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Reflexos do sistema constitucional francês na Constituição Federal brasileira

14/02/2015 às 12:43
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Este texto trata das ideias e valores dos pensamentos franceses aplicados na construção do Direito Constitucional Brasileiro.

Resumo: O presente trabalho dedica-se ao estudo das influências estrangeiras na formatação no Direito Constitucional Brasileiro, precisamente os princípios franceses. Temos, assim, a definição do que viria a ser o Direito Constitucional e a Constituição de uma nação, vinculando os estudos de forma a abranger as ideias e valores aplicados pelo sistema legiferante no momento de seu ato. A ideia central do trabalho é demonstrar a incidência de doutrinas francesas no nosso ordenamento jurídico, elucidando pontos de convergência e trazendo à tona princípios aplicados em ambos os sistemas, ainda que de forma diferente.

Palavras- chave: Direito. Constituição. Comparado. França. Estudo.


1. Introdução

Ainda que vagamente, todos temos uma noção do que vem a ser o Direito Constitucional. Talvez não o Direito Constitucional veiculado nas faculdades, mas com certeza sabemos em que livro ou manual procurar as nossas “garantias” enquanto cidadãos. O estudo que será apresentado constitui um material que, a principio, intenciona elucidar o Direito Constitucional Comparado brevemente, elencando tópicos de convergência com as ideias e valores veiculados na França.

Sabemos que o Direito Constitucional é o ramo do direito público interno dedicado à análise e interpretação das normas constitucionais. Tais normas são compreendidas como o ápice da pirâmide normativa de uma ordem jurídica, consideradas Leis Supremas de um Estado soberano, e tem por função regulamentar e delimitar o poder estatal, além de garantir os direitos considerados fundamentais. Mas o intuito do trabalho não é demonstrar aquilo que já é exaustivamente veiculado nas Academias.

O fundamento deste trabalho encontra-se alicerçado no voraz desejo de descobrimento. O descobrimento daquilo que nos motiva, nos guia e, principalmente, nas fontes principiológicas que gerações de legisladores, juristas e governantes têm aplicado exaustivamente em nosso território.


2. Objetivos

Sinteticamente, o objetivo do artigo científico é aprofundar o conhecimento em determinada área de especialidade. Assim, o trabalho apresentado fundamenta-se como um estudo aprimorado dos laços desenvolvidos entre dois Estados distintos, através da aplicação de princípios jurídicos semelhantes.


3. Metodologia

A metodologia aplicada ao presente artigo baseia-se na pesquisa qualitativa, já que não se preocupa com números, mas sim com relação ao aprofundamento em determinado tema e de como esse aprofundamento será compreendido pelas pessoas. Temos então a identificação da problemática – que aqui será o Direito Constitucional Comparado – a posterior compilação de todo material que será utilizado como suporte, e a exaustiva explanação e desenvolvimento da ideia. 


4. Constituição e Direito Constitucional

O que é uma Constituição? O que entendemos por Direito Constitucional? E, afinal, o que é Direito Constitucional Comparado? Todas essas são perguntas de fundamental importância dentro de qualquer academia jurídica, entretanto também o deveriam ser para cada indivíduo em particular. Superficialmente, temos nosso primeiro contato com a Constituição Federal ainda na escola, onde aprendemos a invocar nossos “direitos” e temer os “deveres”. Mas poucos se interessam pelos princípios e fundamentos que regem toda a vida do país, incluindo aqueles que se dispõe a ingressar no estudo das Ciências Jurídicas e Sociais – o Direito.

Temos na história o primeiro registro de uma constituição escrita no ano de 1787, nos Estados Unidos, a famosa Constituição Americana. Embora tenha se dado no continente americano, é na Europa que teremos a ideia do constitucionalismo moderno. Surge, então, a fixação de ideias de mecanismos de limitação do exercício do poder político.  Pouco depois, é promulgada a Constituição Francesa, no ano de 1791, cujo principal objetivo era repelir a monarquia absolutista, vigente a época.

O ideal de Constituição não é meramente formal, ele preexiste independente de uma transcrição em papel. É, verdadeiramente, superior a este. O que temos é uma validação da construção de um Estado, bem como seu limite. Em tempo, Constituição é a criação do poder estatal e o limite deste.

