As alterações no procedimento judicial do usucapião em face do anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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16/09/2014 às 22:02
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CAPÍTULO 4 - NOTAS GERAIS SOBRE OS BENS E DIREITOS USUCAPÍVEIS

No direito antigo romano, berço do instituto do Usucapião, era inadmissível O Usucapião recair sobre as “res extra comercium” (coisas fora do comércio), a saber, imóveis provinciais, coisas inalienáveis, imóveis dotais, as coisas do fisco, os bens do príncipe e da Igreja, bem como, a res furtiva (coisa de origem ilícita), produto de atividade criminosa e por fim a res vi possessae, (coisas obtidas por meio violento). (Apud, Barruffini, José Carlos: p.20). Nesta perspectiva, faz-se imperiosa a análise no atual sistema, sobre quais bens pode incidir o direito usucapiendo.

4.1. Os Bens Usucapíveis

São usucapiendas as coisas suscetíveis de posse e de sofrerem prescrição aquisitiva, o que os romanos denominavam por “res habilis” (coisa possível).  Pois, nem todos os bens são passíveis de Usucapião, assim como, são inusucapíveis, os bens de pertencentes ao Estado, como a praia, o mar, os parques nacionais, viaturas de polícia, dentre outros[59].  

A única exceção, que possibilitou O usucapião de bens públicos no Brasil, foi a possibilidade de usucapir bens dominicais. Unicamente para prescribentes que houvessem exercido posse e adquirido direito O Usucapião antes da vigência do Código Civil de 1916. Com efeito, havia bastante divergência doutrinária sobre este assunto, pois, apesar dos bens dominicais serem propriedade de pessoas jurídicas de direito público, não havia destinação administrativa específica.  

Com o intuito de pacificar a questão o Pretório Excelso editou a Súmula 340[60], posicionando-se, no sentido de que a partir de 1° de janeiro de 1917, não mais poderiam ser usucapidos bens públicos. Nesse sentido, o magistério de José Carlos de Moraes Salles, (2006. p.83). Anteriormente ao Código Civil de 1916, se admitia O usucapião de bens de domínio público (bens dominicais), desde que a posse do usucapiente se prolongasse por quarenta anos.   

Os direitos pessoais são inusucapíveis, pois, não são suscetíveis ao instituto da posse.   Desta forma, ensina José Carlos de Moraes Salles, (2006. p.88). Cumpre-nos a dizer, por outro lado, ser manifesta a impossibilidade de Usucapião sobre direitos pessoais, uma vez que referidos direitos não podem ser objetos de posse. Com efeito, é inconcebível a existência de um poder fático exercitável sobre direitos, porquanto não há poder fático sobre abstrações.

As terras dos aldeamentos silvícolas, também, não são dotadas de usucapibilidade, estas, por força de vedação constitucional[61]. As terras indígenas integram o patrimônio público Federal[62], assim sendo, são inalienáveis e imprescritíveis. Contudo, a Carta Maior garante aos índios a posse permanente e usufruto das riquezas naturais[63]. Corrobora com esse entendimento a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[64]:

(...) as terras indígenas são bens públicos de uso especial, embora não se enquadrem no conceito do artigo 66, II, do Código Civil, a sua afetação e a sua inalienabilidade e indisponibilidade bem como a imprescritibilidade dos direitos a elas relativos, conforme previsto no parágrafo 4º, do artigo 231, da Constituição Federal, permite incluí-las nessa categoria de bens.

 Desta forma é impossível adquirir tais terras via prescrição aquisitiva.

Contudo, em se tratando de bem particular é viável pensar em prescrição aquisitiva, pois há possibilidade em vislumbrar coisa usucapível. O que pode gerar, com o decurso do tempo e o atendimento aos demais requisitos.

São passíveis de Usucapião o domínio e os demais direitos reais[65], quais sejam, servidão, enfiteuse, usufruto, uso e habitação, com efeito, estes últimos poderão coexistir com domínio pertencente a terceiro.  Excetuando-se, os direitos reais de garantia, que não sofrem prescrição aquisitiva, devido a sua própria natureza jurídica.  Estes por sua vez, conferem ao credor a garantia de obter o adimplemento de uma obrigação.  Por este motivo, vincula-se a garantia real sobre a propriedade de uma determinada coisa visando à satisfação do crédito, assim operam o Direito Real de hipoteca, anticrese e penhor.

O direito de propriedade está expresso na Constituição Federal[66], é direito fundamental, contudo, deve atender a função social, não sendo este de caráter absoluto. É uma espécie de direito real, previsto no inciso primeiro do artigo 1.225 do Código Civil de 2002. Quando gozado por seu titular de forma plena, engloba vários outros direitos, que funcionam como elementos constitutivos dessa plenitude.

