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Sistemas de responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho

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10/09/2014 às 15:19
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4. Microssistemas de responsabilidade civil objetiva

4.1. Acidente nuclear

A Convenção de Viena, de 21 de maio de 1963, cuidou da responsabilidade por danos nucleares, fixando a diretriz de que a responsabilidade do operador nuclear independe de prova da culpa, normativa internacional que influenciou a aprovação de uma das primeiras legislações especiais brasileiras que reconheceu a responsabilidade civil objetiva para determinada atividade de risco (Lei 6.453 de 1977), dizendo em seu art. 4º que: “Será exclusiva do operador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear.” Ocorre que a citada lei excluiu a sua incidência dos acidentes de trabalho ao estatuir que: “As indenizações pelos danos causados aos que trabalham com material nuclear ou em instalação nuclear serão reguladas pela legislação especial sobre acidentes do trabalho.” (art. 17). Enfim, após o ano de 1977, todas as possíveis vítimas de danos nucleares gozavam da proteção da responsabilidade civil objetiva, facilitadora para obtenção da reparação, a exceção dos empregados dos operadores nucleares, pois não havia uma legislação de responsabilidade civil especial para os empregados e nem fora aprovada nos anos que se seguiram, estando, com efeito, submetidos às regras da responsabilidade aquiliana do vigente Código Civil de 1916.

A Constituição Federal de 1988 reafirmou no art. 21, XXIII, que os danos ocasionados por atividade nuclear sujeitam objetivamente os seus responsáveis, no que ela recepcionou a regulamentação da Lei 6.453 de 1977, em essência. A questão passou a ser concluir se a regra de exceção do art. 17 também fora recepcionada, na medida em que a regra constitucional não estabeleceu restrição à aplicação da responsabilidade civil objetiva aos acidentes nucleares com os trabalhadores. A maioria dos juristas concluiu que alguns artigos da Lei 6.453 de 1997, principalmente aquelas que estabeleciam restrições – como a limitativa do valor das indenizações, a excludente da proteção aos empregados – não teriam sido recepcionados, em função do princípio interpretativo de que possuem máxima efetividade as normas constitucionais, devendo o intérprete optar por aquela interpretação que confira maior expansividade aos direitos fundamentais. Também em nosso sentir desde a Constituição de 1988 a responsabilidade pelos acidentes nucleares causados aos empregados das operadoras é integrante do gênero objetivo.

Para encerrar qualquer resquício de discussão, a Convenção de Viena, de 21 de maio de 1963, passou a ter validade interna com o Decreto Presidencial n. 911 de 1993, de modo que as suas disposições passaram a pertencer ao direito interno com status atual de supralegalidade[22], em cuja norma internacional não há restrição quanto à aplicação aos empregados das operadoras nucleares, por corolário revogou diretamente o art. 17 da Lei 6.453 de 1977, para aqueles que ainda o entendia recepcionado.

A normatização atual sobre os acidentes nucleares é formada pelo art. 21, XXIII, da Constituição de 1988, regulamentado pela Convenção de Viena de 1963 e complementado, residualmente, por algumas das disposições da Lei 6.453 de 1977 que passaram pelo duplo filtro da recepção constitucional e da compatibilidade convencional com o tratado internacional.[23]

O fato de a responsabilidade civil por acidentes nucleares ser do gênero objetivo apenas remete à conclusão de que a sua caracterização independe de prova da culpa, contudo os seus requisitos específicos, as excludentes e a prescrição estão previstos no microssistema especial.

A vítima deve provar a existência do dano e o nexo causal entre aquele e a atividade nuclear[24] para obter a condenação do operador nas indenizações, além de a legislação imputar à União a responsabilidade subsidiária em caso de o operador nuclear não possuir recursos suficientes.

Entre as excludentes de responsabilidade reconhecidas pelo microssistema está o fato exclusivo da vítima[25] e o acidente causado por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza.[26] O fato de terceiro não exclui o dever de indenizar, pois o art. 6° da Lei 6.453 de 1977 reconheceu o fato da vítima como excludente “apenas em relação a ela”, o que significa que o dano nuclear causado por um indivíduo exonera o operador nuclear do dever de indenizar o referido indivíduo, mas não outras vítimas do acidente. Analisando o acidente tendo em foco a relação jurídica entre o operador e as outras vítimas, o fato causado pelo primeiro indivíduo é fato de terceiro e não exonera o operador nuclear. O operador além de indenizar as outras vítimas, ainda que o acidente tenha origem em fato de terceiro, somente terá ação regressiva contra o terceiro se provar o dolo desse último e não mera atuação culposa.[27]

No conceito de acidente nuclear, para efeito de submissão ao microssistema de responsabilidade, não se enquadram as atividades empresárias que submetem seus empregados aos efeitos de radiações ionizantes, como hospitais, clínicas e laboratórios de análises clínicas[28], o que não afasta a possibilidade de se enquadrar o acidente nos limites da cláusula geral por atividade de risco do art. 927, parágrafo único, do novo Código Civil, mas nesse caso deverá haver comprovação do risco acentuado, o prazo prescricional será o da lei civil e as excludentes àquelas do Código Civil de 2002.

O prazo prescricional para o exercício da pretensão de responsabilidade civil nos acidentes nucleares é de dez anos, contados da data do acidente nuclear.[29]

4.2. Acidente ambiental

A Constituição Federal de 1988 enunciou direitos fundamentais de todas as dimensões - direitos de liberdade, igualdade e solidariedade - entre os quais se encontra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O estudo sistêmico do texto constitucional revela ao intérprete a preocupação do constituinte com o meio ambiente em quatro perspectivas: natural ou físico, artificial, cultural e do trabalho.[30] A eficácia do princípio geral do meio ambiente equilibrado gerou reflexos especificamente nos limites do Direito do Trabalho com a necessidade de redução dos riscos inerentes ao trabalho por intermédio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, 7º, XXII) e com a implementação pelo Sistema Único de Saúde da proteção do meio ambiente do trabalho (CF, 220, VIII).

O meio ambiente do trabalho é conceituado por Celso Antonio Pacheco Fiorillo como o local onde as pessoas desempenham as suas atividades laborais, remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade psicofísica dos trabalhadores, independente da condição jurídica que ostentem, ou seja, o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado pertence à todas as espécies de trabalhadores, empregados, servidores públicos, autônomos, temporários etc.[31]

O artigo 225, § 3°, da Constituição Federal garante a repercussão dos danos ambientais em três esferas diferentes, quais sejam, administrativa, criminal e civil. Pela perspectiva da reparação civil o art. 14, § 1°, da Lei 6.938/1981 impõe a reparação dos danos em favor do meio ambiente (direito difuso) e de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, com a particularidade que “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”, havendo opção pela responsabilidade civil objetiva, quando o legislador dispensou a demonstração de culpa.

