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Violência contra a mulher: dos números à legislação

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02/02/2015 às 14:58
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6  ALCANCE DA LEI:  VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA ATUALIDADE

Infelizmente, ainda nos dias atuais, são muitas as barreiras para impedir a plena inclusão social da mulher. Fato é, que isto está relacionado a posições de poder, liderança e negociação, assim como de ocupação de espaços do mundo público. Sobretudo, onde se tem de tomar decisões técnicas, científicas, empresariais ou políticas.

Diversos preconceitos, na forma de representação, ainda permeiam a nossa sociedade. Estão ligados á classe social, gênero, etnia, faixa etária, dentre outros. Com isto, pode-se chegar a seguinte conclusão: O preconceito de gênero faz com que as mulheres sejam consideradas inferiores, o que se reflete na deficiência de educação e, portanto, em menor acesso a empregos e salários bem remunerados.As mulheres são discriminadas no mercado de trabalho quando não conseguem empregos ou ocupam cargos secundários.Apesar de serem bem qualificadas e instruídas ou ainda quando percebem salários inferiores quando ocupam os mesmos cargos que os homens.

Não há um dado concreto ou uma única explicação sobre o crescimento da violência no Brasil. Pode-se dizer que, certamente se encontra associado à lógica da pobreza e da desigualdade socioeconômica, mesmo não sendo esta uma verdade absoluta em todas as populações do mundo, em nosso país é um fator de importante relevância. 

No tocante à violência contra a mulher e a violência doméstica, há uma explicação ampla para sua grande ocorrência no Brasil. A situação não se apresenta diferente dos demais países. Não está junta apenas a pobreza, desigualdade social ou cultural. Estas são modificações marcadas profundamente pelo preconceito, discriminação e abuso de poder do agressor para com a vítima, a qual geralmente está em situação de vulnerabilidade na relação social e isto independe do país no qual esteja morando. Estes são alguns elementos nucleares desta forma de violência. Em virtude do quantum despótico existente na maior parte dos relacionamentos afetivos, desta situação de força e poder que, geralmente, detém o agressor em relação á vítima, esta é manipulada, subjugada, violada e agredida psicológica, moralmente ou fisicamente.

Ao completar oito anos de sanção presidencial no dia 07 de agosto de 2014, a Lei 11.430/06, primeiro instrumento legal especificamente direcionado ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, surge um importante questionamento, o qual se constitui, em verdade, em reflexão e balanço: as mulheres estão sofrendo mais violência após a edição da Lei?

Dados estatísticos demonstram um número crescente no registro de casos de violência domestica e de gênero. Nesses casos, se fazendo questionar a eficácia na aplicabilidade do diploma legal, pois mostra uma linha crescente no registro anual absoluto de casos de violência contra a mulher. Onde em uma análise preliminar, leva a crer que o índice de aumento da violência está descontrolado[7]

Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, a proteção à mulher intensificou-se, mas os dados de violência de gênero ainda são alarmantes.  Apesar do aumento nos números absolutos da estatística, a violência contra a mulher sempre apresenta nos números reais acima exposto,  pois esta é subnoticiada, uma vez que grande número de mulheres não denuncia a violência de que são vítimas, muitas vezes por vergonha ou receio de novamente ser vítima, caso o agressor saiba do registro policial.

A maior parte dos atos de violência cometida contra a mulher ocorre dentro do lar ou junto à família, sendo o agressor o companheiro atual ou anterior. Ressalta-se que as mulheres agredidas, ficam em média, convivendo um período não inferior a dez anos com o agressor.  Embora a lei Maria da Penha tenha criado mecanismos específicos capazes de enfrentar a violência contra a mulher, possibilitando, através de políticas publicas mais eficientes, procedimentos policiais mais céleres à efetiva prevenção, repressão e erradicação desse fenômeno social que tem abalado sobremaneira a base estrutural da família.

A crescente escalada da violência contra a mulher no Brasil exige do judiciário melhor e mais eficiente prestação jurisdicional. Outro dado que corrobora com a analise dos dados apresentados, vem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania e do Departamento de Pesquisas Judiciárias, onde tomando por base Mapa da Violência 201220, e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), atinge o impressionante numero de 88.685 relatos de agressão – contra 12.664 há seis anos, conforme dados extraídos pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres do Governo Federal através do telefone de denúncias. A Pasta federal ao ser questionada sobre aqueles números apresentados pelo CNJ informa que a elevação no número de relatos não significa necessariamente um crescimento real dos casos de violência, mas um aumento das notificações – na medida em que mais mulheres estariam se sentindo seguras para procurar ajuda.