Todavia, o exercício do direito de propriedade pode ser limitado. Sobrevém quando um ou alguns dos direitos que compõem o domínio passa a ser exercido por outra pessoa. Com efeito, por exemplo, no caso do usufruto, em que o direito de usar e fruir da coisa passam para o usufrutuário, permanecendo com o proprietário somente o direito de dispor e o direito de seqüela, ou seja, seguir e reaver o bem na mão de quem quer que seja, exceto do usufrutuário. Desta forma, a propriedade pode se decompor em vários outros direitos.

Destarte, quando ocorrer de algum dos direitos que compõe a propriedade plena encontra-se destacado, haverá por parte do proprietário um exercício limitado de direitos. Tais direitos, eventualmente, podem ser adquiridos via prescrição aquisitiva[67].

As servidões são direitos acessórios que permanecem ligados fisicamente à coisa de maneira inseparável, como é o caso de servidão para passagem de aqueduto ou de um gasoduto. Para José Carlos Tosetti Barruffini, (1998: p.100). O uso prolongado de uma serventia, sem oposição faz presumir o consentimento do proprietário vizinho. Há de se ressaltar, conforme opinião unânime do autores, que a servidão somente é possível em se tratando de coisa hábil (res habilis). Pois, não há como pensar em prescrição aquisitiva de bem inusucapível.

Na enfiteuse, o direito de propriedade é desmembrado em domínio útil e domínio direto. O titular do domínio direto exerce os direitos de uso e gozo da coisa. O senhorio detém o domínio direto, este por sua vez, dependendo da situação pode cobrar o foro, uma pensão anual. A razão de existir da enfiteuse está expressa no artigo 678[68] da Consolidação das Leis civis de 1916, que fora revogado, contudo, mantêm sua vigência, excepcionalmente, por disposição expressa na Lei revogante.  Pois, o Código Civil de 2002 vedou a possibilidade de constituição de novas enfiteuses, mas deixou a salvo as já constituídas, sob a égide civil anterior, mantendo a regulação do Codex anterior[69]para as servidões já constituídas.

José Carlos Tosetti Barruffini, (1998, p.103) afirma em sua obra que: O usufruto é um Direito Real sobre a coisa alheia, limitado no tempo e inalienável, possibilitando seu titular o uso e fruição de coisa alheia inconsumível, restando inalterada a substância. O que acontece com o usufruto é que o nu-proprietário (nudae proprietatis dominus) não perde o domínio da propriedade, no entanto, fica desfalcado dos direitos constituidores do usufruto.

Ressalte-se que o usufruto pode ser constituído por lei, vontade das partes ou pela Usucapião[70]. Quando da constituição por prescrição aquisitiva, objeto deste estudo, o usufrutuário exerce a posse direta e os direitos[71] decorrentes do usufruto, face o proprietário, titular do domínio, que deterá apenas a posse indireta da coisa.  

O Direito Real de uso[72] em muito é similar ao usufruto, tendo como diferenças a delimitação de tempo e possibilidade de ocorrerem limitações ao uso, de acordo com o caso concreto e as condições pessoais do prescribente-usuário. 

Conforme conceitua Pedro Nunes (Apud, Barruffini, José Carlos: 1998), “a habitação é o Direito Real personalíssimo, conferido a alguém, de morar gratuitamente, com sua família, na casa alheia, durante certo espaço de tempo”.  O usucapião de habitação[73], por sua natureza, só pode recair sobre imóveis residenciais como casas e apartamentos, sendo este, um direito pessoal e de exercício intransferível.

O Código Civil brasileiro, (Lei n°. 10.406, de 10/01/2002), disciplina O Usucapião de imóveis nos artigos 1.238, 1.239, 1.240, 1.241, contudo, ocorreu a edição de várias leis extravagantes, por este motivo, coexistem várias espécies de Usucapião no ordenamento jurídico brasileiro.  Com efeito, cada um dos tipos de Usucapião tem objeto e requisitos peculiares. Seguem nas linhas infra a caracterização das espécies mais comuns, previstas na Consolidação Civil, e os respectivos requisitos autorizadores.

4.2 Os Tipos Cabíveis

O artigo 1.238[74] prevê o usucapião extraordinário, sendo este, uma das mais comuns na prática forense.

No entendimento de José Carlos de Moraes Salles, (2002: p.63), A norma supracitada se refere ao que a doutrina denominou Usucapião extraordinária, em contraposição à Usucapião ordinária, para qual se exige justo título e boa-fé.

De resto, são requisitos indispensáveis para a concessão de Usucapião extraordinária: a) a posse pacífica e contínua; b) o decurso do tempo estabelecido na lei; c) intenção de ser dono, de ter a coisa para si; d) o imóvel terá que ser passível de Usucapião. A título de exemplo os bens públicos não podem ser usucapidos por vedação expressa na Constituição Federal, artigos 183 e 191.

