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A legalidade – ou não – do cadastro de reservas para registro de preços

01/09/2014 às 14:36
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O cadastro de reserva, estabelecido pelo Decreto nº 7.892/2013, é legal e possui fundamento de validade na lei geral de licitações.

Vive-se em uma época de multiplicidade de atos normativos na seara das licitações que, ao contrário de garantir segurança jurídica, podem ocasionar incertezas ao gestor, aos licitantes e aos operadores do Direito.

Essa espécie de deslegalização[1] que provoca inúmeros efeitos:

a) a multiplicidade de normativos esparsos turva a aplicação da lei e provoca insegurança jurídica pela ausência de simetria entre os textos da lei e dos atos normativos;

b) o parâmetro constitucional, para conter o Leviatã, inserto no inc. XXVII do art. 22, está adormecido;

c) sob o prisma do discurso, são conservadoras as vozes contrárias à infinidade de normativos instáveis e casuísticos;

d) os órgãos de Controle pouco se manifestam[2]. Parecer haver um acordo tácito: se os normativos refletem parcial jurisprudência podem ser acolhidos, mesmo em situações de duvidosa legalidade.

Não seria mais eficiente alterar logo a Lei de Licitações, conforme projetos no Legislativo e permitir aos gestores licitar com amparo em norma completa e atualizada?[3] E o que isso tem a ver com o cadastro de reserva? Tudo, afinal criou-se um novo método de seleção de potenciais fornecedores para atender a uma necessidade casuística devido à omissão legislativa ou à pressa pela falta de planejamento.


1.  O que é o cadastro de reserva

O cadastro de reserva é o registro, em forma de anexo à ata, dos licitantes remanescentes que aceitarem cotar os bens ou serviços com preços iguais aos do licitante vencedor na sequência da classificação do certame, com vistas à expectativa de direito de futuro fornecimento quando:

a) não for assinada a ata pelo primeiro colocado; ou

b) houver a necessidade de contratar licitante remanescente, obedecida a ordem de classificação, nas hipóteses dos arts. 20 e 21 do Dec7892.[4]


2.  Os tipos de remanescentes e sua previsão legal

Em termos legais, somente há previsão de contratar licitante remanescente, antes de assinar o contrato com o licitante anterior, no:

a) art. 64, § 2º, da L8666;

b) art. 40 e 32, inc. V, da L12462 - RDC.

A contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento de bens, em consequência de rescisão contratual, somente é prevista no:

a) art. 24, inc. XI, da L8666 – dispensa de licitação;[5]

b) art. 41 da L12462.

Importante notar o tratamento diferenciado atribuído ao licitante remanescente – quando não houver contrato já celebrado, da contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, decorrente da rescisão de um contrato anterior. São institutos jurídicos distintos com hipóteses e requisitos legais diferenciados.

A lei de licitações e do RDC permitem contratar licitantes remanescentes, obedecida a ordem de classificação, quando ainda não foi celebrado o ajuste ou o termo que o substitua.

Em casos de contratos já celebrados, sob a regência da L8666, a contratação de remanescente contratual, somente pode ocorrer sob a forma de contratação direta, prevista no inc. XI do art. 24 e, a depender da situação, pode ser caso de contratação emergencial.

Na hipótese de dispensa para contratar remanescente, não pode haver a participação de outros interessados, porque deve ser obedecida a ordem de classificação da licitação, além das mesmas condições e preço atualizado do primeiro.

Como nas hipóteses do arts. 64, § 2º, e 24, inc. XI, sempre havia o problema de o remanescente ter de ser contratado ao preço e condições do primeiro, tentou-se encontrar solução razoável permitindo a contratação dos remanescentes nas condições ofertadas por estes, na lei do RDC, desde que não superado o montante de orçamento estimado para a contratação.

A lei do pregão,[6] como as demais normas supracitadas, não prevê a contratação de qualquer espécie de remanescente, mas apenas determina aplicar subsidiariamente a L8666.