 Maria da Penha Fernandes, a mulher que nomeia a lei 11.340, em recente entrevista a BBC Brasil relatou que: “Acho que a população já está mais ciente de que existe uma lei para proteger as mulheres da violência doméstica” [8]. Consoante a esta última declaração, o levantamento feito pelo DataSenado no ano de 2011 revelou que 98% das mulheres já ouviram falar na Lei Maria da Penha[9]

Portanto, desde que foi promulgada, a Lei Maria da Penha tornou-se cada vez mais conhecida. Isso tem consequências positivas, pois dizer que há o conhecimento do diploma legal implica dizer que os seus preceitos assentam-se na sociedade. E principalmente, que as mulheres apropriam-se desse conhecimento, o que equivale a tomarem conta de seus próprios direitos.  Não resta dúvida de que a saída deste assunto da esfera privada e familiar para a do debate público, propiciado, em larga medida, pela entrada em vigor da Lei Maria da Penha, foi relevante para a sociedade lutar contra este tipo de violência que esta guardada dentro da unidade familiar e,acobertado pela não aceitação de um fato torna-se publico em virtude dos padrões sociais.  

As mulheres na sociedade atual atingiram um patamar de destaque, onde galgaram ou vários postos, a exemplo da Presidência da Republica, direção de grandes empresas. Deste modo, não aceita mais ser subjugada e exige tratamento digno e com respeito, sua altivez se torna mais incisiva na busca dos mecanismos que coíbam a pratica da violência, e não mais guardarem para si por medo ou vergonha da sociedade. 

Outro fator que corrobora para a incidência do aumento dos registros de violência é a política de informação, onde as propagandas, eventos e demais peças publicitárias informam de maneira maciça os direitos das mulheres vítimas de violência, bem como os órgãos onde elas podem buscar auxilio.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a ciência de que o tema é muito amplo e, uma vez que diversos conceitos sobre violência contra a mulher foram apresentados ao longo do presente artigo, não caberia fazer, nesse momento, uma finalização restritiva.

A violência doméstica motiva as formas de violência existentes em nossa sociedade. Quem convive com a violência, algumas vezes desde tenra idade, acha muito natural, o uso da força física, visto que para essa pessoa a violência é normal. Com a evidente violência contra as mulheres o Estado interveio através da Lei 11.340/06 – Lei “Maria da Penha” para coibir os diversos tipos de violência. Fazendo então, com que as mulheres se sentissem mais seguras, resgatando a cidadania e a dignidade dessas cidadãs que, na maioria das vezes, sofrem caladas.

Era imprescindível a implementação de medidas com o fim de resgatar, em essência, a cidadania e a dignidade da mulher; marginalizada pela sociedade machista e patriarcal.

É de suma importância a implantação de políticas públicas de proteção e segurança no que se refere à erradicação da violência contra a mulher. É indispensável que se construa redes de apoio que atenda às vítimas de violência doméstica, apoiando a mulher e abrigando-a quando esta estiver com necessidades urgentes de auxilio.

As políticas de proteção e segurança são essenciais para o enfrentamento à violência. Mas, é preciso avançar tanto em políticas de prevenção como na ampliação de políticas que articuladamente trabalhem para uma reversão da dependência financeira, elevação da auto-estima das mulheres, fortalecimento da capacidade de representação e participação na sociedade. Dando assim condições favoráveis a autonomia pessoal e coletiva. Também as repercussões a saúde que é causada pela violência doméstica têm que ser assumidas e acolhidas em programas de assistência a vítimas e agressores.

Cabe aos setores públicos, mobilizarem-se para a socialização sobre a questão de gênero e a violência doméstica contra a mulher. Pois um dos primeiros passos para erradicação da violência é a prevenção através de informações e divulgações, também é importante conduzir campanhas para sensibilizar a sociedade, promover a educação sobre os direitos humanos e outros modos que possam conscientizar homens e mulheres sobre essa problemática.

Quando o público for composto por crianças, o profissional de Serviço Social poderá utilizar campanhas especializadas para prevenir a violência, levantando questões que se referem às relações de gênero, contribuindo na desconstrução de uma educação machista e no alcance da igualdade de gênero.