Também da interpretação do artigo 225 da Constituição extrai-se os princípios inerentes ao direito ambiental: da prevenção[32], da educação, do desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador, da participação e da ubiqüidade, aplicáveis ao Direito do Trabalho.

Por sua vez, as normas infraconstitucionais trabalhistas que materializam o direito fundamental ao meio ambiente do trabalho equilibrado são as normas internacionais ratificadas e internalizadas[33], que ocupam o status de supralegalidade, a CLT (capítulo V), a Lei n. 7.369/1985 (trabalho por contato com energia elétrica), a Portaria n. 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego (com as suas normas regulamentadoras - NR's) e a Portaria n. 3.393/1987 (trabalho com radiações ionizantes ou substâncias radioativas). Objetivamente, todos aqueles que estão submetidos ao meio ambiente do trabalho - gerentes, empregados, estagiários, voluntários, autônomos - possuem o direito subjetivo de que as normas dos tratados internacionais, das Leis 6.938/1981 e 7.369/1985, do capítulo V da CLT, das NR's da Portaria n. 3.214/1978 e da Portaria n. 3.393/1987 sejam integralmente atendidas. Se não o forem, havendo ocorrência de danos, estar-se-á diante de acidente ambiental do trabalho, sujeitando-se o poluidor à reparação independente de apuração de ato ilícito ou culpa.

Existe grande cizânia doutrinária acerca da espécie de risco abraçada pelo sistema ambiental brasileiro, pois nem a Constituição, nem a lei regulamentadora fazem a opção de forma expressa. Há aqueles que defendem a modalidade por risco integral, quando nenhuma excludente de nexo causal seria admitida[34], assim como outros são da posição que a teoria adotada foi a do risco criado, quando se admite as excludentes clássicas de nexo causal.[35] Annelise Monteiro Steigleder, com apoio em extensa pesquisa de direito comparado, defende a posição intermediária de que apenas a força maior e o fato de terceiro seriam causas excludentes, pois consistem em fatores externos, desvinculados ao empreendimento, nada tendo a ver com os riscos intrínsecos à atividade ou estabelecimento.[36] Essa também é a nossa posição, pois a teoria do risco integral é excepcionalíssima em nosso sistema de responsabilidade objetiva, de modo que quando o legislador quis adotá-la o fez expressamente (como no direito previdenciário e no seguro obrigatório para proprietários de veículos), também pela razão de que a força maior e o fato de terceiro, quando imprevisíveis, irresistíveis e exteriores, não podem ser incluídos dentro da malha de responsabilidade do agente ambiental, por absoluta falta de conexidade entre a atividade e o dano.[37]

Coerente com os pilares do macrossistema de responsabilidade objetiva, em que não se investiga culpa ou ato ilícito do causador do dano, relembra José Afonso da Silva que não libera o poluidor nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo, já que as autorizações e licenças são concedidas com a inerente ressalva dos direitos de terceiros prejudicados. Mesmo que o poluidor exerça a atividade dentro dos padrões fixados pelas licenças administrativas, isso não o exonera de verificar se sua atividade é prejudicial, se está ou não causando dano, quando é responsável objetivamente.[38]

Quando o dano ambiental for ocasionado por mais de um agente serão todos eles solidariamente responsáveis pela reparação, na medida em que o art. 3°, IV, da Lei n. 6.938/1981 considera como poluidores as pessoas físicas ou jurídicas que atuem, tanto direta como indiretamente, para causar a degradação ambiental, solidariedade que atualmente foi reforçada pelo artigo 942 do Código Civil.[39]

Em relação à figura do Estado haverá sua responsabilidade em três diversas situações. Quando a pessoa jurídica de direito público causar diretamente um dano de natureza ambiental, será objetiva e diretamente responsável (CF, art. 37, § 6°). Já na ocasião em que os danos forem causados diretamente pelas empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, responderá o Estado de forma solidária, pois ele é considerado o responsável indireto da poluição ambiental, na forma do art. 3°, IV, da Lei n. 6.938/1981. Anote-se que embora a Lei n. 8.987 de 1995 vede a imposição de responsabilidade ao Estado nas modalidades de concessões e permissões de serviços públicos, considera os autores e a jurisprudência a lei das concessões uma regra geral, que cede na ocasião para a lei especial dos acidentes ambientais.[40] Pelo mesmo fundamento o Estado é responsável solidário com o autor direto do dano quando se omite na sua função de fiscalização das atividades poluidoras e na concessão sem critério de autorizações administrativas e licenças ambientais.[41]

Não há na legislação específica ambiental prazo prescricional para a pretensão reparatória. Houve longo dissenso doutrinário e jurisprudencial em torno do tema, sedimentando-se o entendimento de que os danos ambientais podem alcançar o coletivo e o individual. O artigo 14, § 1°, da Lei 6.938/1981 impõe a reparação dos danos em favor do meio ambiente (direito difuso) e de terceiros (direitos coletivos, individuais homogêneos ou individuais puros, conforme a situação). Na primeira modalidade de danos aos direitos difusos a pretensão é imprescritível[42] e na segunda modalidade o prazo é de 3 anos, conforme artigo 206, § 3°, V, do Código Civil.

Transportando as conclusões acima para as relações de trabalho, afirmamos que quando a vítima do dano ecológico for o trabalhador, incidirá na sua relação jurídica que o enlaça ao tomador de sua mão-de-obra o microssistema por danos ambientais, no qual a responsabilidade civil do poluidor é objetiva, independente de prova de culpa e ato ilícito, podendo haver a comprovação das excludentes de nexo causal por força maior e fato de terceiro, desde que imprevisíveis, irresistíveis e exteriores. Segue que, a depender da situação concreta, o Estado responderá solidariamente pela reparação, devendo integrar a relação jurídica processual.[43] O prazo de prescrição é de três anos, a teor do artigo 206, § 3°, V, do Código Civil.