3. Qual o amparo legal para o cadastro de reserva

O cadastro de reserva pode-se dizer seja a regulamentação do inc. XI do art. 24 e do § 2º do art. 64, ambos da L8666, com fundamento no art. 115 do mesmo Estatuto que permite aos órgãos públicos expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações.

Quando se decide pelo cadastro de reserva, deve-se questionar: qual o fundamento de validade desse procedimento?

a)     se utilizar o pregão para registrar preços, o art. 9º da L10520 obriga aplicar subsidiariamente a L8666 que prevê as duas espécies de remanescente;

b)    se for concorrência para registrar preços, a Lei de regência é a L8666;

c)     se o registro de preços decorrer RDC, há previsão legal específica e completa, sem precisar recorrer a qualquer outra norma ou regulamento.

Nesse último caso, contudo, o registro de preços somente deve ser utilizado para objetos previstos nas finalidades do RDC, ou seja:

a) relacionados aos eventos esportivos de 2014 a 2016;

b) ações do PAC;

c) obras e serviços de engenharia do SUS;

d) obras e serviços de engenharia para estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.

Como visto, exceto no caso do RDC, todas as licitações, independentemente da norma de regência, remetem-se à L8666.

3.1  Das hipóteses de legalidade do cadastro de reservas de Dec7892

Se os gestores se depararem com a necessidade de contratar um licitante oriundo do cadastro de reservas porque o licitante anterior não retirou o ajuste ou o instrumento equivalente, o fundamento legal é o § 2º do art. 64 da L8666.[7]

Mesmo quando já celebrado o contrato, se configurada uma das hipóteses dos arts. 20 e 21 do Dec7892, a possibilidade de se utilizar do cadastro de reservas, encontra seu fundamento legal no inc. XI do art. 24 da L8666.

Essa hipótese de dispensa de licitação não permite a participação de outros interessados, à similaridade do cadastro de reservas. Cria apenas a expectativa de contratação, obedecida a ordem de classificação e a execução do objeto ao preço do primeiro colocado.

O cadastro, portanto, é de legalidade incontestável:

a) se não houver a retirada da nota de empenho ou instrumento equivalente, com base no § 2º do art. 64 da L8666;

b) mesmo se já celebrado o contrato com o licitante vencedor e, depois,  rescindido, em qualquer das hipóteses dos arts. 20 e 21 do Dec7892, com base no inc. XI do art. 24 da L8666.

No caso do RDC, não há necessidade de aplicar o referido regulamento, pois a norma é autoaplicável e possui normatização distinta, pois possibilita a contratação de licitantes remanescentes ao preço e condições destes. 


4.  Da legalidade da habilitação na celebração do contrato

O exame da habilitação do licitante reserva possui contornos diferenciados porque somente será realizado no momento posterior à fase externa da licitação e não submetida à prerrogativa dos demais licitantes de contestar o ato, por meio de recurso.

É até possível vislumbrar um tratamento diferenciado injustificável, na medida em que o licitante remanescente pode ajustar situações empresariais para obter sua habilitação em momento posterior.

O dispositivo tem o mérito de desburocratizar ao não examinar documentos de quem apenas possui expectativa de ser contratado, mas fere a isonomia ao não prever a contestação da habilitação pelos demais licitantes.

A contratação direta de remanescente da L8666 não prevê essa fase porque nas modalidades convencionais de licitação o exame da habilitação é prévio. Nesse sentido, à luz dessa lei geral somente contratam-se remanescentes que foram previamente habilitados. No caso do pregão, examina-se apenas do primeiro.

A licitação não é um fim em si mesma. Tem caráter instrumental. Não possui a finalidade de propiciar isonomia, mas de realizar o interesse público, por meio de um procedimento isonômico.

Se, de antemão, todos estão cientes que a habilitação poderá ocorrer durante a licitação, no caso do vencedor, e dos demais que aceitarem participar do cadastro de reservas, no momento de eventual contratação, entende-se que a isonomia foi atendida. Cada licitante pode optar por decidir se deseja – ou não – ser o vencedor.