Não se deve esquecer que a educação recebida dentro de casa (socialização primaria) é indispensável para a construção do papel de gênero do indivíduo. Logo, a conscientização, a desconstrução das regras postas pela sociedade do que é ser homem ou mulher, vai depender basicamente da educação que recebemos de nossos pais, da educação que daremos para nossos filhos. Colocar como princípio à igualdade entre os sexos, sem discriminação de gêneros, é um caminho para prevenção da violência de gênero.

Aquele que agride também necessita de acompanhamento, precisa ser inserida em um programa que possa trabalhar suas dificuldades, seus medos, sua postura, trabalhando para desconstruir aquilo que ele tinha como certo, como papel de homem. Ou seja, além de ter um acompanhamento do social, também deve ter um acompanhamento psicológico para adquirir uma nova postura existencial, o que se for realmente absorvido e posto em prática, só vai beneficiar o agressor sob um ponto de vista social e familiar.

De fato, a violência doméstica, quando não é denunciada, protege o agressor e não a vítima. Devem ser usados os conhecimentos acadêmicos para mobilizar e orientar a sociedade frente à violência contra a mulher. As pesquisas devem ser realizadas sobre esta temática para que saiam do campo universitário, não fiquem restritas nos seminários, nos congressos que são oferecidos a outros acadêmicos, a outros pesquisadores. Deve tentar atingir principalmente as vítimas de violência doméstica, posto que são elas que não têm na maioria das vezes acesso a essas formações.

Um aspecto importante que foi abordado, é que a violência de gênero, por ocorrer em regra dentro do ambiente doméstico e familiar, é o primeiro tipo de violência que o ser humano tem contado de maneira direta.Situação que, certamente, influenciará nas formas de condutas externas de seus agentes, seja agressor ou vítima.

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A intervenção estatal nas relações domésticas e familiares de violência é essencial para que haja o controle e futuramente, o desaparecimento deste tipo de agressão. Inclusive para a superação de boa parte das ocorrências exteriores no ambiente familiardoméstico. Deste modo, prevenir a violência doméstica é prevenir criminalidade.


REFERÊNCIAS

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CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica: Análise da Lei “Maria da Penha”, nº 11.340/06. Salvador, BA: Edições PODIVM, 2007.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. São Paulo: Ática, 2000.

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violencia Domestica: Lei Maria da Penha: comentada artigo por artigo. 4 ed. Revista dos Tribunais. 2012

DECLARAÇÃO DE VIENA, Conferência Mundial de Direitos Humanos Realizado em Viena, Bélgica, em 25 de junho de 1993 

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: A Efetividade da Lei 11.340/2006 de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 7 p.

HAHNER, June E. A Mulher Brasileira e Suas Lutas Sociais e Políticas: 1850:1973. São Paulo: Brasiliense, 1981.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de,Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Ed Malheiros. 2011

PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o Debate: O Uso da Categoria Gênero na Pesquisa Histórica, História (São Paulo), UNESP, vol. 24, n. 1, 2005

PIMENTEL, Silvia. Evolução dos Direitos da Mulher – Norma, Fato, Valor. São Paulo: RT, 1978. 

ROLIM, Luiz Antonio. Instituições do Direito Romano. 2 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2003.   

SANTOS, Boaventura de Sousa, Para uma Revolução Democrática da Justiça. Ed. Cortez, 2007.

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Notas

[2]DECLARAÇÃO DE VIENA, Artigo 18, Conferência Mundial de Direitos Humanos realizado em Viena, em 25 de junho de 1993

[3] De acordo com o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo IBGE.

[4] Disponibilizado em: http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf

[5] Disponibilizado em: http://www.senado.leg.br/atividade/Materia/getPDF.asp?t=114361&tp=1

[6] Site Datasenado: http://www.spm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/lei-maria-da-penha/tabelas-divulgacaototal.pdf

[7]Dados colhidos no Censo Demográfico 2010. Informação disponibilizada no site do IBGE.

[8]Disponibilizado em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/03/130308_violencia_mulher_brasil_kawaguti_rw.shtml

[9]Disponibilizado em: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/03/26/pesquisa-datasenado-aponta-que-mulheres-se-sentem-mais-protegidas-com-lei-maria-da-penha

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Sobre a autora
Andréia Navarro

Advogada, graduada em Direito na Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande no ano de 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROGA, Andréia Navarro. Violência contra a mulher: dos números à legislação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31601. Acesso em: 17 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Graduação de Direito na Universidade Estadual da Paraíba em cumprimento à exigência para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Drª Aline Lobato Costa.

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