Durante o decorrer da história, observamos que todas as constituições escritas nasceram após sangrentas revoluções. Voltando ainda mais, temos notícia da subjugação de povos que, após a invasão de seu território, tiveram sua noção de Estado e organização política dizimada de sorte que, ainda que mantivessem sua cultura primeira, estavam destroçados como povo soberano. Assim, Alexandre de Moraes[1], vai dizer que Constituição,

É a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à sua estruturação, à  formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

 Portanto, mais do que direitos e deveres, o ato de transcrever uma Constituição tem, por fundamento, garantir o próprio Estado e sua existência contínua. Constituição é a manifestação real do poder político, econômico, jurídico e social de uma nação soberana.  Nosso atual modelo constitucional mostra-se instável, desatualizado e excessivamente extenso, na medida em que tenta abranger todas as matérias ordinárias e, pouco após sua promulgação, já ensejava significativas modificações. Como é impossível a previsão, pelo legislador, de todas as situações do cotidiano, é fundamental a interpretação da maneira mais correta e abrangente possível do texto constitucional. Assim, temos que o Direito Constitucional é matéria de Direito Público, que tem por objeto a estrutura política de um Estado, na medida em que tenta estabelecer sua organização e manutenção do poder estatal.

Para José Afonso da Silva[2], Direito Constitucional

É o ramo do direito público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas fundamentais do Estado.

No cenário atual, todavia, não podemos mais nos reportar apenas ao estudo da Constituição vigente em nosso território. Mesmo porque, nossas referências são estrangeiras, oriundas de cartas muito mais antigas e amadurecidas. Desta forma, vivemos a evolução do Direito Constitucional Comparado, que aborda o estudo de princípios e fundamentos de Constituições estrangeiras, de modo a aplicar o que for pertinente dentro do nosso modelo constitucional. Em suma, não falamos de uma Constituição universal, muito menos do reconhecimento e incorporação de normas estrangeiras em detrimento de nossa soberania; tratamos, aqui, do estudo progressivo de normas que antecederam as nossas e nas quais, eventualmente, encontramos nossa inspiração. Tanto é fato que, durante a elaboração da Constituição Federal de 1988, o legislador positivou as relações internacionais no artigo 4º e, mais além, falou de “igualdade entre os Estados”. Uma soberania, portanto, que reconhece e valida outra[3].

Dentro dessa modalidade de estudo, muito tem se falado sobre a influência do ordenamento jurídico francês no nosso território. Isso porque ambos os países possuem a mesma raiz jurídica – o Direito Romano – e são dois países de direito escrito, o que aproxima em termos de semelhanças e facilita a compreensão mútua. Importante ressaltar que quando tratamos de semelhanças, nos referimos ao conteúdo, e não meramente em como o legislador ou jurista raciocinam. Nem poderíamos esperar proximidade neste último, haja vista a influência do meio em que vivemos prevalecer na construção do indivíduo.


5. Comparativos

Após este introdutório, passemos a uma avaliação pormenorizada dos detalhes que circundam essas duas Constituições. Desde o momento de criação, as mudanças introduzidas, serão tratados temas de extrema delicadeza, mas de excessiva importância. Para tanto, interessa-nos os pontos de convergência, levando-se em consideração o próprio intuito do estudo.

5.1. Da gênese

Como já dito anteriormente, as Constituições escritas têm o particular de derivar das grandes revoluções. O próprio movimento revolucionário incita a criação de um Estado Novo e, para tanto, a queda do modelo de poder vigente. As Constituições brasileira e francesa não divergiram neste aspecto. Ambas foram promulgadas após um levante populacional, que levou à destruição dos paradigmas políticos, de forma que, fez-se necessária a convocação de novas Constituintes.

Entretanto, a Constituição Francesa, contrariando o modelo anterior de 1946, foi aprovada no ano de 1958 em meio a uma áurea de mistério. Enquanto as leis de 1875 e a Constituição de 1946 tinham sido preparadas por Assembleias parlamentares através do trabalho de comissões e debates públicos, o trabalho preparatório sobre a Constituição da V República desdobrou-se de forma confidencial. Não foi publicada, tampouco debatida. De fato, a população só teve contato com sua nova Constituição quando foi promovido um referendo, em meados de setembro do mesmo ano, quando foi aprovado pela maioria – 80% da população. Do ponto de vista cronológico, esta Carta tem por peculiaridade sua celeridade. Os trabalhos tiveram seu início em 3 de junho de 1958 e, menos de quatro meses após, estava findo.

A característica mais importante desta nova Constituição Francesa, contudo, é a maior atribuição de poder ao Executivo, não implicando em detrimento da função legislativa. A diferença é que aquele se tornou mais independente do que de fato era.

