INTRODUÇÃO
Ao criar os delitos tributários, o Direito Penal se viu na necessidade de evitar condutas que estavam prejudicando o Erário Público e, consequentemente, a sociedade, diminuindo assim a sonegação fiscal. Ocorre que é nítido o interesse do legislador em arrecadar mais tributos e não em punir o autor de uma conduta típica, antijurídica e culpável. A consequência disso é a utilização do Direito Penal como mero instrumento de exigir tributos. Ao analisar toda evolução histórica das leis que disciplinam o instituto da extinção da punibilidade percebe-se a sua insegurança e consequentemente profunda controvérsia doutrinária, pois conforme a necessidade o Estado foi restringindo ou ampliando a extinção da punibilidade pelo pagamento. Ademais, existe uma profunda desproporcionalidade com os crimes patrimoniais praticados sem violência. Os agentes destes crimes, quando muito, tem suas penas diminuídas ou atenuadas no momento da dosimetria da pena, caso restitua o bem a vítima. Assim, o Direito Penal Tributário apenas forçar o contribuinte a realizar o pagamento dos tributos, visto que com o pagamento extingue o direito de punir do Estado, descriminalizado a conduta ilícita do contribuinte.
1. DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO
1.1. DA NECESSIDADE DE TRIBUTAR
Com o advento do Estado Liberal liderado pela classe da burguesia, inúmeros benefícios foram conquistados, como a evolução econômica e a revolução industrial, dentre outros. Nesse contexto, o Estado era não intervencionista. Segundo Adam Smith, as intervenções na economia não eram imprescindíveis, eis que o próprio mercado possuía mecanismos próprios de regulamentação, a “mão invisível”. Desse modo, “Afirmando a existência de uma ordem natural, capaz de assegurar a harmonia espontânea de todos os interesses, Adam Smith condena qualquer intervenção do Estado[1]”.
No entanto, o poder ficou restrito a classe da burguesia, que somente visava o seus interesses. Diante dessas circunstâncias formou-se a classe dos proletariados e concomitantemente as grandes desigualdades sociais decorrentes deste sistema. Impossibilitando qualquer intervenção do Estado para modificar tais situações.
Assim, “houve uma forte pressão no sentido de o Estado sair de sua posição inerte e passar a intervir na livre iniciativa do mercado promovendo a igualdade material e protegendo os hipossuficientes[2]”.
Foi nesse contexto que no ano de 1932, o presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt ao se deparar com uma situação caótica em que encontrava o país, consequência da crise de 1929, - com altos índices de desemprego, famílias desamparadas, aumento elevado de mendigos etc. – lançou o seu programa que ficou conhecido como “NEW DEAL”. Nascia, assim, o Neoliberalismo, com políticas intervencionistas do Estado.
Neste diapasão, a Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 1º constituiu o Estado Democrático de Direito, limitando e buscando evitar a arbitrariedade do Estado, bem como garantindo os direitos humanos.
Além disso, o artigo 3º da Magna Carta trouxe como objetivos fundamentais: constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ressalte-se ainda, a previsão de um capítulo inteiro (capitulo II) reservado a garantia dos direitos sociais.
Ou seja, a Constituição Federal de 1988 constituiu a República Federativa do Brasil em um Estado Social Democrático de Direitos, fornecendo serviços que lhe é competente para prover as necessidades coletivas.
O Estado Social Democrático de Direito diante da finalidade de cumprir com todos esses objetivos fundamentais, precisa de receitas. “Tendo o Estado Democrático tomado para si a execução de tarefas necessárias ao cumprimento de sua função social, se tornou indispensável a captação de recursos para o desempenho das atividades respectivas[3]”.
Deste modo, a Constituição Federal atribuiu à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para instituir e cobrar tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições especiais) com base nos princípio da legalidade, igualdade e capacidade contributiva, sendo as principais fontes de receita pública[4].