Ademais, existe a previsão do usucapião de posse-trabalho no parágrafo único do artigo 1.238. Que trata da redução do tempus de quinze para dez anos, para prescrição aquisitiva, nos casos em que o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. O legislador procurou coroar a função social da posse, pois, as situações previstas são socialmente relevantes, sendo importantes para a implementação do instituto. 

O usucapião ordinário ou comum foi disciplinado no Código Civil brasileiro no artigo 1.242[75]. É o modo mais complexo, pois exige para concessão do Direito Real pleiteado, um rol de requisitos mais solene que nas outras modalidades: a) posse; b) justo título; c) boa-fé; d) lapso temporal de 10 anos; e) animus domini; f) coisa usucapível.

A vontade do legislador é tutelar os jurisdicionados que tenham adquirido um bem imóvel, contudo, por algum defeito no título aquisitivo não se tornaram donos, sendo indispensável a boa-fé do possuidor que deve, obrigatoriamente, exercer a posse de forma legítima.  Ainda que eivado de defeitos, o referido título possui o condão de tornar menor o interregno temporal de posse para fins de Usucapião do imóvel.

Já o usucapião especial urbano está prevista no artigo 183 do Estatuto máximo da República[76], contudo, o legislador infraconstitucional institucionalizou no âmbito civil ao edital o artigo 1.240, o qual tem repetição quase literal da norma constitucional supra descrita, tendo o mesmo significado. Para José Carlos de Moraes Salles, (2002: p.165), o assunto deveria desde sua gênese ter sido tratado pelo Código Civil. 

A Constituição Federal deve disciplinar principalmente a estrutura básica do País, no que diz respeito a organização do Estado, aos direitos e garantias fundamentais, à organização dos Poderes, à ordem econômica e financeira, à ordem social, e a defesa do Estado e das instituições democráticas, deixando o restante para a legislação ordinária e complementar.

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A norma supracitada não exige do usucapiente boa-fé nem justo título fazendo parecer um Usucapião extraordinário com intervalo de posse menor, de 5 anos, todavia, o legislador criou outros pré-requisitos para esta modalidade de Usucapião, com o interesse a adequá-lo a sua razão de existir no mundo jurídico. A saber, são requisitos para a concessão do Usucapião especial urbana: a) a posse pacífica, contínua e pessoal, para sua moradia ou de sua família; b) o decurso do tempo de 5 anos; c) intenção de ser dono, de ter a coisa para si; d) imóvel deve ser usucapível; e) área urbana não superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados f) o usucapiente não pode possuir outro imóvel.

Outra espécie é o usucapião especial rural ou usucapião agrário, esta modalidade está regulada no artigo 191[77] da Constituição da República, corroborando com a carta maior, o legislador infraconstitucional reproduziu literalmente o comando legal disposto na norma acima ao editar o artigo 1.239 do Código Civil, devolvendo para o codex civil matéria de sua seara.

Ao instituir o usucapião especial rural o legislador listou o seguinte rol de requisitos: a) a posse pacífica, contínua e pessoal, para sua moradia e de sua família e que nela desenvolva seu trabalho; b) o decurso do tempo de 5 anos; c) intenção de ser dono, de ter a coisa para si; d) imóvel deve ser usucapível; e) área rural não superior a cinquenta hectares, o equivalente a 500.000 (quinhentos mil) metros quadrados; 

Brasil, país de dimensões continentais, que tem suas terras ainda mal ou não utilizadas, mais do que em qualquer outra nação necessita desse instituto.  No meio rural alguns proprietários possuem grandes glebas e nada nelas produzem, o usucapião vem propiciar a aplicação da justiça quando possibilita a materialização do princípio da função social da propriedade, concedendo justo título a quem trabalha, produz, reside e cuida da terra.

O aprofundamento deste tema é de suma importância social, acadêmica e prática para os operadores do direito e para a sociedade em geral.  Tendo em vista a natureza da discussão e a relevância social do assunto. 

Tornou-se oportuna a abordagem do tema em epígrafe dada alteração prevista no projeto de Código de Processo Civil, que aguarda aprovação, que trata da mudança trata sobre a possibilidade da regularização da propriedade por prescrição aquisitiva por via administrativa.

O estudo foi voltado integralmente para o desenvolvimento da ciência jurídica e do instituto do usucapião em benefício único da sociedade, por ser um importante instrumento de regularização fundiária, de política e justiça social.

Ademais, concretiza princípios constitucionais como a função social da propriedade, direito fundamental a moradia, dentre outros. Pois, o direito deve ser utilizado para a construção de um país mais justo, equilibrado e com menores diferenças sociais. Pois, a harmonização social, a justiça e o bem comum são pilares de sustentação e a razão de ser do Direito, justificando o todo o empenho despendido.

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