A Constituição Brasileira, de forma igual, surgiu como uma luta pela conquista do Estado Democrático de Direito, após o golpe de 1964. O povo apoiou a candidatura de Tancredo Neves, então governador de Minas Gerais, acreditando na construção da Nova República. Para o alcance de seus planos, o candidato prometia a convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, além de nomear uma Comissão de Estudos Constitucionais, cuja função seria a de elaborar estudos e o anteprojeto da nova Constituição.[4]

Como se sabe, Tancredo Neves faleceu antes de assumir a presidência. O vice José Sarney, contrariando as expectativas, continuou o plano de governo e convocou a Assembleia Nacional Constituinte. O projeto da nova Constituição foi amplamente divulgado e debatido, contando com grande participação popular.

Vemos, aqui, que as características na formação destas duas Constituições, são opostas. Devemos a isto, principalmente, o fator cultural, já que o meio define não apenas quem somos, mas principalmente como agimos. A França, mais do que o Brasil, foi marcada por toda sua história por períodos de grande instabilidade política, alternando regimes de governo. É o berço da tripartição de poderes e dos direitos e garantias fundamentais, mas nada conquistado sem a vontade revolucionária.

5.2. Mudanças introduzidas pelas novas Constituições

Basicamente, dissemos que as Constituições escritas surgem após grandes revoluções, que propiciam a queda do modelo vigente. Neste caso, tanto Brasil como França, inovaram na forma de governo: a principal mudança nessas Constituições é o surgimento da democracia moderna. Por isso queremos dizer, o reconhecimento do cidadão pelo Estado, e mais, sua proteção em direitos e garantias.

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A França, que vinha caminhando em meio a turbulentas agitações públicas e instabilidade política, vê surgir um sistema constitucional que visa proteger o centro do poder. Assim, franceses passam a ter fundamental importância frente ao Estado, já que será responsável pelas votações diretas para Presidente (estatuto do Presidente da República), até então censitária e restrita aos homens. Além disto, o sistema passa a controlar mais a atividade parlamentar.

O histórico da Constituição Francesa apresenta, primeiramente, o reconhecimento dos direitos subjetivos dos cidadãos e, consequentemente, a limitação do poder estatal. Entretanto, a soberania da lei propiciou uma atividade legislativa demasiado incompatível com a figura do Estado de Direito. A partir disso, a Constituição francesa de 1958 institui o Conselho Constitucional, órgão criado com o intuito de evitar a intensificação desenfreada do legislativo.

O Brasil, por sua vez, vê o centro da Constituição mudar de posição. A Carta Magna passa a contar com nove títulos, figurando os direitos e garantias fundamentais entre os primeiros. Definitivamente, a Constituição de 1988 volta-se para a realização completa do cidadão e de sua cidadania, ao proclamar os direitos individuais e sociais. Ademais, fortaleceu o Poder Legislativo, instituindo a já extinta medida provisória.

Visando derrubar os resquícios da ditadura militar, a Constituição Federal de 1988 baseia-se na democracia. Definido no preâmbulo e no artigo 1º temos o pilar do Estado Democrático de Direito – a soberania popular – garantindo o pleno exercício dos direitos sociais e individuais[5].

5.3. Quais direitos reconhecem

Não existem dúvidas de que o teor principal de ambas as cartas refere-se aos Direitos e Garantias Fundamentais.

O preâmbulo da Constituição francesa de 1958 traz o compromisso dos franceses com os “direitos humanos” e com os princípios da soberania nacional, já antes definidos na Declaração de 1789, confirmado e completado pelo preâmbulo da constituição de 1946. Os direitos reconhecidos pela Carta de 1958 incluem todos aqueles expressamente consagrados nos textos constitucionais (Constituição de 1958, a Declaração de 1789, o preâmbulo da Constituição de 1946 e a Carta Ambiental de 2004), mas não taxativamente. Ou seja, valorizam o texto, mas não se limitam a ele.

Os direitos e liberdades tradicionais, entendidas como a faculdade de agir negativa do Estado e os princípios que garantam essa proteção, foram reconhecidos na Declaração de 1789, texto este incorporado pela Constituição de 1958. Importante salientar a evolução linear do sistema constitucional francês. Embora as Constituições sejam naturalmente revogadas com a promulgação de uma nova Carta, os franceses não excluem de todo os princípios existentes, de forma que se referem a documentos constitucionais anteriores, dando validade aos mesmos. Temos, assim, a liberdade de consciência, a liberdade de comunicação, segurança, o principio da igualdade, o sufrágio universal, direitos de propriedade, direito de resistência a opressão, o principio da não retroatividade da lei penal, a presunção de inocência, a garantia de direitos e a separação de poderes, todos estatuídos na Declaração de 1789, mas incorporados na sua totalidade a Constituição de 1958. Ainda, temos os direitos políticos, cujos titulares são – salvo o disposto no texto constitucional – cidadãos ou comunidades.