Além disso, junto com o pagamento dos tributos, o contribuinte possui obrigações acessórias, como a finalidade de facilitar a fiscalização por parte do Estado.
Por derradeiro, o cidadão, contribuinte, deve compulsoriamente repassar uma quantia determinada por lei para o Estado, a fim de que este supra as necessidades sociais. Possuindo o tributo uma característica solidária[5].
Quando o contribuinte, não paga sua obrigação tributária, prejudica não só o Estado, como a destinação final que seria utilizada a receita, ou seja, o bem comum.
1.2. BEM JURÍDICO TUTELADO PELO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO
O Direito Penal é um ramo do Direito que possui como finalidade a proteção de bens jurídicos essenciais para a sociedade. Desse modo, prevê o crime como sendo uma conduta que a sociedade repudia e que atrapalha o bom convívio de todos.
Ou seja, todo interesse social relevante e que merece resguardo do Direito é denominado bem jurídico, no entanto somente recebe a tutela do Direito Penal os bens jurídicos vitais para sociedade. Destarte, o sentido de bem jurídico penal tem uma abrangência maior[6].
Assim, não são todos os bens jurídicos que são tutelados pelo Direito Penal, somente aqueles que o legislador entendeu com imprescindível para a convivência em sociedade[7].
Hodiernamente, diante da evolução das relações sociais, dos novos interesses e novas dificuldades, o direito penal expandiu o leque de bens jurídicos tutelados, passando a tutelar, portanto, além dos bens jurídicos vida, liberdade, honra, patrimônio, ou seja, bens jurídicos individuas, também os bens jurídicos difusos[8].
Nesse sentido:
As modificações que o capitalismo e os modelos econômicos vêm enfrentando, bem como modelo de Estado, frente às relações sociais em que vivemos, vem despertando a doutrina penal para a proteção de interesses que não são individuais, mas metaindividuais ou pluri-individuais, atingindo amplos setores da população[9].
O Direito Penal Tributário protege o patrimônio público de forma direta, mas também alcança de forma indireta diversos outros interesses sociais garantidos na Constituição Federal. Assim, o bem jurídico tutelado possui um caráter supraindividual.
Há quem entenda que o bem jurídico protegido é a ordem tributária, sendo o titular direto o Estado e o titular indireto a sociedade, eis que os beneficiados com a arrecadação são todos os seus componentes[10].
Nesse sentido, o Direito Penal Tributário passa a se importar com condutas que provocam dificuldades para a execução dos objetivos fundamentais previstos na nossa Magna Carta.
A partir da concretização da hipótese de incidência de uma obrigação tributária nasce para o Estado o direito de receber determinada quantia e destiná-la para proveito da coletividade, como saúde, segurança, educação, redistribuição de riqueza diminuindo a desigualdade social etc.[11]
Ou seja, o mero ressarcimento póstumo não é suficiente pra alcançar a proteção do bem jurídico, uma vez que o autor dos crimes tributários ao deixar de repassar fraudulentamente dinheiro aos cofres públicos está dificultando a consecução de finalidades sociais que deveriam ou poderiam ser realizadas no momento em que ocorreu a infração penal. O emprego do patrimônio público foi prejudicado, mesmo que após ocorra o pagamento[12].
Ocorre que o instituto da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo a qualquer tempo, traz divergências quanto à verdadeira função do Direito Penal nos crimes tributários e qual o bem jurídico por ele tutelado. Pois, com o pagamento posterior do tributo o autor do delito contra a ordem tributária é beneficiado com a extinção da punibilidade.
Desse modo, o bem jurídico tutelado passa a ser a arrecadação de dinheiro para os cofres públicos. Eis que a proteção do patrimônio público e indiretamente os interesses sociais são substituídos pela necessidade de arrecadar tributos reparando o dano antes sofrido, desvirtuando a função do Direito Penal de incentivar a preservação de bens jurídicos[13].
