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A influência excepcional do princípio da proporcionalidade na consideração de prova ilícita no âmbito do Direito Processual Penal

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21/03/2015 às 08:22
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4 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E SUA ABRANGÊNCIA NA CONSIDERAÇÃO DE PROVA ILÍCITA

Segundo Paulo Bonavides (2005, p. 393), o princípio da proporcionalidade fora instituído com o intuito primordial de coibir a incidência de excessos promovidos pelo Estado em desfavor dos indivíduos que o compunham, pois se teria um equilíbrio nas relações entre as pessoas e o ente público de forma a balizar os interesses que porventura se encontrem em conflito, conforme preleciona o citado autor:

O princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) pretende, por conseguinte, instituir, como acentua Gentz, a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle de excesso (eine Übermasskontrolle).

Do entendimento esposado por Paulo Bonavides (2005, p. 425) e por toda a dialética embutida sobre o princípio da proporcionalidade, criou-se um questionamento se o mencionado princípio seria um mecanismo de interpretação, pois somente atuaria quando houvesse antinomia entre normas jurídicas como forma de proteção ao Ordenamento Jurídico. Assim, assevera o referido autor com a tecnicidade que lhe é peculiar:

Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e busca-se, desde aí, solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado.

Segundo os ensinamentos do constitucionalista J.J. Gomes Canotilho (2003, p. 1522) sobre a origem constitucional do princípio da proporcionalidade, verifica-se que remonta do direito alemão, o qual era constantemente utilizado como forma de coibir a prevalência de excessos, conforme se pode verificar a seguir:

A transposição do princípio da proporcionalidade para o plano constitucional deve-se em boa parte ao papel do Tribunal Constitucional alemão (Bundesverfassungsgericht). Através de sucessivos pronunciamentos, expressões claramente associadas ao pensamento da proporcionalidade – tais como excessivo (ubermassing), inadequado (unuangemessin), necessariamente exigível (erforderich, unerlasslich, undedingt notwendig) – foram se tornando recorrentes, até se estabelecer, de forma incisiva, que o princípio e a correlata proibição do excesso, enquanto regras aplicáveis a toda atividade estatal, possuem estrutura constitucional.

Dessa forma, Canotilho (2003) classifica o princípio da proporcionalidade em sua visão ampla ou genérica como a proibição do excesso, de maneira a limitar a atuação arbitrária do Poder Executivo para que se possa ter garantida a liberdade individual em detrimento dos excessos que possam vir a surgir com a atuação estatal. Assim, conclui o doutrinador que tal princípio “configura-se como verdadeiro instrumento de controle sobre os meios administrativos”.

Assim, partindo-se do pressuposto de que o princípio da proporcionalidade atua no ordenamento jurídico como um instrumento tendente a coibir excessos e abusos provocados principalmente pelo Estado, e pelo fato de não ser razoável se desprezar sempre uma prova ilícita passível de análise, parte da doutrina como Scarance (2000, p. 341) e Aranha (1999, p. 259) entendem que em alguns casos excepcionais, onde estejam em aparente conflito certos princípios fundamentais da Constituição, seria perfeitamente cabível sopesar no caso concreto qual o princípio que deva prevalecer, solucionando assim a controvérsia.

Diante dessa premissa, doutrinadores como Adalberto José Aranha (1999) e Antônio Fernandes Scarance (2000) destacam corrente doutrinária que propugna pela consideração de prova ilícita sob o fundamento de aplicabilidade do princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, Aranha dispõe sobre o tema em manifestação acerca da referida corrente doutrinária:

Por ela, de maneira excepcional e em casos de extrema gravidade, pode-se usar a prova ilícita, tomando-se por base e sopesando-se os valores em contradição e em debate. Tal teoria afirma que a admissão da prova obtida mediante um meio ilícito é em princípio meramente relativo, que pode ser violado desde que esteja em jogo e em posição contrária outro princípio ao qual se atribui igual ou maior valor.

Logo em seguida, o referido jurista exemplifica uma situação onde cabe perfeitamente a consideração da prova ilícita no processo penal em conformidade com a teoria doutrinária exposta alhures, conforme segue:

(...) absolver ou não um inocente acusado de um crime grave quando a prova única em seu favor é uma gravação obtida clandestinamente? Condenar ou não um grupo de celerados que organiza uma quadrilha de sequestradores, quando a prova única é uma gravação ambiental obtida ocultamente numa cela de presídio? E como se falar na defesa da moralidade do serviço público quando a prova obtida for uma gravação clandestina feita pela vítima da chantagem?