Os exemplos multiplicam-se, conforme haja o enquadramento nas normas de proteção ao meio ambiente do trabalho. Considera-se acidente ambiental do trabalho a doença que acometeu motorista profissional de ônibus em razão de sua submissão às vibrações, por adequação à Convenção n. 148 da OIT, como também é acidente ambiental o causado pela explosão de uma caldeira em frigorífico, por adequação na NR-13, e a morte do operário pela descarga de energia elétrica de alta tensão, por enquadrar-se na Lei n. 7.369/1985, incidindo o microssistema de responsabilidade objetiva do empregador nesses casos, ajustando-se à figura do poluidor. Significa dizer que ainda que o empregador tenha tomado todos os cuidados impostos pela legislação, como a entrega de EPI, instalação de dispositivos de segurança, treinamento dos empregados, entre outros, tais fatos não o exime da responsabilização, salvo se comprovar força maior ou fato de terceiro, imprevisíveis, irresistíveis e exteriores, afastando a relação de conexidade entre a atividade e o dano ambiental.

4.2.1. Acidente ambiental biológico

A Lei n. 11.105 de 2005 regulamentou o art. 225 da Constituição de 1988 para estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados, considerando dentro da incidência legislativa as atividades de construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comercialização, consumo, liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados e seus derivados, cujos danos causados sujeitam os seus responsáveis, solidariamente e independentemente da existência de culpa, à responsabilização civil objetiva (art. 20), no que a legislação especial apenas reafirmou a objetividade civil da responsabilidade, pois o acidente biológico é uma espécie de dano ambiental.

Inserem-se no conceito de acidente biológico todos aqueles verificados a partir das atividades com os organismos geneticamente modificados, como nas indústrias farmacêuticas, de herbicidas agrícolas, sementes transgênicas, alimentícias, entre tantas outras, expondo os seus empregados ao risco de acidentes ou doenças.

A doença ocupacional contraída por empregado que manipula organismo geneticamente modificado na atividade de pesquisa para a qual foi contratado, sujeita o empregador na responsabilidade objetiva, devendo o empregado apenas provar dano e nexo causal, ou seja, relação de conexidade entre a doença desenvolvida e o organismo geneticamente modificado manipulado, mesmo que o empregador tenha tomado todas as medidas de proteção, como treinamento, oferecimento de equipamentos de proteção e que possua licença para a atividade. Por se tratar espécie de dano ambiental, socorre o empregador apenas a prova de uma das duas excludentes de nexo causal admitidas: o fato de terceiro e a ocorrência de força maior, externa, irresistível e imprevisível.

4.3. Acidente de transporte

Já vimos no tópico introdutório que o advento do maquinismo e das diversas formas de transporte é que empolgaram os doutrinadores a desenvolver as teorias de responsabilidade civil, na medida em que essas descobertas da sociedade industrial potencializaram a ocorrência de acidentes, tanto com os trabalhadores, como com os usuários dos novos meios de transporte em geral; por exemplo, a primeira legislação brasileira a recolher a teoria subjetiva com presunção de culpa se deu no transporte ferroviário. É por essa razão que houve caudalosa atividade legislativa, nacional e internacional, acerca dos acidentes de transporte, em todas as suas modalidades, invariavelmente adotando a responsabilidade civil objetiva. Com a promulgação da Constituição de 1988 todos esses microssistemas foram recepcionados, com o reforço constitucional quanto à adoção da teoria objetiva, na medida em que o transporte aéreo, aeroespacial, ferroviário, aquaviário, rodoviário interestadual e internacional de passageiros, além do transporte coletivo municipal, são considerados serviços públicos (CF, art. 21 e 30) e as empresas privadas delegatárias que os executam respondem objetivamente (art. 37, § 6°).

O novo Código Civil unificou a teoria objetiva para todas as modalidades de transporte (art. 734), optando pela espécie objetiva agravada, admitindo apenas a força maior como uma excludente de nexo causal, afastando expressamente a alegação de fato de terceiro como possível excludente (art. 735) e também caso fortuito, enquanto eventos imprevisíveis, porém inerentes aos riscos da atividade (art. 741). Da leitura do art. 738 depreende-se que também o fato exclusivo da vítima é relevante para a fixação da indenização, reduzindo-a equitativamente conforme a vítima houver concorrido para o dano, a fortiori, concorrendo sozinha a vítima para a ocorrência do dano, haverá fato exclusivo e o rompimento do nexo causal. Rui Stoco também defende que: “se o dano decorrer de transgressão de normas e instruções por parte da vítima e essa for a única causa eficiente do dano, estaremos diante de hipótese de culpa exclusiva da vítima, circunstância que rompe o nexo causal entre o transportador e o dano e exsurge como causa excludente de responsabilidade.”[44]

Com percuciência observa Fernando Noronha que a empresa de transporte urbano responde pelos danos sofridos por passageiros em consequência de colisão por terceiro (mesmo que por culpa exclusiva deste), como a empresa ferroviária responde pelas lesões sofridas por pingentes que viagem sobre o teto dos vagões.[45]

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Ressalvou o Código Civil, por outro lado, a recepção dos microssistemas de responsabilização das empresas permissionárias, concessionárias e autorizadas pelo Estado (art. 731) e as demais legislações especiais, inclusive internacionais (art. 732). Significa dizer que as regras gerais para todas as modalidades de transportes estão previstas no Código Civil, principalmente a responsabilidade civil na espécie objetiva agravada – com admissão de apenas força maior e fato exclusivo da vítima como excludentes de nexo causal –, ficando para os microssistemas especiais a pormenorização dos seus demais efeitos.

A questão passa a ser quem são as pessoas que se inserem na relação jurídica prevista no Código Civil, se apenas os passageiros ou também empregados do transportador e terceiros. A partir dos textos dos art. 730 e 736, a nossa interpretação é a de que podem ocupar os pólos da relação qualquer pessoa física ou jurídica na qualidade de transportador e qualquer pessoa física ou jurídica na qualidade de contratante, cujo objeto dessa relação é o transporte de um lugar para outro de pessoas ou coisas. A obrigação poderá ser onerosa ou gratuita, havendo retribuição pecuniária pelo transporte ou quando o transportador a faz graciosamente, mas obtendo vantagens indiretas. A lei exclui expressamente da sua incidência o transporte gratuito, quando realizado por amizade ou cortesia.