1.3. CRIMES TRIBUTÁRIOS ART. 1º DA LEI 8137/90.
O Direito Penal buscando amenizar a prática da sonegação fiscal tipificou algumas condutas como crime. Visando, assim, por meio das chamadas normas negativas buscar soluções para as fraudes e, consequentemente, para os prejuízos do Fisco. E, assim, trazendo questões administrativas para o rigorismo do Direito Penal[14].
O sujeito ativo dos crimes tributários pode ser o contribuinte, o responsável fiscal ou eventual partícipe. O necessário é que exista o elemento subjetivo do dolo, ou seja, o sujeito ativo deve ter a intenção de suprimir ou reduzir tributos, por meio de uma das condutas previstas nos incisos I a V do art. 1° da lei 8137/90[15].
Observe-se que a conduta para ser tipificada como delito tributário deve causar prejuízos ao fisco, o simples fato de omitir informação, falsificar ou alterar nota fiscal, por exemplo, não caracteriza o delito em questão e sim, eventualmente, falsidade documental ou de falsidade ideológica, conforme, respectivamente, artigo 298 e 299 do Código Penal[16].
Em outras palavras, a falsidade documental ou ideológica quando utilizada como crime meio para realizar o delito tributário será absorvida por esse, em respeito ao princípio da absorção[17].
Neste sentido:
HABEAS CORPUS. TESE DE ABSORÇÃO DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO PELO DE SONEGAÇÃO FISCAL. CONSUMAÇÃO DO CRIME FISCAL SOMENTE COM O LANÇAMENTO DEFINITIVO DO DÉBITO. FALSIDADE PRATICADA COM FIM EXCLUSIVO DE LESAR O FISCO, VIABILIZANDO A SONEGAÇÃO DO TRIBUTO. FALSO EXAURIDO NA SONEGAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. 1. O delito previsto no art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90 não se consuma com a mera inserção de informações falsas, mas com o lançamento definitivo do débito. 2. In casu, constata-se que o crime de uso de documento falso – crime meio – foi praticado para facilitar ou encobrir a falsa declaração, com vistas à efetivação do crime de sonegação fiscal – crime fim –, localizando-se na mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito-fim. 3. Constatado que o uso do documento falso ocorreu com o fim único e específico de burlar o Fisco, visando, exclusivamente, à sonegação de tributos, e que lesividade da conduta não transcendeu o crime fiscal, incide, na espécie, mutatis mutandis, o comando do Enunciado n.º 17 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, ad litteram: "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido", aplicando-se, portanto, o princípio da consunção ou da absorção. 4. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal pelo crime previsto no art. 304, c.c. o art. 299, ambos do Código Penal[18].
Vale ressaltar que se o contribuinte apenas declarar e não pagar causando prejuízo para o fisco, também não caracteriza um ilícito penal. O núcleo do tipo é suprimir ou reduzir tributos[19].
Alguns autores entendem ser impossível suprimir ou reduzir tributo, já que essa seria uma tarefa do legislativo. Ocorre que o verbo suprimir tributo é utilizado como forma do agente, por um ato fraudulento, afastar da realidade do fisco o fato gerador causador de uma obrigação tributária. E, desse modo, deixa de pagar, pois o fico não tem conhecimento da hipótese de incidência concretizada pelo sujeito ativo[20].
Já o verbo reduzir significa que o agente trará de forma fraudulenta um fato gerador de uma obrigação tributária de valor econômico inferior ao que deveria pagar e em razão disso paga menos.
Assim, o contribuinte que não realiza o pagamento ou contribui apenas parte do tributo em nenhum momento suprimiu ou reduziu o tributo, porquanto este ainda será suscetível de ser cobrado pelo órgão fiscalizador.
Outro aspecto relevante ao tratar dos crimes tributários é a Súmula 24 do STF[21]. O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que para iniciar a ação penal o lançamento deve ser definitivo, ou seja, o crédito tributário deve ser definitivamente constituído. Caso ao contrário, poderia haver condenação na esfera penal sem existir crédito tributário constituído na esfera administrativa[22].
