As alterações no procedimento judicial do usucapião em face do anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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16/09/2014 às 22:02
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CAPÍTULO 3 - ANÁLISE AO ANTEPROJETO DE LEI DO NOVO CPC E A EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA COMISSÃO REFORMADORA

O Presidente do Senado federal por meio do ato 379/2009[45] nomeou uma comissão de juristas responsáveis a elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Tendo como objetivo simplificar a ação processual, tornando o sistema mais célere; buscando efetividade nos resultados, modernização, adequação a atual sistemática processual e as próprias instituições. O desafio da comissão seria: Resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere,(BRASIL: 2010),  frase do Ministro Luiz Fux, presidente da dita comissão de juristas na Exposição de motivos do Anteprojeto.

 O Código de Processo Civil de 1973, atualmente vigente, não se mostra eficiente para enfrentar as questões contemporâneas tampouco para propiciar efetividade ao direito. Esse é o entendimento da comissão elaboradora, (BRASIL: 2010), “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de direito.” Havendo ineficiência no sistema processual, as normas de direito substantivo perdem efetividade, pois tem sua aplicação mitigada ou até mesmo negada.

A inadequação do Código de Processo Civil de 1973 às necessidades modernas fez com que o Poder legislativo implementasse diversas reformas no Codex instrumental. Tais alterações eram necessárias, assim como foi a de 1994, que instituiu o instituto da antecipação de tutela na ordem jurídica brasileira.

Entretanto, as inovações legislativas ocasionaram prejuízo à agregação e encadeamento das normas do sistema processual, reduzindo sobremaneira sua funcionalidade.  A comissão de notáveis corrobora com esse pensamento, conforme citação abaixo[46]:        

O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma conseqüência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática. A complexidade resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização, comprometendo a celeridade e gerando questões evitáveis (=pontos que geram polêmica e atraem atenção dos magistrados) que subtraem indevidamente a atenção do operador do direito.

Vale dizer, um código processual simples, unificado, coerente e moderno contribuirá para maior celeridade e funcionalidade do sistema jurisdicional como um todo.

 Para os juristas elaboradores do anteprojeto cinco objetivos direcionavam os trabalhos, quais sejam[47]:

Estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente a realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como , por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão

Quando da Emenda Constitucional 45/2004, conhecida como Emenda da reforma do judiciário, ocorreu à inserção do inciso LXXVIII[48] na Carta Maior conferindo a todos o direito fundamental a uma justiça eficiente, onde os processos permaneçam em tramitação por um tempo razoável. Na sequência, (ANTEPROJETO: 2010), ‘Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.”.

Em respeito ao princípio da razoável duração do processo, os notáveis, no anteprojeto, procuraram adequar o Códex às necessidades contemporâneas dos operadores do direito, da justiça e do povo em geral; com a finalidade de tornar o processo mais célere. Segundo eles, “é oportuno ressaltar que levam a um processo mais célere medidas por duas frentes: a) o relativo àqueles processos, em si mesmos considerados, que, serão decididos conjuntamente; b) atenuação de carga de trabalho do Poder judiciário.”

A alteração do procedimento do usucapião irá contribuir para a redução do número de processos e conseqüentemente da carga de trabalho dos pretórios. Pois, em regra as demandas que versem sobre prescrição aquisitiva não ingressaram no judiciário, serão administrativamente resolvidas, somente excepcionalmente, quando houver litígio e provocação por uma das partes haverá intervenção jurisdicional.     

Os elaboradores prometem, na exposição de motivos, um novo Código de Processo civil que trará celeridade e efetividade à jurisdição do Estado, sem comprometer a garantia dos direitos das partes de forma segura O princípio da segurança jurídica, tem alma constitucional, pois todas as normas do ordenamento devem trazer efetividade às garantias constitucionais e segurança para os jurisdicionados, visando proteger e preservar as expectativas das pessoas.   

Para a comissão, Trata-se de uma forma de tornar o processo mais eficiente e efetivo, o que significa indubitavelmente, aproximá-lo da Constituição Federal, em cujas entrelinhas se lê que o processo deve assegurar o cumprimento da lei material. O que não acontece hoje com a ação de Usucapião, gerando a atual crise sistêmica no instituto, conforme já tratado neste texto.

Dentre as diversas alterações veiculadas pela lege ferenda em comento uma delas é a extinção do procedimento especial, “ação de Usucapião”. Em seu lugar será instituído um procedimento por edital[49], como forma de comunicação de todos os atos processuais a todos os interessados. Até o presente momento a referido anteprojeto, ainda não foi aprovado, encontrando-se em trâmite no Congresso Nacional, onde foi transformado no projeto de Lei 166/2010.