Segue que, em nossa opinião, poderá o microssistema incidir nas relações de trabalho, na medida em que o empregador forneça o transporte para levar seus empregados de um lugar para outro, havendo cobrança de valores ou mesmo graciosamente, nesse último amoldar-se-á ao transporte gratuito com ganhos indiretos. São exemplos o transporte itinerário, de casa ao local de trabalho, o transporte de empregado que presta labor fora do estabelecimento empresarial, visitando clientes. Excluiu-se, de outra banda, da incidência normativa as relações em que os empregados são os motoristas dos veículos, pois aqui perde ele a condição de transportado, passando a ser agente de eventual dano. Refinando as situações é de se exemplificar o caso de uma empresa que compra um microônibus e contrata um motorista para transportar seus empregados de casa para o local de trabalho. Havendo acidente com o veículo, causando danos aos passageiros, a relação jurídica entre os transportados e o empregador incidirá nas malhas do microssistema civil por acidente de transporte, ressalvado o motorista, em relação ao qual incidirá outras normas. Na última relação jurídica poderá ser que até outro microssistema de responsabilidade civil objetiva venha a aplicar-se, por exemplo, se comprovar o motorista que a atividade era de risco (cláusula geral codificada) ou mesmo delegação de serviço público (risco administrativo); não havendo a incidência de nenhum outro microssistema de responsabilidade objetiva, recolhê-lo-á na teoria subjetiva.

Excluem-se, também, do microssistema os terceiros que, não sendo transportados, possam sofrer danos com a atividade, como pedestres atropelados, passageiros do outro veículo abalroado etc.

Acrescentamos em alento à nossa tese que os empregados enquadram-se no conceito de “pessoas transportadas” do art. 734, para fins de submissão ao sistema de responsabilidade. O legislador civil quando quis pormenorizar, fez a expressa referência aos passageiros de forma específica (art. 739), divisando a espécie do conceito amplo de pessoas transportadas. Também uma leitura da legislação civil à luz da Constituição Federal levaria à mesma conclusão, pois o art. 37, § 6°, protege tanto os empregados, usuários e terceiros de forma objetiva pelos danos causados pelas empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos.[46]

Por essas razões aplaudimos a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que já é remansosa na aceitação das disposições do Código Civil para regular as relações trabalhistas em que o empregador concede transporte aos empregados, ocupando esses a condição de pessoas transportadas, ainda que de forma gratuita, pois, mesmo que não haja cobrança de tarifa, haverá sempre proveito indireto pelo empregador, amoldando-se à previsão do art. 736, parágrafo único, do Código Civil.[47]

Nas oportunidades em que o empregador contrata terceiros para transportar seus empregados, assume ele a responsabilidade objetiva indireta pelos danos que ocorrer aos transportados. A responsabilidade encontra regência no art. 932, III, do Código Civil, na medida em que o terceiro contratado é juridicamente preposto do empregador. E o preposto da lei civil não se confunde com o preposto representante do empregador nas audiências trabalhistas; enquanto esse deve ostentar a condição de empregado, na forma da Súmula 377 do TST, o preposto da lei civil não, bastando configurar a relação de direção com o preponente, com subordinação hierárquica ou não, com habitualidade ou não. Para Silvio de Salvo Venosa o conceito de empregado é perfeitamente definido, mas não o é o de preposto. Nesse último, inserem-se todas as figuras intermediárias nas quais surge mitigada a ideia de poder diretivo; o vínculo de subordinação é tênue. “Não é necessário que essa relação tenha caráter oneroso: aquele que dirige veículo a pedido de outrem, ainda que de favor, tipifica a noção de preposto. A responsabilidade surge, como mera explicação, porque se escolheu mal o preposto, culpa in eligendo, ou porque não foram dadas a ele as instruções devidas, culpa in instruendo, ou porque não houve a devida vigilância sobre a conduta do agente, culpa in vigilando.”[48]

Rui Stoco, após revisar extensa doutrina nacional e estrangeira, conclui que o empregador responde objetivamente pelos atos de todos aqueles que desempenham atividades sob suas ordens, com vínculo de emprego, mera prestação de serviços eventuais ou prepostos a quem o tomador de serviços delegou funções que, originalmente, lhe pertencem. Dessa relação surge um vínculo de subordinação, pois o subordinado passa a agir em nome ou por ordem do preponente.[49]

O artigo referido diz que são também responsáveis os empregadores pelos atos dos seus prepostos, significando que tanto àqueles como esses são juridicamente responsáveis solidários pela obrigação, na forma do art. 942 do Código Civil, devendo figurar ambos na relação jurídica processual indenizatória.

4.3.1. Acidente de transporte ferroviário

A atividade de transporte ferroviário de passageiros e cargas é regulada pelos Decretos 2.681/1912, 2.089/1963 e 1.832/1996, contudo os dispositivos dos antigos decretos que ainda continuam em vigor referem-se aos danos causados às bagagens e aos proprietários marginais, tendo o regramento quando ao acidente com as pessoas transportadas recebido inteira regulamentação pelas normas gerais do Código Civil e pela teoria objetiva pelo risco administrativo do artigo 37, § 6°, da Constituição, de modo que remetemos aos tópicos 4.3 e 4.4.

O art. 47 do Decreto n. 1.832/1996 reforça a regra geral da lei civil de que o fato exclusivo da vítima rompe o nexo causal, excluindo o dever de indenizar pela empresa transportadora.

4.3.2. Acidente de transporte aeronáutico

Quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 tanto a Convenção de Varsóvia de 1929 (Dec. 20.704/1931) quanto o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/1986) foram recepcionados para regular os acidentes aeronáuticos. Posteriormente, o Brasil promulgou a Convenção de Montreal de 1999 (Dec. 5.910/2006), que trata de unificar regras sobre transporte aéreo internacional, substituindo a antiga Convenção de Varsóvia e outras normas internacionais sobre a temática. Atualmente, e atendendo ao mandamento do art. 178 da Constituição, a Convenção de Montreal regula o transporte aéreo internacional e o Código Brasileiro de Aeronáutica o transporte aéreo nacional ou interno.

Os julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça aplicam o Código de Defesa do Consumidor, de forma supletiva, a ambos os sistemas de acidentes aeronáuticos, entretanto quanto ao tema dos acidentes de trabalho, nosso objeto específico da pesquisa, não há falar em aplicação, direta ou supletiva, do CDC.[50] Mesmo assim, a aplicação da lei consumerista e do Código Civil pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é alvo de oposição da doutrina especializada[51] e de decisão recente do Supremo Tribunal Federal.[52]

O art. 1º da Convenção de Montreal diz que se aplica “a todo transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante remuneração. Aplica-se igualmente ao transporte gratuito efetuado em aeronaves, por uma empresa de transporte aéreo.”. Com efeito, não há vedação expressa quanto à incidência nas relações jurídicas entre os tripulantes e as companhias aéreas – como, p. ex., havia na legislação quanto aos acidentes nucleares – pelo que o entendimento atual é no sentido de sua aplicação para os acidentes de trabalho sofridos pelos empregados das empresas aéreas, estando os aeronautas, enquanto espécie, inseridos no conceito amplo de “pessoas” da Convenção.[53] Acrescente-se tudo que dissemos quanto aos transportes em geral (item 4.3, retro), principalmente o fato de a Convenção de Montreal, assim como o art. 736 do Código Civil, ser aplicável aos transportados gratuitamente, como se dá com os empregados, e não só aos passageiros em sentido estrito, os quais pagam contraprestação pelo serviço.