Ressalte-se, ainda, que caso haja alguma nulidade do processo ou decadência, não configurará o delito em questão[23].
Desse modo, caso ainda esteja em discussão à constituição do crédito tributário, o Ministério Público deverá aguardar a decisão definitiva do processo administrativo, para então, oferecer denúncia, sob pena de ser rejeitada por falta de justa causa. A materialidade é comprovada pela autoridade administrativa competente. “Em outras palavras, a propositura da ação penal por crimes contra a ordem tributária depende do prévio exaurimento da via administrativa[24].”
2. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO
2.1. CONCEITO E FINS DA PENA
A pena é um instrumento que o Estado tem em seu poder para manter a ordem na sociedade. Destarte, com a prática de uma conduta prescrita na norma penal nasce pra o Estado o direito de punir[25].
Três são as principais correntes doutrinárias a respeito da natureza e dos fins da pena. Quais sejam, absolutas (retribuição), relativas (Utilitárias) e mistas (ecléticas)[26].
Os seguidores das teorias absolutas ou retributivas da pena entendem a pena como um “mal”, um “castigo” que deve ser aplicado em face do autor de um delito, retribuindo, assim, o mal ocasionado[27].
Desse modo, para essas teorias a única finalidade da pena é buscar equilibrar a balança da justiça no sentido de que o infrator deve receber a pena compensando o seu comportamento ilícito anteriormente realizado[28].
As teorias absolutas em nenhum momento pensam na reintegração do infrator em sociedade, tampouco se preocupam com prevenção de futuros delitos[29].
Já as teorias relativas, entendem que a pena deve ser útil para a sociedade, visando, deste modo, a prevenção de novos delitos e consequentemente garantindo a convivência das pessoas em sociedade. Tendo em vista seu caráter utilitário, beneficiando a sociedade. É conhecida, outrossim, com teorista utilitarista[30].
Essa teoria se divide em duas vertentes: prevenção geral e prevenção especial. Diferenciam-se em razão do destinatário enquanto a Geral é o coletivo social; na Especial, o destinatário é o autor do comportamento ilícito. Ambas se subdividem em Positiva e Negativa[31].
- A Prevenção Geral Negativa entende que a finalidade da pena é ameaçar os cidadãos da sociedade, de modo que se sintam coagidos psicologicamente e, consequentemente, não venham a praticar futuros crimes. Os cidadãos ficam intimados com a pena, percebendo que os benefícios do delito não são suficientes para os malefícios consequentes da pena.
- A Prevenção Geral Positiva tem como finalidade ensinar a população, compor o ordenamento jurídico. A pena é utilizada para pacificar o conflito ocorrido em razão da pratica do delito, mostrando a reprovação ética da conduta que violou a norma.
Em relação ao tema tratado,
Diz Claus Roxin acerca da prevenção geral positiva: “(...) tampouco se pode entender aqui este conceito no sentido de mera intimidação, senão que se deve adicionar o significado, mais amplo, de salvaguarda da ordem jurídica na consciência da comunidade (...) Se a comunidade jurídica uma vez deixar passar em branco um roubo ou um assalto a um banco, todo futuro ladrão ou assaltante poderia alegar em seu favor que ele também poderá cometer pelo menos um fato desse tipo sem ser castigado, com isso com o tempo, o ordenamento jurídico restaria derrogado[32].
- A Prevenção Especial, igualmente como a Geral, é subdividida em negativa e positiva, entretanto elas caminham justas uma não anula a outra, depende da possibilidade de corrigir ou não o delinquente. A atuação dessas teorias é em face do autor do delito e não da sociedade[33].