No Senado Federal o referido projeto de Lei sofreu emenda alterando o comando legal que trata do usucapião, melhorando a técnica legislativa do projeto substituto. No anteprojeto, havia a criação do "procedimento edital", expresso em uma seção específica. Todavia, o anteprojeto não previa procedimento especial propriamente dito, era tão somente, a mudança na modalidade de comunicação dos atos processuais, a saber, a citação por edital.

Na emenda, ao projeto original, a seção específica do "procedimento edital" foi eliminada. O usucapião passou a mencionada no artigo 228[50], inciso I e parágrafo único, do projeto de Lei, onde existe a previsão da citação e da comunicação dos atos. Com a retirada da seção específica de Procedimento Edital, e, em sendo aprovado o Novo Código de Processo, ficará extinta a possibilidade de procedimento especial de Usucapião. A prescrição aquisitiva será tratada, na justiça, em procedimento comum, excepcionalmente, para os casos em que hajam litígios, os demais casos, a maioria deles, serão processados junto a serventia cartorária competente.

3.1 O não afastamento do direito de ação

O projeto de lei que, em sendo aprovado, se tornará no novo Código de Processo Civil Brasileiro, prevê a extinção da ação de usucapião. Todavia, continua possível a tutela jurisdicional do direito material, por qualquer das partes que sofrer lesão ou ameaça a seu direito.

O direito de ação tem base e fundamento constitucional, é a possibilidade jurídica que tem o cidadão comum exigir a intervenção do Estado para em palavra final dizer o direito, resolvendo assim, as controvérsias sociais. Sendo indispensável à cidadania, à dignidade humana e à liberdade. Integra a estrutura que sustenta o Estado Democrático de Direito, pois viabiliza, processualmente, o exercício dos direitos das pessoas.  

Muitos são os vetores constitucionais que evidenciam a importância e a aplicabilidade do direito de ação, tais como, inafastabilidade da jurisdição, legalidade, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, dentre outros. Assim sendo, negar o direito de ação é ato antijurídico e inconstitucional; que deve der inadmitido pela ordem jurídica de qualquer país democrático.

Ressalte-se, o referido direito deverá ser exercido quando houverem pretensões resistidas. Sempre mantendo a salvo a possibilidade do cidadão, livremente, dispor sobre seus bens sob a égide do princípio da autonomia da vontade. Vale dizer, o pedido judicial de usucapião deverá atender todas as condições para o ingresso de qualquer ação no Poder Judiciário, quais sejam: (a) possibilidade jurídica do pedido formulado pelo usucapiente; b) interesse de agir; c) legitimidade para agir, nos exatos termos da lei[51]

  Todavia, a tendência das reformas processuais no Brasil é de incentivar a solução dos conflitos por meios alternativos, sem a imposição de uma solução pelo juiz. Foi dessa forma e com essa tendência que o Congresso Nacional aprovou a Lei n°. 11.441[52] de 2007, que dispõe sobre possibilidade de realizar inventário e sua partilha por meio de escritura pública lavrada em cartório de notas, desde que as partes estejam concordes e que sejam maiores e capazes.

O artigo 3º[53], da mesma Lei, veicula comando legal que autoriza a formalização de divórcio, também por escritura pública, desde que não hajam filhos menores ou incapazes e que o envolvidos estejam de comum acordo quando da lavratura do instrumento. 

Destarte, é patente o interesse do legislador pátrio em desjudicializar o que é possível, assim como, matérias que versem sobre conteúdo patrimonial disponível. Tais procedimentos são realizados nos cartórios não causam prejuízo às partes, são dotados de segurança jurídica, celeridade, e, harmonizam as relações sociais.  

Em estudo comparado com a legislação alienígena portuguesa, que tem forte ligação histórica e institucional com a evolução do Estado brasileiro, observa-se que ordenamento jurídico daquele país prevê a possibilidade de efetivar Usucapião administrativamente.

A ordem jurídica lusitana autoriza o usucapião por via administrativa desde a década de cinquenta do século passado. Para tanto o legislador português instituiu a escritura pública de justificação[54]. Na prática, o notário lavra uma escritura pública, sendo esta, documento hábil a ser registrado invocando a Usucapião, sendo este entendimento ratificado pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal[55].

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A justificação surgiu, assim, como meio rápido e acessível através do qual o interessado, possuidor do direito preexistente a Usucapião, pode obter o título legal e formal chancelado por aquele Estado.