Segue que os acidentes de trabalho ocorridos com os empregados das empresas aéreas, enquanto na realização de transporte aéreo internacional, são recolhidos pelo microssistema de responsabilidade objetiva[54], bastando apenas prova do dano e do nexo de causalidade, o qual pode ser rompido pelo fato exclusivo da vítima; sequer as hipóteses de caso fortuito, força maior e fato de terceiro excluem a relação obrigacional, motivo pelo qual se trata de responsabilidade civil objetiva agravada. O art. 21 da Convenção refina a situação ao prever que a indenização é limitada a um teto, podendo excedê-lo apenas se comprovada culpa da transportadora. No julgado referido na nota n. 50 acima, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que as limitações tarifárias da norma internacional não se amoldam com o princípio da reparação integral do artigo 5°, V e X, da Constituição, havendo, então, posições divergentes quanto à constitucionalidade da indenização tarifada.[55]

O prazo prescricional para responsabilidade civil no transporte aéreo internacional é de dois anos, contados a partir da data da chegada ao destino, ou no dia em que a aeronave deveria haver chegado, ou da interrupção do transporte, conforme art. 35 da Convenção de Montreal. Inobstante a posição de alguns autores quanto à aplicabilidade dos prazos prescricionais do Código Civil, mais benéficos, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento pela incidência do prazo específico da norma internacional[56], cuja posição tem o nosso assentimento, tanto porque as normas internacionais têm status supralegal, como porque os prazos de prescrição são sempre aqueles dos microssistemas de direito material, havendo incidência do Código Civil apenas quando aqueles foram omissos.

Já no transporte aéreo doméstico o Código Brasileiro de Aeronáutica também adotou a teoria objetiva agravada para os acidentes, rompendo-se o nexo causal apenas se houver fato exclusivo da vítima ou se a morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro. O mesmo art. 256 do Código estende a sua incidência aos passageiros gratuitos, tripulantes, diretores e empregados da companhia aérea. Já os arts. 246 e 257 fixam teto indenizatório para a modalidade objetiva, à semelhança do transporte internacional, devendo a vítima comprovar culpa da empresa aérea ou seus prepostos para lograr indenização além do limite. Aplica-se aqui tudo o que dissemos linhas acima quanto à cizânia doutrinária a respeito da constitucionalidade da tarifação da indenização e a posição do TST no sentido de sua não-recepção.

Também é de dois anos o prazo prescricional para a pretensão indenizatória quanto ao transporte doméstico, na forma do art. 317 do Código Brasileiro de Aeronáutica.

O mesmo Código Brasileiro de Aeronáutica conceitua diversas espécies de serviços aéreos, entre as quais estão os serviços aéreos especializados, os públicos, regulares e irregulares, e mesmo os serviços aéreos privados, realizados sem remuneração, nas atividades de recreação, desportivas, realização de serviços especiais ou para transporte reservado ao proprietário, inserindo todas as espécies dentro da responsabilidade objetiva do microssistema. Significa que tanto estão protegidos pela malha legislativa especial os empregados das empresas aéreas regulares nacionais, das empresas não-regulares (fretamentos) ou mesmo os empregados transportados no avião particular do empregador, no trajeto da fazenda onde trabalha para a cidade, por exemplo.

4.3.3. Acidente de transporte aquaviário

O transporte aquaviário engloba as espécies marítima, lacustre e fluvial, nacional e internacional, estando regulado pelas Leis 2.180/1954 (Tribunal Marítimo), 9.432/1997 (ordenação do transporte aquaviário), 9.537/1997 (segurança do tráfego aquaviário) e 9.578/1997 (reformulação do Tribunal Marítimo), entretanto em nenhuma delas há regramento quanto à responsabilidade civil. Apenas em relação ao transporte marítimo de cargas há disciplina específica de responsabilidade, sendo o doméstico regulado pelo Código Comercial de 1850, naquilo que não revogado pelo Código Civil, e o transporte internacional pela Convenção de Bruxelas de 1924.

Em relação ao transporte marítimo, lacustre e fluvial de pessoas, que interessa ao tema de acidentes do trabalho, todavia, incidem integralmente as disposições gerais do Código Civil quanto aos transportes em geral e as disposições do art. 37, § 6°, da Constituição, nas ocasiões de realização de serviços públicos.[57] Ressalve-se que no transporte rudimentar, pessoal ou coletivo, que não se caracterize como serviço público regular de responsabilidade do Estado, como barcos de passeio, recreação ou turismo, travessias dentro do mesmo Estado, não haverá incidência do sistema de responsabilidade pelo risco administrativo, aplicando-se a regra geral civilista da responsabilidade no transporte (vide itens 4.3 e 4.4).

4.3.4. Acidente de transporte terrestre

Também quanto ao tema não há regramento específico de responsabilidade civil, pelo que incidem integralmente as disposições gerais do Código Civil quanto aos transportes em geral e as disposições do art. 37, § 6°, da Constituição, nas ocasiões de realização de serviços públicos.[58] O Protocolo de São Luiz de 1996, com a errata de Assunção de 1997, celebrado entre os países integrantes do MERCOSUL foi promulgado pelo Decreto n. 3.856/2001 e passou a regular o direito aplicável e a jurisdição internacionalmente competente em casos de responsabilidade civil emergente de acidentes de trânsito ocorridos no território de um Estado-Parte, nos quais participem, ou dos quais resultem atingidas, pessoas domiciliadas em outro Estado-Parte.

4.4. Empregados públicos e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos

Consentânea com todo o desenvolvimento histórico da responsabilidade civil do Estado, que oscilou desde a irresponsabilidade, passando pela teoria subjetiva para os atos de gestão, pela teoria subjetiva para todos os seus atos, a Constituição de 1988 consagrou definitivamente que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (art. 37, § 6°).