A prevenção especial negativa – proposta por VON LISZT- entende que ao se deparar com o indivíduo incorrigível, deve buscar retirá-lo da sociedade, pois este é incapaz de ser inserido novamente na sociedade. Já a prevenção especial positiva tem como finalidade reintegrar o autor do comportamento ilícito na sociedade, buscando alternativas para o ressocializar e evitar a sua reincidência[34].
Fundindo as teorias absolutas e relativas, criam-se as teorias mistas afirmando que a pena é a retribuição da culpabilidade com função não somente de prevenção, mas também reabilitadora.
A princípio, nós poderíamos dizer que a pena no Direito Penal Tributário adotou a Teoria Preventiva Geral Negativa, ou até mesmo a Positiva. Mas com o benefício da Extinção da Punibilidade, tais teorias não são efetivamente adotadas.
Nesse sentido: “O objetivo dos preceitos do Direito Penal Tributário é o de forçar o contribuinte recalcitrante a efetuar o pagamento do tributo. O bem jurídico por eles tutelado é o erário[35]”.
Como veremos, a pena no Direito Penal Tributário tem por finalidade apenas forçar o contribuinte a realizar o pagamento dos tributos, visto que com o pagamento do tributo extingue o direito de punir do Estado, descriminalizando a conduta ilícita do contribuinte. Percebe-se que a função da pena acaba não seguindo nenhuma dessas teorias.
2.2. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
Com a prática de um crime, ou seja, com a realização de uma conduta típica, antijurídica e culpável, nasce para o Estado, por meio do Direito Penal, o direito de punir o infrator, aplicando a ele uma sanção[36].
O legislador cria um modelo abstrato de conduta reprovável e no preceito secundário fixa um quantum variável de pena que será aplicada a quem violar a norma no caso concreto. Desse modo, sempre que alguém violar uma norma será merecedor de uma pena. No entanto, o próprio legislador criou limites o “jus puniendi” do Estado[37].
Dessa forma,
Diz Hans J. Hirsch: “diferentemente da exculpante (excludente de culpabilidade), as causas de exclusão de pena tão somente se referem a critérios que, com independência de se ter constatado os três elementos gerais do delito, levam o legislador, com base em considerações especificas de política do Estado ou Criminal, a prever um ulterior obstáculo de exceção à geração ou existência do jus puniendi” [38].
Destarte, existem algumas contingências que podem ocorrer após a prática do delito que extingue a punibilidade do Estado, ou seja, o crime existe, o autor merece ser punido, mas por uma razão de necessidade ou de política criminal o Estado não aplica a pena. Assim,
o pagamento voluntário do tributo, que antigamente deveria ser apresentado antes da denúncia nos delitos tributários (art. 34 da Lei 9.249/1995 com relação aos crimes contra a Ordem Tributária previstos na Lei 8.137/1990) e atualmente pode ser feito a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado de sentença condenatória (art. 9.º,§2.º da lei 10.684/2003) e que supõe outra causa de extinção da punibilidade, que corresponde a estratégia do governo de premiar a regularização tributária que se realiza espontaneamente. Com esta disposição procuram-se objetivos de política tributária[39].
As causas excludentes de punibilidade estão previstas na parte geral art. 107 e incisos do Código Penal, podendo, também, serem encontradas na parte especial, bem como em leis especiais penais esparsas[40].
2.3. HISTÓRICO DAS LEIS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS
A primeira lei especificando os crimes tributários é a 4.729. Surgiu em 1965 e já previa em seu artigo segundo a extinção da punibilidade por meio do pagamento do débito antes da ação fiscal começar[41]. Em 1967, o decreto lei n°157/67 prolongou o prazo da extinção da punibilidade para o momento posterior ao julgamento administrativo de primeira instância[42].
Sobreveio, depois, a lei 8.137 de 1990 que define, atualmente, os crimes contra ordem tributária. Esta estabelecia em seu artigo 14 a extinção da punibilidade com o pagamento dos tributos antes da denúncia, estendendo ainda mais o prazo[43]. No entanto, o artigo 14 foi revogado pela lei n. 8.383 de 1991, a qual impediu completamente a extinção da punibilidade. Tal lei representava o auge de um movimento de punição das condutas capazes de prejudicar o Fisco[44].