O preâmbulo da Constituição de 1946, por sua vez, assegura a todos os chamados Direitos Sociais, reconhecidos como particularmente necessários, completados com os direitos políticos e econômicos. Podemos citar então o direito a greve, o direito a saúde e a educação, direito de igualdade e solidariedade, bem como o direito ao asilo e a igualdade entre homens e mulheres.

Cabe ressaltar, ainda, a solidariedade. Princípio este reconhecido pela Constituição de 1958 eleva o ideal ao estabelecer a responsabilidade de todos para a construção de uma República justa que, somada a Carta Ambiental de 2004, implementa o lema da República contido no artigo 2º da Constituição: “liberdade, igualdade, fraternidade”.

A Constituição Federal brasileira de 1988, como em muitas outras nações, incorporou praticamente na totalidade os ideais revolucionários franceses. Isto porque tal movimento resultou na quebra dos paradigmas estabelecidos, de modo que a prestação da tutela estatal tornou-se regida por princípios. Podemos entender, desta forma, que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, assinada em 1789 na França, abriu definitivamente as portas para os chamados Direitos Humanos. Em 1789 temos reconhecidos não apenas os direitos básicos de todo homem, mas também a obrigação negativa do Estado, ou seja, o deixar de agir torna-se obrigatório na medida em que protege o cidadão efetivamente.

      Nos dizeres de Celso de Mello,

     “enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” [6].

      Assim, conclui Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade”.[7]    

5.4. A soberania

Soberania é a qualidade de um Estado, que não está sujeita a nenhum poder externo ou interno. Podemos assim dizer, que soberania é definida pela submissão ao Direito Internacional único, dentro do poder para fazer tudo.

A Constituição Francesa estabelece a soberania dentro dos limites do artigo 3º, ditando que “A soberania nacional pertence ao povo, quer irá exercê-lo através de seus representantes e do referendo. Nenhuma seção do povo, nem qualquer pessoa, poderá reclamar seu exercício”. Entretanto, tal fórmula não pode ser interpretada de forma independente, mas necessita dos princípios contidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

O artigo 3º da Declaração diz que “o princípio de qualquer soberania reside essencialmente na nação”, de forma que podemos entender que o princípio reside no povo, mas que este não pode exercê-lo diretamente. Assim, o exercício da soberania é assegurado pela mera existência de representantes e representados.

A Constituição de 1958 inova em relação à Declaração de 1789, ao dizer que a soberania reside no povo, e não na nação, como dito anteriormente. Consequentemente, o povo é o titular da soberania, mas só pode exercer este poder de acordo com o permitido pela Constituição. Temos então, uma representação que não é da natureza do seu titular, mas deriva da vontade do constituinte. Essa soberania exercida pelos representantes, por sua vez, reside no poder constituinte e no poder legislativo. São aqueles que produzem as normas constitucionais e infraconstitucionais, expressando a vontade do poder soberano. Avaliamos, então, que a competência das autoridades não é a representação, mas que, a representação é a justificação de sua competência.

Então, subjetivamente inexiste uma ligação entre representantes e eleição. Se os eleitos devem expressar a vontade do geral, e não o fazem, não podem ser considerados como representantes, mas meramente eleitos.

Desta forma, temos que França e Brasil entendem a soberania como sendo inalienável, excluindo-se, assim, a possibilidade de uma eventual modificação. Ademais, entendemos que os Tratados Internacionais baseiam-se exclusivamente naquilo que é permitido. Ou seja, só é ou torna-se matéria constitucional, aquilo que permite o livre e pleno exercício da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político.

5.5. Participação popular

A participação popular é o reconhecimento de que a soberania pertence ao povo, sendo então a expressão máxima deste poder. A República Francesa inovou ao aplicar o instituto do referendo para a aprovação da Constituição de 1958, referendo este de caráter legislativo e constitutivo. Entretanto, esta é a única forma legalmente prevista para o exercício do poder diretamente pelo povo.

