Resumo: A presente investigação tem por escopo desvelar a intrincada relação entre direito penal e meio ambiental, mais especificamente no que tange aos crimes comissivos por omissão na tutela do patrimônio cultural. Os dispositivos descritos o art. 62 até 65 da Lei n.° 9.065/98, tratam dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio histórico. Enquanto a Itália possui um Código do Patrimônio Cultural e da Paisagem, o legislador pátrio reservou apenas 4 (quatro) dispositivos para tutelar tão importante instituto do Direito Ambiental. A exiguidade legislativa não é indicativo de pequena complexidade. Pois, o Estado, que tem o dever jurídico de tutela, mostra-se, em hipóteses especiais, como garantidor do patrimônio cultural; e, como tal, tem responsabilidade penal também nos crimes comissivos por omissão. Os mecanismos próprios do direito penal, são facilitadores na execução da sentença penal ambiental, garantindo assim, maior efetividade na contraprestação estatal e na proteção do meio ambiental ecologicamente equilibrado.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Tutela Penal. Omissão Estatal. Crimes por omissão. Dever Jurídico. Garantidor. Integração normativa. Meio Ambiente.
Sumário: 1. Introdução; 2. Tutela do Patrimônio Cultural e Urbanístico; 3. O abandono de bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro; 4. O Poder Público como garantidor do Patrimônio Cultural; 5. Crimes comissivos por omissão na tutela do Patrimônio Cultural e Urbanístico. 6. Execução Judicial em Matéria Ambiental; 7. Conclusões;
1.) Introdução:
O texto legislativo, sozinho, realmente não leva a lugar nenhum, contrariamente ao que insinua e advoga o saber convencional. No direito ambiental, devemos enfaticamente rejeitar a tese de que a lei, como manifesto final do legislador, já nasce adulta. Nas palavras de Roscoe Pound, ainda no inicio do Século XX e com apoio nos alemães, o Direito sempre esteve e sem dúvida sempre estará em processo de vir a ser. Se não bastasse tal sábia lição, a realidade do fenômeno jurídico nos ensina que a promulgação, como momento formal, nada mais representa que o ponto inicial e uma trajetória, que pode ser curta ou longa, tranquila ou tumultuada, cara ou barata, democrática ou autoritária, efetiva ou inoperante, mas sempre prisioneira da sua implementação. (BENJAMIN, 1993)
Explica MIRRA (1999), origem do problema, segundo nos parece, está no fato de que, conforme tem sido apontado pela doutrina especializada, o Estado, em relação ao meio ambiente, desempenha muitas vezes papéis ambíguos e contraditórios. Com efeito, se, por um lado, o Estado é o promotor por excelência da defesa do meio ambiente na sociedade, ao elaborar e executar políticas públicas ambientais e ao exercer o controle e a fiscalização das atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, por outro lado, ele aparece, também, em muitas circunstâncias, como responsável direto ou indireto pela degradação da qualidade ambiental, ao elaborar e executar outras políticas públicas - notadamente aquelas relacionadas com o desenvolvimento econômico e social -, ao exercer atividades empresariais como se fosse um particular, ou, ainda, ao omitir-se no dever que tem de fiscalizar as atividades que causam danos ao ambiente e de adotar as medidas legislativas e administrativas necessárias à preservação da qualidade ambiental
Por isso a crítica de Lenio Streck (2009), torna-se imprescindível discutir a crise do Direito, do Estado e da dogmática jurídica, e seus reflexos na sociedade, a partir do papel da justiça constitucional. Com efeito, preparado/engendrado para o enfrentamento dos conflitos interindividuais, o Direito e a dogmática jurídica (que o instrumentaliza) não conseguem atender as especificidades das demandas originadas de uma sociedade complexa e conflituosa (J.E Faria). O paradigma (modelo/modo de produção de Direito) liberal-individualista-normativista está esgotado. O crescimento dos direitos transindividuais e a crescente complexidade social (re) clamam novas posturas dos operadores jurídicos.