Não perdurou por muito tempo, sendo restaurada a extinção da punibilidade pelo pagamento pelo artigo 34 da Lei 9.249/95 “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na lei n° 8137, de dezembro de 1990, e na lei n° 4729, de14 de julho de 1965, quando o agente promover o tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
Em 2000 ocorreu outra mudança, foi instituído pela lei n. 9.964 o programa de recuperação fiscal - conhecido como REFIS - estabelecendo a suspensão da punibilidade nos crimes previstos na lei desde que a inclusão dos créditos se dê antes do recebimento da denúncia e somente poderiam ser tributos vencidos até 29-02-2000. A prescrição também era suspensa. Tal regulamento ainda previa hipótese de extinção da punibilidade com o pagamento total dos créditos parcelados na forma do caput do artigo 15 desta mesma lei[45].
Em razão de diversos inadimplementos do REFIS e a necessidade de obter recursos foi editada a lei n. 10.684/03 dispondo sobre um novo parcelamento. O prazo para requerer o parcelamento era até o último dia do segundo mês subsequente ao da publicação desta lei. Essencial nesse novo parcelamento, denominado REFIS II ou PAES, é que o artigo 9º “caput” eliminou a condicionante antes da denúncia. E além das causas de extinção pelo parcelamento criou uma causa extintiva da punibilidade no pagamento, a qualquer tempo, dos créditos tributários, conforme artigo 9º §2º da lei 10.684/03 [46].
O referido dispositivo somente trata do pagamento em decorrência do parcelamento, entretanto se o pagamento fosse à vista, em qualquer tempo logicamente acarretaria, também, a extinção da punibilidade. Assim, houve revogação do artigo 34 da lei 9.249/95 que determinava o pagamento antes da denúncia[47].
Neste diapasão,
Inicialmente, no ano de 1995, no artigo 34 da lei nº 9.249 dispunha sobre a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, para o caso de pagamento do débito antes do recebimento da denúncia, como forma de incentivo governamental à quitação dos tributos. Ocorre que, em 2003, a lei nº 10.684 foi além, possibilitando o parcelamento do débito tributário como gerador da suspensão de pretensão punitiva (suspendendo igualmente a prescrição), sem qualquer limite temporal. Ademais, realizado o pagamento integral, haveria extinção da punibilidade. Com base nessa legislação, os Tribunais passaram a estender a tal hipótese à liquidação do débito tributário, pois se o parcelamento feito a qualquer tempo poderia acarretar a extinção da punibilidade quando da quitação integral, ainda com mais razão caberia tal consequência para o simples pagamento, o que afastava a aplicação do artigo 34 da lei n° 9.249/95[48].
Posteriormente, houve novas alterações com artigos 67 a 69 da lei n. 11.941 de 2009 retornando àquela situação regulada pela lei n. 9.964/2000 que instituiu o REFIS I, já que o artigo 69 faz relação à extinção da punibilidade com o pagamento integral dos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
No entanto, pela interpretação sistemática do ordenamento chega-se à conclusão que exclui a punibilidade criminal com o pagamento, a qualquer tempo, do débito tributário incluído ou não no regime de parcelamento[49].
Por derradeiro, a Lei n. 12.382/2011 inseriu novas normas de suspensão e extinção da punibilidade pelo pagamento, tornando a legislação específica cada vez mais obscura. Esta lei condicionou a suspensão da punibilidade aos crimes que estiverem incluídos no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido realizado antes do recebimento da denúncia criminal, retornando o marco processual do recebimento da denúncia.