Na mesma linha de raciocínio, Marcellus Polastri Filho (2004) (apud Antônio Magalhães Gomes Filho), parte do pressuposto de que é plenamente viável em nosso ordenamento jurídico a utilização de prova ilícita no direito processual penal. O citado jurista arremata seu posicionamento com um singelo exemplo, onde aduz que quando em favor de um acusado haver apenas uma prova que demonstre sua inocência, e que tal meio probatório fora obtido por meios ilícitos, ainda assim deverá ser considerada a referida prova para a absolvição do acusado. Deparamo-nos neste momento com a consideração de prova ilícita pro reo, a qual é aceita inclusive em nossa jurisprudência, conforme se verificará adiante.

Com base na possibilidade da consideração de prova ilícita no processo penal em benefício do réu, entendemos que em detrimento de nossa ordem constitucional seria impossível a consideração de prova ilícita no âmbito processual penal na espécie pro societate, tendo em vista que se estaria pondo em risco toda a estrutura de nosso ordenamento jurídico. Tal afirmação se faz oportuna pelo fato de tal espécie de prova ter um interesse eminentemente social, sem observar as garantias individuais da pessoa, como a liberdade, a qual deverá prevalecer em face de uma situação onde, por exemplo, haja uma prova obtida por meios ilícitos que incrimine uma determinada pessoa. Neste ponto, a referida prova não há de ser considerada como fator incriminatório, pois devido à grandeza do Estado, este tem a obrigação de buscar outros meios (lícitos) para poder alcançar seu objetivo, contudo, sem fragilizar o Estado Democrático de Direito.  

Com as disposições anteriormente expostas, entra em cena a aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual é utilizado para harmonizar conflito aparente de princípios ou garantias fundamentais que possam vir a surgir, de forma que venha a prevalecer a melhor solução de ser aplicado o verdadeiro ideário de justiça no caso concreto. De acordo com a análise de tal princípio sob a ótica do direito constitucional e processual penal, deverá ser admitida de forma excepcional a prova ilícita, baseando-se no equilíbrio de valores que se encontram em conflito.

Para muitos o princípio em comento (proporcionalidade) é facialmente confundido com o princípio da razoabilidade, o que é um equívoco, tendo em vista que possuem origens, estruturas e formas de aplicação diferentes.

Para Virgílio Afonso da Silva (2002, p. 29), quando se fala em princípio da razoabilidade e princípio da proporcionalidade existe uma conotação técnico-jurídica, não sendo tais institutos sinônimos, tendo em vista o fato de expressarem “construções jurídicas diversas. Nesse ponto, o autor admite que os referidos princípios possuem objetivos semelhantes, contudo não pode ser autorizado que se trate os mesmos como sinônimos.

Apesar de tal distinção entre os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, nossa Corte Superior insiste em atribuir que tais institutos são sinônimos, não distinguindo o que seria o razoável do proporcional, como pode ser verificada na decisão liminar proferida no habeas corpus 76.060-4, conforme os seguintes termos:

O que, entretanto, não parece resistir, que mais não seja, ao confronto do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade – de fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais – é que se pretenda constranger fisicamente o pai presumindo ao fornecimento de uma prova de reforço contra a presunção de que é titular.

Como já foi dito anteriormente, o princípio da proporcionalidade teve suas origens constitucionais desenvolvidas no direito alemão, onde sua jurisprudência admite exceções à vedação absoluta de admissibilidade das provas obtidas em contrariedade ao texto constitucional quando estiver em aparente conflito valores que transcendam a vedação imposta pela norma. Já no que se refere ao princípio da razoabilidade, temos que este fora importado do direito norte-americano, onde se traduz na exigência de “compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins”, conforme assevera Luis Roberto Barroso em citação por Virgílio Afonso da Silva (2002, p. 32).

Dessa forma, conclui-se que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade são distintos tanto historicamente quanto estruturalmente, de forma que o principal objetivo de aplicação da regra da proporcionalidade, conforme aduz Virgílio Afonso da Silva (2002, p. 24) “é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais”.

Assim, em detrimento de todo o exposto, verifica-se a possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade em casos excepcionais, quando estiverem em aparente conflito normas constitucionais com estrutura de princípios onde haja necessidade de se sopesar as mesmas, de forma a prevalecer a norma-princípio que melhor se adéque à situação fática, coibindo possíveis abusos praticados pelo Estado e preservando os direitos individuais intrínsecos de cada pessoa, como forma de primazia da justiça.


5 Posicionamento da jurisprudência acerca da aplicabilidade do princípio da proporcionalidade

Conforme aduzido em linhas anteriores, parte da doutrina como Aranha (1999) e Scarance (2000) propugnam pela possibilidade da consideração das provas obtidas por meios ilícitos no processo, desde que para isso seja utilizado o princípio da proporcionalidade, o qual deverá sopesar as normas-princípio que se encontrem em aparente conflito, como forma de coibir injustiças que possam vir com a exclusão de apreciação das provas obtidas ilicitamente no bojo do processo penal.