Segundo Machado (2014), o art. 225, § 3.°, da CF fez uma clara diferença entre reparar os danos causados ao meio ambiente e sancionar administrativa e penalmente condutas e atividades prejudiciais ao meio ambiente. A reparação - de natureza civil – independe de culpa do autor da ação ou da omissão; já a cominação de sanção penal ou administrativa requer a demonstração de culpa. A Lei 9.605/1998 prevê penas restritivas de direito, que incluem a restauração “de coisa particular, pública ou tombada” (art. 9.°) e a execução de obras de recuperação de áreas degradadas (art. 23, II). Os procedimentos penal e administrativo ambiental empregam uma técnica probatória quanto ao ônus da prova diferente do procedimento civil, ainda que os objetivos possam ser os mesmos – reparar o dano causado.
O problema da tutela penal ambiental está na aparente ausência de texto legislativo específico para as - não comuns hipóteses de omissão Estatal.
Indiscutível, o legislador foi extremamente econômico ao tratar do tema ordenamento urbano e patrimônio cultural; pois, reservou, apenas 4 (quatro) dispositivos legais para tratar de tema extremamente abrangente.
E não é só, a legislação, aparentemente, não tratou das hipóteses dos crimes comissivos por omissão no que diz respeito ao patrimônio cultural. Sim, destacamos o termo aparentemente, pois tais ilícitos comissivos impróprios (ou impuros), precisam da integração do art. 13, § 2.°, do Código Penal (postulado normativo aplicativo), para a sua incidência.
2.) Tutela PENAL do Patrimônio Cultural e urbanístico:
pontificou com precisão MACHADO (2014), ao mencionar que “Patrimônio” é um termo que vem do Latim patrimonium. Seu primeiro significado é “herança paterna”, pois está ligado a pater – pai; ou, de forma um pouco mais ampla, “bem de família”, ou “herança comum”. O conceito de patrimônio está ligado a um conjunto de bens que foi transmitido para a geração presente. O patrimônio cultural representa o trabalho, a criatividade, a espiritualidade e as crenças, o cotidiano e o extraordinário de gerações anteriores, diante do qual a geração presente terá que emitir um juízo de valor, dizendo o que quererá conservar, modificar ou até demolir. Esse patrimônio é recebido sem mérito da geração que o recebe, mas não continuará a existir sem seu apoio. O patrimônio cultural deve ser fruído pela geração presente, sem prejudicar a possibilidade da fruição da geração futura.
No caso o bem jurídico tutelado é a preservação do patrimônio cultural, consoante o destaque dado pelo art. 216 da Carta Magna. [1]
A Convenção da UNESCO de 1972 procurou tratar dois tipos de patrimônio, o cultural e o natural, conforme destacou KISS, 1992 apud MACHADO, 2014, p.1106-7:
Patrimônio cultural – os monumentos: obras arquitetônicas, esculturais ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da História, da Arte ou da Ciência; os conjuntos: grupos de construções, isoladas ou reunidas, que, em razão de sua arquitetura, de sua unidade, ou de sua integração na paisagem, tenham valor universal excepcional do ponto de vista da História, da Arte ou da Ciência; os sítios: obra do homem ou obras conjugadas do homem e da Natureza, assim como as zonas, compreendidos os sítios arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da História, da Arte ou da Ciência. Patrimônio natural – os monumentos naturais constituídos por formações físicas ou biológicas ou por grupos de tais formações que tenham valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico; as formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas constituindo habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da Ciência ou da conservação; os sítios naturais ou zonas naturais estritamente, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da Ciência, da conservação ou da beleza natural”
Após conceituar o patrimônio cultural na cabeça do art. 216, o constituinte houve por bem em arrolar as diversas maneiras pelas quais o patrimônio cultural poderá se manifestar. O art. 216 se desdobra em 5 (cinco) incisos, sendo que a lista dos bens neles previstos é exemplificativa, admitindo-se a inclusão de outros tipos.
O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (art. 216, § 1.°, da CF).