O usucapião administrativo foi introduzido no Brasil com a edição da Lei n°. 11.977/2009, que instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida, do governo Federal.  O artigo 60, da Lei supracitada, lista os requisitos para que o registrador proceda a conversão da legitimação de posse em propriedade. Tal legitimação de posse é conferida pelo Poder Público Municipal do lugar do imóvel. Vale dizer, a referida espécie de Usucapião pressupõe a ausência de litigiosidade, assim como ocorre no direito português.  

Analogicamente, em relação ao usucapião, nas demais situações em que já ocorrera a desjudicialização, o ordenamento pátrio admite solução administrativa para questões não litigiosas, tais como, divórcios consensuais e inventários, e, em nenhuma destas situações o direito de ação é subsumido, ou tem sua aplicação negada.

Na realidade, nos casos desjudicializáveis o direito substantivo tutelado é um direito disponível que pode, livremente, ser transigido por seu titular ou representante legal. Desde que seja pessoa maior, capaz; prestigiando a autonomia da vontade. Sempre em um contexto sem litigiosidade, caso venha surgir em determinado caso concreto, o caminho adequado para dirimir tal conflito de interesse é encontrado no Poder Judiciário que detém jurisdição, que diz o direito em ultima palavra, não havendo prejuízo algum para as partes.

No Brasil, os serviços notariais são eficientes e dotados de segurança jurídica, pois, os oficiais das serventias cartorárias institucionalizam os títulos, conferindo fé pública às declarações de vontade, garantindo, assim, os resultados jurídicos desejados. Desta forma, realizam muitos atos que antes eram apenas de competência exclusiva do Poder Judiciário com bastante eficiência.

  A Forma Edilícia e as Garantias Processuais da Citação Ficta

O procedimento edital não se confunde com a citação edital, esta por sua vez, tem a finalidade de chamar ao processo, réus em específico, certos ou incertos, que se encontram em locais incertos e não sabidos, nos termos da lei instrumental[56].

Assim sendo, na ação de usucapião em que o proprietário ou possuidor ou qualquer dos confinantes se encontrarem em local incerto, estes por sua vez, serão citados por edital[57]. Com efeito, sujeitam-se às regras específicas desta modalidade de comunicação processual.

A citação por edital é uma das espécies do gênero citação ficta, a outra espécie é a citação por hora certa. Nos casos em que a citação ocorrer fictamente presume-se o conhecimento dos termos da ação pelo réu. Pois, o citando não fora encontrado pessoalmente para receber a comunicação judicial.

O procedimento edital objetiva chamar toda a sociedade ao processo, toda e qualquer pessoa, indistintamente. A razão disso é que a ação de usucapião tem eficácia contra todos direta e indiretamente, sendo este um consectário natural do direito de propriedade, ao qual tem-se pleiteada a declaração estatal.

O usucapião tem por finalidade a formação de nova matricula, quebrando a cadeia registral cartorária existente, pois, esta é modo de aquisição originária. Por este motivo se faz necessária a comunicação atinja toda sociedade. Desta forma, o procedimento edital objetiva chamar a coletividade para o polo passivo, oportunizando a todos a possibilidade de contestarem a pretensão do usucapiente.

O projeto de Código Civil[58], lege ferenda, antevê o procedimento edital para algumas demandas sociais em específico, uma delas a Usucapião. Ademais, em sendo aprovado o projeto de lei, o referido instituto será aplicável em qualquer ação que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação no processo, de interessados incertos ou desconhecidos.

O já citado autor Fábio Caldas de Araújo, (Op. Cit. 2014. p.455) “O procedimento edital tem previsão no Direito Alemão como um procedimento especial previsto no Livro nove da ZPO, (Equivalente ao Código de Processo Civil). Trata-se do (...) método de matriz. Como Informa a doutrina Alemã, “seu objetivo é tornar eficaz uma declaração contra todos em relação a determinados direitos”. Assim como foi dito no parágrafo antecedente.

Ainda ancorado no mesmo autor (Op. Cit. 2014. p.456), o procedimento edital, dada a sua natureza, elimina a figura de terceiro na relação processual, pois toda a coletividade é chamada à relação processual: A existência do procedimento edital coloca em dúvida a possibilidade de intervenção de terceiros após o termino do prazo de edital, justamente porque elimina a figura do terceiro na ação, especialmente sob a modalidade de oposição.

O procedimento edital irá desburocratizar o instituto do Usucapião, criando viabilidade processual para a aplicação prática do direito substantivo. Pois, quando atendidos os requisitos legais, a posse publiciana formada, (tempo de posse necessário para usucapir), legitima a prescrição aquisitiva. Operando automaticamente a aquisição do Direito Real pleiteado pelo prescribente, restando ao Estado apenas declarar o direito já constituído.

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