Nesse sentido,
Portanto parece razoável afirmar que a nova lei condiciona a suspensão da pretensão punitiva ao parcelamento feito antes do recebimento da denuncia. Já o pagamento direito (sem parcelamento) ainda é regulado pelo artigo 9,§ 2º da lei 10.684/03 por não ter sido revogado expressamente pela lei 12.382/2011[50]
Deste modo, tal diploma não revogou o § 2º do art. 9º da Lei n. 10.684/03, eis que trata apenas de suspensão do credito tributário, nada falando sobre a extinção da punibilidade pelo pagamento. Uma vez que o pagamento direto difere-se do pagamento em decorrência de parcelamento[51].
Hodiernamente, o pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a punibilidade do Estado[52].
2.4. PARCELAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO – REFIS
O programa de parcelamento, denominado de REFIS é destinado a promover a regularização de créditos tributários, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, possibilitando que o devedor recolha mensalmente um “quantum”. Assim, quando o contribuinte adere ao programa, parcelando sua dívida, ocorre a suspensão da pretensão punitiva do Estado[53].
Deste modo, o Estado está condicionado ao parcelamento só podendo processar ou voltar a processar criminalmente o contribuinte, caso haja inadimplemento deste. Vale ressaltar, que o prazo prescricional também suspende.
Percebe-se que até antes do ano de 2000 não havia menção alguma do parcelamento do débito, tão somente na extinção pelo pagamento. Não tendo, pois, o parcelamento nenhum efeito penal[54].
O STJ começou a entender que o parcelamento do débito antes da denúncia era apto para extinguir a punibilidade, aplicando-se, assim, o artigo 34 da lei 9.249/95.
PENAL. HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 41 DO CPP. DELITOS SOCIETÁRIOS. EXAME DE PROVA. IMPROPRIEDADE DO WRIT. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90. PARCELAMENTO DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. - Não é inepta a denúncia que descreve fatos que, em tese, apresentam a feição de crime e oferece condições plenas para o exercício de defesa. - Se para o deslinde da questão é necessário o revolvimento da prova condensada no bojo dos autos, o tema situa-se fora do alcance do habeas-corpus, que não é instrumento processual próprio para se obter sentença de absolvição sumária. - Em sede de crime contra a ordem tributária, ocorre a extinção da punibilidade com a concessão do parcelamento da dívida pela Administração antes do recebimento da denúncia, nos termos do art. 14, da Lei nº 8.137, de 1990, revigorado pelo art. 34, da Lei nº 9.249, de 1995. - Para a caracterização do crime em tela, é necessária a presença do dolo específico, ou seja, o ânimo de furtar-se ao cumprimento da obrigação tributária, inexistente na hipótese em que o contribuinte celebra com a Administração acordo de pagamento parcelado da dívida, resultando atípica a conduta imputada. - Recurso ordinário provido. Habeas-corpus concedido[55].
No entanto, o STF mantinha o entendimento de que o parcelamento não possuía nenhum reflexo na seara Penal[56].
Nesse sentido:
“A simples obtenção de parcelamento administrativo não é causa de extinção da punibilidade. Benefício que só se assegura quando a dívida for integralmente satisfeita, antes do recebimento da denúncia. Lei n.º 9.249/95, art. 34. 6. Na hipótese, o débito só foi quitado após confirmação da sentença pelo Tribunal de Justiça. 7. Habeas corpus indeferido e cassada a liminar [57]”.
Como já mencionado no tópico anterior, o Programa de Recuperação Fiscal só foi criado em 2000 pela lei 9.964 denominada “Lei do Refis” sofrendo alterações com o PAES (Plano de Parcelamento Especial), pela lei 10.684/03 e posteriormente sofreu mudanças pela Lei n. 11.941 de 2009, oriunda da medida provisória nº 449/08 denominado “ Refis da Crise”.
Por fim, para causar mais confusão na legislação sobre o assunto foi criada a lei nº 12.382/2011, a qual foi entendida na doutrina e jurisprudência que apenas regula sobre o parcelamento do credito tributário, não revogando o § 2º do artigo 9º da Lei nº 10.684/2003[58].