O constituinte consagrou a teoria objetiva da responsabilidade, na espécie do risco administrativo, para os danos que seus agentes causarem. A primeira conclusão é que não só as pessoas jurídicas de direito público, mas inclusive também as de direito privado prestadoras de serviços públicos estão enquadradas na responsabilidade civil objetiva. Desse segundo grupo fazem parte as fundações governamentais de direito privado, as empresas públicas, sociedades de economia mista, organizações sociais[59], atividades delegadas[60], empresas permissionárias e concessionárias, desde que prestem serviços públicos, o que afasta do microssistema objetivo os entes da administração indireta que exerçam atividades econômicas de natureza privada.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quanto ao último requisito, anota que o artigo constitucional exige que as entidades prestem serviços públicos, o que exclui os entes da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; por isso é que, quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista, não incidirá a regra constitucional, mas a responsabilidade disciplinada pelo Código Civil, quando não desempenharem serviço público.[61] Para a mesma autora serviço público é toda a atividade material que a lei atribuiu ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, tendo como exemplos as atividades de serviço postal, correio aéreo nacional, telecomunicações, radiodifusão, energia elétrica, gás canalizado, educação, saúde, previdência social, assistência social e navegação aérea, por exemplo.[62] Para nós, o art. 175 da Constituição deixou bem claro que incumbe ao Estado, diretamente ou sob regime de concessão e permissão, a prestação de serviços públicos, os quais serão especificados pela Constituição e mediante lei.

Justamente por não se enquadrarem no conceito de prestadoras de serviços públicos[63] é que a cláusula de responsabilidade civil objetiva não alcança as entidades paraestatais e do terceiro setor, como os serviços sociais autônomos (SESI, SENAI, SESC e SENAC), entidades de apoio, organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs) e as organizações não-governamentais (ONGs).

Nos primeiros anos de vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal interpretou o art. 37, § 6°, como fundamentador da responsabilidade objetiva apenas quanto aos administrados e usuários dos serviços públicos, pois a qualificação de terceiros não alcançava os servidores ou empregados públicos.[64] Mas, a partir de julgamento do ano de 2005, o Tribunal evoluiu sua jurisprudência para que a proteção constitucional da responsabilidade objetiva alcance não só os usuários e administrados, mas também os servidores públicos, os empregados públicos e os empregados das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos.[65] Recentemente, a Corte evoluiu uma vez mais para entender protegidos pela responsabilidade objetiva também os não-usuários dos serviços públicos.[66]

Considerando que a teoria adotada foi a do risco administrativo e não a do risco integral, o Supremo Tribunal Federal reconhece que a responsabilidade do Estado pode ser afastada nos casos de excludentes de nexo causal, como a força maior, fortuito externo, fato de terceiro e fato da vítima.[67] Ao admitir as quatro clássicas excludentes de nexo causal, classificamos a responsabilidade civil do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos na espécie objetiva normal.

Aplica-se, então, para os acidentes sofridos pelos empregados públicos e os empregados das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos a responsabilidade civil objetiva normal, fundamentada no art. 37, § 6°, da Constituição de 1988, desde que a causa do infortúnio seja o serviço público desenvolvido. Por exemplo, reclamam a teoria objetiva os acidentes sofridos pelos empregados das empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica e gás canalizado; o empregado que sofrer uma descarga elétrica ao instalar postes de transmissão de energia ou sofrer inalação de gás canalizado, em razão de um vazamento, basta comprovar dano e nexo causal, sem a necessidade de comprovar ato ilícito ou culpa.[68]

Essa mesma posição foi abraçada pelos estudiosos em torno da 1ª Jornada de Direito do Trabalho promovida pela ANAMATRA e pelo TST em 2007.[69]

Nas modalidades de permissão ou concessão de serviços públicos, após um longo debate entre os autores sobre a responsabilidade subsidiária do Estado, com vozes autorizadas no sentido da responsabilização[70], a atual legislação afastou-a, conforme se verifica dos arts. 25 e 34 da Lei n. 8.987 de 1995 e também pelo art. 71, § 1°, da Lei 8.666 de 1993, reconhecido como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por intermédio da ADC n. 16 (DJ 09.09.2011). Também o Tribunal Superior do Trabalho, por intermédio de decisão da SDI-1, pacificou seu entendimento de que não há responsabilidade, solidária ou subsidiária, das pessoas jurídicas de direito público nas ocasiões de permissões ou concessões de serviços públicos.[71]

O prazo prescricional para o microssistema de responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos está regulado no art. 1°-C da Lei n. 9.494/1997 e é de cinco anos para o exercício da pretensão.

4.5. Acidente em razão de ruína de edifício ou construção

O art. 932 do Código Civil de 2002 impõe responsabilidade ao dono do edifício ou construção pelos danos que resultarem de sua ruína, não se cogitando do elemento culpa, embora condicione o liame obrigacional à prova de que a ruína proveio da falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. Os autores pacificaram o entendimento de que se trata de modalidade de responsabilidade civil objetiva, incumbindo ao lesado comprovar dano e nexo causal, este último temperado pela exigência de que o nexo seja verificado em razão da falta de reparos, de necessidade manifesta, no edifício ou construção. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, amparados nas lições de Sílvio Rodrigues, Álvaro Villaça Azevedo e Aguiar Dias, avançam para singelamente concluir que se houve ruína é porque necessitava de reparos.[72] Excepcionalmente, acrescentamos nós, se houve ruína em edifício que não necessitava de reparos é porque ocorreu fato de terceiro, fato exclusivo da vítima, caso fortuito externo ou força maior, eventos imprevisíveis e inevitáveis, quando o nexo causal estará rompido.

Amoldam-se ao conceito legal de ruína tanto a sua destruição total como a parcial, como nos casos de desprendimento de revestimentos das paredes, soltura de placas de concreto da laje, queda de telhas, vidros ou outros componentes do edifício ou da construção.

Segue que os empregados vitimados pela ruína do edifício ou construção de propriedade da empresa na qual prestem seus serviços sujeitam a última à responsabilidade objetiva, podendo o empregador comprovar uma das excludentes de nexo causal; se houve ruína, presume-se que havia necessidade manifesta de reparos, incumbindo ao ofensor comprovar que houve ruína em edifício que não necessitava de reparos, ou seja, que ela se deu em razão de fortuito externo, força maior, fato de terceiro ou fato exclusivo da vítima. Poderá ocorrer ruína do edifício da sede da empresa, quando o empregador responde objetivamente, como poderá ocorrer ruína de uma construção de terceiro – como na construção civil –, local no qual o empregador designou o empregado para desempenhar suas atividades. Nesse segundo caso a responsabilidade é exclusiva do terceiro, não se cogitando de responsabilidade do empregador, o qual não se amolda ao conceito legal de “dono de edifício ou construção”. Não se deve confundir, com efeito, a responsabilidade civil objetiva direta do dono da obra nos casos de ruína com a irresponsabilidade do dono da obra quanto aos direitos de natureza jurídica trabalhista violados pelo empregador (OJ n. 191 da SDI-1 do TST).