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Em caso de pregão, se o pregoeiro examinar a habilitação do participante de cadastro reserva antes de sua inserção no anexo à ata, pode ser sancionado, pois não pode se negar a aplicar regulamento que é o resultado do exercício do poder hierárquico pelo Chefe do Poder Executivo.

Caso outros licitantes contestem o registro de determinado licitante, por ausência de habilitação, sugere-se que o pleito seja submetido ao órgão jurídico para análise e é razoável admitir que a habilitação seja aferida nesse momento, pois se o participante de cadastro de reservas iguala sua proposta ao do primeiro, merece o mesmo tratamento, a teor do inc. XII do art. 4º da L10520. Nesse caso não poderá haver penalização ao pregoeiro, pois se trata de tema essencialmente jurídico, submetido à emissão de parecer jurídico.


5. Do cadastro de reservas no caso de penalização

O referido decreto também possibilita utilizar o cadastro de reservas caso o fornecedor seja penalizado com base no art. 7º da Lei nº 10.520/2002 ou art. 87 da Lei nº 8.666/1993.

Deve ser analisada com cautela a situação.

Caso o fornecedor tenha sido penalizado em um contrato, os efeitos da rescisão não são automáticos nos demais ajustes, isso porque os  efeitos dessas penalizações são ex tunc, consoante já decidiu o STJ[8] e a própria AGU[9].

Nesse sentido, a administração não poderá celebrar contrato com o licitante de cadastro de reserva; mas se já o fez, deve analisar se os efeitos da inidoneidade atingem esse novo contrato.


Notas

[1] Fenônemo jurídico, oriundo da doutrina Italiana, que dá prevalência à regulamentação por atos normativos, por meio de autorização legal.

[2] BRASIL. TCU. Acórdão nº 1070/2003 — Plenário. Relator: Ministro Ubiratan Aguiar que determinou à Secretaria do Tesouro Nacional/STN alterar a redação do art. 27 da IN nº 01/97 e, em outra oportunidade, o TCU já determinou alterar a IN 05 do MARE que dispunha sobre o cadastramento obrigatório no SICAF para participar de licitações.

[3] SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 559/2013, com acolhimentos de diversas colaborações do professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes.

[4] BRASIL. Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013. Regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. O registro do fornecedor será cancelado quando: I - descumprir as condições da ata de registro de preços; II - não retirar a nota de empenho ou instrumento equivalente no prazo estabelecido pela Administração, sem justificativa aceitável; III - não aceitar reduzir o seu preço registrado, na hipótese deste se tornar superior àqueles praticados no mercado; ou IV - sofrer sanção prevista nos incisos III ou IV do caput do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, ou no art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002.

Art. 21.  O cancelamento do registro de preços poderá ocorrer por fato superveniente, decorrente de caso fortuito ou força maior, que prejudique o cumprimento da ata, devidamente comprovados e justificados: I - por razão de interesse público; ou II - a pedido do fornecedor. 

[5] Uma hipótese de contratação direta sem licitação.

[6] BRASIL. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002.

[7] Por aplicação do art. 9º da Lei nº 10.520/2002 que determina aplicar a Lei nº 8.666/93 subsidiariamente ao pregão ou por aplicação direta da Lei nº 8.666/93, no caso de concorrência.

[8]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. MS nº 13.101. Relator: Ministro José Delgado. Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça, 09 dez. 2008. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 26 ago. 2014.

[9]BRASIL. Advocacia Geral da União. Orientação Normativa nº 49. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 maio 2014.

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Sobre o autor
Jaques Reolon

Economista, consultor e advogado especialista em Direito Administrativo. Vice-Presidente da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. Ocupou diversos cargos no poder público, dentre os quais se destacam assessor de conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, assessor-chefe e secretário executivo do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal. Autor de diversos artigos no campo de licitações e contratos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REOLON, Jaques. A legalidade – ou não – do cadastro de reservas para registro de preços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4079, 1 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31583. Acesso em: 22 dez. 2024.

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