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O direito de errar por último

04/01/2015 às 10:11
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O cotidiano forense tende a apontar uma realidade onde muitos juízes se revestem de uma excelência que os leva a crer na infalibilidade de seu julgamento. Mas juízes são humanos, estão sujeitos ao erro e erram. É certo crer que o juiz tem direito de errar?

Ruy Barbosa ao discorrer sobre a importância do Supremo Tribunal Federal, casa da qual era o patrono, permitiu-se um comentário que, muitas vezes tomado por despretensioso, quando melhor analisado, ganha contornos de uma seriedade ímpar, como sérias sempre foram as manifestações desse grande baiano. Narra a história que quando Senador, Ruy Barbosa, em aparte à um discurso de seu colega Pinheiro Machado em que este vociferava contra a decisão do Supremo Tribunal Federal, teria dito que o Supremo Tribunal Federal é tão importante, que pode se dar ao luxo de errar por último[1].

De fato, por ser a cúpula máxima do Poder Judiciário, cabe-lhe ser o último a se manifestar nas questões que lhe são postas à jurisdição, não havendo quem o diga o direito em correção do seu julgamento.

Em que pese as hipóteses em que é competência originária e as teses já bastante propagadas de sujeição de suas decisões às Cortes Internacionais, a seriedade dessa questão de se errar por último é grande, principalmente se levarmos em conta que dentro da formação organizacional da Justiça no Brasil, em todas as suas esferas e instâncias, nem sempre uma causa litigiosa alcança a judicância dos Tribunais superiores, sendo vários os processos que se encerram no âmbito dos Tribunais de Justiça ou até mesmo nos juízos de primeira instância.

A realidade que acompanha os Tribunais de Justiça, quando determinado processo alcança o duplo grau de jurisdição, é a de se pensar que a sociedade pode ao menos descansar tranquilamente, haja vista que aquela lide não ficará a mercê do julgamento de uma única inteligência.

No entanto, quando pensamos na primeira fase de um processo comum, sendo julgado pela justiça comum, estamos pensando num Direito que será “dito” de acordo com o convencimento de uma só pessoa, que humana, está sujeita ao erro, assim como cada um de nós.

A triste realidade dos nossos dias é uma prática cada vez mais efetiva nos gabinetes e salas de audiência espalhados pelas comarcas do nosso país, onde os magistrados vestidos com sua toga negra – símbolo máximo da sua intocabilidade – revestem-se de uma excelência tal que, distanciados dos seus jurisdicionados (e tantas e tantas vezes da verdade de que são humanos) se permitem crer na infalibilidade do seu julgamento, pautados muitas vezes numa estima por si mesmos, típica dos que se acostumam com as bajulações e subserviências daqueles que se colocam a sua volta, ávidos pelo próximo espirro, para que lhe desejem “saúde”.

Mas não é a moral psicológica dos que dizem a justiça em primeira instancia que quer se discutir, mas sim, a sujeição às falhas de julgamento, a que estão (e a sociedade também está) sempre sujeitos.

Falar o direito e ser justo está longe de ser a mesma coisa.

Dizer o direito pode se entender como a simples subsunção da norma ao fato que motiva a pretensão ou a sanção.

Ser justo por sua vez, é alcançar uma posição “quase divina”, ainda que muitas vezes a própria justiça divina (para os que nela acreditam) deixa a desejar como justiça.

Na verdade conceituar o ser justo nos coloca numa situação tão incômoda e complicada quanto a que se viu Mênom quando Sócrates lhe pedia para explicar o que seria a virtude.

A bem do ser, todos parecemos saber o que é ser justo ou virtuoso, mas peço uma reflexão: saberíamos conceituar a virtude ou a justiça ou apenas temos certas idéias do que é virtuoso ou justo?

E será que os nossos juízes, do alto que se colocam em relação às partes que se lhe apresentam, saberiam o que é ser justo? Considerariam a si mesmos justos?

Provavelmente diriam que são justos por pautarem suas decisões na lei e a lei, enquanto contrato social assinado pelos cidadãos que compõe a nação ou a sociedade deve ser considerada justa (ou, pelo menos legal).

Os juízes julgam a partir de um ordenamento jurídico abarrotado por normas e mais normas e que lhe é posto pelo Estado que, por mais que tente, será sempre incapaz de prever todas as situações possíveis. Daí, inclusive, a tendência atual de se adotar o sistema das “Cláusulas Gerais” no quer pertinente à elaboração das novas normas, sistema esse caracterizado pela indeterminação tanto da hipótese normativa quanto do seu consequente.

Pois bem.

É claro, porém, que sempre há uma preparação técnica para os que ingressam na magistratura, todos longe de serem néscios das letras da lei ou da realidade da sociedade, de modo que seus acertos serão sempre maiores que os seus erros.

Podem dizer também que uma preocupação demasiada em não cometer erros, engessaria o convencimento do juiz, que deverá se sentir livre para decidir, sem se ater a eventuais consequências que, se pensadas como um fatalismo inevitável, trarão uma vacilação no julgar que colocará o julgador numa posição desconfortável, quando este deveria se sentir sempre apto a cumprir a sua função.

Longe de se querer juízes incapazes de aplicar a lei, o presente texto vem acompanhado de uma simples pretensão de refletir a questão que diz respeito a como esses aplicadores da lei trabalham a forma com que realizam essa aplicação.

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Convencem-se de que são “a justiça personificada”, mas não apenas pessoas que dizem um direito subjetivo, atuando a vontade concreta do direito objetivo, para mencionarmos Chiovenda, direito esse que bem se sabe, é passivo das mais diversas interpretações; acreditam que ao sentenciarem, estão aplicando o que é justo no que se refere ao Direito ou até mesmo que estão aplicando aquele direito porque é justo.

Justa e virtuosa deve ser a atuação do juiz; a sua imparcialidade e a lisura com que lida com a vida das pessoas que lhe é posta à apreciação e isso para que, então, ele diga o direito, apenas e tão-somente o direito, ante toda a sua experimentação.

O Direito de errar deve ser reconhecido ao magistrado e pelo magistrado. Valendo-nos da frase do nosso jurista maior, o mesmo que a medida que se afastava da Tribuna do Tribunal de Haia era acompanhado por olhares atônitos que reverenciavam a sua sabedoria, não é apenas o STF quem tem o direito de errar. Este tem o direito de fazê-lo por último, mas é preciso que todos os demais integrantes do terceiro Poder da República, reconheçam desse “direito de errar”, de saber que dizem um direito que conhecem, dentro da experiência que têm, mas que como homens e não deuses, não estão em condições de afirmar o que realmente é a Justiça. Esta, muito acima da inteligência de cada um de nós.


[1] A manifestação completa e exata foi: “Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”

fonte: blog do Josias - http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2012/12/17/stf-cassa-condenados-e-celso-de-mello-passa-uma-carraspana-em-marco-maia-irresponsavel/

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Sobre o autor
William Ricardo Grilli Gama

Advogado, Professor de Direito Processual Civil na Unesc-Faculdades Integradas de Cacoal/RO, Especialista em Direito Constitucional e Docência no Ensino Superior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAMA, William Ricardo Grilli. O direito de errar por último. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4204, 4 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31657. Acesso em: 21 nov. 2024.

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