4.6. Acidente em razão de objetos candentes

Semelhante à hipótese do tópico anterior, o art. 938 do Código Civil impõe ao habitante do prédio, inserindo-se nessa figura não apenas o proprietário, mas também os possuidores (comodatário, locatário etc.), a responsabilidade objetiva pelos danos causados por objetos candentes ou lançados em lugar indevido. Difere da modalidade anterior porque aqui o objeto candente não era parte integrante da estrutura construtiva do edifício, mas qualquer adorno ou objeto utilizado pelo habitante. Se o filho do empregador arremessa inadvertidamente uma garrafa de vidro do sobrado onde mora e lá embaixo atinge o jardineiro da residência, o empregador, pai do menor, responderá objetivamente pelos danos, não se cogitando de culpa, ou seja, não haverá investigação se se comportou culposamente, se não vigiou adequadamente seu filho (culpa in vigilando). Também aqui poderá o habitante provar uma das quatro excludentes de nexo causal.

4.7. Acidente causado por animais

Principalmente nas regiões mais interioranas do país, é comum a ocorrência de acidentes de trabalho com animais, notadamente nas atividades de pecuária, como queda de cavalos, ataque de bovinos durante procedimentos veterinários, entre outros, situações que se inserem no microssistema de responsabilidade civil objetiva. Na vigência do Código de 1916, o revogado art. 1.527 previa hipótese de responsabilidade civil subjetiva, com presunção de culpa, pois ao ocorrer o acidente a culpa do seu dono era presumida, contudo esse poderia demonstrar que guardava e vigiava o animal com cuidado preciso, invertendo a presunção legal e, por corolário, afastando o seu dever de indenizar. Poderia, com efeito, o dono do animal provar durante a instrução processual que não agiu com culpa, demonstrar que tomou todos os cuidados exigidos para evitar o dano. O atual art. 936 do Código de 2002 reproduz em essência àquele antigo, porém migra da modalidade subjetiva com presunção de culpa para a objetiva e agravada. Isso porque o texto atual diz que o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano causado, sem cogitar de culpa, inclusive avança para dizer que entre as quatro modalidades de excludentes de nexo, apenas duas são admitidas, quais sejam a culpa da vítima e a força maior.

Quando o legislador impôs ao dono ou detentor do animal a responsabilidade civil pelos danos que esse causar, implicitamente está reconhecendo que somente em relação aos animais domésticos, domesticados ou capturados para domesticação é que poderá cogitar de sua propriedade. Segue que nos sinistros causados por animais não-domesticados ou selvagens não há responsabilização civil, amoldando a hipótese aos casos de força maior (evento inevitável da natureza). Se dado empresário domestica abelhas com a intenção de produzir mel para consumo próprio ou para venda, eventual acidente com elas, caso ataquem um seu empregado, gerará a responsabilidade civil objetiva agravada, muito diferente da situação de outro trabalhador, vaqueiro, que é surpreendido no campo por um enxame de abelhas selvagens; ainda que se investigue e confirme que as abelhas selvagens habitam uma mata incrustada na propriedade do empregador, não há relação de propriedade entre este e os animais. Faltará, nesse segundo caso, nexo de causalidade, rompido pela força maior, entre a atividade do vaqueiro e o dano causado pelas abelhas (evento natural inevitável e imprevisível), afastando a responsabilidade civil, ainda que haja relação previdenciária acidentária[73], a qual é marcada pela teoria do risco integral, não suscetível, pois, de excludentes de nexo causal, sequer caso fortuito e força maior.

Em estudo específico, José Fernando Simão diferencia os conceitos de dono e detentor do animal previstos na legislação ao concluir que, em regra, responderão pelos danos causados por animais seus donos em razão da guarda e direção do animal, não respondendo os seus prepostos ou empregados. Excepcionalmente, responderá o detentor e não o dono. Detentor é o locatário, comodatário, depositário, arrendatário, usufrutuário ou o usuário, ou seja, toda pessoa que tem o animal sob sua guarda, com poder de direção sobre o mesmo, ainda que não seja seu dono, como nos exemplos de animais deixados em clínicas veterinárias ou pet shops.[74]

4.8. Acidente nas atividades de mineração

A atividade de mineração está regulamentada desde o ano de 1940, estando vigente o Código de Mineração de 1967 (Decreto-Lei n. 227), que substituiu àquela primeira regulamentação e que foi recepcionado pela Constituição de 1988. No sistema atual, o art. 1º atribui à União a competência para administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais, qualificando a atividade como serviço público essencial, cujo enquadramento legal já atrai a responsabilidade civil objetiva do Estado ou das empresas privadas autorizadas, permitidas ou concedidas (v. tópico 4.4.), em reforço ao art. 47, VIII, da legislação de regência que já previa a responsabilidade civil sem cogitar de culpa.

Aplica-se aos empregados das empresas que explorem atividade de mineração a responsabilidade civil objetiva do explorador da jazida ou da mina, tendo como exemplos as atividades de garimpo, extração de mármores e granitos, extração e beneficiamento de calcário, fábricas de cimento, extração e beneficiamento de petróleo e seus derivados, entre tantas outras. O decisivo é que o acidente de trabalho ou doença ocupacional guarde relação de conexidade com a atividade mineraria. São os exemplos do operário soterrado em mina de extração de diamante e a empregada que contraiu doença ocupacional por respirar partículas em suspensão nas fábricas de calcário, respondendo os empregadores de forma objetiva, independente de investigação de culpa ou de prática de ato ilícito; significa que mesmo que ele tenha obtido todas as licenças administrativas para a atividade, que tenha fornecido EPI, treinamentos e fiscalização, mesmo assim se houver conexidade entre o sinistro e a atividade haverá sua responsabilidade direta, bastando ao laudo médico pericial constatar que a doença apresentada é decorrência da exposição da trabalhadora à substância, por exemplo.

4.9. Acidente nas atividades de risco (cláusula geral codificada)

A disposição do art. 927, parágrafo único, do Código Civil atual é considerada a maior inovação legislativa no tema de responsabilidade civil, na medida em que firmou cláusula de recepção expressa quanto às legislações especiais que prevêem hipóteses de responsabilidade sem culpa e, principalmente e ao lado dela, criou uma nova norma de responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, sem indicar atividades específicas.