Para dinamizar nosso trabalho daremos foco, especificamente num meio de promoção e proteção do patrimônio cultural: o tombamento.
Salienta MACHADO (2014) que não há qualquer vedação constitucional a que o tombamento seja realizado diretamente por ato legislativo federal, estadual ou municipal. Como acentua Pontes de Miranda, “basta para que o ato estatal protetivo – legislativo ou executivo, de acordo com a Lei – seja permitido”. O tombamento concreto de um bem oriundo diretamente da lei pode ficar subordinado somente ao conteúdo dessa lei ou às normas já estabelecidas genericamente para a proteção de bens culturais. O tombamento não e medida que implique necessariamente despesa; e; caso venha o bem tombado a necessitar de conservação pelo Poder Público, o órgão encarregado da conservação efetuará tal despesa, proveniente de seu orçamento.
A responsabilidade administrativa pelas ações ou omissões do Estado, quanto a gestão dos bens públicos tombados, estão bem definidos em lei.
Explica MACHADO (2014), que a gestão dos bens públicos tombados está sujeita aos mesmos deveres e direitos que a dos bens privados – art. 17, parágrafo único, do Decreto-lei 25/1937. Segundo essa norma, a punição das autoridades responsáveis por infrações nelas recairá pessoalmente. Contudo, o art. 37, § 6.º, da CF diferencia a responsabilidade pessoal dos agentes públicos, ao dizer que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Assim, a responsabilidade da Administração Pública é objetiva, e a das autoridades responsáveis é subjetiva, pois para ser caracterizada há necessidade de provar o dolo ou a culpa.
Definidas as regras de tutela do patrimônio cultural brasileiro, interessante ressaltar a resposta da legislação penal, imputando ao Estado, a, função que garantidor, frente ao problema comum do abandono de bens culturais.
3.) O abandono de bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro e o chamado estado teatral:
A Constituição Federal (arts. 215 e 216) e a legislação intra-constitucional específica (Decreto-Lei 25/37) impõem ao Poder Público a proteção do patrimônio cultural, como a preservação de bens e valores de relevância histórica, artística, estética, turística, paisagística e arquitetônica.
Salienta (MIRRA, 1999) que os Estados e, sobretudo, os Municípios resistem muito em utilizar o tombamento para a proteção desses bens, que, não raras vezes, pertencem aos particulares. Ainda assim, nas hipóteses em que a proteção administrativa sobrevém e o bem acaba por ser tombado, em boa parte dos casos, após a efetivação formal do processo na esfera administrativa, o resultado prático, notadamente quando se trata de imóveis, é o abandono do bem até a sua deteriorização, sem providências concretas de conservação. Em todos esses exemplos, em que se constata a omissão de providências administrativas protetivas do meio ambiente e de bens ambientais específicos, surge a questão da superação da inércia da Administração Pública pela via jurisdicional.
Com efeito, diante de omissões dos órgãos administrativos na proteção do meio ambiente, como as acima relatadas, redobra a importância de se cotejar a Legislação Constitucional e infraconstitucional de tutela do patrimônio cultural, e, a sua harmonização com os dispositivos penais da Lei n.° 9.065/1998 em face do art. 13, § 2.º do Código Penal.
É notório que somente com a responsabilização penal da Administração, será superada a questão do abandono do patrimônio cultural. Trazemos como exemplo uma infinidade de imóveis tombados, sejam privados ou públicos, que hodiernamente vem sendo dilapidados, ao contrário do que determina a legislação. Isso, sob os olhos atentos de uma gama difusa de pessoas, que queda-se inertes, ao a omissão Estatal.
Consoante definimos no capítulo anterior, o Estado, sobretudo como “garantidor por excelência” dos imóveis tombados por força de lei, tem o dever jurídico de preservar essa patrimônio cultural, garantido o seu acesso e uso para a presente e futuras gerações.