Partindo-se de tal posicionamento doutrinário, destaca-se a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual decidiu no habeas corpus nº. 23.891/PA que a gravação de conversa telefônica pela vítima obtida por meios ilegais, ou seja, sem autorização judicial preexistente, exclui o caráter ilícito da prova, devendo a mesma ser considerada na seara processual, conforme pode ser verificado no julgado declinado:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXTORÇÃO. BANDO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA.

I – O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie.

II – Considerando que existem outros elementos probatórios que justificam a proposição da ação penal, principalmente a prova testemunhal e, também, a gravação de conversa telefônica realizada pela própria vítima, não há que se perquirir acerca do trancamento da ação penal, apenas e tão somente, porque os elementos probatórios atinentes à interceptação telefônica incorrem em eventual ilicitude.

III – A gravação de conversações através do telefone da vítima, com o seu conhecimento, nas quais restam evidentes extorsões cometidas pelos réus, exclui suposta ilicitude dessa prova (precedentes do Excelso Pretório). Ordem denegada. (HC 23.891/PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 308).

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Desse modo, podemos observar que o Superior Tribunal de Justiça acertadamente considerou a apreciação de prova ilícita no processo como forma de se evitar uma injustiça que poderia acarretar no livramento dos réus. Nesse ponto, imaginemos se a norma constitucional que estabelece serem inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, tal gravação realizada pela vítima seria excluída do processo em virtude de seu caráter ilícito, tendo em vista a ausência preexistente de ordem judicial que autorizasse as gravações. Assim, teríamos consubstanciado no presente caso uma situação de extrema injustiça, onde seria desprezada uma prova contundente, apenas pela ausência de uma formalidade legal.

Daí conclui-se que a norma constitucional contida no artigo 5º, inciso LVI, a qual dispõe expressamente pela inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos no processo não apresenta caráter eminentemente absoluto, devendo ser relativizada em caráter excepcional em conformidade com o caso concreto, de forma a sopesarem-se os valores contrapostos por meio do princípio da proporcionalidade, prevalecendo àquele que se adéque melhor com a ideia de justiça e sempre em conformidade com o ordenamento jurídico.


CONCLUSÃO

Foi esboçado no presente trabalho a possibilidade de relativização da norma contida no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, a qual veda expressamente a admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos no processo. Tal entendimento se revestiu de extrema legalidade e possibilidade jurídica pela utilização do princípio da proporcionalidade, o qual se encontra implícito em nossa Constituição, sempre que estiverem em aparente conflito normas constitucionais com estrutura de princípio, de forma a serem sopesados os valores conflitantes para prevalecer a norma-princípio que melhor se coadune com o ordenamento jurídico em relação ao caso concreto.

Não se quis neste trabalho pôr em risco a segurança jurídica do ordenamento ao demonstrar-se a possibilidade excepcional de relativização da norma constitucional e processual, que veda aparentemente a consideração de prova ilícita; pelo contrário, buscou-se sopesar os valores que poderiam vir a entrar em aparente conflito, prevalecendo aquele que se adequasse melhor à situação fática, sempre observando as garantias fundamentais do indivíduo e a segurança jurídica de nossa legislação.

Assim, conforme se viu na abordagem do tema objeto de estudo, é perfeitamente aceito, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência pátrias, a relativização do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, no que se refere à possibilidade de utilização de provas obtidas por meios ilícitos no processo, podendo em casos excepcionais, de forma a evitar-se injustiças, a utilização do princípio da proporcionalidade como forma de sopesar normas constitucionais com estrutura de princípios que se encontrem em aparente conflito. 


REFERÊNCIAS

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CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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MOREIRA, Rômulo de Andrade. Artigo: Alterações no Código de Processo Penal: Provas. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº 26 – Out./Nov. de 2008.

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______Zum Begriff des Rechtsprinzips”. In: Alexy, Robert, Recht, Vernunft, Diskurses: Studien zur Rechtsphilosophie. Frankfurt and Main: Suhrkamp, 1995. p. 177-212.

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Sobre o autor
Janderson Lourenço Muniz

Advogado, tendo concluído o bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Estácio do Ceará- FIC. Inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Seção Ceará, sob o número 26.695. Pós-graduando em Direito das Relações Sociais com Ênfase em Direito Tributário, pela Faculdade Farias Brito (FFB).<br><br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUNIZ, Janderson Lourenço. A influência excepcional do princípio da proporcionalidade na consideração de prova ilícita no âmbito do Direito Processual Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4280, 21 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31854. Acesso em: 22 dez. 2024.

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