal, nos autos do RO no 3128-94/MA, em sessão do dia 30.09.2010, para que haja a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1, I, d, da LC n° 64/90, a condenação por abuso deve ser reconhecida pela Justiça Eleitoral por meio da representação de que trata o artigo 22 da Lei de Inelegibilidades, não podendo ensejar a aludida inelegibilidade o seu reconhecimento em sede de recurso contra expedição de diploma ou ação de impugnação a mandato eletivo, hipótese dos autos" (TSE. REsp n. 215159, Rel. Marcelo Ribeiro, Sessão 14.10.2010).

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[6] “A procedência do RCED, fundada em ato de abuso (art. 262, IV, do CE), importa também na sanção de inelegibilidade? Em verdade, no dispositivo de procedência do RCED, o julgador deve apenas desconstituir o diploma, sem decretar a sanção de inelegibilidade. (...) a única hipótese no direito brasileiro em que a inelegibilidade se apresenta como sanção consta no art. 22, XIV, da LC nº 64/90; nas demais hipóteses de condenação previstas na LC nº 64/90, a inelegibilidade se moldura como mero efeito do provimento condenatório, mas cujo reconhecimento deve ocorre no momento do registro de candidatura, mediante a ação de arguição respectiva. Não se despreza, contudo, que da procedência de um RCED, com fundamento em abuso de poder, por defluir potencialmente o efeito anexo da inelegibilidade (art. 1º, I, d, da LC nº 64/90), a restrição à capacidade eleitoral passiva não possa ser reconhecida em eventual impugnação futura”. (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 3ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 457). – grifei

[7] “ ´Compõem  causa petendi o fato (causa remota) e o fundamento jurídico (causa próxima)’. A causa de pedir é o fato ou conjunto de fatos jurídicos  (fato(s) da vida juridicizado(s) pela incidência da hipótese normativa) e a relação jurídica, efeito daquele fato jurídico, trazidos pelos demandante como fundamento de seu pedido”. (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 13ª Ed. Salvador: JusPodvm, 2011, p. 431) – grifei.

[8] “(...) 3. Mesmo que houvesse condenação do Recorrido, esta seria em âmbito de ação de impugnação a mandato eletivo (AIME), que não tem o condão de gerar a inelegibilidade prevista na alínea d do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, modificada pela LC nº 135/2010, o que está em consonância com o entendimento firmado por esta Corte (AgR-REspe nº 641-18/MG, Rel. Ministra LUCIANA LÓSSIO, publicado na sessão de 21.11.2012)”. (TSE. AgR-REspe nº 52658 - Campanário/MG. Acórdão de 05/02/2013. Relator(a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 44, Data 06/03/2013, Página 118). – grifei

[9] “(...). 1. A representação ajuizada com fundamento na prática de captação ilícita de sufrágio pode ser proposta até a diplomação. (...).” (TSE. Ac. de 1º.6.2010 no AgR-REspe nº 35.932, rel. Min. Aldir Passarinho Junior).

“(...) Captação ilícita de sufrágio. Possibilidade de ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral até a data da diplomação. (...)”. (TSE. Ac. de 19.8.2010 no AgR-REspe nº 35721, rel. Min. Cármen Lúcia.)

[10] ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 3ª ed. rev. e atual. Verbo Jurídico: Porto Alegre, 2012, p. 498-499.

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Sobre o autor
Guilherme Mungo Brasil

Aluno regular do Mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos (interdisciplinar) da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, pesquisando sobre a resolução consensual de conflitos coletivos. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/Minas, graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Atualmente é Analista do Ministério Público da União: Especialidade Direito, com lotação no Ministério Público Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRASIL, Guilherme Mungo. Da efetiva impossibilidade de ocorrência de coisa julgada e litispendência entre AIRC, RCED, AIME, AIJE e representação por captação ilícita de sufrágio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4070, 23 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31249. Acesso em: 22 dez. 2024.

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