Quando o Estado como o (non facere), permite que um imóvel (tombado), com altíssimo valor cultural, seja deteriorado pelo tempo ou pela ação de terceiros, estando, vinculado, por força de lei, e, erigido, portanto, ao patamar de garantidor, inexoravelmente, incide a regra do art. 13, § 2,°, do Código Penal em conjunto com os artigos 62 usque 65 da Lei 9.065/98 (ante o caso concreto).
A incidência e efetiva aplicação do Direito Penal, como objeto simbólico, é ferramenta importante na tutela e defesa do patrimônio cultural e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente no que tange aos crimes omissivos (comuns omissões estatais).
O Direito Penal (ultima ratio), é um ramo do Direito, pelas suas características peculiares, que tem a capacidade de movimentar a máquina Estatal, sobretudo na hipótese em estudo, quebrando-se a inércia.
4.) O Poder Público como garantidor do Patrimônio CULTURAL E URBANÍSTICO
Explica BARROS (2006) que nos crimes omissivos impróprios (impuros, espúrios ou comissivos por omissão) o núcleo do tipo é uma ação, mas a tipicidade compreende também a conduta daquele que não evitou o resultado, por atuação ativa. A tipicidade consiste na violação do dever jurídico de impedir o resultado.
É o chamando non facere.
O dever jurídico, específica o § 2.° do art. 13 do Código Penal Brasileiro, incumbe a quem:
a.) tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b.) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c.) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Só pode ser autor de crime aquele que tem o dever jurídico, emanado de uma das três situações acima mencionadas. Trata-se de rol taxativo, que não pode ser ampliado a outras hipóteses ali não contempladas, pois é inadmissível a analogia in malam partem. Convém lembrar, porém, que a flexibilização das alíneas b e c conferem ao magistrado o poder de complementar a tipicidade dos crimes omissivos impróprios. Trata-se, como se vê, de tipos penais abertos (BARROS, 2006).
Chama atenção a argumentação de RIEGER, quando questiona o princípio da legalidade e os crimes omissivos impróprios, senão vejamos:
A responsabilização por um delito omissivo impróprio enseja fundadas dúvidas acerca do respeito ao princípio da legalidade e parece violentar a ideia da interpretação restritiva da lei penal. Isso porque, como se observou, esses delitos não estão expressamente previstos na legislação, advindo a responsabilização do sujeito da simples equiparação como crimes comissivos ou, ainda, da combinação de dispositivos legais (o tipo legal do crime comissivo e a norma de extensão que equipara a omissão à ação). Como consequência disso, condutas inicialmente atípicas ou caracterizadoras de um delito de omissão própria tornam-se crimes omissivos impróprios respondendo omitente como se tivesse agido. (destaquei)
Nesse particular compartilhamos com o entendimento de Juarez Tavares que salienta que os crimes omissivos impróprios são compatíveis com o princípio da legalidade.
Registra que a solução mais adequada, mais consentânea como o princípio da legalidade, seria, sim, a “tipificação expressa”, mas observa que tal solução só é admitida de lege ferenda, pois implica a tipificação de diversas condutas. No momento, sem essa alteração legislativa, sem novas tipificações, o autor considera necessário combinar conteúdo da posição de garantia com aquelas exigências formais do art. 13, § 2.°, do Código Penal. Afora isso, Juarez Tavares considera imprescindível demonstrar que “[...] o sujeito se encontra em situação real de possibilidade de atender ao dever ou, ainda, quando da ingerência, que a conduta anterior, geradora do perigo para o bem jurídico, tenha ela mesmo violado um dever de cuidado (RIEGER, 2011).
Crime contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural – desabamento parcial de bem tombado pela má conservação [...] Possibilidade de configuração do crime por conduta omissiva de quem tinha o dever de agir – Possibilidade de configuração do crime por conduta omissiva de quem tinha o dever de agir – Inteligência do art. 13, § 2.°, do CP - Responsabilidade penal configurada pela demonstração de ciência da ré de que se tratava de bem tombado e de que precisava de obras de manutenção/reparo[2].
O Poder Público, na questão que estamos tratando, é o garantidor por excelência, na hipóteses taxativas descritas na lei.