O ato de estabelecer o referendo como meio de participação popular, mostra um rompimento com a própria história política francesa, que caminhava em meio a nações soberanas e atribuía todo o poder a seus governantes. A Constituição de 4 de outubro de 1958, no parágrafo 1º do artigo 3º, vira as costas a seu recente passado, e aceita o referendo ao instituir que a “soberania nacional pertence ao povo, que irá exercê-lo através de seus representantes e do referendo”.

Apesar disso, os referendos na França permanecem tímidos, ao menos em termos quantitativos.

No Brasil, o poder constituinte optou por utilizar de uma democracia representativa dentro do nosso território. Assim, temos governantes e a participação direta dos governados no processo político. Este exercício direto se dá por meio do referendo, plebiscito e iniciativa popular. Muito mais aberta, portanto, a participação do povo brasileiro frente ao governo do que na própria França.

Por referendo entendemos consistir no projeto de lei aprovado pelo legislativo, e que deve ser submetido à apreciação popular, desde que atendidas certas exigências. Essa aplicação também difere nos dois países: é de competência exclusiva do Congresso Nacional convocar o referendo, enquanto na França pode ser convocado pela Assembleia, pelo Presidente, ou mesmo ocorrer por iniciativa popular.

O plebiscito, por sua vez, é a consulta feita aos cidadãos, referente à matéria e não a lei propriamente dita. Assim, difere do referendo por não existir, ainda, um projeto de lei já aprovado.

Finalmente, a iniciativa popular admite que o povo apresente o projeto de lei, que deverá ser acolhido e votado pelo legislativo, caso estejam atendidas todas as exigências previstas no ordenamento jurídico.

5.6. O poder legislativo

É oriunda de um francês o ideal da tripartição de poderes, embora muitos entendam existir uma contribuição do inglês Locke ao trabalho de Montesquieu. Não é de surpreender, portanto, a existência de grandes semelhanças no funcionamento desses mesmos poderes. O exercício do poder legislativo na França funciona em bicameralismo, assim como no Brasil.

Constitui-se a partir de uma Assembleia Nacional – deputados – e do Senado. A grande diferença reside na escolha dos membros de cada casa. Enquanto escolhemos nossos representantes de forma direta e universal, isso só ocorre na Assembleia Nacional na França. Isto porque, para o Senado funciona o sistema distrital. Assim, o povo vota nos deputados, enquanto os distritos locais escolhem de maneira indireta os representantes para o Senado.

O período das eleições também é semelhante. O Senado, tanto aqui como na França, é renovado parcialmente e periodicamente. Isso significa que em cada período eleitoral renovamos apenas metade do Congresso Nacional.

Podemos concluir citando Rousseau, que afirmava

“o legislador é, sob todos os pontos de vista, um homem extraordinário no Estado. Se o é pelo seu talento, não o é menos pelo seu cargo. Não é este de magistratura, nem de soberania. Este cargo, que constitui a República, não entra em sua constituição: é uma função particular e superior, que nada tem de comum com o império humano, porque se aquele eu manda nos homens não deve dominar sobre as leis, aquele que domina as leis, tampouco deve mandar nos homens. Do contrário, com as leis do tirano, ministro de suas paixões, não farão, muitas vezes, senão perpetuar suas injustiças e nunca poderão evitar que opiniões particulares alterem o saneamento de sua obra”.[8]

5.7. O poder judiciário

Ao contrário de muitas Constituições Europeias, e da brasileira também, a Constituição Francesa não dedica muito espaço às funções judiciárias. Acreditam que, mesmo sem mencionar as expressões “judiciário”, “executivo” ou “legislativo”, não há o que conteste a existência dos mesmos.

Não obstante, a Carta francesa dedica apenas três artigos ao poder judiciário (64, 65 e 66), enfatizando o piso salarial e a independência de tal poder, tanto externo quanto interno. Ademais, cumpre salientar uma diferença fundamental em relação a nossa Constituição Federal. Os tribunais franceses não são responsáveis pelo controle de constitucionalidade, que fica a cargo do Conselho Constitucional.”

A Constituição Federal brasileira, por sua vez, dedica os artigos 92 a 126 à organização do poder judiciário. Ao contrário de nossa antecessora na tripartição de poderes, nossos legisladores “esmiuçaram” as funções e atribuições do judiciário, bem como seus órgãos e respectivas organizações. E, também, creditamos independência e autonomia frente aos demais poderes da estrutura do Estado.