Comentando acerca da cláusula geral de responsabilidade civil objetiva por atividade de risco, Miguel Reale afirma que em princípio responde-se apenas por culpa, mas “se aquele que atua na vida jurídica desencadeia uma estrutura social que, por sua própria natureza, é capaz de por em risco os interesses e os direitos alheios, a sua responsabilidade passa a ser objetiva e não mais subjetiva.”[75]

Ao interpretar a nova disposição legal, Leonardo de Faria Beraldo atenta ao conceito de atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano. Defende que a palavra atividade é entendida como sendo equivalente aos serviços praticados por determinada pessoa, natural ou jurídica, de forma organizada, habitual, reiterada e profissional, e não de forma isolada. E ainda é preciso que a atividade seja normalmente desenvolvida pelo autor do dano, significando, então, que ela não pode ser apenas esporádica ou momentânea, devendo, ainda, guardar ligação direta com o objeto social por ela desenvolvido. Exemplificando, anota que quem explora uma atividade habitual com uma grande máquina de escavação e terraplanagem, gera uma permanente situação de risco para operários e terceiros que convivam com a atividade, porém, por outro lado, quem usa eventualmente um trator para alguma tarefa, não se pode dizer que desempenhe atividade normalmente desenvolvida.[76]

Também atenta o mesmo autor à palavra por sua natureza inserida no tipo legal, o que para ele significa que não é o risco ordinário, inerente à toda e qualquer atividade, não é o risco empresarial ordinário em se imiscuir no mercado, que reclamará o enquadramento na cláusula objetiva, mas que deve haver na atividade normalmente desenvolvida uma intrínseca potencialidade lesiva, ou seja, que na sua essência exista uma potencialidade fora dos padrões normais. Conclui seu raciocínio para afirmar que as “atividades de risco são, portanto, aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade, ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, probabilidade esta maior do que a normal derivada das outras atividades.”[77]

Flávio Tartuce também estudou com profundidade a nova disposição civil e a partir dela faz um trabalho de desmonte ou destrinche dos qualificativos legais. Segue para o autor que a palavra “atividade” deve ser compreendida como vários atos que mantém entre si uma correlação temporal, lógica e coordenada, excluindo do raio de alcance da cláusula geral de responsabilidade objetiva os atos isolados praticados. E quanto ao conceito de “risco” diz que ele decorre da própria natureza da atividade, da sua essência, configurando um risco excepcional, extraordinário, acima da situação corriqueira de normalidade, englobando as atividades – para além dos riscos – que são comprovadamente perigosas. Para o autor inserem-se no conceito legal as atividades de fabricação e armazenamento de fogos de artifício, serviços de diversão, como salto de paraquedas, vôo de asa-delta, bungee-jump, esportes como artes marciais e lutas de combate, motoboy nos grandes centros, trabalhos insalubres e perigosos, trabalho com menores infratores e presidiários, construção civil, com a utilização de ferramentas pesadas, perigosas ou nas alturas (local elevado), transporte rodoviário em estradas em péssimo estado de conservação ou quando a carga é valiosa e no transporte de valores.[78]

A tese de Flavia Portella Püschel é a de que toda atividade humana envolve riscos, como dirigir automóvel, praticar esportes, andar a pé, porém os riscos relevantes para o enquadramento no sistema objetivo são aqueles extraordinários que podem ser determinados pela grande probabilidade da ocorrência de danos, pelo valor elevado dos prejuízos potenciais ou pelo desconhecimento do potencial danoso da situação ou atividade regulada. No entanto, caberá ao Poder Judiciário definir o que, na hipótese, se deve considerar como atividade naturalmente perigosa de modo a imputar responsabilidade ao sujeito que normalmente a exerça.[79]

Algumas jornadas de estudos jurídicos promovidas no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça auxiliam na definição das hipóteses de incidência.[80]

Na mesma toada é a interpretação do professor trabalhista Raimundo Simão de Melo acerca da previsão genérica da parte final do parágrafo único do artigo 927 do Código. Considera atividade de risco aquela na qual pressupõe maiores probabilidades de danos para as pessoas, quando os danos são estatisticamente esperados, pelas suas características. Não é um risco qualquer, específico e normal a qualquer atividade produtiva, mas a atividade cujo risco específico, acentuado e agravado em razão da natureza do trabalho é excepcional e incomum, como nos exemplos das atividades perigosas, insalubres, com o uso de arma de fogo, o trabalho em minas, nas alturas, subaquático e nas atividades nucleares.[81]

Uma atividade que gera acesa discussão doutrinária e jurisprudencial é a de motorista de veículos automotores. Para os ordenamentos jurídicos italiano e português, nos quais o legislador brasileiro inspirou-se para a positivação do art. 927, parágrafo único, in fine, a posição é uniforme em não enquadrar a atividade de motorista como de risco potencial. Nas atividades especiais de transporte de produtos perigosos, inflamáveis, explosivos ou de cargas valiosas, por essas circunstâncias e não pela atividade de dirigir em si, pensamos estar preenchido o descritor da norma jurídica especial, incidindo o microssistema objetivo.

A utilização da tabela de riscos do Ministério do Trabalho e Emprego deve ser feita com cuidado, na medida em que ela escalona o risco da atividade geral da empresa, enquanto para o direito civil o decisivo é o risco da atividade específica do empregado acidentado. A empresa que explora a atividade de fabricação de explosivos é considerada de risco acentuado, mas a secretária lotada no escritório administrativo da empresa, localizado em edifício no centro da cidade, não estará pessoalmente submetida ao potencial lesivo da atividade principal da empresa, com isso não se enquadrando na cláusula geral codificada.

O decisivo quanto ao risco da atividade – e objeto de muita confusão jurisprudencial especializada – é a imprescindibilidade de que os danos guardem relação de conexidade com o risco específico da atividade, excluindo-se da esfera de proteção civil objetiva os outros danos oriundos de causas diversas. Muito embora a atividade dos frentistas exponha-os ao risco potencial de explosão (periculosidade por contato com inflamáveis e explosivos), os acidentes causados por esses agentes importarão em responsabilidade objetiva do empregador, mas não será objetiva a responsabilidade no caso de alegada doença ocupacional por problemas na coluna, por absoluta falta de conexidade entre o alegado dano físico postural e o risco potencial específico da atividade.

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Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. Sistemas de responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4088, 10 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31800. Acesso em: 22 dez. 2024.

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