5.) Crimes comissivos por omissão na tutela do Patrimônio cultural e urbanístico:
Segundo MANTOVANI apud RIEGER (2013), enquanto o direito penal da ação reprime o mal, o direito penal da omissão busca, persegue, o bem.
Para conferir dignidade dogmática ao estudo proposto estabelecemos algumas premissas essenciais: a.) por força de lei, o Estado é garantidor por excelência, nos termos do art. 13, § 2.°, do Código Penal; b.) limitando-se, ao caso de bens especialmente protegidos; c.) apontamos o tombamento como bem especialmente protegido por lei, para restringir o estudo; d.) especificamos que o Estado comumente falha com o dever garantia; e.) observamos que as omissões estatais encontram sanções em matéria ambiental penal, por falta de suporte normativo; f.) defenderemos a integração do art. 13, § 2.º, do Código Penal aos tipos descritos nos artigos 62 até 65 da Lei n.° 9.065/98, como forma de tutela penal ambiental, solucionado a questão dos crimes comissivos por omissão contra o patrimônio cultural.
A partir de agora, analisaremos artigo por artigo, fazendo à subsunção a integração normativa segundo a teoria apresentada.
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar [3]:
I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção, sem prejuízo da multa.
Quando o crime é doloso (eventual ou alternativo), as soluções jurídicas possíveis estão diretamente lançadas no corpo dessa norma.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o proprietário do bem especialmente protegido.
A questão passa apresentar certa complexidade quando o delito é omissivo.
Destruir (arruimar, demolir, assolar); inutilizar (tornar inútil, imprestável); e, deteriorar (estragar, corromper, desfigurar) – são tipos auto explicativos, e, que pressupõe um conduta ativa.
Quando um desses verbos típicos se conjugam através de uma conduta omissiva, o texto legal, que transcrevemos, silencia a respeito. Salvo, na hipótese de interpretação conjunta com o art. 13 § 2.°, do Código Penal, onde, o Ente Estatal, garantidor, não poderá justificar seu estado teatral, e, efetivamente será responsabilizado pelo non facere [4], respondendo, como se tivesse feito, segundo a teoria-normativa da figura do garantidor.
Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida[5]:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Explica (FREITAS; FREITAS, 2006) que alteração, consiste na modificação ou desfiguração da aparência, do aspecto ou da estrutura, consistente na sua composição, de edifício ou local protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida. Esta última modalidade constitui uma forma qualificada de desobediência, pressupondo que o agente tenha obtido a autorização para alterar a feição ou estrutura da edificação ou local protegido e não tenha obedecido às regras impostas.[6]
Nenhum imóvel tombado, sob a tutela do Estado, na especial condição de garantidor, poderá ter alterado seu aspecto ou estrutura. Sob a ótica do dolo, vontade livre e consciente de fazer a questão mostra-se simples. Todavia, quando enfrentada sob a vertente do crime comissivo por omissão, se iniciam as controvérsias.
Se ocorrer a alteração de aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido, sem a autorização judicial, aquele que realizou a ação de alterar responderá pelo ilícito. E quando, essa alteração passa a ocorrer em razão da omissão. Verifica-se, com clareza, que o tipo penal em cotejo silencia completamente nesse particular.
Imaginemos dois exemplos, um nacional e outro internacional. O Estádio do Pacaembu (tombado em 1998), terá sua fachada alterada em razão da poluição de São Paulo, pois a chuva ácida e a ação de sólidos suspensos no ar, alteram a cor do concreto armado, danificando, por conseguinte, seu aspecto original. O exemplo dado, encontra paralelo no processo do Taj Mahal na Índia, onde a qualidade enorme de indústrias que utilizavam como combustível a queima de carvão, alteraram o aspecto daquele monumento, alterando a coloração da fachada de mármore branco brilhante.