Assim, no que tange a independência, comum entre os dois países, finalizaremos citando Clèmerson Merlin Clève,

“talvez não exista Judiciário no mundo que, na dimensão unicamente normativa, possua grau de independência superior àquela constitucionalmente assegurada à Justiça Brasileira”.[9]

5.8. O poder executivo

A França apresenta um modelo de regime parlamentarista, marcado pela colaboração recíproca entre o executivo e o legislativo. Temos então o Presidente, que exerce o papel de Chefe de Estado, e o Primeiro- Ministro, escolhido pelo Presidente e que irá exercer o papel de Chefe de Governo.

De fato, o governo é exercido quase em sua totalidade pelo Primeiro – Ministro, ressaltando que o mesmo tem responsabilidade frente ao Parlamento. Também fica a cargo do Primeiro- Ministro a indicação do corpo ministerial, que deverá, entretanto, ser aprovado conjuntamente com o Presidente da República.

Assim, concluímos que o poder, na França, é exercido coletivamente e solidariamente, onde cada membro assume o papel político e administrativo, colaborando para que o governo continue a ser o cerne político e administrativo da nação.

Ao contrário dos franceses, nosso sistema de governo é Presidencialista. Assim, temos na mesma figura a chefia do Governo e do Estado. Embora auxiliado pelos Ministros de Estado, é de inteira responsabilidade do Presidente da República o exercício do poder dentro e fora do território nacional.

Assinala Alexandre de Moraes que,

      “assim, igualmente aos congressistas, o Chefe do Poder Executivo Federal é eleito pelo povo e possui várias prerrogativas e imunidades que, apesar de comumente estudadas sob outros aspectos, são garantias para o independente e imparcial exercício da chefia da Nação”.[10]

Finalmente, não há que se falar em irresponsabilidade, haja visto nossa Constituição Federal prever regras de responsabilização do Presidente da República, a exemplo do que ocorre na França.


6. Conclusão 

Não há mais que se falar em Direito Constitucional, isoladamente. Cometemos esse erro consecutivamente ao separarmos, sob a bandeira da didática, o nosso ordenamento jurídico. Quando separamos, ainda na faculdade, esses estudos, condicionamos nosso aprendizado a se limitar a determinados temas quando, na verdade, deveríamos exercitar o contrário. O sistema jurídico é uno, e como tal deve ser tratado.

Diferente não poderia ser o Direito Constitucional. No auge de nosso discurso sobre Direitos Humanos, pouco ou nada sabemos sobre os Direitos e Garantias Fundamentais aplicados aqui mesmo, em nosso país. Limitamos-nos a levantar questionamentos, mas jamais em elucidá-los por nós mesmos. O posicionamento de que, ao admitir um principio jurídico externo ao nosso ordenamento estaríamos, em tese, violando nosso ideal de soberania, é um exemplo disso.

Os comparativos apresentados não tratam da letra da lei, mas do que existe de história na construção deste sistema.


Referências

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. São Paulo: Acadêmica, 1993.

DELLOVA, Renato Souza. Desafios Empresariais e seus reflexos jurídicos. São Paulo: Ícone, 2013.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Op. cit. Cap. 7.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2002.

STF – PLENO – MS nº22. 164/SP – REL. MIN. CELSO DE MELLO, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995.


Notas

[1] Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003. p.36.

[2] Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2002. p.34.

[3] Dellova, Renato Souza. Desafios Empresariais e seus reflexos jurídicos. São Paulo: Ícone, 2013. p. 231.

[4] Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2002

[5] Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 104.

[6] STF – Pleno – MS nº22. 164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p.39.206.

[7] Filho, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 57.

[8] Rousseau, Jean-Jacques. O contrato social. Op. cit. Cap. 7.

[9] Clève, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 38.

[10] Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 420.


Abstract: This work is dedicated to the study of foreign influences in shaping the Brazilian Constitucional Law, precisely the French principles. We have, then, the definition of what would be the Constitucional Law and the Consitucion of a nation, binding studies to encompass the ideas and values applied by legislating system at the time of his act. The central Idea of the work is to demonstrate the impact of French doctrines in our legal system, elucidating points os convergence and bringing up the pinciples applied in both systems, albeit differently.

Keywords: Law. Constitucion. Compared. France. Study.

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Sobre a autora
Bruna Martins Gomes

Graduando em Direito pela Faculdade Anhanguera de Campinas - Unidade 3.Pós- graduada em Biodinâmica do Movimento pela Mackenzie/SP. Bacharel em Educação Física pela PUCCAMP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Bruna Martins. Reflexos do sistema constitucional francês na Constituição Federal brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4245, 14 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31725. Acesso em: 22 dez. 2024.

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