Foi necessário um grandioso processo para fechar e deslocar a maior parte daquelas indústrias para fora do triangulo do Taj, há 80 (oitenta) quilômetros de distância.[7] Sendo assim, qualquer omissão do Garantidor, que venha a redundar em alteração em aspecto ou estrutura de local especialmente protegido, responderá penalmente conjugando a figura típica do art. 63, da Lei n.° 9.065/1998 cumulado com o postulado normativo integrativo do art. 13, § 2.°, do Código Penal.
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológio, etnográfico ou monumental, sem autorização competente ou em desacordo com a concedida[8]:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Nos dias hodiernos, extremamente importe o enfrentamento dessa questão, face aos postulados constitucionais, infra-constitucionais e os mecanismos de tutela penal ambiental.
Chama atenção para essa problemática (FREITAS; FREITAS, 2006), quando salienta que os abusos são incontáveis. Os grandes centros, em sua maioria, cresceram sem uma planificação mais séria, com reduzidas áreas verdes e total desprezo pelas consequências de tal conduta no homem. As cidades litorâneas receberam, e ainda recebem em alguns casos, grande edifícios sem a necessária estrutura e até mesmo sem sistema de esgoto. Cidades serranas vêem condomínios em total desacordo com o local. Tudo é feito em nome de um discutível progresso e com o inconfessado objetivo do lucro a qualquer custo.
Por todo o Brasil, assistimos a expansão e invasão de conglomerados humanos (formação de favelas) em áreas de especial proteção, como sítios arqueológicos de interesse paleontológico (animais e vegetais de épocas pretéritas – fósseis), geológico (conservação do subsolo e das reservas naturais), e, áreas de preservação permanente.
A perplexidade reside no fato de que a fiscalização e ação Estatal agem, no sentido, de responsabilizar penalmente indivíduo por indivíduo.
O dispositivo em cotejo silencia completamente no que tange a efetivação da figura do crime comissivo por omissão por parte do garantidor, configurando-se somente na hipótese da aplicação da figura equiparada.
A bem da verdade, o Estado, garantidor, quando se omite, e, ocorre a promoção de construção em solo não edificável, ou no seu entorno (formação ou não de conglomerados humanos - favelas), incide no art. 64, da Lei n.° 9.065/98 cumulado com o art. 13, § 2.°, do Código Penal.
Por essa quadra, imperioso destacar, que o estudo apresentado, não busca ampliar e desnaturar a interpretação das normas penais. Ocorre que o Direito Ambiental ostenta tratamento jurídico diverso, pois trata de princípios e normas metaindividuais, portanto, a sua não observância, sobretudo na comum omissão Estatal, trará reflexos para a presente e para as futuras gerações.
Portanto, no que tange a essa sensível área, correta a aplicação da figura do garantidor (CP, art. 13, § 2.°), pois somente através desse postulado normativo integrador, poderemos preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Alerta para o fato de que infelizmente, nem sempre o Estado conjuga, com igual ênfase, atuação legislativa e implementadora. É comum o Poder Público legislar, não para aplicar, mas simplesmente para aplacar, sem resolver, a insatisfação social (BENJAMIN, 2003). Parte da doutrina não comunga com nosso entendimento, porém verifica-se claramente que o Estado não criará normas que minimamente poderão criar ônus (processo-crime), ao Administrador Público, ainda que o resultado seja favorável ao ideário constitucional. É o que chama de Estado teatral.
RIEGER (2011), sustenta posição contrária, salientando que com tantas alterações na relação entre homem e natureza, os problema, em sede de ofensividade, evidenciaram-se: muitas condutas tipificadas na lei ambiental consistem na atuação sem autorização, sem licença ou em desacordo com determinações legais. Ou seja: não é incomum que se busque a responsabilização criminal pela simples inobservância de licenças, determinações legais ou regulamentares, e não pela prática de um ato efetivamente perigoso ou danoso ao meio ambiente. Nesse contexto, verifica-se a pretensão de usar o direito penal como um reforço à organização administrativa e surgem delitos de mera desobediência: nesta forma de ver, o núcleo do crime está em normas administrativas. Assim, o Direito Penal perde sua identidade, passando a ser manipulado exclusivamente em razão de seu caráter simbólico e estigmatizante.